Retroatividade das taxas de tributação autónoma é inconstitucional

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Transcrição:

29-06-12 - Retroatividade das taxas de tributação autónoma é inconstitucional O Tribunal Constitucional (TC) julgou inconstitucional a aplicação das novas taxas de tributação autónoma, que, tendo entrado em vigor em 6 de dezembro de 2008, o diploma que as aprovou fez retroagir os seus efeitos a 1 de janeiro de 2008. Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto é instantâneo, ou seja, esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação, pelo que deve ser-lhe aplicada a taxa vigente no momento em que tal facto ocorre. Assim, devem ser aplicadas as taxas de tributação autónoma vigentes na data em que os factos ocorrem. O caso Uma sociedade impugnou junto do Tribunal Tributário de Lisboa uma liquidação de IRC de 2008, na parte respeitante à tributação autónoma incidente sobre os encargos relativos a despesas de representação e a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, suportados até ao dia 30 de novembro de 2008, invocando a inconstitucionalidade da lei que alterou as taxas de tributação autónoma, na medida em que a mesma se aplicou a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. 1

O Tribunal Tributário de Lisboa decidiu julgar a impugnação procedente, tendo recusado a aplicação do disposto na referida norma por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal. Perante a recusa de aplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade, o Ministério Público interpôs recurso para o TC. Apreciação do TC Em causa está uma alteração ao Código do IRC, nomeadamente às taxas de tributação autónoma, que embora tenha entrado em vigor em 6 de dezembro, o diploma que a aprovou fez retroagir os seus efeitos a 1 de janeiro de 2008. Assim, a taxa de tributação autónoma aplicável aos encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, que era de 5% passou para 10%, enquanto a taxa sobre os encargos suportados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas com custo de aquisição superior a 40.000 passou de 15% para 20%. Desta forma, os sujeitos passivos na declaração modelo 22 do IRC referente ao exercício de 2008, compreendido entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2008, teriam, na autoliquidação do IRC, ao incluir os valores devidos a título de tributação autónoma, de aplicar as novas taxas aos factos ocorridos anteriormente à vigência da nova lei. 2

A Constituição da República Portuguesa (CRP) impõe que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa. No entendimento do TC, na tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, instantâneo não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano. Contrariamente ao que sucede na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num ano, na tributação autónoma cada despesa efetuada é tributada em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, e apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício. É preciso atentar que na tributação autónoma, sendo o facto tributário esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação e nem o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um período a transforma num imposto de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Esta distinção é essencial para efeitos de aplicação da lei no tempo. Uma vez que a alteração efetuada veio aumentar a taxa de tributação autónoma aplicável a despesas de representação e com viaturas, estava-lhe vedada uma eficácia retroativa, pois não podia a lei nova ser aplicada a factos tributários de natureza instantânea, já completamente formados, anteriores à data da sua entrada em vigor. Concluiu por isso o TC pela inconstitucionalidade da norma que alterou as taxas de tributação autónoma na parte em que faz retroagir a 1 de 3

janeiro de 2008 essa alteração, por violação do principio da irretroatividade da lei. Por último, devem-se sublinhar dois aspetos: Em primeiro lugar, que esta decisão do TC vem contrariar um acórdão anterior do mesmo tribunal, que considerou a mesma não inconstitucional. Neste acórdão o TC entendeu que se estava perante factos tributários que não tinham ocorrido totalmente no domínio da lei antiga, continuando-se a formar no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei, pelo que se estava perante um caso de retroatividade imprópria, isto é, em que a lei se aplica a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente. Em segundo lugar, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) também já se pronunciou sobre esta questão, tendo também considerado a aplicação de tal lei inconstitucional com base nas mesmas razões que o TC agora invoca para inverter a sua posição. Referências Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 310/2012, de 20 de junho de 2012 Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, artigo 5.º n.º 1 Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, artigo 88.º Constituição da República Portuguesa, artigo 103.º n.º 3 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2011 de 12 de janeiro de 2011 4

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0281/11, de 6 de julho de 2011 Informação da responsabilidade de LexPoint Todos os direitos reservados à LexPoint, Lda Este texto é meramente informativo e não constitui nem dispensa a consulta ou apoio de profissionais especializados. 5