PARQUE NACIONAL DO GRUPO DE ILHAS DE ORANGO PLANO DE GESTÃO

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Transcrição:

PARQUE NACIONAL DO GRUPO DE ILHAS DE ORANGO PLANO DE GESTÃO (Segundo Draft) Maio 2002

Those working on a planning team should attempt to keep the [management] plan as simple as possible in keeping in real life limitations on funding, staffing, staff expertise, degree of national development and the like. The simpler the plan, the easier it will be to develop and implement. It will take less time to prepare, it will cost less, it will be more flexible to change, it will be easier to read and understand, and it will require fewer staff with lower levels of training ( ). Complexity of detail and sophistication of approach will evolve naturally as the plan is regularly updated and as increased support, based on measurable progress, becomes available. Aqueles que trabalham na equipa de planeamento deveriam tentar elaborar um plano de gestão tão simples quanto possível, tendo em consideração as limitações reais de financiamento, pessoal, competências técnicas, grau de desenvolvimento do país e outros. Quanto mais simples for o plano, mais fácil será desenvolvê-lo e implementálo. Levará assim menos tempo a preparar, custará menos dinheiro, será mais flexível às mudanças, será mais fácil de ler e compreender, e exigirá menos pessoal com menores níveis de treino e formação ( ). A complexidade resultante dos detalhes e da sofisticação da abordagem evoluirão naturalmente, à medida que o plano for regularmente actualizado e que mais apoios, resultantes de progressos mensuráveis, se tornarem disponíveis. IUCN 1986 Managing Protected Areas in the Tropics (p.190) Ficha Técnica Coordenação Técnica e Redactor Principal: Paulo Catry Direcção do Projecto: Nelson Gomes Dias (representante da UICN na Guiné-Bissau) Equipa de trabalho: Honório Fernandes (director do PNO) João Sousa Cordeiro (coordenador Núcleo de Áreas Protegidas) Hamilton Monteiro (técnico adjunto do PNO) Luis Palma (assistente técnico do Núcleo Regional de Áreas Protegidas Insulares) Financiamento: Direcção de Desenvolvimento e Cooperação (DDC Suíça) 2

ÍNDICE 1. INTRODUÇÃO E OBJECTIVOS... Objectivos do Plano de Gestão... 2. BREVE RESENHA HISTÓRICA... 3. CARACTERIZAÇÃO AMBIENTAL... 3.1 Geografia, geologia e clima... 3.2 Ocupação do solo e vegetação... 3.3 Flora... 3.4 Fauna... Mamíferos... Aves... Répteis... Anfíbios... Peixes... 4. CARACTERIZAÇÃO ANTROPOLÓGICA, SOCIAL E ECONÓMICA... Aspectos históricos... Estrutura administrativa e do poder... População... Condições de vida, habitação, saúde, educação, infraestruturas... Actividades económicas / produtivas... Utilização da área e dos recursos... 5. PRINCIPAIS AMEAÇAS PARA O AMBIENTE... Presença de acampamentos de pescadores no Parque... Queimadas... Captura de tartarugas-marinhas... Desbravamento para a agricultura itinerante... Caça... Conflito entre os hipopótamos e as populações residentes... Captura e comercialização de papagaios-cinzentos... Corte de árvores para construção naval... Outros... 3

6. SISTEMA DE ZONAMENTO... 7. NORMAS E RECOMENDAÇÕES PARA O USO SUSTENTADO DOS RECURSOS NATURAIS... 7.1. Normas... Generalidades... Caça e captura de animais selvagens... Pesca... Utilização dos recursos florestais... 7.2. Recomendações... 8. FISCALIZAÇÃO E VIGILÂNCIA... 9. ACTIVIDADES DE PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL... Educação e formação profissional... Saúde... Transporte... Extracção de óleo de palma... Pesca artesanal... Criação de lojas comunitárias... Apoio ao artesanato... 10. COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL... 11. INVESTIGAÇÃO E MONITORIZAÇÃO... I. Biologia e sócio-economia das pescas... II. Tartarugas-marinhas... III. Manatins... IV. Hipopótamos... V. Aves aquáticas migradoras... VI. Mangal (tarrafe)... VII. Biodiversidade terrestre... VIII. Erosão costeira... IX. Apoio ao desenvolvimento sustentável... 12. RECURSOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DE GESTÃO... BIBLIOGRAFIA... 4

1. INTRODUÇÃO E OBJECTIVOS Situado no sul do arquipélago dos Bijagós, o grupo de ilhas de Orango viu o seu valor natural reconhecido desde há vários anos, o que conduziu a um processo de estudos e negociações com as populações e o Estado, culminando com a classificação desta área como o primeiro Parque Nacional da Guiné-Bissau. O Parque Nacional do Grupo de Ilhas de Orango (PNO) faz parte da Reserva da Biosfera do Arquipélago Bolama- Bijagós, e constitui uma das suas áreas centrais, especialmente vocacionada para a conservação dos recursos naturais e da biodiversidade. De entre os valores mais notáveis que ali se encontram, incluem-se vastas áreas de mangal (tarafe), populações de tartarugas-marinhas ameaçadas de extinção, hipopótamos conhecidos internacionalmente pelo hábito único de frequentarem o meio marinho, numerosos manatins, duas espécies de crocodilos, incontáveis aves aquáticas migradoras, entre outros. Igualmente importantes são as belas paisagens pouco alteradas pela intervenção humana e um património cultural de grande originalidade relativamente pouco alterado. É indiscutível que o isolamento e as práticas tradicionais bijagós pouco destrutivas do meio ambiente permitiram que o grupo de ilhas de Orango chegasse aos nossos dias num estado de conservação admirável. No entanto, adivinham-se e fazem-se já sentir novas ameaças sobre este território: proliferam os pescadores vindos do exterior para aproveitar de recursos haliêuticos excepcionalmente ricos; caem em desuso as regras tradicionais que permitiam uma exploração controlada das tartarugas-marinhas, começam a utilizar-se armas mais eficazes na caça; corta-se o mangal para fumagem de peixe; etc. É neste quadro que se torna imperioso desenvolver novas práticas e suportes legais para a gestão racional dos recursos naturais e preservação da biodiversidade. Tal continuará a ser feito com a participação empenhada e decisiva das populações do Parque, mas também com o suporte de novos instrumentos técnicos, científicos e legais a adoptar e desenvolver pelos gestores do Parque Nacional. Os objectivos do Parque prendem-se portanto antes de mais nada com a conservação da biodiversidade e de ecossistemas equilibrados e funcionais. O Parque deverá constituir um reservatório de biodiversidade, abrigando populações saudáveis de espécies cuja sobrevivência vai-se tornando difícil fora de áreas que beneficiam de uma protecção formal. O Parque tem igualmente por objectivo constituir um núcleo bem preservado a partir do qual é possível o repovoamento das áreas circundantes por parte de espécies ameaçadas, mas também de outras, como por exemplo peixes de interesse comercial. Assim, o Parque deve ser um factor de equilíbrio no conjunto do arquipélago dos Bijagós, ajudando por exemplo à manutenção dos stocks de peixe e às actividades de pesca tradicional. Estando integrado numa rede de áreas protegidas, e acolhendo diversas espécies migratórias (aves e tartarugas-marinhas), o Parque deve contribuir para a conservação da biodiversidade a uma escala internacional. O Parque tem ainda por objectivo fundamental criar as condições favoráveis para um desenvolvimento sustentado da região em que se insere, com destaque para as 5

populações humanas autóctones. Trata-se de valorizar a biodiversidade, as paisagens e os ecossistemas, através da sua exploração racional, base essencial para um desenvolvimento sustentável e harmonioso. Finalmente, o Parque deve constituir um terreno de estudos de ecossistemas pouco modificados, desempenhando um papel fundamental na monitorização do estado dos oceanos e do litoral, bem como do ambiente de uma forma geral. Objectivos do Plano de Gestão O Plano de Gestão é um instrumento essencial para uma gestão do Parque de acordo com os objectivos acima definidos. Concretamente, o Plano de Gestão deve: Fornecer uma base documental que descreve o Parque nas suas diversas facetas, resumindo a informação disponível e apresentando um inventário dos estudos (sócio-económicos, ecológicos ou outros) já realizados. Identificar os principais problemas ambientais com que o Parque se depara, e propor soluções (regulamentos, estudos, projectos de apoio a alternativas de desenvolvimento sustentável) para tais problemas. Estabelecer um conjunto formal de regras de utilização do meio e dos recursos, a partir do qual as autoridades do Parque possam intervir no sentido de impedir ou punir contravenções que ponham em causa os valores naturais e o equilíbrio dos ecossistemas. Fornecer um inventário dos meios (humanos e materiais) actualmente à disposição do Parque e identificar as principais lacunas que possam impedir o bom funcionamento desta área protegida em relação aos seus objectivos. Identificar acções prioritárias (conservação, desenvolvimento, estudos e monitorização) que deverão constituir a base de um plano de acção mais detalhado, a ser desenvolvido à medida que os financiamentos forem assegurados e que os resultados das avaliações dos trabalhos já efectuados estejam disponíveis. Apesar destes múltiplos objectivos, o plano de gestão apresentado neste documento é simples e relativamente pouco detalhado. Tal decorre de diversas condicionantes. Trata-se, antes de mais, do primeiro documento do género para o PNO. O Parque, e a própria rede nacional de áreas protegidas, é muito recente, estando-se portanto ainda numa fase de implementação, formação e experimentação. Os recursos materiais e humanos são limitados, assim como o são as competências técnicas e a própria compreensão por parte da população do que é e como deve funcionar uma área protegida. Finalmente, a Guiné-Bissau atravessa uma fase difícil, sendo os financiamentos limitados e a capacidade de intervenção do Estado neste processo muito reduzida. Um documento simples, claro e não excessivamente ambicioso será mais fácil de implementar, flexível em face das inevitáveis mudanças que as condicionantes do país acabam sempre por impor, e deixando espaço para posteriores refinamentos e evolução. 6

Uma vez aprovado pelo Concelho de Gestão do Parque, o Plano de Gestão entra em vigor desde que estejam reunidas as condições materiais para o fazer. O Plano de Gestão é válido por um período de 5 anos. 2. BREVE RESENHA HISTÓRICA A ideia de criar uma Área Protegida no grupo de ilhas de Orango já vem de longe. Em 1978 a vocação da região para a conservação da natureza foi identificada num estudo sobre a agricultura, floresta e recursos naturais da Guiné-Bissau, da responsabilidade do SCET Internacional. Em 1982, num texto sobre os hipopótamos dos Bijagós, o biólogo P. Chardonnet sugeria que esta área deveria ser consagrada à protecção daqueles animais. Mas foi com o desenvolvimento do projecto de Planificação Costeira dinamizado pela representação da UICN na Guiné-Bissau a partir de 1988 que se deram os passos fundamentais que culminaram na criação do Parque Nacional do Grupo de Ilhas de Orango. Em 1990 e 1991 a CECI (Cooperação Canadiana) e a UICN em conjunto com o Ministério das Florestas e Caça procederam a um inventário geral da fauna e do panorama sócio-económico das ilhas Bijagós. Como resultado deste estudo, fizeramse propostas relativas ao ordenamento do território e utilização dos recursos naturais ao nível do arquipélago. Constatou-se que o grupo de ilhas de Orango constituía um polo de concentração de riquezas do arquipélago, no que concerne a biodiversidade, a integridade ecológica dos ecossistemas e o valor paisagístico do conjunto. Reforçaram-se pois as ideias anteriormente veiculadas com base em estudos mais superficiais, e renovou-se a proposta de criação de uma área protegida, concretamente de um Parque Nacional. Em 1992 iniciaram-se, ainda no quadro do projecto de Planificação Costeira, as negociações com as populações para a criação do Parque Nacional. Estas prolongaram-se por 5 anos, tendo sido dinamizadas sobretudo pelo assistente técnico Bruno Paris e pelo actual director Honório Fernandes, ambos trabalhando com base na Casa do Ambiente e Cultura do Arquipélago dos Bijagós em Bubaque. No quadro deste longo processo, foram formados 25 colaboradores originários das tabancas do Parque, que auxiliaram nas actividades de sensibilização e diálogo com as populações. Foi ao longo destes 5 anos que a população do Parque se inteirou do conceito e funcionamento de uma área protegida, participou de forma decisiva na definição do zonamento da área e na elaboração de propostas de medidas de gestão, colaborou em estudos científicos de base, etc. Em 1994, Honório Fernandes sofreu uma formação avançada sobre gestão de áreas protegidas nos trópicos, que decorreu no México. Esta formação especializada também ajudou a formalizar todos os conhecimentos adquiridos ao longo de anos de trabalho ricos em ensinamentos e formação on the job. No início de 1997, Honório Fernandes foi nomeado, no quadro do Programa de Planificação Costeira, Director do PNO, cargo que vem assumindo até ao presente com o consentimento das estruturas do Estado, embora ainda sem uma nomeação oficial por parte destas. Também em 1997 seria recrutado o restante pessoal do Parque. Nesse ano realizou-se um curso de formação para guardas da natureza de entre os quais participantes se seleccionaram 7 (todos originários das ilhas do PNO) que actualmente trabalham para o Parque. 7

Também nesse ano foram contratados dois técnicos adjuntos do Director (João Sousa Cordeiro e Hamilton Monteiro), assim como dois marinheiros. João Sousa Cordeiro passou entretanto a coordenador do Núcleo das Áreas Protegidas (NAP). As infra-estruturas do PNO (sede, casa de passagem, postos de guarda) começaram a ser construídas em 1996, tendo sido concluídas e entrado em funcionamento no ano seguinte. Em 1997 iniciou-se (indirectamente) o processo de institucionalização do PNO com a publicação da Lei Quadro das Áreas Protegidas. A criação oficial do PNO foi também aprovada em Conselho de Ministros, mas os eventos político/militares de 1998 impediram que essa decisão fosse publicada como decreto governamental, tendo as decisões anteriores sido suspensas. Em 27 de Abril de 2000 a criação do Parque Nacional do Grupo de Ilhas de Orango foi novamente aprovada em Conselho de Ministros e o respectivo decreto publicado no Boletim Oficial de 4 de Dezembro 2000. O PNO é o primeiro Parque Nacional a ser criado no país, um dos raros que praticamente chegou ao final do século XX sem qualquer área protegida oficialmente reconhecida. O Conselho de Gestão do Parque reuniu pela primeira vez no início de Abril de 2000, embora ainda sem a totalidade dos seus membros (ausentes estiveram diversos representantes das estruturas do Estado, por ainda não terem sido nomeados). Desde 1997 que no PNO têm sido dinamizados vários pequenos projectos de investigação, de ecodesenvolvimento e de formação (detalhados mais abaixo). No entanto, o ainda fraco grau de institucionalização da rede de áreas protegidas na Guiné-Bissau e a ausência de um plano de gestão ou de um regulamento interno alternativo para o PNO não permitiram ainda que o Parque funcionasse em todos os domínios devidos (por exemplo ao nível da fiscalização) e que se espera venham a ser uma realidade inegável num futuro próximo. 3. CARACTERIZAÇÃO AMBIENTAL 3.1 Geografia, geologia e clima O grupo de ilhas de Orango faz parte do arquipélago dos Bijagós, região insular implantada frente à costa continental da Guiné-Bissau. No final do Pleistoceno, há pouco mais de 5.000 anos, o mar encontrava-se cerca de 100 metros mais baixo do que o nível actual. Todas as actuais ilhas dos Bijagós estariam ligadas ao continente, bordejando o antigo delta do Geba. Depois disso o nível do mar subiu bruscamente, alagando as terras mais baixas e isolando o arquipélago. As ilhas de Orango, que formam o Parque Nacional, estão situadas na parte sudoeste do arquipélago, e representam cerca de um terço da superfície do mesmo (Fig. 1: MAPA LITORAL GUINÉ-BISSAU, COM GRUPO DE ILHAS DE ORANGO E LIMITES DO PNO DESTACADOS) As cinco ilhas permanentemente habitadas do grupo de Orango, juntamente com as ilhotas desabitadas, têm uma superfície de cerca de 26.000 ha. Orango Grande cobre 16.306 ha, Orangozinho 4.600 ha, Imbone 1.931 ha, Canogo 1.913 ha e Meneque 1.803 ha. As paisagens terrestres são dominadas por palmares e savanas arbustivas. 8

Na periferia das ilhas encontram-se grandes superfícies de vegetação de mangal (17.000 ha, um terço do mangal do arquipélago) e extensos bancos de lodo e de areia (13.600 ha) que são descobertos na maré baixa. As ilhas são separadas entre si por estreitos braços de mar ( rios ) bordejados por mangal em toda a extensão. Para além do grupo de ilhas, o Parque Nacional inclui dentro dos seus limites uma área marinha que as rodeia e que se estende até à isobata de 10 metros. Isto significa que nas zonas viradas a sul, os limites do Parque estão a cerca de 10 milhas ao largo da costa das ilhas, mas nos outros lados do Parque esta distância é muito mais curta (Figura 1). À superfície, o arquipélago é dominado por sedimentos quaternários (laterites, depósitos vazosos marinhos e aluviões fluviais), assim como por depósitos de areia recentes que, sobretudo na ilha de Orango Grande, cobrem grandes áreas. Os solos mais frequentes no grupo de ilhas são os solos halomórficos, ferralíticos, arenosos e hidromórficos. O Parque Nacional apresenta um relevo pouco expressivo, como se pode verificar pelo facto de toda a terra firme se situar abaixo de uma dezena de metros de altitude, e pelas vastas áreas de sedimentos marinhos expostos na maré baixa. Os processos de erosão e sedimentação costeira são muito activos, pelo menos na parte sul do Parque. Em vários locais, como nas ilhas de Ancopado e Imbone, o mar está a avançar, podendo ver-se palmeiras e mesmo mangais que sucumbem sob a acção das vagas. Por outro lado, desde 1959 que a ilha de Adonga duplicou em comprimento. Também a sul de Imbone surgiram dois novos ilhéus de areia há alguns anos, estando um deles de novo em regressão e em risco de voltar a ser engolido pelo mar. As fortes correntes responsáveis por este tipo de fenómenos são um dos aspectos mais marcantes do meio marinho do arquipélago e do Parque Nacional em particular. O clima é tropical, sempre quente, e caracterizado por duas estações muito marcadas. A estação das chuvas dura de Junho a Outubro e a estação seca de Dezembro a Maio, período em que não se regista qualquer precipitação significativa. Maio e Novembro são meses de transição, com períodos de chuva mais ou menos esporádicos que têm demonstrado uma tendência a diminuir, fruto de alterações climáticas a nível regional. Durante a estação das chuvas predominam os ventos quentes e húmidos de Sudoeste ( monção marítima ), com uma corrente vinda das águas quentes do Golfo da Guiné e com uma salinidade mais baixa devida às correntes de água doce vindas dos rios do continente. Na estação seca os ventos têm muitas vezes origem continental, podendo estar carregados de poeiras que resultam na má visibilidade característica desta estação. Nesta altura aumenta a salinidade e a transparência da água. Em Bubaque (situada na periferia do Parque) as precipitações médias anuais são de cerca de 2.000 mm e a temperatura média anual de 26.1ºC. Os meses mais quentes são Maio e Novembro e os mais frios Janeiro e Fevereiro. (Fig. 2: GRÁFICOS DE TEMPERATURA E PRECIPITAÇÃO DE BUBAQUE OU DE UNO SE HOUVER). A longa estação seca e o relevo suave praticamente não permitem a acumulação de água doce em reservatórios permanentes. As ribeiras do grupo de ilhas de Orango têm um carácter torrencial, secando logo após o final da estação húmida. Durante as chuvas, formam-se numerosas lagoas temporárias e alagam-se as terras mais baixas, 9

por vezes em extensões consideráveis. Porém, no final da época seca, só muito pontualmente ainda se podem encontrar algumas lagoas com água. 3.2 Ocupação do solo e vegetação A Figura 3 (INTRODUZIR IMAGEM do SIG) mostra a distribuição das principais classes de coberto vegetal no grupo de ilhas de Orango. As savanas, com maior ou menor cobertura arbórea e arbustiva, dominam as terras emersas do Parque. O segundo tipo de povoamento mais importante em terra firme são os palmares, que se concentram sobretudo a zona nordeste de Orango Grande, em quase toda a ilha de Canogo, e nalgumas pequenas áreas de Meneque e Orangozinho. Os mangais ocupam uma extensão muito importante das superfícies alagáveis, sendo relativamente escassos apenas nas costas de Orango Grande viradas a poente. Dentro da classe de povoamentos descritos como savanas, encontram-se de facto unidades de vegetação bastante diversas. O refinamento da classificação em savanas herbáceas e savanas arbustivas não é suficiente para descrever a realidade, pois existe todo um gradiente que vai desde as lalas completamente abertas, até savanas com densidade relativamente elevada de árvores e arbustos, ainda que com pouco desenvolvimento vertical das árvores. Os povoamentos completamente abertos são raros (à excepção de Imbone, onde ocupam uma área importante), encontrando-se sobretudo nas zonas baixas sazonalmente alagadas. Mais frequentes são as savanas herbáceas com árvores e arbustos dispersos em densidade variável, onde muitas vezes dominam o pau-incenso Daniellia oliveri e a tambacumba Parinari macrophylla. Estes tipos de povoamentos cobrem uma grande parte da ilha de Orango. Ao longo das depressões e linhas de água ocorrem bosques fechados em galeria. Os palmares são povoamentos dominados por palmeiras Elaeis guineensis, muitas vezes monoespecíficos, ou com poucas outras espécies no estrato arbóreo. O estrato arbustivo é normalmente denso, em grande parte devido à vigorosa regeneração natural das próprias palmeiras. Nalgumas zonas, os palmares cobrem grandes superfícies, como na ilha de Canogo. Surgem também nas depressões mais húmidas no interior das savanas e ao longo das linhas de água, onde formam pequenos bosques. Os palmares constituem o recurso natural mais importante para os bijagós. Nas zonas entre marés crescem mangais, constituídos por árvores com adaptações especiais que lhes permitem resistir às elevadas salinidades do meio marinho. As raízes das Rhizophora racemosa e R. harrisonii formam emaranhados densos onde nem as mais pequenas canoas podem penetrar. No lado de terra encontram-se também Avicennia germinans e Laguncularia racemosa. Particularmente interessantes, apesar de cobrirem apenas uma pequena área do Parque, as zonas húmidas são cobertas por densos povoamentos de tara Raphia exica, uma palmeira cujas partes vegetativas são muito utilizadas como matéria prima para manufacturar esteiras e mobiliários. Os terrenos agrícolas activos, as plantações de árvores (sobretudo cajueiro) e as zonas urbanas ocupam apenas uma pequena percentagem da superfície do Parque. 3.3 Flora 10

A flora do grupo de ilhas de Orango nunca foi objecto de um estudo sistemático. As únicas informações disponíveis conhecidas resultam da identificação de algumas plantas herborizadas colhidas em Orango Grande. É oportuno referir aqui que alguns dos mais belos e impressionantes exemplares de poilões Ceiba pentandra da Guiné-Bissau crescem por sobre as tabancas do Parque. Particularmente notáveis são os conjuntos observáveis em Abu, Meneque, Acagumé e An-ôr. 3.4 Fauna Mamíferos O macaco-de-tarrafe Cercopithecus sabaeus, o único primata do Parque, está presente em todas as ilhas e mesmo em pequenos ilhéus como Canuopa e Adonga. Frequentam sobretudo palmares e mangais. Deslocam-se pelas praias e zonas intermareais, capturando caranguejos e outros alimentos. Localmente são abundantes mas malamados pelas populações, pois causam prejuízos consideráveis nos campos agrícolas, nomeadamente de arroz e mancarra. São caçados com o auxílio de cães, e por vezes espingardas. Outro mamífero arbóreo frequente, pelo menos em Orango e Orangozinho, é o esquilo ou saninho-gambiano Heliosciurus gambianus. A lontra-sem-garras Aonyx capensis não é rara, frequentando mangais, praias e por vezes zonas alagadas de água doce. Alimenta-se de grande número de caranguejos, peixe e outros animais aquáticos. Outros pequenos carnívoros presentes no Parque são as ginetas Genetta pardina (=maculata) e os mangustos-de-mangal Atilax paludinosus. As ginetas vivem sobretudo nos palmares, enquanto que os mangustos estão mais ligados ao litoral e às zonas húmidas de água doce. O hipopótamo Hippopotamus amphibius é o maior animal do Parque. No arquipélago dos Bijagós tem a particularidade de passar grande parte da sua vida no mar, o que não se verifica em praticamente nenhuma outra região de África. Nas ilhas de Orango é mais numeroso do que no resto do arquipélago, estimando-se que aqui existam uma a três centenas de animais. O hipopótamo é bastante temido pelas populações residentes, quer por poder constituir uma ameaça à segurança física das pessoas em terra e nos rios, quer por ser um importante destruidor de culturas. Por outro lado, o hipopótamo é um dos animais mais carismáticos do Parque, podendo ajudar a atrair turistas, investigadores e financiamentos externos. Duas espécies de golfinhos, o golfinho-corcunda Sousa teuzsii e o roaz-corvineiro Tursiops truncatus frequentam as águas do Parque Nacional. O golfinho-corcunda penetra com mais frequência nos rios que separam as grandes ilhas, ao passo que o roaz-corvineiro mantém-se mais ao largo. A sua abundância em certas zonas do Parque parece variar marcadamente de uns anos para outros. 11

Outro mamífero marinho frequente nas águas do grupo de Orango é o manatimafricano Trichechus senegalensis. É um animal herbívoro de grande porte que se alimenta de plantas marinhas e folhas de mangal. Por vezes os manatins são acidentalmente apanhados nas redes de pesca, causando uma mortalidade artificial que está a ameaçar a espécie em muitas zonas de África, e talvez também na região costeira da Guiné-Bissau. No Arquipélago dos Bijagós, a gazela-pintada Tragelaphus scriptus só se encontra em Orango, Imbone, Canogo e Meneque (estando ausente de Orangozinho). É uma espécie essencialmente nocturna, que habita preferencialmente os habitats com palmeiras, embora não seja rara em savanas, e penetre nos mangais. Causa alguns prejuízos na agricultura, e é caçada também pela sua carne. No que diz respeito aos morcegos e raposas voadoras, foram recenseadas seis espécies no Parque (Anexo 1), sendo provável que algumas outras estejam ainda por descobrir. Aves Os escassos e breves estudos de avifauna realizados até à data no grupo de ilhas de Orango permitiram já recensear uma centena e meia de espécies (Anexo 1), número apreciável se se considerar que se trata de uma zona insular. Ainda assim, é claro que muitas aves estão ainda por inventariar, pois não é raro adicionar-se à lista novas espécies quando se faz um simples passeio na zona. O arquipélago dos Bijagós é internacionalmente conhecido pela importância das populações de aves migradoras que acolhe. Cerca de 700.000 limícolas provenientes da Europa e do Árctico passam aí o Inverno, alimentando-se durante a maré baixa nos bancos de areia e vasa. Neste conjunto, o Parque Nacional de Orango desempenha certamente um papel importante, embora ainda mal quantificado. Um dos maiores dormitórios de limícolas do Arquipélago situa-se na Ilha dos Mosquitos (ou Anhetibe), a norte de Orangozinho, juntando muitos milhares de aves. Outra área importante são os bancos que se situam entre Adonga, Orangozinho e Canuopa, sector que as limícolas partilham com os flamingos Phoenicopterus ruber e pelicanos Pelecanus rufescens. De entre as espécies mais comuns salientam-se os fuselos Limosa lapponica, os maçaricos-galegos Numenius phaeopus os pilritos-de-bicocomprido Calidris ferruginea, as tarambolas-cinzentas Pluvialis squatarola e os maçaricos-das-rochas Actitis hypoleucos. Ainda dentro do grupo das aves migradoras, salientam-se as gaivinas, também elas provenientes sobretudo da Europa, e reunindo-se nas áreas ricas em peixe onde pescam mergulhando do ar. O mar a sul do Parque é a área mais rica, com numerosas gaivina-negras Chlidonias niger, gaivinas-comuns Sterna hirundo e gaivinas-anãs Sterna albifrons. Também é nesta região que se encontra um ilhéu de grande importância para a avifauna, o ilhéu de Acapa-Imbone. Aqui nidificam grande número de gaivinas do Cáspio Sterna caspia e gaivinas-reais Sterna maxima. Nas orlas das extensas áreas de mangal observam-se as aves piscívoras de maior porte: garças de Golias Ardea goliath, águias-pesqueiras-africanas Haliaetus vocifer e águias-pesqueiras-europeias Pandion haliaetus. Nas lagoas temporárias, sobretudo perto de An-ôr e em Imbone, concentram-se outras aves aquáticas, como por exemplo os patos-ferrões Plectropterus gambensis e as dendrocignas Dendrocygna viduata. 12

Uma das aves mais interessantes do Parque é o papagaio-cinzento Psittacus erithacus, cuja existência na Guiné-Bissau parece restrita ao arquipélago dos Bijagós. Encontrase sobretudo nas áreas ricas tanto em mangal como em palmares em Meneque, Canogo e Orangozinho, estando ausente das vastas áreas de savana arbustiva que cobrem grande parte de Orango Grande. Répteis As tartarugas-marinhas são o grupo de répteis melhor conhecido das ilhas de Orango. Duas espécies são razoavelmente frequentes, pondo cerca de duas ou três centenas de posturas por ano no Parque: a tartaruga-verde Chelonia mydas, que vem desovar na época das chuvas, e a tartaruga de Ridely Lepodochelys olivacea que sobe as praias no tempo seco. Outras duas espécies são raras, embora ocorram anualmente na área: a tartaruga-verdadeira Eretmochelys imbricata e a tartaruga-de-couro Dermochelys coriacea. Os principais locais de desova situam-se nas praias viradas a Oeste e a Sul, onde o hidrodinamismo é mais forte e não existem bancos de areia vasosa. As tartarugas-marinhas e os seus ovos são procuradas pelas populações residentes no Parque, que delas se alimentam. Existe também uma tartaruga d água doce, Pelusios subniger, que habita as lagoas permanentes e temporárias. Outros répteis que aqui vivem no mar, embora também penetrem nas lagoas de água doce, são os crocodilos do Nilo Crocodylus niloticus. Habitam os mangais, sendo discretos e difíceis de observar. Nas lagoas de An-ôr é frequente observarem-se alguns exemplares de pequeno tamanho. Um parente próximo, o crocodilo-anão Osteolaemus tetraspis vive exclusivamente na água doce, escondendo-se em buracos durante a estação seca. Os varanos Varanus spp. são grandes lagartos bastante frequentes nas ilhas, que podem tanto andar em terra como na água, doce ou salgada. Alimentam-se de uma grande diversidade de animais, incluindo ovos de tartarugas-marinhas. É provável que existam bastantes espécies de serpentes no Parque, mas até agora poucas foram identificadas (Anexo 1), sendo que pelo menos mais uma espécie ainda não identificada foi capturada na ilha de Orango Grande. A maior e mais espectacular é a jibóia ou irã-cego Python sebae, que pode atingir vários metros de comprimento. É um temível predador, muitas vezes capturando animais domésticos como galinhas e cabras. Lagartos, osgas e camaleões constituem a restante fauna de répteis do Parque (Anexo 1). Tendo em consideração o escasso esforço até hoje dispendido no seu estudo, é certo que muitas espécies estão ainda por inventariar. Anfíbios No Anexo 1 apresenta-se a lista de anfíbios conhecidos do Parque Nacional de Orango. Para além daquelas oito espécies, é provável que várias outras ali ocorram, uma vez que foram observadas em Bubaque, a curta distância dos limites do Parque em Orangozinho. É interessante notar que a diversidade de anfíbios não é tão baixa como se poderia prever num arquipélago marinho. Este elemento confirma que as ilhas reflectem uma enorme influência continental, quer devido à proximidade da 13

costa, quer graças às ligações directas que tiveram com o continente, durante os períodos em que o nível do mar se encontrava mais baixo do que actualmente. Peixes A prova principal de que os recursos haliêuticos das águas do Parque Nacional de Orango são ricos é que aqui se situa uma das maiores zonas de concentração de pescadores artesanais nacionais e estrangeiros do arquipélago que pescam tanto no mar aberto como nos rios (canais marinhos) que separam as ilhas do Parque. Os pescadores desportivos de Bubaque também aqui vêm com frequência. Os resultados de algumas investigações com sessões de pesca experimental também indicam que a parte sul do Parque, em sectores junto a Imbone e Adonga, é das mais ricas em ictiofauna de todo o arquipélago. Taínhas (Mugilidae), bentanas (Cichlidae), sareias (Carangidae), bagres (Ariidae), bicas (Lutjanidae), corvinas (Sciaenidae), bicudas (Sphyraenidae), tubarões (Sphyrnidae e Carcharhinidae) e raias (Dasyatidae, Rajidae e Rhinobathidae) são alguns dos peixes mais frequentemente procurados. Há, no entanto, uma escassez evidente de informações precisas sobre a ictiofauna do Parque, sendo ainda necessário organizar inventários de base e planos de monitorização. Em anexo apresenta-se uma lista de espécies de peixes recenseadas num inventário geral do arquipélago, por se considerar extremamente provável que todas ocorram nas águas do Parque Nacional. 4. CARACTERIZAÇÃO ANTROPOLÓGICA, SOCIAL E ECONÓMICA Aspectos históricos A origem da etnia Bijagó, tradicionalmente confinada ao arquipélago com o mesmo nome, é pouco clara. É possível que resulte de uma amálgama de refugiados do continente, incluindo djolas, pepéis, beafadas e tendas. De qualquer modo, esta linha teve tempo de se diferenciar, criando uma cultura própria e uma língua particular, não havendo dúvidas quanto à separação desta etnia em relação às outras da sub-região. Os relatos dos navegadores portugueses, e outros, que sulcaram as águas do arquipélago a partir do século XV dão conta de um povo guerreiro e marítimo. Construíam grandes pirogas, podendo transportar até 30 homens, e com elas organizavam expedições guerreiras atacando outras ilhas e as aldeias litorais no continente. Posteriormente os Bijagós viraram as costas ao mar, tendo perdido as tradições da construção de grandes embarcações, pescando pouco e comercializando ainda menos. Esta mudança de atitudes deverá ter sido provocada por medidas repressivas dos europeus, particularmente os portugueses, no decurso das guerras de pacificação da região. A influência colonial portuguesa estendeu-se a vários outros domínios, por exemplo desencorajando as crenças e costumes religiosos tradicionais, ao mesmo tempo que introduziam práticas alternativas, através da acção de missionários. Estes continuaram a intervir mesmo depois da independência, e são certamente responsáveis pelo número relativamente elevado de cristãos no grupo de ilhas de Orango. Os colonizadores portugueses também trouxeram escolas, apoio aos cuidados primários 14

de saúde e introduziram a economia monetária, ainda que esta tenha sido adoptada de uma forma muito limitada, predominando a troca de produtos. A independência trouxe alterações na estrutura político-administrativa, e uma maior actividade de comerciantes, aumentando a disponibilidade de bens de consumo e trazendo necessidades novas no que diz respeito ao dinheiro. Apesar destes factores, o isolamento das ilhas, que até certo ponto ainda hoje se verifica, permitiu preservar uma identidade cultural original e bastante rica, numa altura em que há uma uniformização massiva das culturas africanas, fruto dos movimentos políticos recentes e da expansão do islamismo. Dentro do arquipélago dos Bijagós, a ilha de Orango Grande é centro de um grupo de ilhas (a maioria das quais fazendo parte do Parque Nacional) com uma certa tradição de autonomia. São de meados do século XIX as primeiras descrições um pouco mais detalhadas específicas da zona do PNO. Nesta altura, e até pelo menos meados do século XX, vigora em Orango Grande uma monarquia hereditária e geralmente despótica em que vários monarcas são assinalados como sendo particularmente dominadores e cruéis. Essa monarquia, inicialmente sediada em Ambuduco, terá dominado várias ilhas do grupo de Orango. No entanto, sabemos que em 1890 Orangozinho constituía um regulado independente, situação que se manteve ao longo do século XX. Assim, no século XIX, a organização de poder tradicional dos Bijagós, em que cada aldeia tinha uma grande autonomia, já havia desaparecido de Orango Grande, embora ainda subsistisse noutras áreas do arquipélago (em Canhabaque, por exemplo, mantem-se até aos nossos dias). As causas e mecanismos desta alteração da estrutura tradicional não são conhecidos, mas é provável de uma forma ou outra resulte da influência e contactos de diversa índole que os povos das ilhas mantiveram com os navegadores e colonos europeus. A submissão dos Bijagós ao poder colonial português aconteceu apenas já no século XX. Essa submissão, no caso das ilhas de Orango, foi pacificamente negociada por uma monarca de grande carisma entre os Bijagós, a rainha Pampa (de Orango). Estrutura administrativa e do poder As cinco ilhas de Orango repartem-se por 3 secções e 2 sectores. O sector de Uno inclui a secção de Orango (ilhas de Orango e Imbone) e o sector de Bubaque inclui a secção de Canogo (ilhas de Canogo e Meneque) e a secção de Orangozinho (ilha de Orangozinho). Cada sector, secção e tabanca conta com um Comité, eleito pela população, que representa o poder do estado. O poder tradicional exerce-se pelos régulos e pelos conselhos dos Homens-Grandes. Na prática, o poder do estado e o poder tradicional coexistem sem problemas de maior, sendo os conselhos dos anciãos normalmente ouvidos e tomados em conta. Muitas vezes, são os próprios detentores do poder tradicional que são eleitos para os comités. Actualmente os régulos estão a desaparecer. O régulo de Orango Grande, falecido recentemente, não foi substituído, e é possível que tal não venha a acontecer mais. Meneque e o norte da ilha de Orangozinho não têm régulo. Subsiste apenas um régulo em Canogo e outro em Uíte. Apesar disto, o poder dos homens grandes permanece vivo. Toda a ilha de Orango e Imbone, por exemplo, submetem-se ao poder dos anciãos de Eticoga. 15

A sociedade Bijagó é fortemente hierarquizada em função da idade. Os mais velhos concentram os poderes e os privilégios ao passo que os mais novos são deixados com as obrigações. A ascensão social faz-se de forma muito progressiva, através de uma série de cerimónias que são celebradas separadamente para cada sexo. Nas cerimónias os mais novos fazem oferendas aos grandes que por sua vez lhes transmitem conhecimentos. Todas as ilhas (à parte de Imbone) têm locais sagrados onde se realizam as cerimónias de homens e mulheres. No entanto é preciso ter em conta que os poderes tradicionais, embora ainda fortes, estão a reduzir-se. Particularmente em Eticoga, há uma insubordinação progressivamente maior dos jovens. Em 2001 fizeram-se eleições para o Comité desta tabanca, tendo sido eleitos rapazes novos para posições de destaque. Embora estes não tenham tido a coragem a assumir os cargos que lhes foram imputados (continuando os anciãos a comandar), a verdade é que há uma erosão progressiva do prestígio e influência dos Homens-Grandes. Noutras tabancas o poder tradicional permanece mais vivo. População Segundo os resultados de um censo e estudo sócio-económico organizado pelo Núcleo de Áreas Protegidas, realizado em 10 dias em Abril 1997, a população residente no PNO (pessoas vivendo no Parque a maior parte do ano) foi estimada em 2.268 pessoas, o que corresponde a uma densidade populacional de cerca de 9 habitantes por km 2. Comparando com censos anteriores (Quadro 1) há uma ligeira tendência para um decréscimo populacional. No entanto, estes dados devem ser encarados com alguma precaução, visto que o rigor e metodologia dos censos nem sempre foi de moldes a permitir uma comparação directa no detalhe. Quadro 1. População por ilhas ao longo de três recenseamentos 1979 1991 1997 Orango 1.457 1.072 1.201 Imbone 77 0 9 Canogo 346 400 285 Meneque 185 164 182 Orangozinho 497 766 572 TOTAL 2.562 2.402 2.268 A população reparte-se por 33 tabancas e 5 ilhas (Quadros 1 e 2). Orango é, de longe, a ilha mais populosa, seguindo-se Orangozinho, Canogo, Meneque e Imbone. No entanto, se considerarmos a superfície das ilhas, verifica-se que de facto a densidade populacional é relativamente baixa em Orango quando comparado com Canogo ou Orangozinho. Eticoga é a maior tabanca do Parque (376 habitantes), seguida de Uíte (254 habitantes), havendo depois várias tabancas com um pouco mais de uma centena de moradores cada uma (Quadro 2). 16

Quadro 2. População das diferentes ilhas e tabancas do Parque Nacional de Orango em 1997 (segundo censo realizado pelo UICN/NAP). População Casas SECTOR DE UNO Orango Grande 1201 190 Ancaboca 110 11 Eticoga 376 45 Madina 26 5 Aneboca 15 4 Acagume 60 13 Dinos 23 5 Ancodono 17 3 Etinhoque 11 4 Ambuduco 126 23 Ancamona 41 5 Aminda 92 11 Ancodaké 23 4 Ancaquia 21 4 Ancopado 38 10 An-ôr (Angôr) 34 6 Bijante 38 4 Etiogo 50 9 Gosca 28 5 Etepa 18 4 Etinetate 12 5 Ankutué 3 1 Ankubima 11 3 Amepa 28 6 Imbone 28 9 Imbone 28 9 SECTOR DE BUBAQUE Canogo 285 52 Abu 142 28 Anequene 143 24 Meneque 182 32 Meneque 115 21 Amupa 67 11 Orangozinho 572 100 Acanho 98 17 Abene 16 4 Eticodega 43 7 Uassa 124 27 Uíte 254 40 17

A etnia Bijagó é a predominante no PNO, com 95% do total dos residentes recenseados, sendo os restantes divididos por várias etnias pouco representadas (Quadro 3). O único outro grupo com alguma expressão (3% do total) é o mandinga, com 64 habitantes. Foram ainda recenseadas 6 pessoas que nasceram no estrangeiro e que têm nacionalidade senegalesa. De facto, o recenseamento não contou com numerosos pescadores estrangeiros que habitam o Parque sazonalmente. Quadro 3. Etnias da população residente no PNO Bijagó 2155 Mandinga 64 Fula 9 Olof 6 Papel 5 Balanta 2 Manjaco 2 Mista 16 Outras 9 Ainda segundo o recenseamento de 1997, 77% dos habitantes residentes no PNO falam o bijagó como primeira língua, 16% falam o crioulo como primeira língua e 4% o português, dividindo-se os restantes 3% por várias outras línguas. Apesar disto, o crioulo é bem conhecido e 79% das pessoas falam-no. No entanto, estes dados são muito duvidosos, tendo certamente havido alguns erros de interpretação. Em primeiro lugar, é impossível que 4% da população, ou seja 93 pessoas, falem como primeira língua o português. Na verdade, tanto quanto pudemos apurar, não há residentes no PNO que falem o português como primeira língua. Por outro lado, o crioulo deve ser bastante mais importante do que os dados do censo deixam entender, e não é de crer que o bijagó represente ainda a primeira língua de 77% dos habitantes. Hoje em dia, por exemplo, a maioria das crianças em tabancas importantes como Eticoga e Abu, fala principalmente o crioulo. Segundo dados do mesmo estudo, no PNO a grande maioria (67%) dos habitantes são animistas. Dos restantes, 23% são católicos, 4% protestantes e 4% muçulmanos. Os restantes 2% são não definidos. A maioria dos católicos concentra-se em Orangozinho e Canogo, onde os projectos desta igreja têm tido um impacto significativo. Os protestantes estão melhor representados em Eticoga. Quanto à estrutura etária da população, a mediana de idade dos recenseados foi de 18.5 anos. A população infantil é muito importante, representando as crianças com menos de 15 anos 42% da população do Parque. Por outro lado, os idosos com 60 anos ou mais constituem apenas 12% do total. No PNO, 52.2% da população recenseada são mulheres. 42% das mulheres tem entre 15 e 49 anos, idades onde praticamente se produzem todos os nascimentos. Não existem dados precisos sobre a população sazonal do PNO ligada aos acampamentos de pesca. A informação disponível relativa a este assunto é apresentada na secção consagrada às ameaças para o meio ambiente. 18

Condições de vida, habitação, saúde, educação, infraestruturas As condições de vida no Parque são duras, apesar da existência de recursos naturais abundantes e um clima relativamente benigno. A assistência médica é praticamente inexistente, a educação muito deficiente, as infra-estruturas sociais escassas e o poder de compra extremamente reduzido. No PNO, a população residente (2.268 pessoas) ocupa 383 unidades de alojamento, para uma relação de 5.9 pessoas por unidade de alojamento em 33 tabancas ou lugares habitados. 26% dos alojamentos tem apenas uma divisão, e 24% apenas duas. Mais de 95% da população vive em alojamentos com pavimento de terra batida, paredes de adobe e cobertura de palha. Em 1997, 71% da população tinha acesso a poços modernos ou tradicionais, ao passo que 27% da população abastecia-se de água de ribeiros ou lagoas. Esta situação melhorou um pouco ao longo dos últimos anos com a construção de novos poços por parte das autoridades do Parque. Na altura de execução do censo a falta de instalações sanitárias e de sistema de esgoto afectavam 99% da população. Actualmente, graças a um projecto de construção de latrinas dinamizado pela AFAIOG (Associação dos Filhos de Orango Grande) a situação poderá ser bastante diferente, tendo 10 a 20% das pessoas acesso a latrinas. Não há água corrente nem electricidade nas ilhas de Orango, com a excepção das infraestruturas do Parque, de ONGs e da Igreja. 99% das habitações ou unidades familiares utilizam lenha para cozinhar. É talvez ao nível da saúde que se verificam as maiores carências no que diz respeito à qualidade de vida no Parque. Existem apenas três postos de saúde de construção definitiva, em Eticoga, Abu e Acanho. Destes, apenas Eticoga tem dois enfermeiros, estando os outros praticamente inoperacionais. Em Amepa e Acagumé existem também casas de cuidados primários de saúde em construções rústicas e desprovidas de pessoal. Não existem médicos residentes nem visitas regulares por parte de técnicos de saúde. Em Eticoga e Abu foram recentemente criadas pelo Parque duas farmácias comunitárias. Os problemas de saúde são inúmeros e apesar da falta de estudos detalhados podemos dizer sem receio de errar que a mortalidade infantil é muito elevada e a esperança de vida baixa. O paludismo é uma das principais doenças graves presentes. A taxa de analfabetismo é elevada (embora aproximando-se da média nacional), correspondendo a 57%. No caso das mulheres esta taxa é agravada, correspondendo a 64 % da população. Nos homens é apenas de 48%. Existem apenas 3 escolas de construção definitiva, em Eticoga, Acanho e Uassa, e mais outras três que funcionam em barracas improvisadas, em Ambuducu, Abu e Uíte. O total de professores no ano lectivo de 2000/2001 foi de 15, todos do ensino primário (primeiro ciclo). Duas das escolas, Uassa e Uíte tinham apenas um professor. Em muitas localidades há uma falta crónica de professores. Os fracos salários pagos irregularmente, o isolamento e as condições difíceis do terreno desencorajam a fixação de professores. Terminado o primeiro ciclo, as crianças que querem e podem continuar os estudos deslocam-se principalmente para Bubaque, posteriormente podendo chegar a Bissau. As famílias 19

têm no entanto relutância em deixá-las partir, particularmente às raparigas, que se vêem assim numa situação desfavorecida. Existem postos de rádio de comunicação em Eticoga, An-ôr, Ancopado, Abu, Amupa, Acanho e Uíte, a maior parte dos quais instalados pelos serviços e projectos do Parque. Várias tabancas estão profundamente isoladas em termos de comunicação. Os transportes entre ilhas fazem-se com canoas monóxilas tradicionais, a remos. De resto o transporte de e para o exterior do Parque é assegurado por pirogas a motor. A única carreira regular (uma vez por semana) liga Eticoga a Bubaque. Poucos residentes têm canoas motorizadas. Em Eticoga existe uma pequena pista de aviação que tem sido muito esporadicamente utilizada por um operador privado. Ao nível das infraestruturas sociais há ainda a mencionar a existência de três igrejas católicas (em Ancaboca, Abu e Acanho) e três protestantes (em Eticoga, Etiogo e Anequene). Actividades económicas / produtivas O trabalho no grupo de ilhas de Orango é pouco especializado. A maior parte das pessoas dedicam-se a várias tarefas, mudando ao longo das necessidades e do ciclo anual. A agricultura e a recolha de produtos florestais ou marinhos são a base da economia de subsistência dos residentes no Parque. Cerca de 85% da população activa residente trabalha na agricultura como actividade principal. Dos restantes entrevistados, 5% declararam-se antes de tudo pescadores, 7% artesãos, sendo os outros 3% de ocupações várias. Além disso, 16% têm a pesca como segunda actividade principal, enquanto 4% são secundariamente artesãos. As mulheres ocupam-se sobretudo dos trabalhos domésticos, da recolha de mariscos, da produção de esteiras, da extracção do óleo de palma e das sementeiras. Os homens desbravam o mato, escavam, caçam, pescam, sobem às árvores para recolher vinho e chabéu, entre outros. A pesca comercial pratica-se em escala relativamente importante, mas é realizada sobretudo por estrangeiros. Os locais que fazem pesca comercial geralmente trabalham quer para pescadores estrangeiros (concentrando-se no peixe fumado e nas barbatanas de tubarão) quer para nacionais vindos de Bubaque ou Bissau com canoas carregadas de gelo para sessões de pesca de curta duração (comércio de peixe fresco). Em Canogo e Meneque a pesca comercial está a ganhar um novo alento graças ao projecto de apoio à pesca artesanal dinamizado pelo Parque. A recolha de moluscos e crustáceos tem uma grande importância na economia de subsistência. Ostras, contcurbedja (Cymbium spp., gastrópodes de grandes dimensões), caranguejos e sobretudo o combé Anadara senilis, constituem as principais fontes de proteína na dieta das populações do Parque. As produções agrícolas mais importantes são o arroz e o caju. O arroz é cultivado pela maioria dos agregados familiares, quer num sistema de agricultura itinerante em campos alimentados directamente pela chuva (M pam-pam) quer em campos alagados com gestão da água por valas e taludes (bolanhas). O arroz assim produzido destina-se ao consumo pessoal, não sendo praticamente objecto de transacções comerciais. O 20