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Transcrição:

I. Relatório Venceslau Fortuna, devidamente identificado nos autos, notificado da decisão do Director de Finanças de Lisboa que procedeu à correcção do rendimento colectável declarado, relativo a IRS do ano 2010, com recurso ao método indirecto consagrado no art. 89.º-A da Lei Geral Tributária (LGT), aumentando-o em 100.000,00, a enquadrar na categoria G («outros incrementos patrimoniais»), dela vem interpor recurso, nos termos do disposto no art. 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do n.º 5 deste artigo, pedindo a anulação desse acto. Alega, em síntese: que não estão verificados os requisitos para o recurso àquele método, uma vez que, descontado no preço de compra do imóvel o montante do empréstimo bancário que contraiu para essa aquisição, o valor não atinge o montante mínimo fixado no n.º 1 da tabela prevista no n.º 4 do art. 89.º-A da LGT para que a aquisição de imóveis seja havida como manifestação de fortuna; que, ainda que assim não se considere, justificou os rendimentos que lhe permitiram a manifestação de fortuna, demonstrando que em 2010 detinha meios financeiros de valor superior ao preço que pagou pela compra do imóvel; que não pode exigir-se-lhe, como exigiu a Administração tributária, que comprove quais desses meios financeiros foram os usados na compra do imóvel, sendo que, apesar disso, fez essa comprovação relativamente ao montante de 50.000,00 que transferiu de um depósito a prazo para a conta à ordem sobre a qual sacou o cheque para pagamento do preço, não podendo a Administração tributária exigir-lhe que demonstre a origem desse montante; que se a Administração tributária entender considerar como não justificados os rendimentos que lhe permitiram a compra do imóvel, então deverá fazer a prova de que o Recorrente no ano de 2010 teve outros rendimentos para além dos declarados, atento o disposto nos arts. 74.º, n.º 1, e 75.º, n.º 1, da LGT. O Director de Finanças de Lisboa deduziu oposição, sustentando a caducidade do direito de recorrer e, subsidiariamente, a inimpugnabilidade do acto, a impossibilidade de alegar em sede contenciosa matéria de facto que não foi invocada em sede administrativa, e a improcedência do recurso. A caducidade do direito de recorrer porque à data da entrada da petição de recurso decorrera já o prazo de 10 dias, contado da data em que o Recorrente foi notificado da decisão administrativa. A não impugnabilidade do acto porque a fixação da matéria tributável por métodos indirectos não é susceptível de impugnação directa (a menos que não dê origem a liquidação) e a sua 1

discussão em sede de impugnação judicial da liquidação consequente depende do prévio pedido de revisão a efectuar mediante o procedimento previsto no art. 91.º da LGT. A impossibilidade de alegação de nova factualidade porque o Recorrente, na tentativa de justificar a manifestação de fortuna, veio invocar na petição inicial a titularidade de uma conta de depósito a prazo a que não tinha feito referência ao longo do procedimento. A improcedência do recurso porque entende que só a justificação total do montante que permitiu aquela manifestação de fortuna releva para afastar a possibilidade de fixação da matéria tributável por métodos indirectos consagrada no art. 89.º-A da LGT. Para a eventualidade de se conferir relevância à justificação parcial, sustenta o Recorrido que a decisão a proferir deverá restringir-se à anulação do acto na parte afectada, não sendo de anulá-lo na totalidade, como pretende o Recorrente. O Representante do Ministério Público junto do Tribunal Tributário de Lisboa pronunciou-se pela improcedência do recurso. Não se suscitam questões sobre a competência do tribunal, nulidades que invalidem o processo ou excepções sobre personalidade e capacidade judiciárias das partes. Estão invocadas as excepções dilatórias de inimpugnabilidade do acto e de caducidade do direito de recorrer, que serão decididas após a fixação da pertinente matéria de facto. As questões que cumpre apreciar e decidir são as: da não impugnabilidade do acto; da caducidade do direito de recorrer; da legalidade da fixação da matéria tributável por métodos indirectos ao abrigo do disposto nos arts. 87.º, alínea d) e 89.º-A da LGT, o que passará por indagar da verificação dos requisitos para o recurso a esse método; das exigências relativas à justificação; da relevância da justificação parcial; da possibilidade da anulação parcial do acto recorrido. II. Fundamentação II.1 De facto Factos Provados Com base nos elementos documentais juntos aos autos e que não foram postos em causa, dou como provados os seguintes factos: 2

A) Por escritura pública celebrada em 15 de Outubro de 2010, Venceslau Fortuna comprou o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Cima, concelho de Lisboa, sob o art. 114, pelo preço de 500.000,00 (cf. cópias da escritura juntas ao processo administrativo apenso como doc. 4 e com a petição inicial como doc. 2); B) Na mesma data, e como consta da mesma escritura, para efectuar essa compra Venceslau Fortuna contraiu um empréstimo bancário de 300.000,00 junto do Banco Xis, S.A., a favor do qual foi constituída hipoteca sobre aquele prédio para garantia do pagamento do capital mutuado e respectivos juros (cf. cópias da escritura); C) Relativamente ao ano de 2010, da declaração de rendimentos apresentada por Venceslau Fortuna resulta um rendimento líquido de 20.000,00 (cf. doc. 2 junto ao processo administrativo apenso); D) Em face do valor da aquisição dita em A) e do rendimento líquido resultante da declaração de rendimentos, a AT decidiu dar início ao procedimento de avaliação indirecta da matéria tributável previsto no art. 89.º-A da LGT (cf. ponto 1.4 do Relatório Final do procedimento de inspecção); E) No ano de 2010, Venceslau Fortuna detinha em contas bancárias: 1. 450.000,00 numa denominada conta-investimento (CI n.º 232325) de que era titular no Banco X, S.A. ; 2. 50.000,00 numa conta de depósito a prazo (CP n.º 151617) de que era titular no Banco X, S.A. e na qual manteve, desde 1 de Janeiro de 2005 até 14 de Outubro de 2010, saldo não inferior a 50.000,00 3. 100.000,00 numa conta de depósito a prazo (CP n.º 121314) de que era titular no Banco Y, S.A. (cf., respectivamente, os documentos juntos ao processo administrativo apenso como docs. 5 e 6 do processo administrativo apenso e com a petição inicial como docs. 3, 4 e 5); F) No dia 14 de Outubro de 2010, Venceslau Fortuna transferiu 50.000,00 da sua da conta de depósito a prazo CP n.º 151616 do Banco X, S.A. para a sua conta à ordem CO n.º 343536 do mesmo banco (cf. o documentos junto ao processo administrativo apenso como doc. 8 e à p.i. como doc. 7); G) Foi sobre essa conta à ordem que o Recorrente sacou o cheque n.º 515253, emitido em 15 de Outubro de 2010, para efectuar o pagamento do preço da compra do imóvel (cfr. documento junto ao processo administrativo apenso como doc. 9 e com a p.i. como doc. 8); 3

H) No âmbito do procedimento dito em D), a Direcção de Finanças de Lisboa remeteu a Venceslau Fortuna o ofício n.º 414243 em ordem a notificá-lo para apresentar prova de que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada (cf. o documento junto ao processo administrativo apenso como doc. 3); I) Em resposta a essa notificação, Venceslau Fortuna veio dar conhecimento à Direcção de Finanças de Lisboa do empréstimo referido em B) bem como da existência das contas ditas em E) 1. e E) 2. (cf. o ponto 1.5 do Relatório Final do procedimento de inspecção, bem como o art. 6.º da petição inicial); J) Pelo ofício n.º 444546, a Direcção de Finanças de Lisboa notificou Venceslau Fortuna para apresentar prova de que mobilizara os meios financeiros referidos em E) 1 e E) 2 para comprar o imóvel (cf. o documento junto ao processo administrativo apenso como doc. 7 e junto com a petição inicial como doc. 6); K) Em resposta a esse ofício, Venceslau Fortuna apresentou os documentos comprovativos dos factos ditos em F) e G) (cf. o ponto 1.7 do Relatório Final do procedimento de inspecção e os documentos juntos ao processo administrativo apenso como docs. 8 e 9 e juntos com a petição inicial como docs. 7 e 8); L) Pelo ofício n.º 474849, a Direcção de Finanças de Lisboa notificou Venceslau Fortuna para comprovar a origem dos 50.000,00 respeitantes ao depósito a prazo n.º 151617 do Banco X, S.A., em ordem a permitir a verificação se essa quantia correspondia a rendimento sujeito a declaração e, na afirmativa, se tinha sido declarado (cf. ponto 1.8 do Relatório Final do procedimento de inspecção e o documento junto ao processo administrativo apenso como doc. 10 e com a petição inicial como doc. 9); M) Venceslau Fortuna não respondeu a essa notificação (cf. ponto 1.9 do Relatório Final do procedimento de inspecção e o documento junto ao processo administrativo apenso); N) Para notificar Venceslau Fortuna do projecto de relatório final da inspecção e para, querendo, exercer o direito de audição, nos termos da alínea d) dos n.ºs 1 e 5 do art. 60.º da LGT, a Direcção de Finanças de Lisboa remeteu-lhe o ofício n.º 717273, de 7 de Junho de 2013 (cf. ponto 1.10 do Relatório Final do procedimento de inspecção e o documento junto ao processo administrativo apenso como doc. 11); O) Na ausência de resposta a essa notificação, a Direcção de Finanças de Lisboa converteu o projecto em decisão final e remeteu-o ao Director de Finanças, que, por despacho de 15 de Agosto de 2013, concordando com o relatório e com base nos fundamentos nele referidos e 4

nos arts. 87.º, alínea d), e 89.º-A, da LGT, corrigiu o rendimento colectável declarado, relativo a IRS do ano 2010, aumentando-o em 100.000,00, a enquadrar na Categoria G (cf. o despacho no processo administrativo apenso); P) Para notificar Venceslau Fortuna do Relatório Final da fiscalização e, da decisão do Director de Finanças de Lisboa, a Direcção da Finanças de Lisboa remeteu-lhe o ofício com o n.º 616263, datado de 25 de Setembro de 2013 e recepcionado pelo sujeito passivo em 30 Setembro de 2013 (cf. cópia do ofício e o respectivo aviso de recepção junto do processo administrativo apenso em apenso); Q) A petição inicial que deu origem ao presente processo foi remetida ao Tribunal Tributário de Lisboa por correio registado em 10 de Outubro de 2013 (cf. o sobrescrito por que a peça processual foi remetida a juízo); R) Nessa peça processual foi aposto carimbo de entrada com data de 14 de Outubro de 2013 (cf. o carimbo aposto na petição inicial). Factos não provados Não há factos que cumpra dar como não provados. Motivação do julgamento da matéria de facto Os factos que foram dados como provados, foram-no com base nos documentos expressamente referidos e que não mereceram Quanto ao facto consignado sob o n.º 3 da alínea E), apesar de o Recorrido entender que não pode ser tida em conta na sentença a factualidade que foi alegada pela primeira vez apenas na fase de recurso judicial (nem a respectiva prova), nada obsta, como procuraremos demonstrar adiante, a que a mesma seja considerada. II.2 De facto e de direito Da não impugnabilidade do acto O Director de Finanças de Lisboa veio excepcionar a inimpugnabilidade do acto, sustentando, em síntese, que os actos de fixação da matéria tributável por métodos indirectos não são impugnáveis directamente, como resulta do disposto nos n.ºs 3 e 5 do art. 86.º da LGT, a menos que não dêem lugar a liquidação de imposto e que, querendo o sujeito passivo invocar o erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, devia antes ter solicitado a sua revisão, através do procedimento previsto no art. 91.º da LGT. 5

É certo que, em regra e como decorre do disposto nos n.ºs 3 e 5 do art. 86.º da LGT, os actos de fixação da matéria tributável por métodos indirectos que não dêem origem a liquidação de imposto não são impugnáveis directamente, mas apenas na consequente liquidação e que a impugnação judicial da liquidação, caso o sujeito passivo aí pretenda invocar o erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, depende de uma prévia reclamação, a concretizar mediante o procedimento de revisão previsto no art. 91.º da LGT. Nesse sentido aponta também o n.º 1 do art. 117.º do CPPT. No entanto, nem sempre assim é. Exceptuam-se os casos de regime simplificado de tributação e aqueles em que for interposto recurso hierárquico com efeito suspensivo da liquidação (cf. o referido n.º 1 do art. 117.º do CPPT) e também, que é o que ora nos interessa, os casos em que a matéria tributável for fixada por métodos indirectos ao abrigo do disposto nos arts. 87.º, alínea d) e 89.º-A da LGT. Na verdade, nos termos do n.º 7 do art. 89.º-A da LGT, «Da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, [ ] não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91.º e seguintes». Improcede, pois, a arguida excepção de não impugnabilidade do acto recorrido. Da caducidade do direito de recorrer O Director de Finanças de Lisboa excepcionou a caducidade do direito de recorrer. Isto porque a petição inicial apenas deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa em 14 de Outubro de 2013, quando, uma vez o sujeito passivo foi notificado em 30 de Setembro de 2013 da decisão que lhe fixou a matéria tributável nos termos previstos no art. 89.º-A da LGT, o termo do prazo para recorrer judicialmente dessa decisão ocorreu em 10 de Outubro de 2013. Vejamos: Ao recurso previsto no n.º 7 art. 89.º-A da LGT é aplicável, por força do n.º 8 do mesmo artigo, a tramitação prevista no art. 146.º-B do CPPT. Ora, nos termos do n.º 2 do art. 146.º-B do CPPT, a petição deve ser apresentada no prazo de dez dias a contar da data em que foi notificada a decisão. Não há dúvida, pois, de que o prazo para recorrer é de 10 dias. Na contagem desse prazo são de observar as regras do art. 279.º do Código Civil (CC), como o impõe o n.º 1 do art. 20.º do CPPT, pois trata-se de um prazo de impugnação judicial, como resulta do disposto no art. 97.º, n.º 1, alínea q), do CPPT, e não de um prazo para a prática de acto no processo judicial, ainda inexistente. 6

Assim, porque nos termos do n.º 3 do art. 39.º do CPPT, o Recorrente se deve ter por notificado em 30 de Setembro de 2013, data em que foi assinado o aviso de recepção relativo à carta que para o efeito lhe foi remetida pela Direcção de Finanças de Lisboa (cf. facto provado sob a letra P), o prazo para interposição do recurso terminaria em 10 de Outubro de 2013. Sustenta o Director de Finanças de Lisboa a caducidade do direito de recorrer com o argumento de que a petição inicial só foi apresentada em 14 de Outubro de 2012. Não tem razão, pois, apesar de a petição inicial só ter dado entrada no Tribunal Tributário de Lisboa no dia 14 de Outubro de 2013 (cf. facto provado sob a letra R), foi remetida a juízo por correio registado em 10 de Outubro de 2013 (cf. facto provado sob a letra Q), sendo esta última data que deve ser considerada como a da apresentação da petição inicial. Na verdade, de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 146.º-B do CPPT, que, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo é aplicável ao recurso previsto no art. 89.º-A da LGT, não é obrigatória a constituição de advogado e o Recorrente não o constituiu. Por isso, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 7 do art. 144.º do CPC, aplicável ex vi do art. 2.º, alínea e), do CPPT, a petição inicial pode ser remetida a juízo por via postal registada, considerando-se apresentada em juízo na data do registo. Improcede, pois, a invocada caducidade do direito de recorrer. Da legalidade da fixação da matéria tributável por métodos indirectos ao abrigo do disposto nos arts. 87.º, alínea d) e 89.º-A da LGT De acordo com o disposto no art. 89.º-A, n.º 1, da LGT, na redacção que ora cumpre considerar, que é a da Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, que estava em vigor em 2010, «Há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50 %, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela». No n.º 1 da referida tabela do n.º 4 do art. 89.º-A prevê-se como manifestação de fortuna a aquisição de imóveis de valor igual ou superior a 250.000,00, a que se faz corresponder um rendimento padrão de 20% do valor de aquisição. Uma vez que o ora Recorrente no ano de 2010 comprou um imóvel pelo preço de 500.000,00 e da declaração de rendimentos que apresentou relativamente a esse ano resulta um rendimento líquido de 20.000,00 ou seja, menos de metade do rendimento padrão que a lei considera 7

revelado por aquela aquisição a Administração tributária, considerou verificada a previsão do n.º 1 do art. 89.º-A. Por isso, entendeu notificá-lo nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, para comprovar que correspondem à realidade os rendimentos declarados e que é outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada. Depois, considerando que o Recorrente não conseguiu demonstrar que a aquisição do imóvel em causa foi efectuada, na sua totalidade, com meios financeiros que não têm origem em rendimentos sujeitos a declaração, considerando também que essa demonstração só releva quando se referir à totalidade do valor de aquisição, corrigiu o rendimento tributável do ora Recorrente para o ano de 2010, acrescendo-lhe 100.000,00, a enquadrar na categoria G (cf. facto provado sob a letra O). Desde logo, podemos desde já assentar em que, contrariamente ao que sustenta o Recorrente, no caso de a manifestação de fortuna em causa consistir na aquisição de imóveis, para que se considere verificada uma fattispecie subsumível à previsão do n.º 1 do art. 89.º-A há apenas que atentar no valor de aquisição, que deverá ser igual ou superior a 250.000,00; para esse efeito; não há que descontar ao valor de aquisição qualquer montante que tenha origem em rendimento não sujeito a declaração, designadamente e como pretende o Recorrente, o que provém de crédito bancário. Assim, não procede a argumentação do Recorrente (cf. n.ºs 3 a 5 da petição inicial), de que, em face do comprovado empréstimo bancário do montante de 300.000,00 por ele contraído em ordem àquela aquisição, estava afastada a possibilidade de a Administração tributária recorrer à fixação da matéria tributável por métodos indirectos ao abrigo do disposto no art. 89.º-A da LGT, porque o valor remanescente ( 200.000,00) já não atingia o limite mínimo fixado no n.º 1 da tabela prevista no n.º 4 daquele art. 89.º-A ( 250.000,00). Esse empréstimo não releva para efeitos de apurar o valor de aquisição constante da previsão legal; poderá relevar, isso sim, para efeitos de justificação das fontes da manifestação de fortuna, como se verá adiante. Podemos também refutar a alegação do Recorrente quando pretende que a sua declaração goza da presunção de veracidade consagrada no n.º 1 do art. 75.º da LGT e que recai sobre a Administração, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 74.º da mesma Lei, o ónus da prova de que o Recorrente auferiu em 2010 outros rendimentos que omitiu à declaração apresentada para efeitos de IRS (cf. n.ºs 17 e 18 da petição inicial). Na verdade, verificada a previsão legal do n.º 1 do art. 89.º-A, da LGT, a lei faz cessar a presunção de veracidade da declaração decorrente do art. 75.º, n.º 1, da mesma Lei, como 8

expressamente refere a alínea d) do n.º 2 do mesmo preceito legal, e, de acordo com o n.º 3 do art. 89.º-A, impõe ao sujeito passivo o ónus de comprovar que as manifestações de fortuna evidenciadas têm outra fonte que não rendimentos sujeitos a declaração para efeitos de IRS. Podemos, pois, avançar no sentido de saber se o ora Recorrente conseguiu fazer essa comprovação. Ele sustenta que sim, com o argumento de que demonstrou que, no ano de 2010, dispunha, em diversas contas bancárias, de meios financeiros no valor 600.000,00, ou seja, de montante superior ao preço que pagou pela aquisição do imóvel e, por isso, que se deve ter por justificada a fonte da manifestação de fortuna evidenciada. A Administração sustenta que não. Primeiro, discordando quanto ao montante dos meios financeiros que o Recorrente considera que tinha à sua disposição no ano de 2010, com o argumento de que só podem ser considerados aqueles cuja comprovação foi efectuada no procedimento e já não aqueles como o depósito a prazo no valor de 100.000,00 na conta n.º 121314 no Banco Y, S.A. (cf. facto provado sob o n.º 3 da letra E) cuja existência o Recorrente alegou pela primeira vez em sede contenciosa. Depois, defendendo que não basta ao Recorrente fazer a prova da disponibilidade de meios financeiros suficientes para a manifestação de fortuna, impondo-se-lhe também que demonstre a concreta afectação desses meios à manifestação de fortuna evidenciada, o que só logrou relativamente aos montantes de 300.000,00, do empréstimo bancário que lhe foi concedido para a compra do imóvel, e de 50.000,00, que, no dia anterior à aquisição, transferiu de um depósito a prazo para a conta à ordem sobre a qual sacou o cheque para pagamento do preço. Ainda, considerando que, relativamente a estes 50.000,00 que o Recorrente mobilizou de um depósito a prazo em ordem à aquisição, se impõe ainda a alegação e comprovação da origem dos rendimentos que estão na sua origem, de modo a aferir se respeitam a rendimentos omitidos à declaração. Finalmente, sustentando que o sujeito passivo só logrou justificar a parte do preço de aquisição a que se refere o empréstimo bancário e que só a justificação total releva, motivo por que o acto recorrido deve manter-se inalterado na ordem jurídica. Vejamos, uma por uma, essas questões. É certo que só a justificação da manifestação de fortuna efectuada em sede do procedimento poderá obviar a que a AT recorra à tributação por avaliação indirecta nos termos dos arts. 87.º, alínea d), e 89.º-A, da LGT; como o é também que é sobre o Recorrente que impende o ónus dessa justificação, atento o disposto no n.º 3 do art. 89.º-A. 9

Mas nada obsta a que o Recorrente, ainda que no procedimento se tenha mantido silente, recorra da respectiva decisão e no âmbito do processo judicial alegue factualidade e apresente prova em ordem à justificação da manifestação de fortuna, designadamente através da demonstração que esta teve na sua fonte rendimentos não sujeitos a declaração. A lei não o impede de em sede contenciosa invocar novos elementos que refutem as conclusões a que chegou a Administração tributária no procedimento. Esse comportamento apenas poderá, eventualmente, acarretar-lhe responsabilidade em termos de custas. Assim, nada obsta a que o sujeito passivo venha em sede de recurso judicial, pela primeira vez, alegar e demonstrar a existência de um depósito a prazo cuja existência não referiu no procedimento. A questão seguinte é a de saber se basta ao sujeito passivo fazer a prova da disponibilidade dos meios financeiros de valor superior ao da manifestação de fortuna evidenciada ou se tem também de demonstrar quais os que afectou a essa manifestação de fortuna. Como tem vindo a afirmar a jurisprudência (cf., por mais recentes, os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Janeiro de 2014 e de 26 de Fevereiro de 2014, proferidos nos recursos 35/14 e 50/14, respectivamente), para prova da ilegitimidade do acto de avaliação indirecta nos termos dos arts. 87.º, alínea d), e 89.º-A, da LGT, não basta ao sujeito passivo demonstrar que no ano em causa detinha meios financeiros de valor superior ao da manifestação de fortuna evidenciada, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização de manifestação de fortuna. E bem se compreende porquê: só se for feita a prova dessa relação se pode considerar que o contribuinte, para evidenciar determinada manifestação de fortuna, não despendeu rendimentos sujeitos a declaração. A não ser assim, bem podia suceder que o contribuinte continuasse a manter na sua disponibilidade, totalmente incólumes (isto é, não consumidos por manifestação de fortuna alguma), os meios financeiros que alegou e demonstrou não estarem sujeitos a declaração; e poderia até usar os mesmos meios financeiros para justificar diferentes manifestações de fortuna ou, pelo menos, manifestações de fortuna evidenciadas em anos diferentes. Dito de outro modo, aqueles que mantivessem meios financeiros não sujeitos a declaração que excedessem o rendimento padrão estariam sempre a salvo da tributação por manifestações de fortuna que fossem evidenciando. Ora, não pode ser isso que quis o legislador nem esse entendimento colhe apoio na letra da lei. 10

A melhor interpretação do art. 89.º-A, n.º 3, exige que o contribuinte prove a relação de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação nesse ano) a determinada manifestação de fortuna evidenciada. E essa prova, contrariamente ao que alega o Recorrente, que a denomina de probatio diabolica, nem sequer lhe exigiria grande esforço, pois poderia ser feita mediante a mera apresentação dos extractos bancários que, revelando as movimentações das contas bancárias por ele referidas, permitisse concluir inequivocamente que o pagamento do preço da compra do imóvel foi efectuado com meios não sujeitos a declaração no ano de 2010. No caso dos autos, não obstante o Recorrente ter demonstrado que possuía meios financeiros suficientes para fazer face à manifestação de fortuna evidenciada, apenas ficou demonstrada a afectação à compra do imóvel de 300.000,00, obtidos por empréstimo bancário destinado a essa compra, e de 50.000,00, transferidos, na véspera da aquisição, de uma conta de depósito a prazo para a conta à ordem sobre a qual o Recorrente sacou o cheque para pagamento do preço. É esse, e só esse, o montante que pode ter-se como justificado. É certo que a Administração apenas considerou como justificada a parte do preço de aquisição que foi paga com recurso ao crédito bancário ( 300.000,00), sendo que, em relação ao montante de 50.000,00 que o Recorrente mobilizou da conta de depósito a prazo com o n.º 151617 do Banco X, S.A. entendeu que a justificação dependeria da comprovação pelo sujeito passivo da origem do rendimento que permitiu esse depósito. O que nos leva à questão seguinte, qual seja a de saber se, estando provado que os fundos resultantes da mobilização daquele depósito a prazo e que foram afectos à compra do imóvel estão na disponibilidade do Recorrente desde 2005, lhe pode ser exigida a prova da origem dos rendimentos que permitiram a constituição desse depósito, em ordem a verificar se os mesmos estavam ou não sujeitos a declaração e, na afirmativa, se tinham sido declarados. Tal exigência não tem base legal. Só a teria caso o depósito tivesse sido constituído no ano de 2010 ano em que se verificou a manifestação de fortuna em causa, situação em que se lhe imporia demonstrar que os rendimentos que lhe deram origem não estavam sujeitos a declaração. Na verdade, o que está em causa é indagar se, relativamente ao ano de 2010 existiu, ou não, omissão de declaração de rendimentos, e só relativamente a esse ano funciona a inversão do ónus da prova imposta pelo n.º 3 do art. 89.º-A, e que faz recair sobre o sujeito passivo a prova da veracidade dos rendimentos declarados. Relativamente a anos anteriores, não se pode fazer recair sobre o sujeito passivo o ónus de demonstrar a origem dos meios financeiros que lhe permitiram a manifestação de fortuna. 11

A não ser assim, cairíamos não só numa exigência de prova complexa e difícil, com eventual violação do princípio da proporcionalidade, como também, eventualmente, na desconsideração da figura da caducidade, justificada por razões de certeza e segurança do direito. Seja como for, tendo ficado demonstrado que o Recorrente mantinha o montante em causa na referida conta de depósito a prazo desde 2005 (cf. facto provado sob o n.º 2 da letra E), sempre seria de concluir pela caducidade do direito de liquidar IRS relativamente a rendimentos auferidos nesse ano ou anteriormente, como decorre do disposto no art. 45.º da LGT. Eis-nos, pois, chegados à conclusão de que se deve ter por justificada a parte do preço de compra do imóvel correspondente ao total do empréstimo bancário e do referido depósito bancário a prazo, ou seja, um total de 350.000,00. O que significa que o Recorrente apenas logrou provar uma parte do montante que lhe permitiu adquirir o imóvel em questão. Em concreto, do valor de aquisição, de 500.000,00, apenas em relação ao montante de 350.000,00 o Recorrente demonstrou que a fonte da manifestação de fortuna era outra que não rendimentos sujeitos a declaração, ficando, pois, essa demonstração por fazer relativamente à parte restante do referido valor de aquisição, ou seja, 150.000,00. O que nos leva à questão seguinte: perante essa justificação parcial, podia a Administração tributária lançar mão da avaliação indirecta ao abrigo do disposto nos arts. 87.º, alínea d) e 89.-A da LGT? Para prova da ilegitimidade desse acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a manifestação de fortuna. A justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos globais que permitiram tal manifestação de fortuna. No entanto, uma coisa é a justificação parcial da fonte da manifestação de fortuna não impedir a Administração tributária de recorrer a este método indirecto de avaliar o rendimento tributável, uma vez que só a justificação da totalidade do montante que permitiu efectuar a aquisição era susceptível de impedir o recurso a tal forma de avaliação indirecta; coisa diferente é saber se, em sede de fixação do rendimento sujeito a tributação como incremento patrimonial em sede de IRS, a justificação parcial deverá ser atendida e em que moldes. Na verdade, a doutrina e a jurisprudência mais recentes têm vindo a admitir a possibilidade do afastamento parcial da presunção de rendimento consagrada no art. 89.º-A, da LGT, no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como incremento patrimonial em sede de IRS, nas situações em que o sujeito passivo somente faz prova parcial da fonte dos seus sinais exteriores de riqueza. Nestes termos, embora só a justificação total do montante que permitiu a 12

verificação da manifestação de fortuna, tenha a virtualidade de afastar a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tais sinais exteriores de riqueza, já assim não é, contudo, no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como incremento patrimonial em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do acréscimo patrimonial não justificado sujeito a imposto. Assim, tendo o Recorrente demonstrado que recorreu a empréstimo bancário e a um depósito a prazo (num total de 350.000,00) para adquirir o imóvel cujo valor ( 500.000,00) determinou a avaliação indirecta da matéria colectável nos termos do art. 89.º-A da LGT, a quantificação do rendimento tributável assim operado deve ser igual a 20% do valor de aquisição, mas deduzindose a este valor o montante desse empréstimo bancário e depósito. O montante destes não está, nem pode estar, sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação. É esta a tese que, após alguma tergiversação (de que é exemplo o acórdão citado pelo Recorrido), foi acolhida pelo Supremo Tribunal Administrativo, como resulta dos mais recentes acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 19 de Maio de 2010, proferido no recurso n.º 734/09, e de 5 de Julho de 2012, proferido no recurso 358/12, este último votado unanimemente pelos 10 juízes conselheiros em funções naquela Secção. Quer isto dizer, pois, e no que ao caso concreto respeita, que a Administração tributária, legitimada a recorrer a este método indirecto, não poderia deixar de observar, na quantificação do rendimento tributável do Recorrente, a justificação parcial e, como tal, deveria ter considerado 20% do valor de aquisição deduzido dos montantes que permitiram (em parte) a aquisição da manifestação de fortuna e cuja origem ficou demonstrada. O valor cuja fonte ficou comprovada não pode ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação. Assim, se, como aconteceu, a Administração tributária, para efeitos de avaliação do rendimento tributável do Recorrente, não efectuou qualquer dedução relativa a tais montantes (no total de 350.000,00), terá que se concluir que há excesso na quantificação, o que resulta na ilegalidade da decisão do Director de Finanças de Lisboa, no que toca a este aspecto da decisão. Ou seja, muito embora se mostrem verificados os pressupostos da tributação, a sua quantificação é ilegal. Consequentemente, a decisão tributária recorrida não pode manter-se na ordem jurídica. 13

O que nos leva à questão seguinte, qual seja a de saber se a referida ilegalidade da quantificação da matéria tributável pode levar a uma mera anulação parcial da decisão administrativa impugnada. Da anulação parcial da decisão recorrida A anulação parcial do acto tributário tem vindo a ser admitida com o fundamento de que o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial, sendo que o critério jurisprudencial para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial. No caso sub judice, é inegável a legalidade do recurso ao método indirecto previsto no nº 4 do art. 89º-A da LGT, ocorrendo a ilegalidade unicamente na parte tocante à quantificação operada, por desconsideração da justificação parcial da manifestação de fortuna. Não parece, pois, que a ilegalidade cometida fira de ilegalidade o acto no seu todo, a impor a sua total anulação, antes mais curial se afigura a anulação meramente parcial (na parte em que desconsiderou para efeitos de cálculo do rendimento-padrão a justificação lograda pelo Recorrente) da decisão sindicada. Nesse sentido, decidiu o acórdão de 10 de Abril de 2013 do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no recurso 298/12. Em suma, circunscrevendo-se a ilegalidade à desconsideração da justificação parcial da manifestação de fortuna no cálculo do rendimento padrão susceptível de ser corrigida mediante mera operação aritmética que, em cumprimento do decidido, expurgue do valor da matéria colectável fixada o valor justificado haverá lugar à anulação meramente parcial do acto sindicado, que não à sua anulação total. Assim, julgando parcialmente procedente o recurso judicial deduzido contra o acto que fixou o rendimento para efeitos de IRS do ano de 2010, anular-se-á o acto impugnado na parte em que na quantificação operada se desconsiderou o valor parcialmente justificado. III. Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, julgando o recurso parcialmente procedente, anulo a decisão administrativa tributária recorrida na parte em que na quantificação operada se 14

desconsiderou o valor parcialmente justificado, ou seja, na parte em que quantificou o rendimento tributável em montante superior a 30.000, mantendo-a no demais. Custas pela Recorrente e pela Entidade Recorrida, na proporção do decaimento. Valor da causa: 100.000,00 [art. 306.º, n.º 2, do CPC, e art. 97.º-A, n.º 1, alínea b), do CPPT]. Registe e notifique. (Data) (Assinatura) 15