PROMOÇÃO E REALIZAÇÃO REDE METROLÓGICA DO ESTADO DE SÃO PAULO - REMESP REDE DE SANEAMENTO E ABASTECIMENTO DE ÁGUA - RESAG 29 a 31 de outubro de 2014 Local: Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos ABIMAQ INCERTEZA DE MEDIÇÃO EM LABORATÓRIOS QUÍMICOS: APLICAÇÃO DE UM MÉTODO DE AVALIAÇÃO Alisson Lima Santos 1, Nelson Antônio Sá Santos 2 1 Instituto de Tecnologia e Pesquisa, Aracaju, Brasil, alisson_lima@itp.org.br 2 Instituto de Tecnologia e Pesquisa, Aracaju, Brasil, nelson@itp.org.br Resumo O presente trabalho tem por objetivo descrever um método para avaliação dos resultados da estimativa da incerteza de medição e apresentar resultados de sua aplicação em ensaios químicos. No tocante aos procedimentos metodológicos, trata-se de uma pesquisa aplicada, exploratória, quantitativa e o delineamento adotado é o estudo de caso. Os resultados demonstram a importância do uso de probabilidades e estatística associadas à estimativa de incerteza de medição como ferramentas para o julgamento do resultado dos ensaios frente a requisitos legais. Palavras-chave: incerteza de medição, técnicas estatísticas, ensaios químicos. 1. INTRODUÇÃO A estimativa de incertezas de medição é um importante componente do processo analítico em laboratórios químicos. De acordo com o Vocabulário Internacional de Metrologia VIM, a incerteza de medição é um parâmetro não negativo que caracteriza a dispersão dos valores atribuídos a um mensurando e está associada a componentes provenientes de efeitos sistemáticos e aleatórios relacionados ao processo de medição [1]. Nesta perspectiva, a quantificação da incerteza de medição torna-se uma etapa importantes das atividades laboratoriais, visto que somente com um resultado de medição expresso pelo valor obtido e sua respectiva incerteza de medição é possível obter conclusões satisfatórias em relação à grandeza medida. Esta preocupação tem destaque em especial quando o objetivo dos ensaios é obter evidências do atendimento a requisitos legais e regulamentares. Com a atualização da legislação ambiental brasileira e maiores exigências pelo cumprimento destas leis e regulamentos, seja pela atuação dos órgãos de fiscalização, por exigência de clientes nas relações comerciais ou necessidade de obtenção de certificações específicas, a procura por laboratórios de prestação de serviços tecnológicos desta natureza tem crescido. Isto porque parte das evidências do atendimento a legislações, tais como portarias ministeriais (como a Portaria 2914 de 12 de dezembro de 2011 do Ministérios da Saúde) e resoluções (como as resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente CONAMA) exigem por parte das organizações a apresentação de relatórios de ensaios químicos, físicoquímicos e microbiológicos de diversas matrizes (águas, efluentes, solos, alimentos), de acordo com a necessidade a ser atendida. 1
Nos últimos anos, tem sido desenvolvida uma consistente literatura na área de determinação da incerteza de medição em ensaios químicos. Uma importante referência é o guia desenvolvido pela Eurachem [2], o qual fornece orientação detalhada para a avaliação e expressão da incerteza em análises químicas quantitativas. No Brasil, a Coordenação Geral de Acreditação (CGCRE) do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO) também publicou documentos orientativos sobre exemplos de determinação da incerteza de medição em ensaios químicos e microbiológicos [3], tendo como público-alvo os laboratórios de ensaios acreditados ou postulantes à acreditação com base na norma de referência ABNT NBR ISO/IEC 17025:2005. Publicações como as citadas, bem como a oferta de treinamentos no tema Incerteza de Medição por instituições da área de qualidade e metrologia, tais como redes metrológicas, e a procura por partes dos laboratórios em capacitar seus profissionais neste assunto denotam a importância desta atividade para as rotinas de trabalho. Contudo, por vezes não se observa a devida atenção à avaliação dos resultados desta quantificação da incerteza. Tal avaliação permite atender a questões como: de fato os resultados mensurados atendem aos requisitos legais estabelecidos? O processo de medição que utilizado é realmente capaz de mensurar com confiança resultados dentro da faixa de trabalho exigida pela legislação? Questões como estas levaram os autores a pesquisar métodos que permitissem avaliar um processo analítico ou um resultado de ensaio levando em consideração a respectiva incerteza de medição. Na área de controle de qualidade, são necessários alguns cuidados para evitar que a incerteza de medição possa levar à tomadas de decisão erradas [4]. Assim, a comparação entre resultados de medição e tolerâncias de processo leva em consideração a existências de zonas de aceitação, zonas de rejeição e zonas de dúvidas, justamente em decorrência da influência das incertezas de medição. Um processo análogo deve existir para a avaliação de resultados de ensaios químicos e, por meio da revisão de literatura, obteve-se como referência o documento RM 68 Incerteza de Medição: Guia Prático do Avaliador de Laboratórios desenvolvido pela Rede Metrológica do Rio Grande do Sul [5], no qual está pautado o método de avaliação apresentado neste trabalho. Este guia propõe que o usuário da medição avalie qual a probabilidade do resultado da medição estar acima do limite máximo permitido definido pela legislação considerando-se a abrangência de 95,45% de uma distribuição normal, com fator de abrangência k = 2, a partir do valor do índice z, ou seja: (1) Onde X é o valor máximo permitido pela legislação e z é o índice z obtido a partir do resultado de medição e sua respectiva incerteza, conforme a equação (2): (2) Onde X é o valor máximo permitido pela legislação, x i é o resultado da medição e u c é a incerteza padrão combinada da medição, ou seja, a razão entre a incerteza expandida U e o fator de abrangência k. Deste modo, tém-se um método estatístico para avaliar o resultado da medição, frente a critérios pré-estabelecidos, considerando-se a incerteza de medição. Buscou-se adotar este mesmo método para avaliar se dado processo de medição é capaz de mensurar com confiança resultados em determinada faixa de trabalho. Para ensaios químicos onde a grandeza de interesse é a concentração de determinado elemento ou composto em dado volume de amostra, um parâmetro utilizado para esta finalidade é o limite de quantificação, definido pelo NIT-DICLA-57 [6] como a concentração do constituinte que produz um sinal suficientemente maior que o sinal do branco e que pode ser detectada dentro de níveis especificados durante e nas condições do trabalho de rotina de um laboratório. Algumas legislações apresentam um limite de quantificação aceitável para a realização dos ensaios com o intuito de evidenciar o atendimento. Contudo, considera-se que avaliar apenas se o Limite de Quantificação é inferior ao Valor Máximo Permitido pela legislação não é suficiente para garantir que o processo analítico é capaz de realizar medições na ordem de grandeza apresentada. É preciso levar em consideração as incertezas de medição e com este objetivo o método proposto pelo documento desenvolvido pela Rede Metrológica do Rio Grande do Sul [5] foi adotado. 2. OBJETIVO O presente trabalho tem por objetivo descrever um método para avaliação dos resultados da estimativa da incerteza de medição e apresentar resultados de sua aplicação em ensaios realizados pelo Laboratório de Estudos Ambientais (LEA) do Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP). Justifica-se esta pesquisa a fim de contribuir com as discussões a cerca da quantificação da incerteza de medição em ensaios químicos e disseminar um método estatístico para a avaliação dos resultados de medição considerando sua respectiva incerteza. 2
3. MÉTODOS E MATERIAIS No tocante aos procedimentos metodológicos, trata-se de uma pesquisa aplicada, exploratória, quantitativa e o delineamento adotado é o estudo de caso. Tomou-se como estudo de caso os ensaios de determinação de metais em matriz água por meio de Espectrometria de Absorção Atômica. Os limites de quantificação foram determinados a partir de ensaios de replicatas de brancos, preparados a partir de água grau reagente. O Limite de Quantificação (LQ) adotado corresponde ao resultado da equação (3), conforme definição proposta em NIT-DICLA-57 [6]: (3) Onde X é a média das medições de pelo menos sete replicatas de brancos e s é o desvio padrão obtido nestas medições. As incertezas de medição foram mensuradas com o auxílio do software Labwin-UNC, utilizando-se a metodologia proposta no Guia do usuário do software [7]. A quantificação da incerteza levou em consideração os componentes: material de referência, curva analítica, repetibilidade e diluições da amostra. A partir dos resultados obtidos para os limites de quantificação e incertezas de medição, o tratamento estatístico foi realizado com o auxilio de planilhas Excel. O valor de referência selecionado para avaliação foram os valores máximos permitidos definidos pelos anexos da Portaria 2914 de 2011 do Ministério da Saúde, que dispõe sobre os padrões de potabilidade da água [8]. As probabilidades foram calculadas a partir do índice z obtido por meio da equação (2), consultando tabela da distribuição normal. O estudo completo realizado pela equipe do LEA abrangeu os ensaios para determinação dos seguintes metais: Ferro, Zinco, Cobre, Cobalto, Chumbo, Cádmio, Manganês, Níquel e Cromo. Neste trabalho são apresentados alguns dos resultados obtidos a fim de exemplificar o uso do método e ratificar a sua adequação para a finalizada em questão. 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES Primeiramente, considere-se a aplicação da avaliação de incerteza de medição de um resultado de ensaio de Ferro Total em uma amostra qualquer de água potável, em comparação com o Anexo X da Portaria 2914/11 do Ministério da Saúde [8], em que foram obtidos os dados apresentados na Tabela 1. Parâmetro Limite de Quantificação (LQ) 0,05 Resultado 0,28 Valor Máximo Permitido (VMP) 0,3 Incerteza expandida (U) 0,03 Incerteza combinada (u c ) 0,015 Tabela 1. Resultados de ensaio de Ferro Total. Considerando apenas o resultado da medição, poderia se concluir que o referido ensaio atende aos requisitos legais. Contudo, ao considerar a incerteza de medição, aplicando a equação (2), obtém-se um índice z de 1,33, o que, consultando a tabela da distribuição normal, corresponde a uma probabilidade de 9,5% do valor obtido estar acima do valor máximo permitido pela legislação. Esta probabilidade deve ser levada em consideração pelo usuário da informação na tomada de decisões. Considere-se então a aplicação deste método da avaliação da incerteza de medição para verificar se o processo analítico pode ser usado para emitir resultados com referência à legislação, a partir do Limite de Quantificação e da incerteza de medição. A Tabela 2 apresenta os dados usados para avaliação do ensaio de determinação de Cromo Total em matriz água, considerando como valor máximo permitido o disposto no Anexo VII da Portaria 2914/11. 3
Parâmetro Limite de Quantificação (LQ) 0,02 Valor Máximo Permitido (VMP) 0,05 Incerteza expandida (U) 0,05 Incerteza combinada (u c ) 0,025 Tabela 2. Resultados de ensaio de Cromo Total. Considerando-se apenas o Limite de Quantificação, pode-se afirmar que o método analítico atende aos requisitos do cliente caso a finalidade do ensaio seja a comparação com o VMP apresentado. Contudo, ao considerar a incerteza de medição, aplicando a equação (2), obtém-se um índice z igual a 1,2, o que corresponde a uma probabilidade de 11,5% de um valor no limite de quantificação estar acima do disposto na referida legislação, de modo que, para quaisquer valores acima deste LQ, tal probabilidade irá ser maior. Por meio desta avaliação, percebe-se então a necessidade de intervenções no método analítico, a fim de adequá-lo aos requisitos apresentados. Optou-se por adotar a pré-concentração dos itens de ensaio para este parâmetro, obtendo-se os resultados apresentados na Tabela 3, de modo que o processo então pode ser usado para determinações, visto que o índice z calculado (16,2) garante 100% de probabilidade de uma análise no LQ estar abaixo do valor máximo permitido. Parâmetro Limite de Quantificação (LQ) 0,0087 Valor Máximo Permitido (VMP) 0,05 Incerteza expandida (U) 0,0051 Incerteza combinada (u c ) 0,00225 Tabela 2. Resultados de ensaio de Cromo Total. 5. CONCLUSÕES Os resultados demonstram a importância do uso de probabilidades e estatística associadas à estimativa de incerteza de medição como ferramentas para o julgamento do resultado dos ensaios frente a requisitos legais. Deste modo, cabe ao laboratório apresentar tais resultados e ao usuário da informação avaliar o risco das decisões a serem tomadas a partir destes. Nota-se ainda que tal avaliação norteia a identificação de oportunidades de melhorias nos processos analíticos, contribuindo com a seleção de métodos adequados e necessidades de intervenções no processo (procedimentos, equipamentos). Este trabalho alcança os objetivos propostas ao ratificar a aplicação da metodologia de avaliação apresentada no Guia Prático para Avaliadores de Laboratório da Rede Metrológica do Rio Grande do Sul [5] e corroborar com a disseminação das práticas definidas neste documento. REFERÊNCIAS [1] IPQ. Instituto Português de Qualidade. Vocabulário Internacional de Metrologia (VIM) - Conceitos fundamentais e gerais e termos associados. 1a edição luso-brasileira, autorizada pelo BIPM, da 3a edição internacional do VIM International Vocabulary of Metrology Basic and general concepts and associated terms - JCGM 200:2012. IPQ: Caparica, 2012. [2] EURACHEM/CITAC Guide. Quantifying Uncertainty in Analytical Measurement. Third Edition. 2012. [3] CGCRE. Coordenação Geral de Acreditação. DOQ-CGCRE-019: Exemplos de estimativa de incerteza de medição em ensaios químicos. Revisão 03. Documento de caráter orientativo. CGCRE, Rio de Janeiro, 2013. [4] ALBERTAZZI, Armando; SOUSA, André R. de. Fundamentos da Metrologia Científica e Industrial. Barueri: Manole, 2008. [5] REDE METROLÓGICA RS. RM 68 Incerteza de medição: guia prático do avaliador de laboratórios. Revisão: 05. 2013. 4
[6] CGCRE. Coordenação Geral de Acreditação. NIT-DICLA-57: Critérios para acreditação da amostragem de águas e matrizes ambientais. Revisão 01. CGCRE, Rio de Janeiro, 2010. [7] OLIVEIRA, Fernando M. Guia do Usuário do software LABWIN-UNC. Salvador, 2013. [8] BRASIL. Ministério de Saúde. Portaria nº 2914 de 12 de dezembro de 2011. Brasília, 2011. 5