Tempo Histórico na Teoria de Reinhart Koselleck Prof. Dra. Luisa Rauter Pereira 1 Mariano Louzada dos Santos 2 Nascido em Görlitz na Alemanha em 1923 e falecido em 2006, Reinhart Koselleck foi um filósofo e historiador muito importante do pós-segunda Guerra, sendo um dos fundadores e o principal teórico da história dos conceitos. Tornou-se conhecido pela sua tese de doutorado Crítica e crise. Um estudo acerca da patogênese do mundo burguês (1954) e também por sua obra Futuro e Passado: Contribuição a semântica dos tempos históricos (1979). Além disso, foi um dos co-organizadores do léxico: Dicionário histórico dos conceitos - Geschichtliche Grundbegriffe (1971-1992) - obra revolucionária no tocante a uma nova maneira teórico-metodológica de se pensar a relação dos homens com o tempo e a história. Um dos temas mais importantes de suas obras é o estudo do tempo histórico e da formação do conceito moderno de História. O tempo é concebido no âmbito da vida cotidiana como algo natural, físico e mensurável. Trata-se do tempo do calendário e da cronologia histórica, tempo dos acontecimentos e das datas. É o tempo relativo à passagem das horas, dos dias, semanas, meses, anos e séculos. Se esse tempo é de fundamental importância para a narrativa e organização dos fatos históricos, e para a organização da vida do dia-a-dia, não esgota o sentido do fenômeno temporal. Há um tempo especificamente histórico que precisa ser esclarecido em sua singularidade. Não é nos vestígios do passado que o 1 Professora do Departamento de História da Universidade Federal de Ouro Preto 2 Graduando de História da Universidade Federal de Ouro Preto
historiador transforma em fontes de pesquisa que o historiador irá encontrar respostas para o que é o tempo histórico. O esforço de Koselleck é uma busca pela resposta a esta questão. Em busca da resposta à questão do tempo da história, Koselleck parte de uma constatação: longe de ser um dado natural, o tempo histórico também tem uma história. Em sua obra Futuro e Passado: Contribuição para a semântica dos tempos modernos, Koselleck propõe que a experiência temporal e, consequentemente, também a idéia de história teriam sofrido, no domínio da cultura germânica, uma transformação entre os anos de 1750 e 1850. Koselleck aponta neste período um deslocamento lexical na língua alemã: a transição do termo Historie (que se refere ao domínio das narrativas, relatos e conhecimento da história) para o novo termo Geschichte (que se refere ao domínio dos acontecimentos em si). Este deslocamento semântico revela um acontecimento mais fundamental: o surgimento da concepção moderna de que a história é ao mesmo tempo o domínio do fluxo real dos eventos e seu próprio conhecimento. É quando a história se torna, nas palavras de Koselleck, um singular coletivo, isto é, uma marcha universal, dotada de uma dimensão temporal própria e independente do ato de narrá-la. É neste momento que surge a ideia de que a pluralidade os eventos e pequenas histórias que se passam na humanidade, fazem parte de uma grande história universal, que cabe ao historiador apreender com sua escrita. Esses fenômenos linguístico da transição da Historie para a Geschichte revela mais que uma mudança de palavras. Trata-se da ascensão de um tempo novo : a modernidade. Não se trata do surgimento de um novo período histórico, como a transição da Antiguidade para a Idade Média, por exemplo; trata-se da própria invenção do tempo histórico moderno. Para Koselleck, ocorreu na experiência, percepção e conceituação do tempo, uma monumental alteração. O tempo histórico moderno
acarretou a crise do topos historia magistra vitae que desde a antiguidade até fins do século XVIII, pelo menos, ditou a forma do conhecimento dos fatos passados na cultura ocidental. Na clássica história mestra da vida, o passado era considerado uma coleção disponível de histórias (Historie) exemplares a serem seguidas como modelos de conduta para a devida prudência dos homens. A história era parte da arte retórica, uma auxiliar fundamental da arte de convencer e ensinar. Essa concepção magistral e pedagógica da história era baseada numa determinada visão do homem e numa determinada experiência temporal do homem no mundo. A estrutura temporal que lhe dava suporte era estável e constante, articulando passado, futuro e presente em um espaço contínuo. O homem, por sua vez, era dotado de uma natureza humana, constante em todas as épocas. Logo, as situações históricas era vistas como repetíveis, assim como as ações dos homens frente a elas, sendo possível assim aprender com o as histórias exemplares do passado. Na modernidade, com o advento de uma nova experiência temporal de um futuro aberto, produtor de diferença, o passado parou de ensinar. A radicalidade do futuro, experimentado no presente como aceleração, dilatou e separou as dimensões do tempo, anulando o valor utilitário da experiência passada. Não havia mais como extrair lições do passado, pois ele sempre difere do presente, assim como o futuro será sempre diferente do que foi antes. Estas descobertas de Koselleck sobre o surgimento do tempo histórico moderno se baseiam em uma determinada visão filosófica sobre o que é o homem. Para Koselleck, a resposta sobre o que é o tempo histórico não pode ser obtida apenas pela observação de fatos empíricos, mas por uma escolha teórica bem delimitada. Partido das
ideias do filósofo Martin Heidegger 3, Koselleck aposta os homens são seres históricos e possuem história, não porque fazem parte da história do mundo ou porque são influenciados pelo contexto histórico em que vivem. Para Koselleck, os homens são históricos e podem escrever sobre seu passado porque são seres temporais e finitos, isto é, são constituídos pelas experiências vivas do passado e ao mesmo tempo, a partir dessa inserção prévia, são capazes de planejar o futuro em seu presente. A finitude humana é o que faz com que a história tenha um tempo próprio, e isto também é válido para a vida social e política. O tempo histórico é profundamente vinculado às experiências concretas dos homens no mundo, em que estes articulam em cada presente a dimensão de sua experiência viva acumulada e a dimensão do futuro de suas expectativas, intenções e projetos. O conhecimento da finitude humana leva Koselleck a formular duas categorias fundamentais em seu projeto historiográfico dedicado analisar as transformações temporalidade histórica no mundo Europeu na modernidade. Por espaço de experiências entende-se o passado que ainda vigora e é atual no presente, onde convivem e são preservados diversas experiências anteriores. Já o horizonte de expectativas refere-se ao que no presente é voltado para o futuro. Trata-se dos cálculos, projeções, esperanças e angustias que se voltam para o que ainda não foi experimentado. O tempo histórico para Koselleck é, então, fruto da tensão ocorrida na vida social, política e cultural concreta 3 As categorias filosóficas espaço de experiência e horizonte de expectativas de Reinhart Koselleck são, por sua vez, frutos de uma leitura de Reinhart Koselleck sobre a teoria filosófica de Martin Heidegger em Ser e Tempo, de que é a historicidade existencial do ser aí, o que possibilita ao homem conhecer a história. Contudo, na filosofia de Martin Heidegger encontramos reflexões sobre a experiência humana em um sentido existencial e filosófico, e não uma reflexão direta sobre as formas pelas quais os homens se relacionam com o tempo e a história em diferentes períodos históricos. Dessa maneira, as duas categorias criadas por Koselleck, se diferenciam da teoria filosófica de Heidegger, porque estão voltadas para uma análise das diferentes maneiras pelas quais os homens se relacionam com o tempo e a história em diferentes épocas da história, na medida em que fatores culturais, políticos, religiosos, econômicos e sociais, reconfiguram essas categorias em diferentes momentos históricos.
entre experiências e expectativas, entre passado e futuro. As ações humanas que constituem a história concreta são fruto da articulação entre o experimentado e o que se almeja como futuro A história real não seria possível e não poderia ser imaginada e escrita sem essa tensão fundamental que constitui o homem. O surgimento de uma nova experiência temporal na modernidade foi expressa num novo conceito: o progresso. A noção de progresso caracteriza a história como um curso universal de aperfeiçoamento rumo à perfeição, onde o futuro, além de distinto do passado, será melhor. O progresso é um processo de transformações históricas que em poucas palavras vai do estado de barbárie a um futuro luminoso. Esse caminhar veloz rumo ao futuro, deixando para trás um passado em ruínas, criou na modernidade uma sensação de aceleração do tempo, onde as experiências são cada vez menos duradouras e consequentemente cada vez mais o horizonte de expectativas é alargado. O conceito moderno de história foi o que tornou possível o surgimento da disciplina histórica no século XIX. O historiador é aquele habilitado a escrever o relato desta marcha universal e singular por que passa a humanidade. Ao mesmo tempo, as visões progressistas foram uma das causas das grandes crises sócio-políticas do século XX. A crise que se abate sobre o atual conhecimento histórico e que ganha força no século XX, é a noção de presentismo que vêm esvaziando o significado do passado; o presente é tudo o que existia, o passado não existe, o passado não é nada. Crises econômicas e ideias revolucionárias, que perderam o sentido, fizeram com que o futuro não fosse mais passível de deslumbramentos e de projeções, tornando a sociedade encerrada em um presente alargado:
Passamos, portanto, em nossa relação com o tempo, do futurismo ao presentismo: a um presente que é seu próprio horizonte, sem futuro e sem passado, ou engendrando quase diariamente o passado e o futuro, dos quais necessita cotidianamente. 4 Pensar o conhecimento histórico na atualidade, tendo em vista as noções de tempo histórico, progresso e presentismo, é um dos grandes desafios dos historiadores em busca de um conhecimento do passado, visando a sua compreensão no presente. BIBLIOGRAFIA KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, Editora Puc-RJ, 2006. CHIGNOLA, Sandro. Temporalizar la historia. Sobre la Historik de Reinhart Koselleck. ISEGORÍA. Revista de Filosofía Moral y Política N.º 37, julio-diciembre, 2007, 11-33. GAIO, Géssica Góes Guimarães. Sattelzeit: modernidade e história. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, volume 1 - Número 2 - Dezembro de 2009. HARTOG, François.Tempo e História: Como escrever a história da França hoje. Revista História Social, Campinas SP, nº:3 127-154, 1996. 4 HARTOG, François. Tempo e História: Como escrever a história da França hoje. Pág. 9