Saara Já se aproxima a hora do almoço, quando chegamos ao Saara, na Rua Tristão de Castro. O bar oferece salgados e comida árabe. Agora já tem poucos
salgadosnaestufa,afotonãovaificarboa,alertao senhor Jorge Adib Miziara, proprietário do bar. Ex-vendedor da antiga loja Pan Mac, seu Jorge também foi dono de lanche por oito anos antes de montar o Saara, junto com a irmã, já falecida. Minha irmã veio a falecer e eu continuei e estou aqui isso tudo de tempo (21 anos), já enfrentei altos e baixos, diz. Casado com uma professora, com filhos já formados, ele trabalha sozinho, fabricando pessoalmente todos os salgados e atendendo os clientes. Esse foi o jeito que encontrou para baixar as despesas e manter o negócio em funcionamento. O segredo é procurar ganhar menos e diminuir as despesas. Os filhos acabaram não se interessando pelo negócio do pai e seguiram outros rumos. Um deles ainda vem ajudá-lo no bar de vez em quando. Seu Jorge reconhece deficiências no ponto onde o bar foi instalado. O ponto não é bom não, não tem estacionamento, não tem acesso para pedestre estou aqui só porque sou sozinho mesmo, se fosse para ter muita despesa eu não estaria mais, porque o local não oferece condições. Apesar disso, a clientela do Saara é fiel e vem de longe para
consumir os salgados. Eu tenho muitos anos, né? Então tem muita gente que conhece e vem. Entre os frequentadores, alguns políticos. Tenho muito amigo vereador, deputado, comenta. Em geral, os horários de almoço e final de tarde são de maior movimento. Muita gente busca os salgados para levar. Ele conta, orgulhoso, como aprendeu a fazer os salgados. Foi curiosidade. Eu fui aprendendo e desenvolvendo meu sistema, minha massa. A minha massa é minha massa, não tem cópia não, salienta. Para ele, o movimento está diminuindo consideravelmente nos últimos anos. Já teve duas crises, uma de 99 a 2000 e agora essa que tem um ano e pouco. Essa agora está só piorando, reflete. Mesmo aposentado, seu Jorge vacila quando perguntado se pensa em fechar o bar, para descansar. É, eu já tô pensando mas, enquanto não tem nada pra fazer, vamos continuando Os apreciadores dos salgados agradecem!
Entre chapéus, botas e selas Quem passa pela Praça Doutor Jorge Frange, esquina com a Rua São Benedito, há mais de trinta anos se depara com a Selaria Santos Reis. A loja é apinhada de artigos em couro, botinas, botas, chapéus, selas, cintos, berrantes, entre outros produtos, adquiridos, em sua
maioria, por trabalhadores rurais. O comprador pode encontrar todo tipo de material que um verdadeiro peão de boiadeiro precisar. O proprietário, Odair Gonçalves Figueiredo, de 67 anos, abriu a loja em 1984. Natural de Conceição das Alagoas, Odair conta que começou nesse ramo porque o irmão tinha uma representação de chapéus importados e juntos começaram a vender chapéus em exposições agropecuárias. Na exposição agropecuária, o pessoal começou a pedir botas, chapéus, cintos e tal aí eu só tinha o chapéu, conta, divertido. Aí foi onde eu montei a selaria, com todos os acessórios, botas, chapéus, cintos, freios, esporas, selas, canivete, faca, facão, esclarece. E por que o nome Santos Reis? É que sou do mês de janeiro, nasci no dia 06, dia de Santos Reis, explica. As vendas prosperaram ao longo dos anos e ele afirma que vendia bem suas mercadorias. Vendia bem, mas agora caiu com essa crise aí, do Lula, do PT, né? Caiu Até 2002 foi bom, mas do ano passado pra cá, caiu demais. Esse ano tá crítico, o povo tá sem poder aquisitivo, né? Ganha muito mal, não dá para as obrigações, aí o consumo cai, né? Apesar disso, Odair não pensa em desistir do negócio. Ainda há clientes interessados em seus produtos. Em geral, pessoas da zona rural, pequenos proprietários e peões. Principalmente pessoas de origem mais humilde. Os mais ricos são mais seguros, não gostam de gastar. Chapéu, por exemplo, quem compra é o pessoal mais humilde, diz. Também entre o pessoal
da cidade há bastante procura por chapéus e cintos. Os melhores meses, de acordo com Odair, são junho, julho e dezembro. Devido às quadrilhas, junho e julho são os meses que eu mais vendo. Em dezembro também, que é mês de natal, eles querem dar presente pra um e pra outro, né?, conclui. Ao contrário do esperado, o período da Expozebu não é mais tão bom para as vendas. Mês de maio já foi muito bom, mas agora a exposição caiu 70%. Cobram muito caro pra entrar lá, não tem divulgação nenhuma, não tem show, não tem rodeio, então as vendas caem, explica pesaroso. A renda da loja, juntamente com a aposentaria que ele pagou como autônomo ao longo dos anos, é suficiente para sua sobrevivência. Ele é divorciado e tem três filhos. Dá uma rendinha razoável, vou tocando o barco aqui por enquanto. Tá ruim, mas pode melhorar, né? Quando melhorar eu já tô com a loja bem montada, o imóvel é meu, não pago aluguel mas se eu tivesse que pagar aluguel eu não teria condições de tocar não, afirma. E assim, seguro em suas escolhas, Odair segue entre seus chapéus, botas e selas atendendo aos seus clientes com o jeito calmo e paciente com que nos recebeu para essa conversa.
Rei da Vitamina A famosa galeria Rio Negro, no centro de Uberaba, abriga há 48 anos uma das mais antigas casas de suco e vitaminas da cidade: a Bomboniere Rio Negro Rei da Vitamina, fundada pelo
senhor Mário Toitio. É sua filha, dona Regina Célia Toitio, quem conta a história do lugar, já que hoje comanda o negócio do pai, falecido em 2010, com 86 anos. Senhor Mário nasceu em Ribeirão Preto, onde trabalhou com plantações; dona Regina não sabe precisar a data em que o pai veio para Uberaba mas, no início, ele possuía um mercadinho de verduras, próximo ao Colégio Marista Diocesano. A ideia de trabalhar com vitamina foi dele e do meu tio, Sérgio. Eles começaram com a vitamina lá na praça Rui Barbosa, em 54 aí depois meu pai veio sozinho para a Arthur Machado e depois para a galeria, onde a loja já tem 48 anos, conta. O barulho de liquidificador preparando as vitaminas é constante enquanto conversamos com dona Regina. Mesmo assim, ela diz que o movimento no local caiu muito nos últimos tempos, principalmente depois da implantação do BRT. O movimento diminuiu 40% com o BRT. Mas graças a Deus a gente tem os fregueses antigos, agora tem os netos que sempre vêm aqui, pondera. Ela conta que um dos frequentadores mais famosos foi Chico Xavier, que ia muito ao local. Eu tinha foto dele aqui, aí eu emprestei pra um pessoal e eles não me devolveram, lamenta. Nos tempos áureos, a loja funcionava até tarde. Antigamente ele trabalhava até dez, onze horas da noite. Quando tinha o Cine Metrópole, às vezes ele ficava até meia noite, lembra. Com a loja, seu Mário conseguiu criar seis filhos. Para três ele pagou faculdade particular, então, quer dizer, a luta dele foi grande. Mas ele conseguiu nós formamos, destaca.
Dona Regina não chegou a trabalhar com o pai na bomboniere, porque formou-se como professora, mas parou de trabalhar quando os filhos nasceram. Tempos depois, acabou se envolvendo com o comércio. Chegou a ter uma lanchonete na própria galeria Rio Negro, o Bar Eldorado, também tradicional na cidade. Um de seus irmãos assumiu a vitamina após o falecimento de seu Mário, mas depois abriu uma hamburgueria. Então dona Regina fechou o Eldorado e passou a cuidar da bomboniere. Atualmente, ela conta com a ajuda do filho mais velho e mais dois funcionários para tocar o negócio. Tem ainda dois filhos, morando fora de Uberaba; a filha mora no exterior e Uberlândia. o filho mais novo, em A viúva de seu Mário já está com idade avançada e apresenta problemas de saúde, por isso dona Regina tem que se dividir entre a vitamina e os cuidados com a mãe. Mas pretende manter o negócio do pai. Isso aqui é o sonho da vida dele, por isso preciso continuar enquanto puder, conclui.
Bar do Pezão de pai para filho, há mais de 50 anos Uma linda e antiga foto estampa o freezer onde são guardadas as bebidas. Nela estão Edson, ainda menino, em pose solene com o pai, a mãe e a irmã.
Edson virou Pezão, apelido que dá nome ao bar, aberto por seu pai, Divino José Moreira, em 1965 no bairro Santa Marta. Na fachada está exposta uma faixa em homenagem aos fundadores, pelos 50 anos de existência do bar, comemorados em 2015. Com uma fala mansa e educada, Pezão nos conta que aos onze anos começou a trabalhar ali com seu pai. Desde menino, eu que ficava aqui.. daí depois de 9 anos ele morreu e eu continuei sozinho. Tem 42 anos que ele morreu o bar fez 51 anos em agosto, esclarece. Seu Divino trabalhava vendendo verduras numa carroça, mas por problemas de saúde, teve que parar e montou o bar. Ele montou um barzinho numa sala que tinha aqui, porque não aguentava mais trabalhar com carroça, lembra. Emocionado, Pezão recorda que estudava para o vestibular de medicina quando assumiu o bar. Eu deixei de estudar pra medicina e virei dono de bar mas aqui também ajudo os fregueses de outro jeito, porque as pessoas sempre vem aqui com algum problema, perguntando alguma coisa e eu tenho que responder qualquer coisa, não posso deixar o freguês sem uma resposta, né?, brinca. Pezão sempre trabalhou sozinho mas, depois de casado, a esposa passou a ajudá-lo. É ela quem faz todos os salgados vendidos no bar. Temos coxinha, croquete, bolinho de arroz, bolinho de bacalhau, enumera. Aliás, a coxinha é famosa na cidade, vem gente de longe para experimentar. E de fato, comprovamos que a fama é justa; a coxinha é realmente deliciosa!
O casal possui apenas um filho, que trabalha com Sistemas de Informação e não tem tempo para ajudar no bar. No local tem também uma pequena mercearia. Enquanto conversávamos, um cliente entra para comprar ovos. O bar é aberto todos os dias às onze da manhã e fecha geralmente em torno de meia noite. O movimento é regular e possui uma clientela assídua, do Santa Marta e também de outros bairros. Vem gente do Pacaembu, Morumbi, Manoel Mendes, do Centro tem freguês de todo estilo, afirma. Sem fazer propaganda, Pezão recebe seus clientes como amigos. E, para ele, este é o segredo da longevidade de seu bar. Atender os fregueses bem, conversar, saber entender cada um, no seu jeito de ser, para atender bem. A gente é que tem que se adaptar a eles, explica. Além disso, ele mantém uma clientela mais selecionada. Eu evito gente que possa causar problema, para não ter briga, conclui. Dos clientes mais antigos, Pezão afirma que alguns frequentam o bar diariamente. Ele destaca um que bate ponto no local há cinquenta anos. Tem um que todo dia vem aqui. Ele, bebia, bebia demais parou de beber, e hoje ele vem aqui tomar café, conta. Esse e outros viraram fregueses de café desde a época de sua mãe trabalhando no bar. Ela gostava e fazia o café aqui e aí os fregueses que gostavam
tomavam o café, relembra. O Bar do Pezão é repleto de boas histórias e de gente alegre como Dona Maria Tomázia, vizinha há vários anos, que chega para comprar um refrigerante. Ela se anima ao saber que contaremos essa história no jornal. Eu vi o Pezão nascer, afirma, com um sorriso contagiante. Mesmo frequentado por vizinhos, amigos e gente de bem, algumas vezes o bar foi arrombado por marginais. Há dois anos tive que fazer uma reforma os ladrões entravam por um forro de madeira que tinha aqui., mostra Pezão. Em álbuns de fotografias que exibe orgulhoso, Pezão registra suas memórias. O local antes e depois da reforma, os amigos frequentadores inclusive o ex-jogador do Flamengo, Rodrigo Mendes e muitas crianças. Algumas aqui eu vi crescer no bar, e hoje já trazem os filhos pra eu ver, conta. Nesse ambiente familiar e hospitaleiro, é fácil perceber como o bar sobreviveu à inclemência do tempo. Mais do que comida e bebida, Pezão oferece a seus fregueses, com seu jeito simples e afável, sua atenção, paciência e amizade. E, é claro, deu muita vontade de sentar, pedir uma cerveja e ficar ouvindo as histórias desses 50 anos de existência.
Feriado de solidariedade e fé Feriado de 12 de outubro, dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Nesta data também se comemora o Dia das Crianças. Mas, enquanto muitos descansam no feriado, um grupo
de pessoas se mobiliza e trabalha duro para doar um pouco de alegria aos moradores do Jardim Espírito Santo. Há quinze anos, o caldeireiro industrial Geraldo Lauro, também conhecido como Marreta, reúne amigos voluntários no Grupo Espírita Osório Ferreira Oliveira para organizarem uma festa oferecida à comunidade do bairro. Satisfação, alegria e emoção são marcas desta gente que dedica parte do seu tempo ao próximo, dando lições de solidariedade, generosidade e amor. Café da manhã, almoço e presentes O dia começa logo cedo, por volta de cinco horas da manhã, quando a equipe prepara o café que é oferecido aos moradores a partir das oito horas e inicia os preparativos para o almoço. A festa foi idealizada por Marreta, devoto de Nossa Senhora Aparecida, que resolveu realizar essa homenagem reunindo a comunidade do bairro para comemorarem juntos, oferecendo o café da manhã e almoço. Luciana, sua esposa, diz que Marreta se inspirou na Tia Maria, que realiza uma festa semelhante no bairro Valim de Melo. Ele parou, pensou e falou assim: por que a gente não pode fazer isso na nossa comunidade, que também é carente, também é necessitada e a gente também tem espaço? Os alimentos são todos adquiridos através de doações de amigos
e dos próprios voluntários. Todo ano é uma luta, você tem que pedir, correr atrás de brinquedos, tem que contar com uma equipe boa para ajudar, esclarece Luciana. Ajuda de pessoas como Ronilda, que trabalha na organização do almoço há dois anos, junto com toda sua família. E ela comemora, satisfeita, o sucesso da festa. Cada ano que passa a gente vai aumentado a quantidade de comida e de pessoas que vem para participar, tanto para nos ajudar como para comer. Da cozinha, exala um cheiro de comida boa e Ronilda mostra as enormes panelas de galinhada que será servida, junto com macarronada, tutu de feijão e salada. Já fizemos até agora três panelas de galinhada, mas ainda faremos mais, conta, animada. Enquanto os voluntários trabalham a todo vapor na cozinha, a criançada brinca num pula-pula (novidade na festa), do lado de fora do centro. Esse ano nós conseguimos até esse pula-pula, explica Rodrigo, que participa da festa como voluntário pela primeira vez. Ele conta que foi convidado no ano passado e esse ano resolveu colocar a mão na massa para ajudar. A gente faz o que pode e com a graça de Deus, vamos melhorar cada vez mais essa festa, afirma. O grupo não calcula a quantidade de pessoas beneficiadas, porque as portas ficam abertas para quem quiser chegar. Não dá pra calcular, porque eles vão passando, vão passando e a gente não consegue contar, explica Luciana. Quando termina o evento, a comida que sobra é destinada para outras instituições. Toda a arrecadação que temos é voltada para o almoço. E o que sobra a gente leva para um asilo. É muito difícil sobrar, mas quando sobra é doado, acrescenta Ronilda.
Além do almoço, com direito a bolo como sobremesa também doação de amigos as crianças recebem brinquedos e doces em comemoração ao Dia das Crianças. Devoção e gratidão A festa também é marcada pela fé da comunidade, que sai em carreata em louvor a Nossa Senhora Aparecida pelas ruas dos bairros Jardim Espírito Santo e Tancredo Neves. Antes de servir o almoço, os voluntários preparam as imagens de Nossa Senhora para a carreata, colocando véus enfeitados e flores. Marreta comenta que muitas pessoas estranham o fato de um centro espírita realizar uma carreata em homenagem a uma santa. Nós somos espíritas meio católicos, brinca. A carreata já é tradição na festa. Sou espírita, mas acho que Nossa Senhora Aparecida é um espírito de luz. Muitos que vem aqui são católicos, acreditam na santa. Não é justo tirar isso deles, acrescenta. Ao retornarem ao centro, os voluntários e a comunidade realizam uma prece, agradecendo pelo dia e pedindo proteção à Nossa Senhora Aparecida. Esse é um momento de grande emoção para todos. Luciana e Marreta agradecem aos voluntários que participaram da festa. Quero agradecer a todo mundo, porque cada um ajudou um pouquinho. E é isso que faz a diferença. Mas não precisa ajudar só na festa não cada um pode ajudar um pouquinho o seu próximo, todos os dias. Não precisa ser em alimento. Um abraço, um bom dia, um oi Isso que é a caridade, fala Marreta em seu discurso de encerramento. 1 of 19