COMENTÁRIOS SOBRE A (IM) POSSIBILIDADE DA DECLARAÇÃO INCIDENTE DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA



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Transcrição:

COMENTÁRIOS SOBRE A (IM) POSSIBILIDADE DA DECLARAÇÃO INCIDENTE DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA CARLOS IGNACIO SCHMITT SANT ANNA - ADVOGADO Alguns autores têm sustentado a tese da possibilidade de ser declarada a nulidade de marca incidentalmente na demanda de abstenção de uso, perante a justiça estadual, em sede de defesa pelo alegado contrafator da marca. Na Revista da ABPI, n 609, p. 39, foi publicado um artigo que defende tal tese. Entanto, embora o esmero do referido autor e de alguns outros que adotam tal posicionamento, discordamos da possibilidade da nulidade da marca ser declarada em sede incidental à demanda de abstenção de uso da mesma, pelo Juízo da Justiça Comum Estadual. Mantemos a posição de que a declaração de nulidade de marca é de competência estrita e exclusiva da Justiça Federal, e dentre argumentos que alinhamos aqui como contrários à mencionada tese, destaca-se como principal a questão da constitucionalidade. A orientação mais adotada na prática forense e de maior aplicação pelos tribunais do país (senão, pacífica, salvo as opiniões esparsas em contrário) é aquela definida pela Carta Maior que, em seu artigo 109, inciso I, dispõe 1

expressamente que compete aos juízes federais processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. No caso em foco, a pretensão de declaração de nulidade de marca reclama a presença passiva necessária do INPI (pois é quem profere o ato administrativo com conteúdo decisório) em litisconsórcio com o titular da marca, por se tratar, este Instituto Nacional, de autarquia federal, o que determina a competência absoluta e inderrogável da justiça federal para o julgamento desta lide. Os argumentos elencados pelos defensores da possibilidade de declaração incidental da nulidade de marca pela própria Justiça Estadual, no bojo da demanda de abstenção, são sinteticamente os seguintes: 1) O Poder do Juiz para dirimir incidenter tantum todas as questões prejudiciais no curso do processo (arts. 262, 265, δ 5º e 449, inciso III, do CPC). 2) A alegada desnecessidade de formar-se litisconsórcio passivo necessário e unitário entre o titular da marca e o INPI. 3) A natureza absoluta da nulidade da marca, supostamente decorrente do efeito ex tunc advindo do artigo 167, da Lei nº 9279/96, o que tornaria passível de ser conhecida ex officio. 4) Os artigos 56, δ 1º e 205, da Lei n. 9279/96, que prevêem a afirmação de nulidade de PATENTE em sede de defesa, poderiam ser aplicados 2

de forma analógica para marcas, pois a vedação do uso da analogia é restrita a normas restritivas de direitos e norma excepcional. 5) O poder dos órgãos jurisdicionais de controlar a constitucionalidade permitiria a maiore ad minus também o controle da nulidade dos atos administrativos. 6) O princípio constitucional do contraditório (art. 5º, inciso LV, da CF) não permitiria que alguém fosse condenado em abstenção de uso de marca e indenização pelo uso da mesma, sem que lhe fosse permitido manejar suas defesas, dentre elas a nulidade da marca, a qual, face a natural e conhecida demora da esfera federal, acarretaria a condenação pela justiça estadual, provavelmente antes de ocorrer o decreto anulatório pela federal. Ou congregando os argumentos supra conforme a dinâmica sugerida pelo referido autor, a tese poderia ser compreendida na forma seguinte: através de requerimento do Réu, como defesa em sede de demanda condenatória de abstenção de uso de marca e de indenização, a nulidade da marca poderia ser declarada na forma de questão incidental à ação pelo próprio juízo estadual, sem que houvesse a necessidade de ajuizar-se ação de anulação de marca na justiça federal contra o titular da mesma e o INPI. Ou seja, na própria sentença que julgasse a demanda de abstenção de uso e indenização, o juízo estadual poderia conhecer da questão incidental, e proceder à declaração do direito (art. 4º, do CPC). Haveria uma alegada obrigatoriedade de o juízo conhecer a nulidade, até mesmo ex officio, em razão de que a nulidade de marca seria absoluta, face o seu efeito ex tunc disposto pelo citado artigo 167, da lei n. 9279/96. Assim, esta 3

declaração de nulidade produziria efeitos apenas entre as partes que participaram desta dialética. A mesma não se prestaria para anular o registro que, perante terceiros, continuaria a produzir efeitos. Segundo refere a mencionada tese, o artigo 56, da lei nº 9279/96 1, que se situa no capítulo destinado a reger a nulidade de patente (e portanto, não de marca) autorizaria que mediante analogia a nulidade pudesse ser manejada na contestação da ação de abstenção de uso de marca (perante a Justiça Estadual). Prossegue a tese afirmando que o artigo 205, do mesmo diploma legislativo 2, por sua vez, permitiria (também por analogia) também seguir-se por idêntico caminho, então na via criminal. Em reforço destas compreensões tidas como vias para a declaração incidental de nulidade da marca perante a Justiça Estadual, afirma que não seria necessário amoldar-se o litisconsórcio necessário, tendo-se no pólo passivo o INPI. Neste mesmo propósito, argumenta que, o fato de a pretensão de nulidade (leia-se defesa) não se situar em petição inicial, ensejaria que as regras de competência não precisariam ser consideradas. Nesta sincronia sófica, vai adiante, afirmando que o poder de controle constitucional ínsito a todos os órgãos jurisdicionais autorizaria a também se proceder ao controle dos atos administrativos, usando para tanto a parêmia de 1 Art. 56 - A ação de nulidade poderá ser proposta a qualquer tempo da vigência da patente, pelo INPI ou por qualquer pessoa com legítimo interesse. Parágrafo 1o.- A nulidade da patente poderá ser argüida, a qualquer tempo, como matéria de defesa. 2 Art. 205 - Poderá constituir matéria de defesa na ação penal a alegação de nulidade da patente ou registro em que a ação se fundar. A absolvição do réu, entretanto, não importará a nulidade da patente ou do registro, que só poderá ser demandada pela ação competente 4

que quem pode o mais, pode o menos. Esgrime ainda o princípio do contraditório, no sentido de que não seria lícito permitir que a sentença da demanda de abstenção de uso fosse julgada procedente pelo juízo estadual e viesse a prevalecer sobre a sentença da ação de nulidade, pelo juízo federal (que então estaria correndo em paralelo), apenas porque uma é mais rápida do que a outra. Como anotado e citado pelo referido artigo (ob. cit), algumas decisões de tribunais estaduais prestigiaram tal posicionamento, declarando a nulidade incidental, em detrimento da competência da Justiça Federal. Tal como referido, a tese, data maxima venia, não possui o condão de se sustentar. Aliás, por via de conseqüência - e sempre se deferindo o máximo respeito - também as decisões referidas não se pautaram pelo melhor caminho. Em realidade, a tese peca de forma letal, porque determina o desrespeito a vários dispositivos constitucionais, como até mesmo ao Código de Processo Civil. Vejamos: O primeiro dispositivo constitucional que resulta vulnerado e que mais clama por atenção é justamente o artigo 109, inciso I da CF, que outorga aos Juízes Federais a competência para o julgamento de causas em que a União Federal seja parte. Ora, o juízo declaratório de nulidade de marca é visivelmente de competência exclusiva da Justiça Federal, pois se trata da anulação de ato praticado por ente da administração federal. A tese ora em comento não explica porque não haveria a necessidade de amoldar-se o litisconsórcio 5

necessário unitário pois, em realidade, em demanda que tal, se impõe obrigatoriamente participação do ente que praticou o ato. Tanto quanto a participação do titular da marca, que também é atingido pelo decreto anulatório. A este respeito, dispõe o artigo do CPC : Art. 47 - Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo. Parágrafo único - O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo. O litisconsórcio passivo necessário entre o INPI e o titular da marca é evidente e irrefutável. Como poderá o INPI, que praticou ato de concessão do registro de marca, ser alijado da dialética que irá declarar a nulidade do ato? Mais ainda, quando considerado que não se trata de um simples cartório, posto que o ato de concessão de registro de marca possui conteúdo decisório. Aliás, observe-se que é justamente o conteúdo decisório dos atos do INPI que o diferencia dos demais entes administrativos. A lei nº 9279/96 possui regras e critérios de deferimento ou indeferimento, que exigem julgamento administrativo da questão, ou de juízo de valor sobre o tema decidendum. Além disso, a compreensão de que o INPI deva figurar na lide não contempla apenas o respeito a princípios e a filigranas formais processuais, pois sua 6

atuação na dialética que precede a declaração de nulidade do registro de marca é fundamental, em razão de que este órgão possui a incumbência legal não somente de deferir o registro, mas criar através de documentos normativos (atos normativos, portarias e resoluções), elementos que disciplinam os critérios específicos e regulamentadores da lei federal n. 9279/96. Ademais, uma nulidade de marca afeta à todo o organismo e sistema de outras marcas que outrora mereceram ou não indeferimento administrativo por conta da existência desta marca que seria anulada pelo Juízo Federal. Como deixar de fora, então, uma autarquia federal, que administra a concessão e a organização desta concessão de expressões marcárias? Há, portanto, nítido interesse público de que o ente autárquico, a quem a lei atribuiu por finalidade principal executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica. (art. 2º, da LEI Nº 5.648 DE 11 DE DEZEMBRO DE 1970 ), participe do processo de decretação de nulidade da marca, seja para que tal nulidade lhe afete e faça efeitos definitivos (o Estado 3 não pode ficar a mercê da repetição indefinida de atos, conforme a vontade dos entes privados por isso a declaração de nulidade deve ser uma só) e próprios da coisa julgada, seja para que o debate tenha a contribuição cognitiva da autarquia. Então, sendo inafastável o litisconsórcio passivo necessário, não há como tangenciar a competência absoluta da Justiça Federal para conhecer da questão, que aliás é inderrogável, por constituir-se norma constitucional, cuja hierarquia sobrepõe-se a todas as normas infra-constitucionais (inclusive a lei n. 9279/96). 3 O Poder Judiciário. 7

O segundo dispositivo constitucional vulnerado pela tese em tela é justamente o contido no artigo 5º, inciso LIV, da CF. Por este princípio, ninguém poderá ser condenado criminalmente ou vir a perder seus bens sem que tenha ocorrido o prévio e devido processo legal. Compreende-se como sendo o due process of law a observância da legislação processual e material em vigor no País. Como exemplo da cogência e aplicação prática deste direito/dever, pode ser citado o fato de sentença que determine a adjudicação compulsória da vontade do ato de outorgar escritura pública transmissiva da propriedade de bem imóvel: mesmo sendo ordem ao tabelião, esta não poderá ser executada ou acatada sem que isto se opere dentro das leis que disciplinam o prévio recolhimento do imposto de transmissão de bens imóveis. Assim, também as leis processuais devem ser respeitadas, para que se verifique a legítima observância do principio constitucional do devido processo legal. Por isso, o juízo declaratório incidental de nulidade de marca por parte de juiz estadual pressupõe o desrespeito às normas de litisconsórcio e, portanto, ao devido processo legal. Sem que seja necessário ingressar no exame da questão envolvendo o uso da analogia para emprestar o conteúdo dos artigos 56 e 205, parágrafo primeiro, da lei 9279/96 também para a nulidade incidental de marcas (questão de hermenêutica 4, que também é tormentosa), constitui processo básico e ínsito à idéia de 4 A respeito e por todos, vide o clássico Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito. 8

devido processo legal que o conteúdo dos referidos dispositivos devam ser compreendidos, considerando-se a mecânica processual estabelecida no CPC: a nulidade pode ser alegada em defesa sim, mas apenas para efeitos de no máximo determinar a suspensão do feito 5 estadual até que a ação de anulação na Justiça Federal seja solucionada, na forma de questão prejudicial. Mas, jamais para prestar-se a deslocar a competência absoluta da Justiça Federal para a Justiça Estadual. Se o respeito às normas processuais não decorrer da sentença, se estará diante de mácula constitucional ao artigo 5º, LIV, da CF. Da mesma forma, quando a lei refere que o juiz deverá conhecer ex officio as nulidades absolutas, pressupõe a observância ao devido processo legal, o respeito, portanto, às regras de processo civil e de competência. O processo civil existe como norma organizativa do debate - o contrário seria anarquia e insegurança - e, como refere Carlos Maximiliano, as normas estão organizadas num contexto harmônico e submetem-se a outras regras lógicas que resguardam a convivência delas entre si: não deve existir conflito nem inutilidade nos dispositivos. O conflito que se admite é a inconstitucionalidade, e apenas quando não há forma de interpretar-se integrativamente. 5 Providência que inclusive merece grande reflexão, pois o registro de marca vale a partir de sua concessão. Esta reflexão maior a respeito de ser lícita ou não a suspensão da ação na justiça estadual decorre da homenagem à presunção de certeza conferida aos registros públicos e à segurança das relações jurídicas; A presunção de regularidade e dos direitos que afloram de um título desta natureza não pode ser tão vulnerável a ponto de merecer a suspensão pela mera dúvida. O titular do registro de marca, que praticou os atos exigidos por lei, e que ficou por anos a fio aguardando o deferimento, poderia sofrer o ataque liminar, ou de suspensão por questão prejudicial, apenas pela dúvida colocada por quem figura é está aparentemente incorrendo em contrafação de marca? O tema não é simples. Compreendemos que se o registro foi concedido sem resistência da parte que argüi a nulidade, se esta nulidade não é gritante e escandalosa, a ação perante a justiça estadual não é de ser suspensa. Cabe ao argüinte diligenciar para a obtenção do decreto anulatório na justiça federal. Todavia, pode ocorrer que o conjunto de circunstâncias determine uma equação de justiça que aponte para a suspensão da demanda de abstenção, até que a da justiça federal seja solucionada. Exemplo: o INPI defere equivocadamente o registro da marca LEITE para laticínios, quando a lei proíbe registro de expressões de uso comum da classe na qual foi registrada, como marca. 9

Outro argumento que fere a constituição, na forma como foi manejado no referido artigo, é o que diz respeito ao poder de controle difuso da constitucionalidade. Ora, o controle da constitucionalidade nada tem a ver com controle da legalidade de atos administrativos. O controle da constitucionalidade se opera sempre visualizando a harmonia do ordenamento positivo infra-constitucional face a Constituição Federal. Ao passo que o controle da legalidade dos atos administrativos contempla matéria ordinária, sujeita ao devido processo legal cânon constitucional, art. 5º, inciso LIV, da CF - e, portanto, às regras de competência do Código de Processo Civil. A parêmia a maiore ad minus possui limites básicos, cujos comentários são despiciendos aqui. Outro argumento vertido em prol da suposta possibilidade de decretação de nulidade de marca pelo juízo estadual, diz respeito ao princípio do contraditório: a tese em comento alega que haveria desrespeito do direito ao contraditório, em razão da suposta impossibilidade de verterem-se todas as defesas em tempo hábil (considerando-se as diferentes velocidades de trâmite entre a Justiça Federal e Justiça Estadual). A respeito, basta lembrar que a solução reside na avaliação da suspensão do processo, sob o fundamento da questão prejudicial. O juiz da Justiça Estadual avaliará o conjunto de circunstâncias que permeariam a causa 6 e, então, decidirá se o argüinte será ou não merecedor da suspensão da ação de abstenção até o deslinde da ação na Justiça Federal. 6 Como o grau de verossimilhança da alegação de nulidade, existência ou não de resistência administrativa do argüinte, através de oposições administrativas prévias à concessão do registro de 10

Jamais, todavia, irá decretar a nulidade da marca, usurpando a competência absoluta da Justiça Federal. Esta, por certo, é a solução que mais se harmoniza com o sistema constitucional e infra-constitucional vigente no País. E, para finalizar, jamais se olvide a lição do imortal Carlos Maximiliano: O Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio. De princípios jurídicos mais ou menos gerais deduzem corolários; uns e outros se condicionam e restringem reciprocamente, embora se desenvolvam de modo que constituem elementos autônomos operando em campos diversos" ("Hermenêutica e Aplicação do Direito", 12ª Edição, Forense, 1992, p. 128). marca. Estas circunstâncias deveriam ser sopesadas em face de presunção de regularidade que avulta dos registros de marcas, e também diante da segurança e estabilidade das relações jurídicas. 11