Diferenças espectrográficas da emissão do canto belting e do canto lírico

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Transcrição:

Diferenças espectrográficas da emissão do canto belting e do canto lírico MODALIDADE: COMUNICAÇÃO Adriana Barea Cardoso Instituto de Artes/Unicamp musical.adriana@gmail.com Angelo José Fernandes Instituto de Artes/Unicamp angelojfernandes@uol.com.br Cassio Cardoso Filho FCM/Unicamp cardosofilho@gmail.com Resumo: Introdução: Em teatros musicados, como a ópera e o teatro musical contemporâneo americano, diferentes técnicas de canto visam garantir a projeção da emissão e a inteligibilidade do texto. A técnica do cantar belting introduziu conceitos estéticos como voz metálica, sonoridade com muito brilho, o que a diferencia da técnica lírica. Objetivo: Analisar as diferenças sonoras entre a emissão das mesmas notas com ambas as técnicas, sublinhando diferenças e semelhanças. Métodos: Análise espectrográfica vocal dos formantes das notas Mi 4 e Mi 5 emitidas em ambas as técnicas. Principais Conclusões: na emissão usando-se a técnica belting, antes da passagem para voz de cabeça, houve maior número de formantes em relação ao lírico, que podem ser os responsáveis pela sonoridade característica. Palavras-chave: Belting. Canto lírico. Técnica vocal. Espectografia. Spear Spectrographic Differences of Issue of Belting Singing and Lyrical Singing Abstract: Introduction: In musical theaters, such as opera and contemporary American musical theater, different singing techniques aim to ensure the projection of the issue and the text intelligibility. The belting singing technique introduced aesthetic concepts as metallic voice, sound too bright, as distinct from lyrical technique. Objective: To analyze the sound differences between the issuance of the same notes with both techniques, highlighting differences and similarities. Methods: vocal spectrographic analysis of formants of Mi 4 and Mi 5 notes issued in both techniques. Main findings: in the issue using the belting technique, before moving to head voice, a greater number of formants in relation to the lyric, which may be responsible for the metallic and shrill feature. Keywords: Belting. Lyrical singing. Vocal technique. Spectrograph. Spear 1. Introdução A técnica de canto belting, oriunda da escola dos teatros musicais americanos e ingleses (SUNDEBERG et al., 1993), foi sendo introduzida no Brasil a partir de 1990 devido ao grande número de títulos de musicais da Broadway que foram versionados para o português, especialmente no eixo Rio - São Paulo. [...] o sucesso de bilheteria de Les Misérables (2001), Chicago (2004) e Fantasma da Ópera (2005) em São Paulo dá margem a um novo momento econômico para o teatro musical no Brasil. Nós viramos mercado internacional e os cantores brasileiros começam a vislumbrar o momento onde as audições, dentro dos moldes da Broadway, começam a acontecer de forma mais sistemática e profissional. (RUBIM, 2010)

A partir dessa nova demanda de cantores e atores belters iniciou-se a procura pelo aprendizado dessa técnica, até então inédita à fonética da língua portuguesa, caracterizada pelas emissões de foco oral, em comparação às emissões de foco nasal da língua inglesa (BAPTISTA, 2000); ressalte-se que, frente à bem estabelecida escola de canto lírico no Brasil, o belting surge como nova técnica neste cenário, gerando a inquietação que motiva o presente estudo baseando-se em premissas recentes (MARIZ, 2013). Das características do belting destacam-se: voz metálica, com emissão frontal e estridente (POPEIL, 2007), posição de laringe alta e atraso de passagem de voz de peito para voz de cabeça em relação às notas usualmente referenciadas para cada naipe 1. Segundo Bezzi (1984), a voz masculina tem apenas dois registros, já as mulheres possuem três registros, assim, possuindo duas notas de passagem. Como resultado somam-se características próprias de várias vertentes, como a potência do canto lírico e a inteligibilidade do canto popular (SUNDBERG et al., 2012), resultando em uma emissão dita mediana, que alia o falar ao cantar, permitindo projeção vocal ímpar no teatro brasileiro. Segundo Schutte e Miller (1993), belting é um som com volume e brilho, um tanto duro que revela alta tensão; é a maneira de cantar com volume que é caracterizado pelo uso consistente de voz no registro de peito (>50% na fase fechada de glote) na faixa em que a elevação da laringe é necessária para combinar o primeiro formante com o segundo harmônico em vogais abertas, que seria aproximadamente entre o Sol4 e o Ré5 em vozes femininas. Já no estudo de Bestebreurtje e Schute (2000), que avaliou cantoras belters, o belting é entendido como o uso da voz de peito (modal), estendida até notas mais agudas, com posição laríngea alta e certa tensão da musculatura laríngea. Em relação aos resultados encontrados nos sujeitos do sexo feminino, na análise da configuração laríngea foram observadas: maior grau de constrição de faringe e supraglote, o que resultou em uma ressonância mais alta e mais metálica, dados observados na análise perceptivo-auditiva, e elevação dos formantes, observada na análise acústica. (NUNES, 2009: p.2). Portanto, em relação à fisiologia do canto belting, a laringe fica elevada, há um aumento da atividade do músculo tireoaritenoideo (TA), a fase de fechamento das pregas vocais é longa e neste momento as pregas vocais ficam completamente estiradas, provocando o aumento da frequência vocal. Nestes ajustes laríngeos não se têm bem estabelecidas as diferenças nos ajustes vocais dos cantores líricos em face a uma adaptação necessária às exigências do teatro musical (EDWIN, 2002; MARIZ, 2013).

A técnica belting se revela para muitos educadores vocais brasileiros como nãonatural principalmente por alegarem uma sobre-elevação da laringe no cantar e uma predominância da ação do TA, o que geraria tensões físicas na região do pescoço, e que consequentemente causariam problemas vocais. Porém, segundo Araújo (2013), as lesões vocais não são devidas a uma determinada técnica: cantores líricos, populares e de diferentes estilos estão sujeitos a lesões, e a posição da laringe no cantar também é um conceito controverso pois, ainda segundo este autor, em todos os estilos de cantar há uma mudança na posição laríngea. A escola de Bel Canto europeu questionou a validade artística e até mesmo o valor estético desse estilo de cantar mais pungente e o consideraram perigoso por causar lesões vocais (POPEIL, 2007). Muitas dessas lesões vocais, segundo Parution (2009), poderiam ter sido ocasionadas pelo fato de muitos desses performers estarem experimentando este estilo de cantar por si só, por imitação, e forçando suas vozes para se enquadrarem em um padrão, e isso sem a ajuda de um profissional da voz. Segundo URECH (2006), o segredo do equilíbrio do belting está na percepção de como usar os ajustes vocais (musculatura, apoio e ressonância), e na interação entre o TA, responsável por aduzir, tensionar e relaxar as pregas vocais e o músculo cricotireoideo (CT), que funciona como adutor secundário das pregas vocais, por provocar o alongamento das mesmas (CIELO, 2011). Até o advento da amplificação no final dos anos 20 e início dos anos 30, a única maneira de uma pessoa ser ouvida era que ela tivesse "projeção" na fala/canto. Os únicos cantores que conseguiam alcançar essa projeção eram os cantores de ópera e os belters (que eram considerados ilegítimos) perante os cantores de ópera (os legítimos) razão pela qual o som foi rejeitado como sendo "classe baixa" por um longo tempo (LOVETRI, 2012). No início os belters eram frequentemente Afro-Americanos e eram chamados Shouters cuja tradução para o português é gritador ou aclamador. Após a amplificação eletrônica, o ato de cantar com menos esforço tornou-se possível e os cantores com vozes mais suaves puderam ganhar seu espaço nos palcos dos musicais. Existem ainda muitos conflitos sobre o ensino do belting em contraposição à escola do canto lírico, tanto nos EUA como no Brasil. Segundo LoVetri (2003) isso acontece porque o belting é uma técnica muito recente, se compararmos com a música clássica com suas centenas de anos de existência. As maiores mudanças dentro do canto do Teatro Musical ocorreram nos últimos 30 anos e, segundo pedagogos, não se sabe a consequência em longo prazo.

O presente estudo visa compreender melhor as semelhanças e disparidades nas emissões pelas técnicas vocais belting e lírica. Tal compreensão pode advir apenas da escuta e das impressões subjetivas que a mesma pode ocasionar, com evidentes desafios para uma análise universalizada; assim, como tendência na área da música podemos lançar mão de uma análise apoiada na tecnologia e na quantificação de parâmetros, como a proposta neste trabalho. 2. Objetivo Analisar as diferenças sonoras entre a emissão das mesmas notas com ambas as técnicas, sublinhando diferenças e semelhanças. 3. Métodos Foi realizada a gravação de áudio de emissões vocais executadas pela mesma cantora, sexo feminino, 44 anos de idade, soprano, professora de canto com treinamento formal em ambas as técnicas. O trecho escolhido foi a primeira palavra da canção Over the Rainbow, letra de E. Y. Harburg e música de Harold Arlen do filme The Wizard of Oz (1939). Foi optado pela análise espectrográfica com o software livre SPEAR (KLINGBEIL, 2009) das formantes das notas Mi 4 (palavra: some, fonética: /'sʌm/) e Mi 5 (palavra: where, fonética: /weə/) emitidas em ambas as técnicas. A opção por este trecho deveu-se ao fato de que há um intervalo ascendente de uma oitava, sendo que no estilo de emissão lírica a primeira nota (Mi 4) encontra-se em uma região na voz feminina adulta com predomínio de ação do músculo tireoaritenoideo (TA) no registro modal de voz de peito (chest voice), enquanto a segunda nota (Mi 5) é a que enfatiza mais o predomínio de ação do músculo cricotireoideo (CT) no registro modal de voz de cabeça. Já no estilo da emissão belting, a cantora optou por emitir a primeira nota com ainda maior predomínio da ação do TA (resultando em maior punch), e manteve a ação deste músculo até atingir a segunda nota do intervalo. Convém observar que a segunda nota, acusticamente, é a que revelou com mais intensidade as diferenças estilísticas entre ambos os modos de emissão. Ressalte-se que na emissão belting não há mudança de passagem no que tange à emissão e características timbrísticas justamente pela permanência da predominância da ação do TA em toda a extensão do intervalo. No entanto na emissão que se utiliza da técnica de canto lírico há uma diferença de registro significativa entre as duas notas, resultando em um

registro para cada nota, com perceptíveis diferenças acústicas ao se fazer esta transição para a voz de cabeça. Outros fatores são importantes na definição de cada emissão tratada neste artigo: ao emitir um som caracterizado como lírico, a cantora em questão usou de musculatura orofacial para obter abertura de boca mais verticalizada, e outras configurações de ajuste vocal, como: posição de laringe mais baixa e elevação de palato, o que gera um som mais arredondado e com menos metal. Já no belting a emissão é mais nasal ( metálica ), com abertura de boca mais horizontalizada, e posição de laringe mais alta, permitindo o predomínio de ação do TA. Essas emissões cantadas foram gravadas em ambiente preparado, sem ruído e com equipamento de gravação de alta qualidade. Através do software livre SPEAR foram analisadas questões como formantes eminentes, quantidade de harmônicos em cada gênero, notas dadas tantos nos formantes quanto nos harmônicos, bem como as frequências em Hertz de cada nota, conforme as figuras e tabelas abaixo. A decisão pelo uso deste software se deve pela facilidade de obtenção dos valores numéricos de cada frequência, bem como pela otimização da análise visual das curvas resultantes, com a rápida identificação dos formantes, sub-harmônicos e intensidade de contribuição de cada uma destas partes sonoras. Na análise espectrográfica, observou-se maior densidade de formantes adicionais (porém com intensidade reduzida) pela nasalidade característica da emissão belting, em contraposição à menor densidade de formantes da técnica lírica (Figuras 1 e 2). A tabulação das frequências resultantes destas curvas evidenciou que a formante fundamental foi semelhante entre as duas técnicas, e todos os formantes no lírico mostraram valores de frequência um pouco mais elevados (Tabelas 1 e 2), possivelmente pela emissão lírica na vogal [e] da palavra where apresentar mais vibrato, com variações das notas em meio tom acima. Nas tabelas, optou-se por registrar em cor de fonte cinza escuro os formantes mais débeis em cada estilo de emissão, e em preto os formantes predominantes. 4. Principais Conclusões Na emissão usando-se a técnica belting, antes da passagem para voz de cabeça, houve maior número de formantes em relação ao lírico, que podem ser os responsáveis pela sonoridade característica. Já após a nota que corresponderia à passagem para a voz de cabeça no lírico, corroborando a impressão acústica de que há maior brilho nesta configuração de emissão no belting, a espectrografia evidenciou maior número e densidade de formantes adicionais.

Convém observar que mais estudos serão necessários, em diferentes naipes e registros vocais, visando uma melhor caracterização destas diferenças e similaridades; destaque-se apenas a limitação em obter cantores com treinamento formal e experiência profissional comprovada em ambas as técnicas, pois muitos cantores referem que o domínio de mais de uma técnica de canto pode interferir no melhor desempenho em ambas. Porém, o presente trabalho indica a perspectiva de uma tendência às avaliações objetivas, inclusive com a adoção de outros softwares de análise vocal, que permitiriam a comparação entre técnicas e abordagens metodológicas, com implicações na performance, no ensino e na formação de pesquisadores, docentes e artistas na área de música. FIGURAS Figura 1: Espectrografias da nota Mi 4 (palavra: some, fonética: /'sʌm/) obtida no software SPEAR; técnica belting (esq.), técnica lírica (dir.). Figura 2: Espectrografias da nota Mi 5 (palavra: where, fonética: /weə/) obtidas no software SPEAR; técnica belting (esq.), técnica lírica (dir.).

TABELAS NOTAS FORMANTE BELTING (Hz) LÍRICO (Hz) Mi 4 F0 316 322 Mi 5 1º FORMANTE 624 636 Si 5 2º FORMANTE 924 956 Mi 6 3º FORMANTE 1236 1264 Sol6 4º FORMANTE 1548 Si 6 5º FORMANTE 1835 Dó 7 2160 Mi 7 2480 Fá7 2789 Sol7 3070 3155 Lá7 3486 Si 7 3671 3747 Si7 4023 Tabela 1: notas contidas nos formantes derivados da espectrografia da nota Mi 4 (palavra: some, fonética: /'sʌm/) obtida no software SPEAR. NOTAS FORMANTE BELTING (Hz) LÍRICO (Hz) Mi 5 F0 634 636 Mi 6 1º FORMANTE 1257 1280 (com vibrato para E6) Si 6 2º FORMANTE 1879 1896 (com vibrato para B6) Mi 7 3º FORMANTE 2502 2552 (com vibrato para E7) Sol7 4º FORMANTE 3070 3217 (com vibrato para G 7) Si 7 5º FORMANTE 3710 Tabela 2: notas contidas nos formantes derivados da espectrografia da nota Mi 5 (palavra: where, fonética: /weə/) obtida no software SPEAR. 5. Referências: ARAÚJO, Marconi. Belting Contemporâneo: Aspectos técnico-vocais para Teatro Musical e Música Pop. Brasília: MusiMed, 2013. BAPTISTA, Barbara O. The Acquisition of English vowels by Brazilian-Portuguese speakers. Florianópolis: Gráfica editor Pallotti, 2000. BESTEBREURTJE Martine E.; SCHUTTE Harm K. Resonance strategies for the belting style: results of a single female subject study. Journal of Voice, v. 14, n. 02, 2000. BEZZI, Maria Helena. A técnica vocal. Dissertação apresentada ao Conservatório Brasileiro de Música, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre. Rio de Janeiro, 1984. CIELO, Carla Aparecida et al. Músculo tiroaritenoideo e som basal: uma revisão de literatura. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol., São Paulo, v. 16, n. 3, Sept. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s1516-80342011000300020&lng=en&nrm=iso>. Acesso: 02 de fev. de 2015. EDWIN, Robert. Belting: bel canto or brutto canto. Journal of Singing, v. 59, n. 1, p. 67-68, 2002.

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