IMPACTO DO ESGOTAMENTO SANITÁRIO SOBRE AS HELMINTOSES INTESTINAIS: ESTUDOS EM ASSENTAMENTOS PERIURBANOS DE SALVADOR, BAHIA

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Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA POLITÉCNICA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA AMBIENTAL IMPACTO DO ESGOTAMENTO SANITÁRIO SOBRE AS HELMINTOSES INTESTINAIS: ESTUDOS EM ASSENTAMENTOS PERIURBANOS DE SALVADOR, BAHIA Luiz Roberto Santos Moraes, PhD Professor Titular em Saneamento I CONGRESSO BAIANO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL Salvador, 14 de julho de 2010

INTRODUÇÃO As infecções intestinais por helmintos constituem-se nas mais comuns em seres humanos em todo o mundo, sendo as infecções por nematóides transmitidas pelo solo as mais prevalentes e a maior causa de morbidade em crianças escolares em países em desenvolvimento (SAVIOLI et al., 1992; World Bank, 1993). Esta situação se agrava em áreas de população de baixa renda freqüentemente contaminadas por ovos e larvas de helmintos intestinais, devido à disposição inadequada de excretas. As políticas e estratégias de controle das helmintoses são, porém, baseadas principalmente em quimioterapia. Embora drogas antihelmínticas seguras e efetivas estejam disponíveis para tratamento (BUNDY et al., 1985), ainda está para ser determinado, a melhor maneira de usá-las em benefício da comunidade. Melhorias na disposição de excretas humanos/esgotos sanitários têm uma grande importância na redução da exposição à infecção. Sua importância como medida de controle na infecção de helmintoses é de conhecimento público, sendo que a sua falta pode contribuir para facilitar a transmissão fecal-oral (WHO, 1987).

INTRODUÇÃO Pouco é conhecido do impacto das intervenções de melhorias da disposição de excretas humanos/esgotos sanitários no ambiente de domínio público sobre a prevalência e intensidade das infecções helmínticas (FEACHEM et al., 1983; HENRY, 1988; HUTTLY, 1990). As enfermidades associadas a deficiência ou inexistência de disposição de excretas/esgotos sanitários e a conseqüente melhoria da saúde devido a implantação de tais medidas têm sido objeto de discussão em diversos estudos. Entre essas doenças, a diarréia e as doenças parasitárias, em particular, as verminoses, têm merecido a atenção de estudiosos e das autoridades sanitárias em todo o mundo. A demonstração epidemiológica é, no entanto, de difícil verificação, devido ao grande número de variáveis intervenientes no processo de determinação dessas doenças. O trabalho tem como objetivo estudar os efeitos da disposição de excretas humanos/esgotos sanitários no ambiente de domínio público sobre as helmintoses intestinais em dois estudos realizados em assentamentos humanos da periferia de Salvador, Bahia, Brasil.

MATERIAIS E MÉTODOS Como indicador epidemiológico utilizou-se a infecção pelos helmintos intestinais transmitida pelo solo de maior disseminação, expressa pela prevalência e intensidade de Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura e ancilostomídeos (Necator americanus ou Ancylostoma duodenale). No primeiro estudo, Projeto de Avaliação do Impacto na Saúde de Ações de Saneamento Ambiental-AISAM, a população de estudo foi formada por crianças entre 5 e 14 anos de idade residentes em nove comunidades periurbanas de Salvador, com renda média familiar de 3 salários mínimos. As comunidades foram estratificadas em três grupos quanto às facilidades de disposição de excretas/esgotos sanitários, cada grupo contendo três comunidades, sendo um dotado de rede simplificada de esgotamento sanitário (RES), outro com escadarias e rampas drenantes (ERD) e um terceiro com os esgotos escoando à céu aberto (SEM) (MORAES, 1996).

O segundo estudo fez parte do Projeto Ações Integradas de Saneamento Ambiental na Baixa do Camarajipe-AISAM II, assentamento humano localizado em área periurbana de Salvador-Bahia, com população de 4.000 habitantes e 940 habitações, teve como objetivo a realização de ações integradas de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem das águas pluviais, manejo dos resíduos sólidos, pavimentação das vias, melhoria das habitações incluindo as instalações hidráulico-sanitárias e educação sanitária e ambiental, tendo como pano de fundo a melhoria das condições de saúde e qualidade de vida e contemplou estudo epidemiológico de avaliação do impacto na saúde das ações empreendidas. O desenho do referido estudo baseou-se em uma série de seccionais realizados antes, durante e após a implantação das ações, e utilizou como um dos indicadores epidemiológicos a prevalência de infecções intestinais por helmintos em crianças entre 7 e 14 anos (n=736) (MORAES et al., 2000).

Amostras para exame parasitológico de fezes foram coletadas das 1.893 e das 736 crianças do primeiro e segundo estudos, respectivamente, com particular atenção para identificação e contagem de ovos dos três nematóides estudados por meio da técnica de Kato como descrito por Katz et al. (1972). Essa técnica é muito simples e de alta eficácia para identificar ovos de helmintos em fezes. No primeiro estudo, foi realizada uma primeira coleta e exame de fezes em 631 crianças de cada grupo, e no segundo nas 736 crianças, após o que procedeu-se ao tratamento anti-helmíntico (três dias seguidos de tratamento com a droga Mebendazole) em todas as crianças examinadas. Objetivando estudar formas de reinfecção dentre os diferentes grupos, foram realizadas mais duas coletas de fezes, uma quatro meses após o tratamento e outra nove meses depois do mesmo.

Informações sobre um grande número de fatores de risco e de confusão ou variáveis confundidoras (confounding variables) sócio-econômicos, culturais e demográficos, e de outras variáveis ambientais, além da disposição de excretas/esgotos sanitários, foram também coletadas através de questionário pré-codificado, para fins de análises estatísticas e de controle. O questionário auxiliou também na demonstração de que as comunidades com e sem disposição de excretas/esgotos sanitários no ambiente de domínio público poderiam ser consideradas comparáveis em relação a diversas variáveis sócio-econômicas, culturais e demográficas. Durante o inquérito foram coletadas informações gerais (nome, idade, sexo, escolaridade e ocupação de cada indivíduo), características da moradia (número de cômodos, piso, parede, teto, eletricidade e suprimento de água, disposição de águas servidas, esgoto e lixo), presença de vetores (ratos, baratas e moscas) e animais, tempo de residência, renda, propriedade de bens (rádio, TV, geladeira), casa e terreno, e história de migração (MORAES, 1996; MORAES et al., 2000).

Os dados foram armazenados em microcomputador utilizando-se o software DBASE III e analisados com o pacote estatístico SPSS/PC. Cálculos de prevalência de infecção por helmintos, testes de qui-quadrado, teste t de Student, teste de correlação de Pearson e regressão logística múltipla foram realizados (NORUSIS, 1990). Antes do início dos estudos, foram realizados encontros em cada comunidade selecionada para explicar à população a natureza e a finalidade da pesquisa. Durante e ao final da pesquisa também foram realizados vários encontros com cada comunidade para apresentação e entrega dos resultados. Esses encontros foram organizados junto com as Associações de Moradores de cada comunidade selecionada.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dos 50 fatores de risco estudados, os que mostraram associação estatísticamente significativa quando analisados isoladamente com a prevalência de cada nematóide e não considerados como consequência das melhorias de disposição de excretas/esgotos sanitários como sexo e idade da criança, número de crianças entre 5 e 14 anos residentes no domicílio, aglomeração (no. de pessoas/cômodo), escolaridade do cabeça da família, renda mensal per capita, religião, animais no domicílio e piso do domicílio, foram selecionados como variáveis potencialmente confundidoras para inclusão nas análises multivariadas de regressão logística visando examinar os efeitos combinados dessas variáveis sobre a associação entre a prevalência de infecção por nematóides intestinais e a disposição de excretas/esgotos sanitários.

Considerando o odds ratio - OR (ou estimativa de risco relativo, que mede a associacao entre o fator de risco e doença) igual a 1, para a melhor condição sanitária/ambiental, ou seja, existência de rede de esgotamento sanitário - grupo de comunidades RES, os valores obtidos com os respectivos intervalos de confianca a 95% (quando este não inclui a unidade, a associação entre exposição e doença é estatisticamente significativa), para os grupos ERD e SEM foram 1,45 (1,35-1,56) e 3,22 (2,58-4,02) para Ascaris lumbricoides, 1,18 (1,14-1,22) e 3,34 (2,57-4,34) para Trichuris trichiura e 0,91 (0,89-0,93) e 3,27 (2,54-4,20) para ancilostomídeos, respectivamente. Quando estes OR foram ajustados considerando as variáveis potencialmente confundidoras, eles tornaram-se 1,34 (1,29-1,39) e 2,72 (2,39-3,10) para Ascaris lumbricoides, 1,08 (1,07-1,09) e 2,59 (2,25-2,98) para Trichuris trichiura e 0,85 (0,83-0,87) e 2,78 (2,38-3,25) para ancilostomídeos, respectivamente, significando que após o ajuste ou controle das variáveis potencialmente confundidoras, o odds ratio estimado resultou um pouco menor em relação ao não ajustado (crú) e que a associação entre a prevalência de infecção com os helmintos e a disposição de excretas/esgotos sanitários permaneceu altamente significante (p<0,0001) para cada um dos três nematóides estudados.

Quanto à intensidade da infecção no primeiro exame, observou-se na passagem do grupo SEM para ERD e para RES, uma tendência a redução estatísticamente significante apenas para o nematóide Trichuris trichiura com as crianças dos três grupos, apresentando uma média geométrica de 1.072opg (ovos por grama), 603opg e 550opg, respectivamente.

Além disso, os fatores de risco domésticos para um domicílio adquirir casos de infecção tornaram-se mais numerosos e mais significantes quando eles passavam de uma comunidade do grupo SEM para uma do grupo RES. Isto indica uma grande importância relativa do domicílio na transmissão de Ascaris lumbricoides nas comunidades onde a rede simplificada de esgotamento sanitário havia prevenido a maior parte da contaminação com esgotos nas ruas, o que é encontrado em muitas comunidades semelhantes, e que, freqüentemente, afeta os locais onde as crianças usam para brincar. Pode-se deduzir que a RES tornou a infecção com Ascaris lumbricoides um problema menos prejudicial, mais provável de ocorrer em ruas, locais públicos de lazer e outros locais públicos. Assim, as características do domicílio, tornaram-se relativamente mais importante quando a transmissão no domínio doméstico não foi afetada (CAIRNCROSS et al., 1996).

Predisposição à reinfecção com helmintos intestinais têm sido discutido na literatura (ANDERSON; MAY, 1991), e freqüentemente ela é tratada como se fosse uma propriedade intrínseca do parasita. Os resultados apresentados mostra que a predisposição não é invariável, mas uma função do modo de transmissão, e particularmente associada com a transmissão no domínio doméstico e portanto mais visível nas comunidades com rede simplificada de esgotamento sanitário. Estas tendências foram também encontradas com Trichuris trichiura e ancilostomídeos.

No segundo estudo, os dados de prevalência de helmintoses intestinais, antes (93,1%) e depois (67,2%) das intervenções de saneamento básico (que incluíram o esgotamento sanitário), apresentam diferenças estatisticamente significantes, mesmo quando outros fatores de risco demográficos, sócioeconômicos e culturais são controlados.

CONCLUSÃO Os estudos mostraram a contribuição da epidemiologia como instrumental para a avaliação do impacto na saúde de ações de saneamento básico, bem como que as melhorias de saneamento básico implementadas geraram um impacto positivo na saúde das crianças estudadas. As elevadas prevalências de Ascaris lumbricoides e Trichuris trichiura encontradas na população de estudo mostram que esses helmintos são altamente endêmicos na área estudada. Prevalências similares dos três helmintos estudados têm sido encontradas em crianças residentes em áreas periurbanas de outros países em desenvolvimento, todas apresentando deficiências de saneamento básico (SILVA; JAYATILLEKA, 1981; BUNDY et al., 1988; HARPHAM et al., 1988; GROSS et al., 1989; HETTIARACHCHI et al., 1989; KAN et al., 1989; AUER, 1990; FERREIRA et al., 1991).

Os resultados do estudo sugerem que houve uma diferença significante na prevalência de Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura e ancilostomídeos em crianças entre 5 e 14 anos de idade, e na intensidade de Trichuris trichiura, mas não na intensidade de infecção com Ascaris lumbricoides e ancilostomídeos, nas crianças dos grupos de assentamentos com intervenções de disposição de excretas humanos/esgotos sanitários (RES e ERD), quando comparado com aquelas morando nos três assentamentos com esgotos à céu aberto (SEM). As maiores diferenças observadas na prevalência e intensidade de infecção foram entre as crianças do grupo de assentamentos com rede simplificada de esgotamento sanitário (RES) e aquelas do grupo com esgotos a céu aberto (SEM). Os resultados do presente estudo mostram também com alguma evidência, que as melhorias de disposição de excretas humanos/esgotos sanitários contribuíram para controlar a transmissão no ambiente de domínio público de Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura e ancilostomídeos em crianças entre 5 e 14 anos de idade residentes em áreas periurbanas de Salvador, mesmo quando outros fatores sócio-econômicos, culturais e demográficos são considerados, embora tenha havido um residual não controlado, certamente relacionado a transmissão de domínio doméstico.

Os resultados também encaminham para implicações de ordem política. A transmissão de doenças no ambiente de domínio público é um problema público, requerendo investimentos públicos (em sistemas de disposição de excretas humanos/esgotos sanitários, de drenagem e de resíduos sólidos) ou regulação (normas e padrões de qualidade de água, proibição por lei de descarga ou lançamento clandestino de resíduos) para preveni-la. Os governos nacional, estaduais ou locais não podem se eximir de suas responsabilidades de proteger os indivíduos dos esgotos escoando à céu aberto ou extravasando nas ruas, bem como de evitar lançamento de lixo nos sistemas de drenagem e de esgotamento sanitário (CAIRNCROSS et al., 1996). O trabalho também se configura como uma contribuição ao Ano Internacional do Esgotamento Sanitário/International Year of Sanitation (2008) proclamado pela Organização das Nações Unidas, que têm como objetivo despertar na sociedade de todas as nações a necessidade de investir mais e com qualidade em esgotamento sanitário, visando reduzir o ainda elevado déficit com estes serviços essenciais à proteção e promoção da saúde e direito social de cidadania.

Muito obrigado! moraes@ufba.br