DISTRIBUIÇÃO DE JUVENIS DE SIRIS DO GÊNERO Callinectes NO SISTEMA ESTUARINO-LAGUNAR DE LAGUNA, SANTA CATARINA, BRASIL

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DISTRIBUIÇÃO DE JUVENIS DE SIRIS DO GÊNERO Callinectes NO SISTEMA ESTUARINO-LAGUNAR DE LAGUNA, SANTA CATARINA, BRASIL Distribution of juvenile crabs of genus Callinectes in the estuary-lagoon system of Laguna, Santa Catarina State, Brazil Cassiano Monteiro-Neto 1, Antonio Augusto Saldanha Laurent 2, Claudio Blacher 2, Luis Liberato A.A. Tabajara 2, Marisa M.B. Cannozi 2 RESUMO Siris do gênero Callinectes representam um dos recursos pesqueiros mais explorados pela pesca artesanal no estuário de Laguna, Santa Catarina. Juvenis de três espécies coexistem simpatricamente em águas rasas do sistema estuarino-lagunar. Este trabalho estuda a distribuição espacial e temporal da abundância relativa e das freqüências de tamanho (largura do cefalotórax - LC) de juvenis de Callinectes spp., ao longo de 12 meses. De abril de 1984 a março de 1985 foram capturados 4.450 indivíduos, sendo que C. danae representou 64,% da captura e C. sapidus, a segunda espécie mais abundante, representou 5,6%. Somente quatro exemplares de C. bocourti foram identificados nas amostras. ANOVA bifatorial indicou que os fatores estação do ano e área de coleta influenciaram nas variações da abundância individual das espécies, não sendo constatadas interações significativas entre os mesmos. C. danae foi mais abundante no verão e outono, e C. sapidus na primavera e verão. Ambas as espécies foram menos abundantes no inverno. Os picos de abundância ocorrendo em épocas diferenciadas do ano para cada espécie, sugerem uma estratégia para a redução na competição interespecífica por recursos praticamente iguais (habitat, alimento, etc.). A chegada de recrutas de C. danae ocorre no verão constatando-se o crescimento dos indivíduos através dos deslocamentos dos picos modais de tamanho, até a primavera. Para C. sapidus este padrão não é evidente, já que indivíduos na menor classe de tamanho foram capturados durante todo o ano. Ambas as espécies apresentaram maiores freqüências na faixa de tamanho 27,5-7,5 mm LC nas áreas B e C, cujas médias de salinidade encontram-se entre 10 e 15 %o, sugerindo que seu ambiente eurihalino apresenta características preferenciais para o desenvolvimento dos juvenis e onde potencialmente ocorreria a maior sobreposição de nicho entre as espécies. Palavras-chaves: Callinectes spp., abundância, sistema estuarino-lagunar, Santa Catarina. ABSTRACT Crabs of genus Callinectes represent one of the most exploited resources by the artisanal fisheries in the Laguna estuary, Santa Catarina, Brazil. Juveniles of three species coexist simpactrically in shallow waters of the estuarine-lagoon system. This paper studies the distributions in space and time of the relative abundance and size (carapace width - CW) of juvenile Callinectes spp. over 12 months. From April, 1994 to March, 1995, 4,450 individuals were caught, and C. danae represented 64.% of the catch, whereas C. sapidus, the second most abundant species accounted for 5.6% of the abundance. Only four specimens of C. bocourti were identified in the samples. Two-way ANOVA indicated that the factors season and area of collection influenced in the variation of species abundance individually, and interactions were non significant. C. danae was most abundant during summer and fall, and C. sapidus during spring and summer. Both species were least abundant in the winter. Peak abundance occurring at different times of the year for each species suggests a life history strategy to minimize competition for nearly the same resources (habitat, food). The arrival of recruits of C. danae occurs in the summer, and growth through spring is evidenced by shifts in the size frequency distribution. For C. sapidus this pattern is not evident since smaller size individuals were caught throughout the year. Both species showed a high frequency in the size range 27.5-7.5 mm CW individuals in areas B and C where average salinity ranges between 10 and 15 %o, suggesting that their eurihaline environment shows preferential characteristics for the development of the juveniles and where potentially niche overlap between species would occur. Key words: Callinectes spp., abundance, estuary-lagoon system, Santa Catarina State (Brazil). 1 Bolsista-pesquisador do CNPq, Departamento de Biologia Marinha, Universidade Federal Fluminense, Caixa Postal 100644, Niterói, RJ 24001-970. E-mail: monteiroc@ig.com.br 2 Departamento de Aquicultura, Universidade Federal de Santa Catarina. 57

INTRODUÇÃO Siris do gênero Callinectes se distribuem amplamente em estuários e regiões costeiras neotropicais (Williams, 1974; Buchanan & Stoner, 1988). Diferentes espécies do gênero constituem recursos pesqueiros de importância regional ao longo de sua distribuição (Van Engel, 1958; Lipcius & Van Engel, 1990). Juvenis de três espécies, Callinectes sapidus, C. danae e C. bocourti, coexistem simpatricamente utilizando as regiões de águas rasas do sistema estuarino-lagunar da região de Laguna (Santa Catarina), constituído pelas lagoas de Santo Antônio, Imarui e Mirim. Jovens e adultos são capturados por pescadores da região, e representam um dos recursos pesqueiros mais explorados pela pesca artesanal nos municípios adjacentes ao estuário de Laguna (Poli et al., 1977; Monteiro-Neto et al., 1990). No Estado de Santa Catarina, a captura de sirís no ano de 1987 representou 0,42% da produção total artesanal de pescado (SUDEPE, 1987; Branco et al., 1992). Este trabalho estuda a distribuição de juvenis de Callinectes spp., ao longo de 12 meses, observando as variações temporais e espaciais da abundância relativa e das freqüências de tamanho (largura do cefalotórax - LC) dos indivíduos, comparando-as com as variações de salinidade e temperatura no período de estudo. MATERIAL E MÉTODOS Os espécimes foram coletados através de arrastos-de-praia mensais, entre abril de 1984 e março de 1985, em 17 estações de coleta distribuídas nas margens do sistema estuarino-lagunar da região de Laguna (figura 1). Os locais de coleta, selecionados com base na acessibilidade e condições necessárias para a execução dos arrastos, refletiram o gradiente decrescente de salinidade em direção ao interior do estuário, bem como o tipo de substrato. Foi utilizada para amostragem uma rede de calão (tipo coca ou picaré) com,5 m de boca, malha de 1 mm no corpo e 5 mm no saco. Maiores detalhes quanto a metodologia de amostragem podem ser obtidos em Monteiro-Neto et al. (1990). Todos os indivíduos foram identificados ao nível de espécie, contados e medidos quanto a largura máxima da carapaça, incluindo espinhos laterais. A identificação seguiu a descrição de Williams (1974) para as diversas espécies do gênero. Os dados de abundância por espécie por estação de coleta foram agrupados por área (Área A - estações 1, 2,, 4; Área B - estações 5, 6, 7, 8, 9; Área C - estações 10, 11, 12, 1, 14, 15; Área D - estações 16, 17) e estação do ano (outono: março maio; inverno: junho agosto; primavera: setembro novembro; verão: janeiro - fevereiro). As variações espacial e temporal da abundância foram analisadas através de um modelo bifatorial da Análise de Variância (Underwood, 1981), utilizando como fatores de interesse as áreas de coleta e estações do ano acima definidas. Para a análise das freqüências de tamanho (largura da carapaça), os indivíduos foram agrupados em classes de tamanho de 10 mm e as freqüências computadas por área de amostragem e estação do ano, conforme a definição acima. Figura 1 - Localização geográfica do sistema estuarino-lagunar Santo Antônio, Imarui, Mirim na região de Laguna, Santa Catarina, Brasil, com indicação das estações de coleta. 58

As médias de salinidade e temperatura da água foram calculadas e comparadas graficamente com os padrões de abundância observados. RESULTADOS E DISCUSSÃO No período entre abril de 1984 e março de 1985, capturou-se um total de 4.450 indivíduos nas áreas rasas amostradas da região de Laguna, estando estes divididos entre três espécies do gênero Callinectes: C. danae representou 64,% da captura com 2.862 exemplares, enquanto que C. sapidus, a segunda espécie mais abundante, representou 5,6% com 1.584 indivíduos. Somente quatro exemplares de C. bocourti foram identificados nas amostras, sugerindo que a espécie embora esteja presente no sistema estuarino-lagunar de Laguna, ocorre em pouca abundância. Abundância Variações estacionais ou espaciais da abundância podem estar relacionadas com flutuações no recrutamento decorrentes do processo reprodutivo que, na maioria das vezes, são desencadeadas por mudanças na capacidade de tolerância das espécies às variações ambientais determinadas por fatores físicos, químicos e climáticos (Tang, 1985; Moreira et al., 1988), bem como fatores biológicos tais como competição e predação (Hines et al., 1987) que regulam a ocupação e utilização dos diferentes espaços do ecossistema. As espécies C. danae e C. sapidus foram encontradas ao longo de todo o ano na região de Laguna. ANOVA bifatorial indicou que ambos os fatores, estação do ano e área de coleta, influenciaram nas variações da abundância individual das espécies, não sendo constatadas interações significativas entre os fatores considerados no modelo (tabela I). C. danae ocorreu em maior abundância nos meses de verão e outono, enquanto que C. sapidus foi mais abundante na primavera e verão. Ambas as espécies foram menos abundantes nos meses de inverno, obedecendo aos padrões observados para populações de Callinectes spp. na região Sudeste (Moreira et al., 1988; Branco et al., 1992) (figura 2-a). Picos de abundância ocorrendo em épocas diferenciadas do ano para as duas espécies, sugerem uma estratégia para a redução na competição interespecífica por recursos praticamente iguais (habitat, alimento, etc.). Embora a reprodução de C. danae possa ocorrer durante o ano todo (Schemy, 1980), uma maior abundância de juvenis nos meses mais quentes sugerem uma correlação da reprodução da espécie com as épocas de maior produtividade nas áreas rasas estuarinas. Segundo Hines et al. (1987), o deslocamento dos juvenis para áreas de baixa salinidade durante os meses mais quentes proporciona o acesso a alimentação nas áreas produtivas dos estuários durante a fase de rápido crescimento dos indivíduos. Tabela 1 - Análise de Variância Bi-Fatorial testando as diferenças entre as médias de abundância de Callinectes danae e Callinectes sapidus em relação a estação do ano, área de coleta e a interação entre estes fatores. SQ - soma dos quadrados; GL - graus de liberdade; F - valor de tabela; P - probabilidade; ** - altamente significativo; ns - não significativo. FONTES DE VARIAÇÃO Callinectes danae TOTAL ESTAÇÃO DO ANO ÁREA DE COLETA INTERAÇÃO ERRO Callinectes sapidus TOTAL ESTAÇÃO DO ANO ÁREA DE COLETA INTERAÇÃO ERRO SQ GL F P > P0,05 56.19,01 21,78 2,67 5,87 41,41 2,97 14,92 2,2 8,01 1 9 151 1 9 151 26,56 4,22 0,57 1,25 164,52,94 19,76 0,98 0,007 ** 0,269 ns 0,010 ** 0,457 ns A temperatura média da água no período de estudo variou entre a mínima de 15,0 o C no inverno e a máxima de 26,5 o C no verão. A salinidade média variou pouco durante o ano, permanecendo entre 11,5 %o e 15,5 %o (figura 2-a). Em relação a área de coleta, as espécies apresentaram padrões bem diferenciados na utilização do sistema. C. danae foi bastante abundante nas áreas A e B, praticamente não ocorrendo na área D, enquanto que C. sapidus apresentou maior abundância nas áreas C e D, sendo que sua ocorrência na área A foi pouco significativa (figura 2-b). As áreas A e B apresentaram médias de salinidade mais elevadas (24,7 %o e 1,0 %o, respectivamente) enquanto que as áreas C e D se caracterizaram por médias mais baixas (11,0 %o e 4,5 %o). As médias de temperatura variaram pouco entre as áreas, apresentando valores entre 20,5 e 22,5 ºC (figura 2-b). A tolerância eurihalina do gênero Callinectes permite que as espécies explorem recursos em ecossistemas altamente produtivos porém sujeitos a variações físicoquímicas pronunciadas, onde outros competidores estão ausentes (NORSE, 1978). No entanto, diversos autores tem observado a maior tolerância de Callinectes sapidus a áreas de menor salinidade (Norse, 1977, 1978; Norse & Estevez, 1977; Buchanan & Stoner, 1988), característica também observada no estuário de Laguna. 59

Figura 2 - Distribuição da abundância (log 10 x+1) de Callinectes danae e Callinectes sapidus no estuário de Laguna em relação às médias de salinidade e temperatura, por (a) estação do ano e (b) área de amostragem. Distribuição de comprimento Participaram nas capturas indivíduos com largura do cefalotórax nas faixas de 5-15 mm para C. danae, e 5-10 mm para C. sapidus. A Figura apresenta as distribuições de freqüência dos indivíduos capturados por espécie, por classe de tamanho (centro de classe), por época do ano. C. danae apresentou uma freqüência modal na classe de 7,5 mm no período de outono. Este pico modal se deslocou gradativamente para as classes de 45,5 mm e 57,5 mm nos períodos de inverno e primavera respectivamente. No verão a freqüência modal ocorreu na classe de 27,5 mm. C. sapidus apresentou no outono, a maior freqüência na classe de 17,5 mm. A moda se deslocou no inverno para a classe subsequente (27,5 mm) permanecendo estável também durante a primavera, progredindo para a classe de 7,5 mm somente no verão (Figura ). Pelo menos para C. danae, a chegada de recrutas nos meses de verão e o crescimento dos indivíduos no sistema até a primavera podem ser evidenciados através dos deslocamentos dos picos modais de tamanho. Muito embora um padrão semelhante tenha sido observado por Hines et al. (1987) para C. sapidus em Rhode River (Maryland, USA), o mesmo não é facilmente observado para a espécie em Laguna, já que em todas as estações do ano foram capturados indivíduos na menor classe (7,5 mm) de largura do cefalotórax. Ambas as espécies apresentaram maiores freqüências entre as classes de tamanho de 27,5 e 7,5 mm LC nas áreas B e C, cujas médias de salinidade encontramse entre 10 e 15 %o (figura 4). Como a salinidade é, aparentemente, o fator de maior influência para a distribuição das espécies de Callinectes (Norse & Estevez, 1977; Norse, 1977 e 1978), sugere-se que o ambiente eurihalino das áreas B e C apresenta características preferenciais para o desenvolvimento dos juvenis e onde potencialmente ocorreria a maior sobreposição de nicho entre as espécies. A baixa abundância de C. danae na área D e de C. sapidus na área A não permitiram uma interpretação mais aprofundada dos resultados para estes locais. 60

Figura - Distribuição de freqüência da largura do cefalotórax de Callinectes danae e Callinectes sapidus, por estação do ano. 61

Figura 4 - Distribuição de freqüência da largura do cefalotórax de Callinectes danae e Callinectes sapidus, por área de amostragem. 62

CONCLUSÕES 1- As espécies mais abundantes do gênero Callinectes no sistema estuarino-lagunar de Laguna são, em ordem decrescente, C. danae, C. sapidus e C. bocourti. 2- Os fatores estação do ano e área de coleta, influenciaram nas variações da abundância individual das espécies, não sendo constatadas interações significativas entre os mesmos. - Picos de abundância ocorrendo em épocas diferenciadas do ano para as espécies, C. danae e C. sapidus sugerem uma estratégia para a redução na competição interespecífica por recursos praticamente iguais (habitat, alimento, etc.). 4- A chegada de recrutas nos meses de verão e crescimento dos indivíduos no sistema até a primavera pode ser evidenciada através dos deslocamentos dos picos modais de tamanho. 5- O ambiente eurihalino das áreas B e C apresenta características preferenciais para o desenvolvimento dos juvenis e, nestas, potencialmente ocorreria a maior sobreposição de nicho entre as espécies. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Branco, J. O.; Lunardon, M. J.; Silva, J. L. & Ávila, M. G. Observações bioecológicas sobre o siri azul Callinectes sapidus Smith, 1869 (Crustacea, Portunidae) da Baia Norte, Florianópolis, SC, Brasil. Arq. Biol. Tecnol., v. 5, n., p 557-564, 1992. Buchanan, B. A. & Stoner, A. W. Distributional patterns of blue crabs (Callinectes sp.) in a tropical estuarine lagoon. Estuaries, v. 11, n. 4, p. 21-29, 1988. Hines, A. H.; Lipcius, R. N. & Haddon, A. M. Population dynamics and habitat partitioning by size, sex, and molt stage of blue crabs Callinectes sapidus in a subestuary of central Chesapeake Bay. Mar. Ecol. Prog. Ser., v. 6, p. 55-64, 1987. Lipcius, R. N. & Van Engel, W. A. Blue crab population dynamics in Chesapeake Bay: variation in abundance (York River, 1972-1988). Bull. Mar. Sci., v. 46, n. 1, p. 180-194, 1990. Monteiro-Neto, C.; Blacher, C.; Laurent, A. A. S.; Snizek, F. N.; Canozzi, M. B. & Tabajara, L. L. A. Estrutura da comunidade de peixes em águas rasas na região de Laguna, Santa Catarina, Brasil. Atlântica, Rio Grande, v. 12, n. 2, p. 5-69, 1990. Moreira, P. S.; Paiva Filho, A. M.; Okida, C. M.; Schmiegelow, J. C. M. & Giannini, R. Bioecologia de crustáceos decápodos, braquiúros, no sistema baia-estuário de Santos e São Vicente, SP. I. Ocorrência e composição. Bol. Inst. Oceanogr., São Paulo, v. 6, n. 1/2, p. 55-62, 1988. Norse, E. A. Aspects of the zoogeographic distribution of Callinectes (Brachiura: Portunidae). Bull. Mar. Sci., v. 27, n., p. 440-447, 1977. Norse, E. A. An experimental gradient analysis: hyposalinity as an upstress distributional determinant for Caribbean crabs. Biol. Bull., v. 155, p. 586-598, 1978. Norse, E. A. & Estevez, M. Studies on portunid crabs from the Eastern Pacific. I. Zonation along environmental stress gradientes from the coast of Colombia. Mar. Biol., v. 40, p. 65-7, 1977. Poli, C. R.; Snizek, F. N.; Lago, P. F.; Maciel, O.O.; Poli, A. T. B. & Snizek, R.M.B. 1977. Barragem do Perrixil: prováveis consequências ecológicas nas lagoas Mirim, Imarui e Santo Antonio. S.N.T, Relatório Técnico, 7 p, 1977. Schemy, R. A. Aspectos da biologia de Callinectes danae (Smith, 1869) da região de Santos, São Paulo. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, Instituto de Biosciências, 4 p., São Paulo, 1980. SUDEPE. Anuário Estatístico, Ser. Inf. Anual. Estado de Santa Catarina, 2 p, 1987. Tang, O. Modification of the Ricker stock recruitment model to account for environmentally induced variation in recruitment with particular reference to the blue crab fishery in Chesapeake Bay. Fish. Res., v., p. 1-21, 1985. Underwood, A. J. Techniques of analysis of variance in experimental marine biology and ecology. Oceanogr. Mar. Biol. Ann. Rev., v. 9, p. 51-605, 1981. Van Engel, W. A. The blue crab and its fishery in Chesapeake Bay. Part I - Reproduction, early development, growth and migration. Comm. Fish. Rev., n. 20, p. 6-17, 1958. Williams, A. B. The swimming crabs of the genus Callinectes (Decapoda, Portunidae). Fish. Bull., v. 72, p. 685-798, 1974. 6