Entrevista: A alteridade dimensão primeira do sujeito ético

Documentos relacionados
RU Reunião de Unidade Tema: As 50 Melhores Dicas para uma Consultora de sucesso!!!!!!

REPRESENTAÇÃO/INVENÇÃO

Vamos dar uma olhada nos Processos de Produção Musical mas, antes, começaremos com alguns Conceitos Básicos.

Visita à Odebrecht 16 de Abril de 2015

A política do sintoma na clínica da saúde mental: aplicações para o semblante-analista Paula Borsoi

RESPONSABILIDADE SOCIAL, ÉTICA E CIDADANIA

UM JOGO BINOMIAL 1. INTRODUÇÃO

Dados internacionais de catalogação Biblioteca Curt Nimuendajú

UM ESPETÁCULO DE DANÇA COMO MEDIADOR SEMIÓTICO NA AULA DE ARTE

PROJETO DE LEI Nº., DE DE DE 2012.

Profa. Cleide de Freitas. Unidade II PLANO DE NEGÓCIOS

BLUMENAU: SITUAÇÃO FINANCEIRA A economia dos municípios depende do cenário nacional

1. Primeiras reflexões: a base, o ponto de partida 15

INSTRUÇÕES: Crédito imagem: metasinergia desenvolvimento de pessoas

Células-Tronco Embrionárias: Relevância Jurídica e Bioética na Pesquisa Científica

A Orientação Educacional no novo milênio

TEMA: O MANUAL DO MISSIONÁRIO. Formadora: Helena Gaia

MODELAGENS. Modelagem Estratégica

Mercados emergentes precisam fazer mais para continuar a ser os motores do crescimento global

GLOSSÁRIO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

PLANEJANDO UMA VIAGEM DE SUCESSO SABRINA MAHLER

01/09/2009. Entrevista do Presidente da República

Magistério profético na construção da Igreja do Porto

COMBINADOS O ANO DA ENTREGA.

ActivALEA. ative e atualize a sua literacia

- ; - -1,- NOTA TÉCNICA N`& / CGNOR/DSST/SIT/MTPS

Oito coisas para abandonar em busca da felicidade

Estadual ou Municipal (Territórios de Abrangência - Conceição do Coité,

Pessoa com Deficiência. A vida familiar e comunitária favorecendo o desenvolvimento

Mostra de Projetos Capoeira - menino Pé no Chão

RELAÇÕES RACIAIS NA PERSPECITIVA CURRICULAR E EDUCACIONAL

24/06/2010. Presidência da República Secretaria de Imprensa Discurso do Presidente da República

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA Estudo Aprofundado da Doutrina Espírita Programa Filosofia e Ciência Espíritas Roteiro 28

Manual Geral de Aplicação Universal Entrada 2008

SILVA, Maurício - UNINOVE - maurisil@gmail.com RESUMO

EDITAL DE LANÇAMENTO E SELEÇÃO DE ALUNOS PESQUISADORES PARA O PROJETO DE PESQUISA

Abril de Daniela Alexandra Diogo

CENTRO DE BEM ESTAR INFANTIL NOSSA SENHORA DE FÁTIMA ANO LECTIVO 2007/2008

[De]Codificando a Comunicação de uma Organização Criativa: Um Estudo de Caso no CESAR

CATEQUESE 10 JESUS ENTREGA A SUA VIDA

Dicas Gerenciais Como devo definir o preço de venda de cada produto? Processo de Formação de Preços em uma Loja de Varejo de Alimentos.

A vida após a faculdade

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A SUA INTERDISCIPLINARIDADE

PARALISIA CEREBRAL: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ACERCA DA INCLUSÃO ESCOLAR

Como Criar Seu Primeiro Negócio 100% Digital

Características do professor brasileiro do ensino fundamental: diferenças entre o setor público e o privado

Postfacio: E agora? Maria Emília Brederode Santos

AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO E AS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DO TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA

Transcrição da Teleconferência - Multiplus (MPLU3 BZ) Resultados do 2T14 Q&A 9 de agosto de Rafael Frade, Bradesco:

EDUCADOR, MEDIADOR DE CONHECIMENTOS E VALORES

LOGO DO WEBSITE DA FUTURA APP

Projeto 10Envolver. Nota Técnica

PSICOLOGIA POSITIVA E PSICOTERAPIA

Data: 06 a 10 de Junho de 2016 Local: Rio de Janeiro

Diversidade. Linguística. na Escola Portuguesa. Projecto Diversidade Linguística na Escola Portuguesa (ILTEC)

ÉTICA E RESPONSABILIDADE AMBIENTAL - UM ESTUDO DA PROPOSTA ÉTICA DE HANS JONAS

4. Erros Mais Comuns em Entrevistas

Agradeço a atenção e espero a aprovação desta petição e a criação do DIA NACIONAL DOS SONHOS.

ABORDAGEM METODOLÓGICA EM GEOGRAFIA: A PESQUISA DE CAMPO*

À CONVERSA COM UMA PROFISSIONAL

PERCEPÇÃO DAS CRIANÇAS DA ESCOLA MUNICIPAL CENTRO DE PROMOÇÃO EDUCACIONAL ACERCA DO ESTATUTO CRIANÇA E ADOLESCENTE

Corpo e técnica em dança: como podemos discuti-los?

de fevereiro de 2002

Governança Corporativa de Empresas Familiares. Migrando do Conselho para os níveis operacionais

Fundamentação teórica da Clínica de Psicologia da Unijuí

CDB - CERTIFICADO DE DEPÓSITO BANCÁRIO

Relatório sobre as interpretações de Libras nas Audiências Públicas da Prefeitura de Salvador para discussão do PPDU

Competências socioemocionais: fator-chave no desenvolvimento para o trabalho. Sônia Gondim, Franciane Andrade de Morais e Carolina Brantes

Dureza Rockwell. No início do século XX houve muitos progressos. Nossa aula. Em que consiste o ensaio Rockwell. no campo da determinação da dureza.

Obs: grifos (verde): grifo sobre minhas observações Grifos (cinza): grifo sobre observações relevantes do autor

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

UNIJUÍ: Universidade Regional do Nordeste do estado do Rio Grande do Sul

Palestra Motivacional. Como vender mais no natal

Os números têm um significado?

IDENTIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DE CONTEÚDO DIGITAL PARA O USO NA EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS

!" # ) ) * +,-+ #.! 0..1(

PROJETO ATUALIDADE EM FOCO

FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE ANDRADINA NOME DO(S) AUTOR(ES) EM ORDEM ALFABÉTICA TÍTULO DO TRABALHO: SUBTÍTULO DO TRABALHO, SE HOUVER

Como utilizar a tecnologia a favor da sua central de atendimento

CIBERESPAÇO E O ENSINO: ANÁLISE DAS REDES SOCIAIS NO ENSINO FUNDAMENTAL II NA ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR VIANA

NÃO EXISTE GESTÃO SEM COMUNICAÇÃO DANIEL COSTA

#PESQUISA CONEXÃO ABAP/RS E O MERCADO PUBLICITÁRIO GAÚCHO NOVEMBRO DE 2015

Programa: Enquadramento; Dinâmicas e processos associados à violência conjugal; A lei e o combate à violência doméstica questões legais.

Disciplina: Trabalho de Conclusão de Curso

Disciplinar na Adolescência: Onde está o manual de instruções?

Redação Publicitária reflexões sobre teoria e prática 1

NABARRETE, Tatiane Souza 1 <fabrimana@gmail.com> BARELLA, Lauriano Antonio² <barella28@hotmail.com> 1 INTRODUÇÃO

Professor (a): William Alves. Disciplina: Matemática

Como você descreveria uma pessoa piedosa, um santo, um homem de Deus?

Todas as crianças, tenham ou não deficiências, têm direito a educação. enhuma criança deve ser considerada ineducável.

EXMO. SR. DR. JUIZ DA ª VARA FEDERAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Comandos de Eletropneumática Exercícios Comentados para Elaboração, Montagem e Ensaios

VERSÃO RESPOSTAS PROVA DE MARKETING

Maquiavel ( )

COMENTÁRIOS EM RELAÇÃO A RESPOSTA DA ANEEL. Ofício nº 0701/2013/PGE-ANEEL/PGF/AGU de 11/10/2013

FACULDADE MULTIVIX CURSO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO 2º PERÍODO MARIANA DE OLIVEIRA BERGAMIN MONIQUE MATIELLO GOMES THANIELE ALMEIDA ALVES

Este Procedimento Operacional Padrão define as etapas necessárias para o processo de inventário em um estoque, filial ou loja no APLWeb.

Transcrição:

Entrevista: A alteridade dimensão primeira do sujeito ético José André da Costa O professor José André da Costa, diretor geral do IFIBE, defendeu Tese de Doutorado em Filosofia na sexta-feira, 08 de julho de 2011, No PPG Filosofia da PUCRS, em Porto Alegre. A temática de pesquisa: Ética e Política em Levinas: um estudo sobre alteridade, responsabilidade e justiça no contexto geopolítico contemporâneo foi orientada do professor doutor Ricardo Timm de Souza (PUCRS). A banca de defesa foi composta pelo professor orientador e pelos seguintes doutores: Agemir Bavaresco (PUCRS), Luiz Carlos Susin (PUCRS), André Brayner de Farias (UCS) e Castor M. M. Bartolomé Ruiz (Unisinos). A seguir a entrevista feita pelo professor Paulo César Carbonari. P: Do que nasceu seu interesse pelo estudo do tema pesquisado na tese? R: O interesse foi pesquisar a categoria de alteridade em Levinas pelo viés da política a fim de mostrar que o discurso ético de Levinas prescreve o Direito e a Política. Esta preocupação nasceu dos estudos da dialética moderna e a insuficiência da subjetividade como instituidora do eu absoluto. P: Qual a problemática de fundo implicada na pesquisa? R: A alteridade precede à subjetividade. O que significa discutir, no fundo, que não há um eu natural como quis a modernidade, mas que o começo do filosofar e da filosofia é sempre plural, e isso aparece particularmente em Levinas. Daqui emerge a problemática da ética como responsabilidade com o outro e a política como encontro plural. Daí emerge a ideia central defendida na Tese de que o infinito faz da ética a filosofia primeira 137

e não a ontologia, e da política ato segundo. Mas, este primeiro e segundo não são cronológicos, nem opostos e nem justapostos, são, como se poderia dizer, faces de uma mesma moeda. O que abre a relação face-a-face, que é o ético em Levinas, é o político na figura do terceiro. P: Como compreender a filosofia e o filosofar como plural, se a ética é que constitui a filosofia primeira e esta é sempre face-a-face? R: Isto apresenta o contraponto entre totalidade e infinito, que são distintos para Levinas. A totalidade é resultado da ontologia e a pluralidade é desempenho do infinito no finito. Então, a ética supõe o infinito e o finito. A pluralidade se dá na relação face-a-face porque o encontro é sempre plural, não é só um eu, mas uma relação com o outro. A interpelação do outro é que gera a relação, nisto a pluralidade é constitutiva e, ao se abrir ao terceiro, esta pluralidade de amplia com o terceiro, a comparação do outro com o outro. P: Como a política, que lida fundamentalmente com mediações históricas, pode estar relacionada intimamente com a ética, que é relação primeira, imediata? R: Para a organização social o face-a-face não é suficiente, mas é o ponto de partida. A política, neste sentido, vem como garantia de para não cristalizar ou fixação do face-a-face. No fundo, é o movimento do plural. A ética é sempre primeira porque o ponto de partida é alteridade. P: Mas, haveria risco de cristalização ou fixação do face-a-face, em sentido ético, ao ocorrer isso já não seria ontologizar o tema e, por isso, inclusive inviabilizar a própria ética? R: Exatamente, esta é a questão, assim a política não pode ser dispensada. O que Levinas faz é exatamente tensionar o instituinte e o instituído. A verdade política em Levinas está exatamente neste tensionamento, que precisa permanecer aberto e, por isso, mantém o face-a-face aberto, não fixado. O outro, assim, permanece como primazia da ação, exigindo 138

resposta à interpelação da manifestação do outro. A resposta pode ser positiva ou negativa, sendo que o critério para organização social é ético. Assim, a ética não precisa da política para se constituir, mas a política sim e, seu sentido, está exatamene em cuidar de manter a ética. Sem a relação face-a-face a política será ontológica e de totalização. P: Numa sociedade marcadamente esquecida do face-a-face e para a qual a relação direta parece até ameaçadora, como sustentar o proposto por Levinas? Não seria isso, um sonho para trás, no sentido de restaurar o que ficou para um período do passado, ou um sonho para frente impossível de se realizar, dado que também a política está mais para a totalização do que para a proteção do cuidado ético do face-a-face? R: A pergunta repõe a questão que Levinas trata em Totalidade e infinito (1961) e em De Outro modo que ser (1974) mostrando que o passado não está coagulado, é olhado como horizonte, e o futuro como compromisso ético. Isto porque o que Levinas quis restabelecer é que a injustiça é irreparável, portanto, o que quer resgatar é a memória das vítimas para que não se repitam exemplo para que Auschwitz não se repita! No fundo, o que liga a ética, a política e a justiça é a memória, que seria o tempo sem tempo. P: A memória é, portanto, elemento central. Se entendi bem, ela é, inclusive, constitutiva da possibilidade tanto do ético quanto do político, aliás da própria filosofia. Ou seja, não haveria filosofia sem memória. Mas isso não contrasta com as clássicas compreensões da filosofia como cognição, como epistemologia, inclusive lembrando o velho Aristóteles que atribuía à memória um papel importante, mas nunca à altura da inteligência e menos ainda do noús? R: Não fazer memória equivaleria a não fazer justiça a vítima, às vítimas. Na verdade, toda a crítica de Levinas à filosofia ocidental é a crítica a esta amnésia, a este esquecimento do sentido do ser humano. Levinas, ao restabelecer a filosofia como ética primeira, repõe a categoria da justiça como crítica à filosofia da autonomia, que põe o eu em primeiro 139

plano, confundindo o outro com as coisas. Levinas contrasta sim, com a epistemologia, inclusive e particularmente a moderna. Ele tira este contraste quando faz a leitura do cogito cartesiano, já que este esqueceu a dimensão do infinito enquanto metafísica capaz de ir além do ser e do conceito. Neste sentido, em Levinas há menos uma epistemologia e mais uma crítica a ela. No fundo, o sujeito ético não nasce pelo entendimento e sim pelo traumatismo que se dá com a manifestação do outro (que é tudo o que não é o eu). P: Então, significa que a vítima é sinônimo de alteridade. O que significa falar de vítima? R: Significa falar daquele que foi negado de seus direitos humanos e impedido de manifestar seu apelo pelos próprios direitos. Isto é a injustiça, que fere o princípio ético do não matarás, que sempre é manifestado no rosto indecifrável do outro. P: Sim, mas se o outro é a vítima da totalidade ele também é a abertura para a sua superação alteridade. Em outras palavras, a vítima teria, agora, em sentido político, força para ser o motor da transformação das situações injustas. Não estaria ela em tal situação de vulnerabilidade ou até de impotência que precisaria de apoio para sair desta situação? Em outras palavras, até que ponto a política aqui não se converteria em império dos miseráveis ou em reino da misericórdia? R: Na verdade, o assassinato é um engodo por que, mesmo matando o outro não mato a alteridade. Mesmo a vítima, mesmo o outro vitimado, agora ausente, continua presença que segue interpelando por justiça. Sendo que não tenho o vitimado nem fenomenicamente e nem ontologicamente, mas continua como dimensão ética. O outro, mesmo assassinado, continua interpelando por justiça, deixando o eu solitário. Neste sentido, a injustiça praticada é irreparável. A força é ética, sempre! A política é a dimensão que põe a ética em marcha com o conteúdo da memória da vítima perseguido pela justiça. A política, neste sentido é a racionalidade de garantir o social enquanto direito. A política é o serviço 140

da ética para não fazer do social o lugar da mendicância e, no exercício da política a memória fica acesa, atiçada, para trazer sempre a lembrança de que a misericórdia é uma resposta da bondade ética levando em conta a diacronia da política. P: Então, a tarefa proposta por Levinas à filosofia é acima de tudo prática, poderíamos dizer? R: Prática não no sentido kantiano, mas metafísica no sentido ético. Nunca esgotando o dizer (metafísico) no dito (ontológico). No fundo é levar a sério a linguagem. Então ser humano em Levinas é levar em conta a linguagem enquanto indicadora de sentido. Esta é a tarefa primordial da filosofia em Levinas. No fundo, a racionalidade tem que ser ética e a linguagem racional. P: Para terminar, qual seu sentimento depois deste grande investimento pessoal no estudo? Como esta experiência marca tua vida? E com segues doravante? R: Em primeiro lugar a satisfação de ter concluído esta etapa de pesquisa e estudos. Ela me proporcionou uma experiência e o aprendizado de que a filosofia é uma necessidade humana e que, ao mesmo tempo, estudar filosofia da alteridade em Levinas resultou no aprendizado de que a razão é o exercício da pluralidade ética. Pude experimentar que, para além dos conceitos lógicos, a própria filosofia implica na articulação de atos lógicos e atitudes éticas, mesmo que o ato lógico nem sempre seja atitude ética e que o respeito e a alteridade continuam sendo o chamado da filosofia para respeitar a dignidade do outro. No fundo, o maior aprendizado é que, em Levinas, há um a priori de carne e osso! Sigo na pesquisa agora participando de debates acadêmicos e, acima de tudo, aberto para o diálogo com outras áreas de saber levando sempre em conta a alteridade como responsabilidade com o saber e com o parceiro do diálogo. 141