Aplicação de modernas metodologias para cartografia sedimentar: caso prático de S. Pedro de Moel

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Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 711-715 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-issn: 1647-581X Aplicação de modernas metodologias para cartografia sedimentar: caso prático de S. Pedro de Moel Applying modern offshore sedimentary cartography techniques: case study in S. Pedro de Moel L. Reis 1*, L. Rosa 1, A. Rodrigues 1, C. Pólvora 1, M. Ribeiro 1, J. Pombo 1. 2014 LNEG Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Artigo Curto Short Article Resumo: As técnicas de cartografia sedimentar antigas eram baseadas essencialmente em métodos acústicos de baixa resolução e na colheita de amostras em malhas regulares relativamente densas de forma a obter uma representação aproximada da realidade. Estes métodos dependiam da interpretação de modelos geológicos bem conhecidos para a correta representação do fundo. Atualmente, os métodos acústicos utilizados fornecem modelos de alta resolução que permitem a cartografia remota do fundo e consequentemente, uma amostragem menos densa e mais eficiente. Na sequência deste trabalho, serão descritos os novos métodos de aquisição de dados acústicos de alta resolução e os sistemas de amostragem atuais, assim como um exemplo da utilização destas metodologias. Palavras-chave: Cartografia, Métodos acústicos, Backscatter, Sísmica. Abstract: Old sedimentary cartography methods were essentially based on low resolution acoustic methods and regularly spaced seafloor sampling. To represent the sedimentary deposits and rock outcrops it was necessary to rely in well-known geological models. Nowadays, modern acoustic methods provide high resolution images of the seabed allowing acoustic remote mapping, and consequently, a higher sampling efficiency. Through this paper we will describe modern high resolution acoustic methods and sampling systems as well as its application. Keywords: Cartography, Acoustic methods, Backscatter, Seismics. 1 Instituto Hidrográfico, Rua das Trinas 49, 1249-093, Lisboa. * Autor correspondente/corresponding author: laura.reis@hidrografico.pt 1. Introdução A cartografia sedimentar do fundo marinho é fundamental para qualquer atividade económica que se exerça na plataforma continental. Aplicações evidentes são as «Cartas de apoio às Pescas» com informação relevante para as comunidades piscatórias, e ainda o conhecimento de eventuais recursos minerais ou de manchas de empréstimo para obras de engenharia. No que diz respeito à segurança da navegação ou a atividades de lazer, a informação cartografada permite selecionar zonas de fundeadouro, delimitar áreas de navegação restrita ou orientar atividades de mergulho recreativo. Em Portugal, o primeiro reconhecimento da natureza dos sedimentos marinhos foi realizado entre 1913 e 1941, com a publicação das «Cartas Litológicas Submarinas». Em 1974, o Instituto Hidrográfico iniciou a sua atualização e revisão, através do programa SEPLAT (cartografia SEdimentar da PLATaforma continental portuguesa). Este programa teve por objetivo a publicação de 8 folhas sedimentológicas (escala 1:150 000), baseadas na amostragem regular dos fundos marinhos, análise e classificação dos sedimentos e sua representação cartográfica. (Fig. 1) (Moita, 1985). A delimitação dos afloramentos rochosos era realizada com base na análise da informação batimétrica disponível ou na realização ocasional de perfis de sísmica (com resoluções verticais da ordem dos 2 m) e levantamentos com sonar lateral. A informação representada nas cartas sedimentológicas estava suportada numa malha muito densa de amostragem (na plataforma continental foram colhidas e analisadas cerca de 14000 amostras, colhidas segundo uma malha regular de 1 milha, adensada para metade junto de costa) mas, fruto do próprio método, a delimitação de depósitos era afetada por algum grau de subjetividade. No entanto, os documentos produzidos continham informação essencial ao estudo da origem e evolução recente dos processos sedimentares, bem como a sua relação genética com os afloramentos rochosos ou estruturas geológicas específicas (Rodrigues, 2004). A evolução dos métodos acústicos nas últimas décadas, tornou disponível uma série de tecnologias que mudaram radicalmente as técnicas de prospeção submarina, no que diz respeito à caracterização e delimitação espacial dos depósitos sedimentares, à sua relação genética com afloramentos rochosos e ainda às evidências de processos dinâmicos que afetam o fundo marinho. Neste sentido, o presente trabalho descreve um caso de estudo, realizado na plataforma média ao largo de S. Pedro de Moel, onde a implementação de uma nova metodologia para a cartografia sedimentar do fundo marinho, baseada nas novas tecnologias de acústica submarina, permitiu a elaboração de uma cartografia de grande resolução, inédita no território nacional.

712 A aquisição de dados acústicos e sedimentológicos foi realizada a bordo do NRP Almirante Gago Coutinho entre maio e agosto de 2011. Os dados foram processados L. Reis et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 711-715 e analisados no Instituto Hidrográfico no âmbito do projeto Caracterização geofísica da zona piloto (Bizarro et al., 2012). Fig. 1. Carta dos sedimentos superficiais da plataforma continental portuguesa folha SED 3 (Cabo Mondego Cabo Carvoeiro). Fig. 1. Portuguese continental platform sedimentar map, chart SED 3 (Cape Mondego Cape Carvoeiro). 2. Descrição da metodologia A cartografia de um setor da plataforma continental média ao largo de São Pedro de Moel, limitada a norte e a sul pelos paralelos 39º 57 29.99 N e 39º 47 30.00 N (a leste e a oeste é limitada pelas isobatimétricas dos 30 m e 110 m, respetivamente), foi realizada utilizando um conjunto de métodos de prospeção complementares entre si. Essa combinação revelou-se bastante eficaz no reconhecimento da morfologia e da natureza do fundo marinho. Os métodos utilizados são os que se descrevem de seguida: 2.1. Levantamento hidrográfico e processamento do sinal acústico A área de estudo foi levantada com o sondador multifeixe KONGSBERG EM710 (70-100 khz), segundo uma malha de perfis que permitiu a cobertura total do fundo. Este sistema está montado no NRP Almirante Gago Coutinho. Os dados de multifeixe foram processados com recurso ao algoritmo Combined Uncertainty Bathymetric Estimator (CUBE) (Calder & Mayer, 2003), produzindo-se uma malha regular de pontos com a melhor estimativa da profundidade do local. A malha foi definida em função da densidade de pontos (a qual é condicionada pela gama de profundidades e pela resolução do sistema multifeixe). O resultado é um modelo de digital de terreno que pode ser mais facilmente visualizado com recurso a uma escala de cores e um sombreado com direção e elevação adequada.

Modernas metodologias para cartografia sedimentar 713 2.2. Classificação e caracterização remota do fundo A intensidade do sinal recebido pelo multifeixe pode ainda sofrer um processamento adicional que permite inferir a natureza do fundo. É calculado um valor normalizado de Backscatter Strength (BS) utilizando um conjunto de algoritmos designados por Geocoder (Fonseca & Calder, 2005). É construída uma série temporal para cada bordo do multifeixe a partir das séries temporais de cada feixe e são aplicadas diversas correções radiométricas geométricas. O valor calculado traduz a variação do backscatter com o ângulo de incidência (que é característica de cada tipo de sedimento). Para a construção do mosaico de backscatter é necessário um segundo passo em que se remove a variação angular aplicando um filtro AVG (Angular Varying Gain), que na sua essência é uma média móvel. No entanto, o mosaico apenas permite a segmentação textural e a classificação através da correspondência com os diferentes tipos de sedimento amostrado. Mas a variação de BS com o ângulo de incidência é uma propriedade intrínseca do tipo de sedimento, e através de Angular Range Analysis (ARA), (Fonseca & Mayer, 2007), é possível caracterizar o sedimento através da inversão de modelos acústicos e da determinação dos parâmetros físicos do sedimento que melhor ajustam o modelo à curva de BS observada. 2.3. Estrutura geológica e caraterísticas sedimentológicas Para estudar a estrutura geológica deste setor da plataforma foram adquiridos perfis de sub-bottom profiling com um sistema IXSEA ECHOES 3500 (1,8-5,2 khz, -3 db) que emite um sinal chirp modulado em amplitude e frequência e no qual é feita a correlação entre o sinal transmitido e recebido, e perfis de reflexão sísmica monocanal com um sistema boomer Applied Acoustics Engineering (300-6500 Hz, -3 db). O SBP foi operado em simultâneo com o sondador multifeixe e permite a obtenção de perfis com boa resolução vertical, 0,29 m. Estes perfis foram complementados com perfis de boomer, que permitem um melhor compromisso entre penetração e resolução (cerca de 0,50 m), sendo mais adequada a sua utilização em sedimentos grosseiros dada a forte atenuação das altas frequências. Os dados foram processados, e implantados num SIG, para fácil visualização e integração. O mapeamento das isopacas foi efetuado recorrendo ao método de interpolação Inverse Distance Weighted. Foram ensaiados diversos parâmetros para a dimensão de célula, distância máxima de influência, número de pontos de influência, e função que relaciona o peso com a distância, até se obter um resultado consentâneo com a interpretação geológica das áreas de estudo. Foi também utilizada a imagem do afloramento rochoso como barreira na interpolação. Para a obtenção de amostras sedimentares foi utilizado um colhedor superficial de sedimentos Smith- McIntyre, e um colhedor vertical vibrocorer, este último utilizado em 3 posições selecionadas a partir da análise preliminar dos dados geofísicos. Todas as amostras foram analisadas e descritas tendo em especial atenção a textura e o teor em carbonato de cálcio, tendo sido igualmente comparadas com o conhecimento prévio existente sobre a zona. Todas as análises foram realizadas seguindo procedimentos acreditados de acordo com as Normas NP EN 932-2:2002, NP EN 933-1:2000/NT.LB.22v01, ISO 13320:2009/NT.LB.23v02.01, NT.LB.26v00.03 e NT.LB.29v00.03, estando estes procedimentos em concordância com a norma ISO IEC 17025:2005. 3. Caso de estudo 3.1. Morfologia O modelo digital do relevo resultante do processamento dos dados de multifeixe apresenta um pendor suave (média de inclinação de 0,2º), sendo possível reconhecer as transições entre depósitos sedimentares, e destes com os afloramentos rochosos. As irregularidades morfológicas identificadas como transições entre depósitos sedimentares distintos apresentam desníveis verticais até 1 m de altura, enquanto os afloramentos rochosos são marcados por desníveis mais significativos que em média atingem 8 a 10 m (máximo de 16 m). 3.2. Cartografia do fundo Através da análise das imagens de multifeixe e de BS (Fig. 2), foi possível a delimitação da cobertura de rocha e a identificação das principais transições entre depósitos sedimentares. Foi realizada a cartografia do afloramento rochoso e a delimitação dos depósitos sedimentares à escala 1:10 000. A análise textural e conteúdo em carbonatos e mineralogia, contribuem para a definição dos diferentes tipos de depósitos. Foram identificados quatro depósitos sedimentares: depósitos litorais (areias finas que se estendem até aos 45 m de profundidade; a mineralogia, o fraco conteúdo em carbonatos e a sua textura estão em concordância com as características de um depósito de origem terrígena, com influência dos processos litorais); depósitos cascalhentos da plataforma média (de textura heterométrica; constituídos por cascalhos e areias grosseiras); depósitos arenosos da plataforma média (localizados abaixo dos 75 m de profundidade; constituídos por areias finas a muito finas; o seu conteúdo em carbonatos, mineralogia e textura que os destacam geneticamente dos depósitos litorais); e finalmente, as manchas de areia (encontram-se espalhadas sobre os depósitos cascalhentos da plataforma média; constituídas por areia fina) (Bizarro et al., 2012). As amostras verticais colhidas com o sistema vibrocorer (ROSSFELDER P5), foram submetidas a uma série de ensaios físicos e mecânicos, que confirmaram a interpretação das unidades sísmicas identificadas (Bizarro et al., 2012).

714 3.3. Estrutura da camada de sedimentos A conjugação dos dois sistemas de prospeção sísmica (SBP e boomer), conforme o descrito no trabalho atrás referido, permitiu a identificação de quatro unidades sísmicas que se descrevem de seguida. No topo, U1, corresponde ao depósito de cor mais escura observável no backscatter (com BS mais baixo). O refletor base desta unidade tem boa continuidade, tendo sido identificado nos perfis de boomer e SBP. Foi posteriormente confirmado como sendo um depósito de areia fina. A segunda unidade sísmica, U2, corresponde ao padrão de backscatter mais claro (BS mais alto) no centro da área. A fácies sísmica apresenta reflexões internas descontínuas, sendo posteriormente confirmado como sendo um depósito de cascalho com espessura variável. L. Reis et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 711-715 A unidade U3 apresenta refletores internos de geometria variável, embora se identifique uma tendência geral progradante. O limite superior foi essencialmente identificado nos perfis de SBP, embora tenha sido possível identificar a continuidade a partir dos cruzamentos com fiadas de boomer. O limite superior da unidade sísmica U4 é observável essencialmente nos perfis de boomer (embora também em alguns perfis de SBP) e é facilmente revelado pela terminação dos refletores em discordância com a unidade superior. Esta unidade corresponde ao bedrock deformado e é a unidade mais antiga desta sequência (Fig. 3). O cálculo das espessuras das unidades descritas foi efetuado considerando, em todos os casos, uma velocidade média de propagação nos sedimentos de 1650 m/s. Fig. 2. Representação do afloramento rochoso e da variação de backscatterstrength de acordo com a transição entre depósitos sedimentares (Bizarro et al., 2012). Fig. 2. Rock outcrop and backscatter strength variation according to sedimentary deposits transition (Bizarro et al., 2012). Fig. 3. Parte de um perfil de SBP (em cima) e de um perfil de boomer (em baixo) na área de estudo. A figura mostra as unidades sísmicas U1 (area fina) a U4 (bedrock) e os reflectores principais (Bizarro et al., 2012). Fig. 3. Part of a chirp sub-bottom profile (top) and a boomer profile (bottom) in the study area, showing the interpreted seismic units U1 (fine sand) to U4 (bedrock) and main reflectors (Bizarro et al., 2012).

Modernas metodologias para cartografia sedimentar 715 4. Considerações finais Os resultados da aplicação da nova metodologia para cartografia sedimentar do fundo marinho mostrou que, esta conjugação de diferentes métodos de aquisição e processamento de dados permite não só, distinguir as grandes estruturas e traços morfológicos do fundo marinho, como também tecer considerações quanto à sua natureza e composição (Fig. 4). Fig. 4. Cartografia dos depósitos sedimentares da Zona Piloto (Bizarro et al., 2012). Fig. 4. Cartography of the main sedimentary deposits on the Pilot Zone area (Bizarro et al., 2012). A uma escala de maior resolução, foi possível registar e cartografar os limites entre manchas sedimentares distintas, as suas relações com as unidades geológicas subjacentes e localizar estruturas sedimentares particulares. A conjugação das técnicas descritas revelouse como uma abordagem inovadora e muito eficaz para o reconhecimento e cartografia de grande resolução, das estruturas aflorantes no fundo marinho. Estas capacidades modernas, apresentam grande potencial nos estudos específicos ao nível da dinâmica sedimentar, nomeadamente nos aspetos relacionados com a estabilidade dos fundos e da suscetibilidade das partículas à remobilização induzida por ondas e correntes, aspetos importantes nos ambientes marinhos e que devem ser tidos em conta por qualquer utilizador deste tipo de informação. Agradecimentos Este trabalho é baseado no estudo Caracterização geofísica da zona piloto para experimentação de métodos de produção de energia renovável, financiado pela ENONDAS- Energia das Ondas, S.A.. Os resultados apresentados neste trabalho não teriam sido possíveis sem a contribuição de todos os colaboradores da Divisão de Geologia Marinha do Instituto Hidrográfico. Referências Bizarro, R., Oliveira, A. Santos, A. I., Rosa, L., Pinto, J. P., Pólvora, C., Ferreira, F., Lapa, N., Cruz, I., Pombo, J., Reis, L., Silva, S., Caetano, A., Duarte, J., 2012. Relatório técnico final REL TF GM 04/12 Caracterização geofísica da zona piloto, 177 p. Calder, B., Mayer, L., 2003. Automatic processing of high-rate, highdensity multibeam echosounder data. Geochemistry Geophysics Geosystems, 4, (DOI: 10.1029/2002GC000486). Fonseca, L., Calder, B., 2005. Geocoder: an efficient backscatter map constructor. Proceedings of the U.S. Hydrographic Conference 2005, San Diego, CA. Fonseca, L., Mayer, L., 2007. Remote estimation of surficial seafloor properties through the application of angular range analysis to multibeam sonar data. Marine Geophysical Researches, 28(2), 119-126. Moita, I., 1985. Das Cartas Litológicas Submarinas ao Programa SEPLAT. Anais do Instituo Hidrográfico, 6, 43-45. Rodrigues, A., 2004. Tectono-Estratigrafia da plataforma continental setentrional portuguesa. Tese de doutoramento. Documentos Técnicos do Instituto Hidrográfico, nº35, 227 p.