Zuzu Angel: a cultura das mulheres e a moda feminina Zuzu Angel: culture of women and women s fashion Morgado, Débora Pinguello; Graduanda em Moda; Universidade Estadual de Maringá (UEM) deborapmorgado@hotmail.com Simili, Ivana Guilherme; Professora do Programa de Pós-graduação em História; Universidade Estadual de Maringá (UEM) ivanasimili@ig.com.br Resumo Nos anos 1960, enquanto a moda brasileira seguia padrões europeus, Zuleika Angel Jones Zuzu Angel dizia entre chitas e rendas, eu sou a moda brasileira. O foco é a trajetória da personagem para identificar as contribuições de sua produção estética na criação de representações para a moda brasileira. Analisamos as apropriações e os diálogos que ela estabeleceu com os saberes e os fazeres histórico-culturais das mulheres, em específico, com os trabalhos manuais - a costura, o bordado e o tecer rendas -, ressignificando-os e produzindo sentidos para a moda brasileira. Palavras Chave: Zuzu Angel. Cultura das mulheres. Saberes femininos. Abstract In the 1960s, while the Brazilian fashion followed European standards, Zuleika Angel Jones Zuzu Angel said I am the Brazilian fashion. The focus is the trajectory of the character to identify her contributions of their aesthetic production in creating representations for the Brazilian fashion. We analyze the appropriations and the dialogues that she ourselves with the knowledge and the historical-cultural doings of women, in particular, with crafts - sewing, embroidery and lace weave - giving new meaning to them and producing meanings for Brazilian fashion. Keywords: Zuzu Angel. Women's culture. Female knowledge.
1 INTRODUÇÃO Na década de 1960, enquanto a moda brasileira caminhava de acordo com os padrões europeus, uma mulher dizia, entre estampas florais, chitas e rendas, eu sou a moda brasileira. Seu nome, Zuleika Angel Jones, conhecida na moda como Zuzu Angel. Uma mulher talentosa que se apresentava como designer de moda e que rompeu fronteiras, ao conquistar visibilidade e prestígio no Brasil e nos Estados Unidos, por meio da criação de roupas simples e charmosas feitas, muitas vezes, a partir de tecidos baratos e das apropriações de peças destinadas para a casa, tais como as toalhinhas bordadas com acabamentos em rendas que enfeitavam as mesas e os armários dos lares brasileiros. Como afirmado por Crane (2011, p.69-70), entre as maneiras de definir os estilistas de vanguarda, estão as ações que alteram os significados usuais atribuídos às roupas e de outros objetos que podem ser apropriados como vestuário. Almeja-se com a definição delinear a proposta deste texto que é o de mostrar como os modos de pensar e de produzir moda, desenvolvidos por Zuzu Angel foram inovadoras à moda brasileira para a sua projeção nacional e internacional. Identificamos os processos de apropriações e de ressignificação dos saberes e fazeres femininos que definiam a cultura das mulheres com a moda. Logo, por meio das práticas de uma estilista, indicamos os caminhos percorridos por ela nas apropriações e na criação de representações para as roupas da casa como vestimentas da moda feminina e brasileira. (CHARTIER, 1990). O caminho percorrido constituiu como fontes para o estudo as biografias e livros de História da Moda; os conteúdos veiculados no filme Zuzu Angel que narra sua relação com a morte de seu filho pela Ditadura Militar e ao fazê-lo permite conhecer os fragmentos do percurso da mulher, mãe e profissional. No rol de documentos as informações do site do Instituto Zuzu Angel foram constituídas em pistas para entender os trabalhos da memória das roupas de suas coleções. No âmbito metodológico para a compreensão da cultura feminina em seus relacionamentos com a moda, a história e a historiografia das mulheres forneceram os subsídios. Nesse sentido, destacam-se os estudos de Bassanezi (1993, 2012) e o conceito de práticas e representações (CHARTIER, 1979), para deslindar e ligar a trajetória da personagem à cultura das mulheres das décadas de 1950 e 1960.
2 AS REPRESENTAÇÕES PARA A TRAJETÓRIA DE ZUZU NA LITERATURA DE MODA Nascida em 5 de junho de 1921 em Curvelo tendo passado boa parte da vida em Belo Horizonte, desde pequena ela se dedicou a costurar como era de costume entre as mulheres da época. Fazia roupas para si e, mais tarde, depois do casamento com o norte-americano Norman Angel, para os filhos, Stuart Edgart, Ana Cristina e Hildegard Beatriz. Em mudança para o Rio de Janeiro, Zuzu Angel passou a costurar uniformes destinados as crianças carentes para a Obra das Pioneiras, ação beneficente liderada por Sarah Kubitschek então primeira dama brasileira e amiga de uma tia de Zuzu -. Com o tempo, Zuzu criou contato com mulheres cariocas da elite e começou a costurar para elas em seu próprio apartamento. Na leitura de Prado e Braga (2011), no período, a roupa que ela mais costurava eram saias que se transformaram em representativas de sua moda. As saias eram feitas com tecidos variados, enfeitando as peças com fitas, botões e laços. Seguindo a tendência da época, elas traziam o shape trapézio e suas modelagens geralmente eram godês. Zuzu Angel experimentava tecidos considerados pouco nobres na confecção de roupas femininas, caso do zuarte, um tecido barato de algodão, rústico e com a trama feita de fios brancos e azuis, próprio para forro de colchões. Assim, com tecidos baratos, principalmente a chita, e seu toque criativo, ela conseguia fazer saias originais e desejadas. Sua fama fez com que seu negócio se expandisse recebendo o nome de Zuzu Saias (PRADO; BRAGA, 2011). Em 1961, a mulher que começava a ser bem sucedida na vida profissional, separou-se do marido. Em 1996, realizou o primeiro desfile no 2º Salão de Moda da Feira Brasileira do Atlântico. No mesmo ano desfilou uma coleção no Clube de Decoradoes do Copacana Palace. Ao mesmo tempo em que Zuzu inicia sua carreira de sucesso na moda, observa-se um fato inédito, a consolidação da moda brasileira. Os estudos sobre a moda no Brasil concordam com um ponto, foi nos anos 1960 que se consolida um campo de produção e consumo de roupas, que teve na juventude um dos suportes
para fazer girar os seus motores de funcionamento. De maneira abrangente é o que asseveram Moutinho e Valença (2005, p.190), O surgimento da moda nacional e pret-à-porter refletia as aspirações da juventude. Seguindo as dinâmicas da moda Zuzu investe no pret-à-porter, o qual é pautado no conceito do gostou, levou. Ela associa o trabalho de roupas exclusivas com as prontas, vendendo-as em sua boutique, outro fenômeno da época, espaço direcionado para o consumo da elite, no caso, a carioca. (DURAND, 1998). Nesta mesma década, Zuzu investiu na divulgação de suas roupas no cenário internacional. A conquista da fama pela brasileira, fez com que fosse homenageada no Brasil como mulher destaque do ano. Enquanto as perspectivas profissionais de Zuzu ampliam-se, o filho Stuart envolve-se na militância do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). O filme, Zuzu Angel, é uma narrativa de como a sua trajetória profissional sofre mudanças com a militância e a subsequente morte do filho pela Ditadura Militar. Um dos destaques do filme é a maneira como a estilista se apropriou da moda para transformá-la em elemento de crítica política. O desfile de sua coleção no International Dateline Collection III Holiday and Resort na residência do cônsul brasileiro em Nova York é emblemática nesse aspecto. Sua produção continha os símbolos de seu luto e de sua dor. Eram conhecidas do público de Zuzu as estampas floridas e coloridas que foram substituídas por pássaros em gaiolas, balas de canhão, tanques, quepes, pombas negras e anjos mortos. Foi aí que os anjos passaram a predominar em todas as suas coleções posteriores. Ao fim do desfile Zuzu surge na passarela com veste fúnebre, com crucifixos na cintura e um anjo de porcelana no pescoço. Para vários intérpretes e estudiosos de Zuzu, a coleção é representativa de um segmento de moda sobre o qual pouco se falava ou se atentava: a moda política. Destarte, foi a ditadura militar que colocou fim na trajetória da primeira estilista brasileira. Como os documentos apurados pela Comissão da Verdade comprovaram que ela também foi vítima da ditadura militar. Durante muitos anos as mulheres foram encarceradas atrás dos bastidores de bordados, porém Zuzu fez o contrário, usou das linhas e agulhas para ir atrás da verdade, para dar liberdade aos anseios de uma mãe ferida com a morte do próprio filho. Na contramão do que o bom senso pedia, um grito de guerra foi lançado em
seu desfile, um ato de coragem que resultou em sua morte e na repercussão do caso, que traz hoje um grande exemplo de mulher. 3 A MEMÓRIA DOS ENXOVAIS NAS ROUPAS As roupas e os têxteis são capazes de guardar a memória que neles se deseja imprimir. Como revela a história das meninas brasileiras desde o século XIX, as memórias que se encontram em seus enxovais e nos artigos que elas mesmas confeccionavam, aponta uma trajetória de repressão e de medo de se tornar uma mulher solteira. Zuzu, como menina nascida no início do século XX, também não escapou ao destino que era inevitável a todas as garotas, o de aprender costurar e bordar para construir um enxoval e consertar e fazer roupas para a família. Esses eram considerados dotes essenciais a qualquer mulher (AREND, 2012). O que deveria servir de instrumento para conquistar um bom casamento e ser uma boa dona de casa foi utilizado como fonte de renda quando Zuzu se separou de seu marido. Embora muitas mudanças na cultura das mulheres fossem observadas desde fins dos anos 1950, o modelo dominante era o casamento e a família. (BASSANEZI,1993, PINSKY, 2012). Zuzu, ao separar-se, rompe com o padrão dominante de que, embora infeliz, era papel da mulher casada fazer de tudo para mantê-lo. Ao precisar prover o próprio sustento, Zuzu utilizou de seu talento e criatividade para consolidar-se como a primeira estilista brasileira. Por meio das reflexões de Arend (2012) e Bassenezzi (2012), fomos levadas a pensar e a entender como Zuzu alocou os aprendizados concebidos como adequados e necessários às meninas preconizados pela sociedade e cultura em meados do século XX, de que saber costurar, bordar e fazer crochê de modo geral e fazer renda para aquelas que moravam na região norte e nordeste do país, eram compatíveis com o feminino e significavam a feminilidade para bem cuidar e apresentar o ambiente privado e doméstico e as aparências dos familiares, mediante a costura das vestimentas para si e para os/as filhos/as. Porém esta mulher ousou ainda mais, usou da moda e da arte que aprendeu desde pequena na luta pela verdade. Desafiou a Ditadura Militar para saber sobre a morte de seu filho. Sua ousadia e insistência em saber a verdade lhe custaram a
própria vida, mas que se torna hoje o símbolo de uma luta e de uma existência marcada pela coragem que muitas mulheres não se permitiam ter. REFERÊNCIAS: AREND, Silvia Fávero. Trabalho, Escola e Lazer. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria. (Org.). Nova história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2012, p.65-83. BASSANEZI, Carla. Revistas femininas e o ideal de felicidade conjugal (1945-1964). Cadernos Pagu, Unicamp, n.1, p. 111-148, 1993. CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, S/A, 1990. CRANE, Diana. Ensaios sobre moda, arte e globalização cultural.tradução de Camila Fialho. SP: Editora Senac, 2011). DURAND, José Carlos. Moda, luxo, economia. SP: Babel Cultural, 1998. MOUTINHO, Maria Rita; VALENÇA, Máslova Teixeira. A moda no século XX. Rio de Janeiro: Editora Senac Nacional, 2005. PINSKY, Carla B. Imagens e representações 1. A era dos modelos rígidos. In:. PEDRO, Joana M. Nova História das mulheres no Brasil. SP:Contexto, 2012. p. 469-512. PRADO, Luís André do; BRAGA, João. História da Moda no Brasil. São Paulo: Disal Editora, 2011..