Anpuh Rio de Janeiro Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro APERJ Praia de Botafogo, 480 2º andar - Rio de Janeiro RJ CEP 22250-040 Tel.: (21) 9317-5380 REDISCUTINDO A PRESENÇA INGLESA NO IMPÉRIO BRASILEIRO: O CASO DA FIRMA INGLESA CARRUTHERS & CO., 1822-1854. Eder da Silva Ribeiro 1 - UFF INTRODUÇÃO: O nosso estudo acerca da presença inglesa no Império brasileiro da primeira metade do século XIX, tem se configurado como algo de extrema dificuldade, especialmente em função da escassez de fontes que abordam mais de perto o objeto da nossa análise, ou seja, a organização e a forma de atuação da firma inglesa Carruthers & Co. na cidade do Rio de Janeiro neste período. Organizada pelo negociante inglês de Liverpool Richard Carruthers, esta empresa teve importante atuação no cenário econômico brasileiro, atuando não só no comércio de fazendas por atacado como também no lucrativo tráfico negreiro. No tocante ao envolvimento da Carruthers com o tráfico escravista, é notória a sua associação, num primeiro momento, com o negociante de grosso trato e deputado da Real Junta do Comércio João Rodrigues Pereira de Almeida, futuro Barão de Ubá de Vassouras, um dos maiores contratadores e traficantes de escravos da cidade do Rio de janeiro. Num momento posterior, a partir da década de 1840, os autores têm destacado o comprometimento da firma inglesa com o traficante português Manoel Pinto da Fonseca, um dos maiores traficantes na Costa Ocidental e Oriental africana 2. Cabe mencionar também, que para além de uma simples associação da firma inglesa com João Rodrigues Pereira de Almeida, o que os estudos que tratam deste assunto nos sugerem são laços muito mais profundos e complexos, tendo em vista que com a falência desse grande negociante em 1829, não só grande parte dos seus ativos foram para a firma inglesa, como também os seus caixeiros. Entre estes caixeiros, merece destaque Irineu Evangelista de Souza, futuro Barão de Mauá, que se tornou um dos sócios da companhia após o retorno de Richard Carruthers para Inglaterra em 1837 3. 1 Graduando em História na UFF. Bolsista PIBIC/CNPq. 2 GUIMARÃES. Carlos Gabriel. O Comércio Inglês no Império brasileiro: a atuação da firma inglesa Carruthers & Co, 1824 1854. (Artigo inédito) 3 Idem, Ibidem.
Usos do Passado XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 2 Em face disto, procuramos encaminhar nossa argumentação no sentido de realizar uma exposição dos primeiros resultados que conseguimos obter sobre a organização e atuação da firma inglesa Carruthers & Co. no Brasil da primeira metade do século XIX. Nesse sentido, e a partir dessas constatações, esperamos também compreender melhor o próprio comércio anglo-brasileiro, bem como a conjuntura política do período. Para tanto, optamos por realizar, numa primeira parte, uma discussão historiográfica que procurou abarcar as principais concepções a respeito da presença dos negociantes ingleses no Império brasileiro, com destaque, por um lado, para aquelas perspectivas que reforçam a idéia de que houve uma predominância por parte dos modernos comerciantes ingleses em detrimento da arcaica forma do comércio português; e, por outro lado, para aquelas que buscam colocar em evidência o fato de que não se deve tratar a presença inglesa de uma forma generalizada, face às questões institucionais e ao limite imposto pelo mercado para atuação das firmas inglesas 4. Na segunda parte, buscamos apresentar alguns resultados mais concretos da pesquisa, visando com isso contribuir para uma melhor percepção da forma de atuação da Carruthers & Co. no comércio entre Brasil e Inglaterra. I SITUANDO HISTORIOGRAFICAMENTE A PRESENÇA INGLESA NO BRASIL os ingleses estão ligados como nenhum outro povo aos começos de modernização das condições materiais de vida do brasileiro: das condições de produção, habitação, transporte, recreação, comunicação, iluminação, alimentação e repouso entre nós 5. Esta passagem de Gilberto Freyre retrata muito bem o modo como a historiagafia vem considerando a presença inglesa no Brasil do século XIX. Apesar de muito original no tocante à documentação utilizada, esta obra segue a mesma trilha deixada por Alan K. Manchester, para quem a instituição de um intercâmbio político e econômico entre Inglaterra e Brasil, propiciado pela vinda da Corte portuguesa em 1808, proporcionou o estabelecimento de uma preeminência inglesa sobre os interesses brasileiros. Sendo assim, observa Manchester, a trilha da continuidade fora traçada, e os privilégios desfrutados pela Inglaterra em Portugal durante séculos foi transferido para o Brasil 6. Esse mesmo ponto de vista é compartilhado por Olga Pantaleão que, em linhas gerais, procura demonstrar o domínio inglês sobre todos os aspectos da vida brasileira, conseguida, em larga medida, em virtude da sua predominância no mercado. Nesse sentido, ela afirma que os britânicos traziam 4 Idem, Ibidem. 5 FREYRE, Gilberto. Ingleses no Brasil. Aspectos da influência britânica sobre a vida, a paisagem e a cultura do Brasil. 3 a edição. Rio de Janeiro: Topbooks Ed., 2000, p. 101. 6 MANCHESTER, Alan K. Preeminência inglesa no Brasil. Tradução de Janaína Amado. São Paulo: Brasiliense, 1973, p. 103.
Usos do Passado XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 3 mercadorias e levavam matérias-primas, além de investirem grandes capitais, como, por exemplo, em títulos de empréstimos do governo, em companhias mineiras, em estradas de ferro e em inúmeras outras empresas 7. E o argumento da autora se completa e ganha mais evidência quando ela analisa o tratado de comércio decretado por Dom João em fevereiro de 1810. De acordo com a sua concepção, apesar do tratado de comércio falar em relações recíprocas, o acordo não oferecia tal reciprocidade. De qualquer forma, sentencia ela, mesmo que fossem mútuas todas as concessões, na prática os ingleses seriam favorecidos, tendo em vista sua organização econômica superior. Ou ainda, como ela nos informa em outro ponto da sua narrativa, seus métodos de negociar, suas possibilidades, sua superioridade econômica davam-lhes vantagens 8. Sob essa ótica, a atuação dos comerciantes ingleses foi muito importante para o estabelecimento da predominância comercial inglesa no Brasil, além de terem sido responsáveis por certa revolução nos hábitos comerciais. Analisando os interesses europeus nos países da América Latina, Eugene Ridings vocifera que a presença dos comerciantes estrangeiros no comércio importador-exportador significou não só a exclusão dos negociantes nacionais, como também afetou o desenvolvimento econômico da região, em virtude da pouca identificação do negociante estrangeiro com a Nação em que ele operava 9. Mais uma vez, portanto, fica patente a ênfase dada a um viés historiográfico que tende a ver a atuação do moderno capitalismo europeu no século XIX em oposição à arcaica forma dos comerciantes nacionais e portugueses. No entanto, o debate ganhou novos contornos com a introdução de novas percepções que passaram a questionar essas visões generalistas, atentando para o fato de que a dominação estrangeira, especialmente a britânica, deve ser relativizada. E é justamente sob os auspícios dessa nova perspectiva que Robert Greenhill chama nossa atenção para as limitações dos mercados da América Latina na primeira metade do século XIX, visto que a população dessa época era pequena e dispersa, cujo poder de compra era baixo e seu crescimento econômico muito restrito, vivendo num nível de subsistência, suprindo em grande parte suas próprias necessidades 10. Em consonância com essa nova abordagem, outros estudiosos também tomaram partido nessa polêmica envolvendo os negócios ingleses no século XIX e passaram a problematizar o enfoque 7 PANTALEÃO, Olga. A presença inglesa: In HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo II, 1 o vol., 4 a ed., São Paulo: DIFEL, 1976. 8 Idem, p. 92. 9 Para uma discussão mais aprofundada envolvendo a atuação dos comerciantes estrangeiros nos países latino-americanos, cf. GUIMARÃES, op. cit. 10 GREENHILL, Robert. E. Johnston: 150 anos em café: In: BACHA, Edmar e GREENHILL, Robert (orgs.). 150 Anos de Café. 2 a edição, 1992.
Usos do Passado XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 4 dispensado a uma suposta predominância do moderno capitalismo inglês. Gostaríamos de destacar aqui, os estudos desenvolvidos pela Business History, com especial atenção para os trabalhos de Charles Jones e J. P. Cain. Estes autores, analisando a organização e a forma de atuação das firmas inglesas até meados do século XIX, denominaram essas firmas de empresas comerciais, ou seja, uma empresa comercial descentralizada e não subordinada administrativa e financeiramente a City inglesa (Londres) 11. Ainda no que diz respeito à forma de organização e atuação das companhias inglesas, é importante mencionar os trabalhos de Giovanni Arrigh, Keneth Barr e Shuji Hisaeda. Tais autores, segundo nos informa o professor Carlos Gabriel, atrelam a atuação e a organização das firmas inglesas ao modelo organizacional do capitalismo inglês do período, ou seja, do capitalismo mercantil, denominando-as de sistema de empresas comerciais familiares 12. Visão semelhante à destes últimos autores nos apresenta Robert Greenhill em seu livro já mencionado por nós em outro ponto deste trabalho. Para ele, a história da E. Johnston & Co. empresa que é o objeto de sua análise realça temas relativos a empresas familiares e ao espírito de iniciativa dos seus administradores. Além disso, a Johnston também é importante por exemplificar, em larga medida, o relacionamento comercial entre a Grã-Bretanha e a América Latina, em particular o Brasil. Se no começo essa conexão desenvolveu-se principalmente através das trocas, posteriormente, houve igualmente o fortalecimento dessas relações por meio dos investimentos 13. Procuramos demonstrar com esse breve balanço historiagráfico, que nem de longe tem a pretensão de esgotar o assunto, que a discussão envolvendo a presença inglesa na América Latina e, particularmente, no Brasil das primeiras décadas do século XIX, é um campo aberto de embates. Nesse sentido, nossa intenção a partir de agora residirá na busca pela inserção um pouco mais aprofundada nesse debate. Em busca de alcançar esse objetivo, vamos expor os resultados iniciais da pesquisa acerca da organização e das atividades desenvolvidas pela Carruthers & Co. entre 1824 e 1854, na tentativa de elucidar a própria conjuntura política e econômica do período. 11 GUIMARÃES, op. cit. 12 Idem, Ibidem. 13 GREENHILL, op. cit., p. 138.
Usos do Passado XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 5 II PRIMEIROS RESULTADOS: A CARRUTHERS & CO. E SUA ATUAÇÃO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO A chegada de Richard Carruthers ao Rio de Janeiro ocorreu, segundo consta nos Fundos da Polícia da Corte do Arquivo Nacional, em 22 de março de 1824 14. No entanto, nossos esforços em localizar a atuação e as atividades empreendidas pelo inglês desde a data da sua chegada até a efetiva organização da Carruthers em 1829, conforme indica o Almanak Imperial do Commercio e das Corporações Civis e Militares do Imperio do Brasil 15, têm se mostrado em parte como uma tarefa de difícil consecução. Sustentamos que é em parte porque um documento envolvendo Richard Carruthers, no qual constava o seu nome como um dos procuradores do inglês Robert Maiden, permitiu que nós confirmássemos a sua presença no Brasil, bem como perceber um dos ramos da sua atividade. Carruthers, Richard, e Joseph Tully (Procuradores) Rio de Janr o 27 de novbr o de 1826 [Recebido] de Thomaz Rupsell dous contos trezentos e dez mil r s de D a (...) corresp e a r s 23100#000; imp o p a que (...) comprou a Roberto Maiden, (...) procuradores bast s Richard Carruthers, e Joseph Tully, oito moradas de casas e terrenos, sitos no morro da Glória 16. Apesar dos Almanaques Mercantis apontarem o surgimento da Carruthers & Irmãos em 1829, não encontramos até o momento documentação alguma que nos informe a respeito da composição da sua sociedade e dos negócios e atividades mais específicas que a empresa desenvolveu. O que podemos assegurar, é que desde a sua a criação, em 1829, até a sua liquidação, em 1854, a empresa teve dois nomes. Primeiramente, até 1840, a companhia desenvolveu suas atividades com o nome de Carruthers & Irmãos, localizada na Rua da Direita, 84. A partir dessa data, já localizada na Rua da Direita n o 63, a firma passou a atuar sob o nome de Carruthers & Co. 17. 14 Col. 416, Vol. 1, fl. 19. Fundo Polícia da Corte Registros relacionados a entrada e movimentação de estrangeiros (1808-1842). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. 15 Almanak Imperial do Commercio e das Corporações Civis e Militares do Imperio do Brasil - 1829 (por Pedro Plancher-Seignor para 1829 Segundo Anno). Biblioteca Nacional, seção de Obras Raras. 16 Arquivo Nacional. Recebedoria do Rio de Janeiro Livro 20 Sisa 27/11/1826 N o 51 P. 64. 17 Almanak Imperial do Commercio e das Corporações Civis e Militares do Imperio do Brasil - 1829 (por Pedro Plancher-Seignor para 1829 Segundo Anno); Almanak Nacional do Commercio do Império do Brasil, publicado por Emilio Seignot-Plancher, para 1832. Terceiro Anno. Rio de Janeiro, na Typ. Imperial de Seignot-Plancher, rua do Olvidor, N. 96.; Almanak Geral do Imperio do Brasil (por Sebastião Fabregas Surigue) no anno de 1836 (com apêndice para 1838) e 1838. Typ. Commercial Fluminense de S. F. Surigue.; Pequeno Almanak do Rio de Janeiro 1842/1843. Typ. dos Editores Viuva Ogier e Filho.: Biblioteca Nacional, seção de Obras Raras. Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (Almanaque Laemmert). Rio de Janeiro, Typographia Universal de Laemmert 1844-1854.
Usos do Passado XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 6 No distrate 18 da empresa, encontrado na documentação da Junta Comercial e datado de 1886, nos deparamos com os nomes que compunham a sociedade àquele momento. Todavia, não podemos afirmar com certeza que todos os componentes faziam parte da reorganização da companhia ocorrida em 1840, conforme informado pelo documento. Entre os sócios, salta aos nossos olhos os nomes de João Ignácio Tavares, um dos maiores negociantes e traficantes de escravos citados por João Fragoso 19, além é claro de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá. Embora não tenhamos obtido sucesso na nossa tentativa de rastrear a rede de negócios da Carruthers & Co., podemos auferir que a companhia inglesa teve intensa participação no tráfico escravista. Fato esse que, segundo o historiador Carlos Gabriel Guimarães, contribui para derrubar o mito do Mauá abolicionista 20, tendo em vista que o nome do referido Barão aparece recorrentemente na historiografia como o principal diretor da empresa após a partida de Richard Carruthers para a Inglaterra em 1837 21. Também a presença de um grande traficante de escravos na composição da sociedade da firma, como a de João Ignácio Tavares, é outro elemento indicativo da participação da companhia no comércio proibido de escravos. Essa indicação se comprova e se torna evidente com o envolvimento, descrito e analisado por Robert Edgar Conrad e por Luís Henrique Tavares 22, da Carruthers com o grande traficante de escravos Manoel Pinto da Fonseca, para quem a empresa fornecia produtos manufaturados para a realização de transações negreiras na África. Além de estar envolvida intensamente no contrabando de escravos da África para o Brasil, a Carruthers & Co. desempenhou também importante papel no comércio de fazendas por atacado. No entanto, apesar de seu reconhecido destaque nessas duas atividades, sua influência foi diminuindo, até a sua liquidação em 1854. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao realizarmos esta análise, visando contribuir para uma melhor compreensão da organização e da forma de atuação da firma inglesa Carruthers & Co., buscamos ao mesmo tempo apreender os aspectos mais abrangentes da sociedade brasileira das primeiras décadas do século XIX, ou seja, o 18 Junta Comercial - Carruthers E Cia. Livro 188 Reg. 29796 P. 03. Código do Fundo 46 Codes. 19 FRAGOSO, João Luis R. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992, 187-202. 20 A respeito do envolvimento do Barão de Mauá com a escravidão cf. GUIMARÂES, Carlos Guimarães. Mauá por Trás do Mito. Revista da Biblioteca Nacional, ano 1, n o 4, outubro de 2005, pp. 70-75. 21 AN. Fundo Polícia da Corte Registros relacionados a entrada e movimentação de estrangeiros (1808-1842). Col. 423, Vol. 10, fl. 06. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. 22 CONRAD, Robert E. Tumbeiros: o tráfico de escravos para o Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1983; TAVARES. Luís Henrique Dias. O Comércio Proibido de Escravos. São Paulo: Ática, 1988.
Usos do Passado XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 7 modo como o capital mercantil inglês atuava nessa sociedade. Aliás, no que diz respeito ao estudo da História de Empresas, Maria Bárbara Levy certa vez afirmou que é preciso, levar em conta as articulações recíprocas entre relações sociais e práticas empresariais. A empresa é parte de um sistema de instituições interatuantes na qual lhe cabe a produção de bens. Como parte interorgânica da sociedade, sua atuação repercute sobre a estrutura social na qual se desenvolve e é, por sua vez, influenciada por ela 23. Em vista disso, acreditamos que a Carruthers, incluindo também o período em que Richard negociava de forma individual, se configurou como um exemplo da forma de atuação de uma típica casa mercantil britânica nas primeiras décadas do Brasil Oitocentista. Em outras palavras, seguindo a sugestão de Robert Greenhill, o desenvolvimento das suas atividades pode ser apresentado como uma atuação nos característicos moldes de uma empresa familiar. Neste quadro, fica impossível concordarmos com aqueles autores que perceberam a ação dos negociantes ingleses no Brasil da primeira metade do século XIX, como sendo a expressão mais nítida da modernidade do capitalismo inglês. De fato, o controle exercido pelos ingleses sobre o comércio de importação e exportação obrigou os negociantes portugueses e nacionais a reforçarem suas posições em outras atividades, como, por exemplo, no tráfico de escravos. Mas isso, em nossa opinião, não nos autoriza a afirmar que houve uma total predominância do moderno e poderoso mercador britânico em detrimento do arcaico e frágil comerciante português. Muito pelo contrário, o que nos esforçamos por mostrar foi que houve uma série de jogos de interesses e de negociações, sem os quais, muito provavelmente, os britânicos não teriam conseguido se firmar no mercado brasileiro. Tal fato pode ser ilustrado com as associações feitas entre negociantes ingleses e os mais diversos traficantes de escravos do período. Alguns deles, inclusive, com enorme influência nos rumos da política do Estado Imperial brasileiro, como é o caso de João Rodrigues Pereira de Almeida. Portanto, seja por meio de associações dos ingleses com comerciantes locais, seja através de casamentos com mulheres de famílias ricas da terra 24, uma prática muito antiga por sinal, as evidências têm nos conduzido para um entendimento de que a penetração inglesa no Brasil do século XIX foi fruto de duras negociações e árduos conflitos, cujo resultado pode ser descrito em função das exigências e especificidades da própria sociedade da época. 23 LEVY, Maria B. A Industria do Rio de Janeiro através de suas sociedades anônimas. Esboço de História Empresarial. Rio de Janeiro, UFRJ, 1994, p. 27. 24 Para uma relação dos nomes de alguns ingleses que constituíram família aqui no Brasil cf. FREYRE, op. cit.