BIOÉTICA: É POSSÍVEL GUIAR-SE POR REGRAS OU UM PARTICULARISMO MORAL É INEVITÁVEL?

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Transcrição:

BIOÉTICA: É POSSÍVEL GUIAR-SE POR REGRAS OU UM PARTICULARISMO MORAL É INEVITÁVEL? BIOETHICS: IS IT POSSIBLE TO BE GUIDED BY RULES OR A MORAL PARTICULARISM IS INEVITABLE? DAIANE MARTINS ROCHA (UFSC - Brasil) RESUMO Na Bioética se discute a aplicação de princípios para que se tenham práticas médicas adequadas, como princípios reguladores das práticas clínicas. Tais princípios garantiriam a ética nos procedimentos e nas Palavras-chave: Bioética, particularismo, Wittgenstein, linguagem. ABSTRACT principles for the clinical practices. Such principles would guarantee the ethics in the procedures and in the relations between physicians and patients. The aim of this work is to discuss the applicability of can consider the right one. Finally, we intend to answer the presented in the title of this article, seeing particularism. Keywords: Bioethics, particularism, Wittgenstein, language. 1. POR QUE DISCUTIR A APLICAÇÃO DE REGRAS NA BIOÉTICA? sobre como seguir regras, pois nos deparamos com muitas situações onde uma regra pode ser interpretada de diferentes formas, de acordo com o entendimento de cada pessoa. Em outros momentos, simplesmente seguir uma regra pode implicar em ser omisso aos fatos, pois existem certos casos em que há demanda por cuidados e procedimentos diferenciados, e por mais regras

Bioética: é possível guiar-se por regras ou um particularismo moral é inevitável? 16 busca examinar de que forma o atendimento clínico pode ser concebido com regras de conduta que das. Nas Investigações, o 1 sugere que somos treinados para termos uma determinada reação frente a um signo, de modo que, embora uma regra pudesse ser interpretada de alguma forma diferente, pela prática apreendemos 2. uma ordem, seguir uma regra é algo para o qual somos treinados e reagimos a elas de um modo determinado. Wittgenstein: On Rules and Private Language complementar com a frase que segue:

17 Bioética: é possível guiar-se por regras ou um particularismo moral é inevitável? de 3. interpretar a regra no sentido de substituir uma expressão da regra por outra expressão, a regra possui um conteúdo, o que se mostra no caso, pelo fato de podermos transgredir ou seguir as regras 4, logo, Investigações comentadores de Wittgenstein 5. ta: 6 Wittgenstein. Seus escritos nos são bastante úteis, ainda que, para nossa defesa de que a regra possui 7. Investigações do sentido que damos a elas.

Bioética: é possível guiar-se por regras ou um particularismo moral é inevitável? 18 a defesa de um ceticismo de regras, que consideramos ser uma defesa que extrapola os escritos de Wittgenstein. Nas Investigações (...) há regras também, mas elas não formam nenhum 8. Nessa passagem das Investigações conhecimento dos homens e salienta que, embora existam regras, somente uma pessoa experiente conhecimentos, como a linguagem, não ocorre algoritmicamente como uma aplicação de formas uso na linguagem 9 que seguir uma regra, dar ordens etc são hábitos, conforme ressalta Wittgenstein nas Investigações,.

19 Bioética: é possível guiar-se por regras ou um particularismo moral é inevitável? 11 compreensão uns dos outros. 12 é saber que ações estariam em conformidade com essa, assim como, compreender uma declaração 13. É bom lembrar que, os princípios que regem a aplicação das regras de uma forma geral são considerados prima facie ela me fala acerca das possibilidades que tenho a frente, no caso, um retorno. 14, elas possuem um conteúdo. Vale Investigações

Bioética: é possível guiar-se por regras ou um particularismo moral é inevitável? 2. A APLICAÇÃO DE REGRAS NO CONTEXTO BIOÉTICO Tendo esclarecido a interpretação, apresentamos a seguir algumas propostas a respeito de como lidar com regras e algo além das regras que oriente na sua correta aplicação. Nesse artigo escolhemos como propostas discussão desse tema. James Nelson 15 propõe uma discussão sobre regras que auxiliem na dissolução de dilemas de decisões clínicas 16, baseado na idéia de que as regras não são meros trilhos mecânicos 17, e que o 18 exigem a aplicação de outra regra, pois além de saber aplicar a regra, é preciso saber qual aplicar. Investigações, mas também dos escritos encontrados em Da Certeza, no qual se examina o papel dos exemplos, reforçando a idéia de que o mero conhecimento da regra não garante sua correta aplicação, e

21 Bioética: é possível guiar-se por regras ou um particularismo moral é inevitável? 19 pelo autor, podemos perceber melhor porque não há um platonismo de regras em Wittgenstein, Tanto nas Investigações quanto em Da Certeza, Wittgenstein mostra que a regra possui uma e também qual é a errada. Em conformidade com as idéias de Wittgenstein sobre o conteúdo a regra: os princípios que auxiliam sua aplicação. E para a escolha e aplicação dos princípios, os autores de Principles of Biomedical Ethics 21 decisões clínicas.

Bioética: é possível guiar-se por regras ou um particularismo moral é inevitável? 22 das Investigações ou são estabelecidas pela prática, com facilidade aceitaríamos que uma regra pode ser aplicada de prima facie sobrepor ao outro, o principialismo abre um grande espaço para essa discussão sobre a importância de ação, não possuem caráter absoluto. 22. Investigações práticas ocupam um papel central na apreensão e na correta aplicação da regra.

23 Bioética: é possível guiar-se por regras ou um particularismo moral é inevitável? prima facie Wittgensteinian Lessons on Moral Particularism 23, uma teoria ética sistemática 24 particularidade na tomada de decisões morais. o panorama moral 25 para pensar em questões de moralidade. princípios adequados, mas não dão nenhum argumento para sua posição 26 status

Bioética: é possível guiar-se por regras ou um particularismo moral é inevitável? 24 autora acrescenta ainda que, os princípios são mesmo bastante abstratos, mas há diferentes modelos 27 apropriadamente, ou, como Wittgenstein colocaria, a habilidade para seguir uma regra 28 no Tractatus 29.

25 Bioética: é possível guiar-se por regras ou um particularismo moral é inevitável? moral. E nessa necessidade de interpretação de uma situação é que residiria o manifesto da concepção particularista da moral. Embora aceitemos os pareceres da autora sobre sabedoria moral e sobre o papel da prática, gostaríamos de ressaltar que não concordamos com a abordagem particularista, principalmente trabalha com fatos. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS apesar do caráter prima facie dos princípios, dadas as peculiaridades de cada caso e a necessidade de considerar as particularidades da situação de um paciente para perceber este como um ser humano aplicação de regras no contexto bioético, pois mesmo percebendo a complexidade das relações

Bioética: é possível guiar-se por regras ou um particularismo moral é inevitável? 26 NOTAS 1 2 3 4 Idem, Ibidem. 5 Scepticism, Rules and Language teria feito de Wittgenstein e a ilusão de um ceticismo de regras. 6 tradução nossa. 7 8 Wittgenstein, 1996, p. 293. 9 11 Idem, x, tradução nossa. 12 Idem, xii. 13 Idem, xiii. 14 15 Unlike Calculating Rules? In: 16 In 17 18 19 21 tradução nossa. 22 23 Wittgensteinian Lessons on Moral Particularism. In 24 In 25 Idem, p.162. 26 Idem, Ibidem. 27 In tradução nossa. 28 In 29 In

27 Bioética: é possível guiar-se por regras ou um particularismo moral é inevitável? REFERÊNCIAS. Scepticism, Rules and Language. 1984. Principles of Biomedical Ethics. 5nd ed. New York: Princípios de Ética Biomédica Bioética Slow Cures and Bad Philosophers Wittgenstein: Tractatus Logico-Philosophicus.. Da Certeza (Über Gewissheit).(Trad.