A HOMOTRANSFOBIA E SUA RELAÇÃO COM O SERVIÇO SOCIAL: RELATO DE EXPERIÊNCIA

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A HOMOTRANSFOBIA E SUA RELAÇÃO COM O SERVIÇO SOCIAL: RELATO DE EXPERIÊNCIA Marco Gimenes dos Santos 1 RESUMO A homotransfobia é violência contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais que ocorre em sociedades onde existe a ideologia heterossexista, podendo levar a preconceito e comportamento discriminatório em assistentes sociais. O objetivo desse estudo é descrever a experiência de ministrar a aula Serviço Social contra a homotransfobia: fundamentos da intervenção social para estudantes do terceiro ano da graduação de Serviço Social de uma universidade do interior paulista, nos períodos diurno e noturno, no segundo semestre de 2015. Trata-se do relato de experiência de duas aulas expositivas com desenvolvimento dos seguintes temas: trajetória do Serviço Social no trabalho com a população LGBT; resoluções do CFESS relacionadas ao tema; população LGBT; conceitos de orientação sexual, identidade de gênero, homotransfobia e heterossexismo; homossexual como bode expiatório da psiquiatria e mitos sobre a população LGBT. Após a exposição os alunos tiveram oportunidade de explicitar dúvidas. A experiência permitiu elucidar a contribuição do Serviço Social junto a população LGBT, problematizando os fundamentos da intervenção social baseada na desconstrução de preconceitos, valorização da diversidade sexual e de gênero das pessoas e das famílias. Os alunos consideraram a experiência importante para pautarem suas intervenções profissionais junto a população LGBT. Palavras-chave: Relato de Experiência. Serviço Social. Orientação Sexual. Homotransfobia. RESUMEN La homotransfobia es violência contra homosexuales, lesbiana, bisexual, travestis y transexuales que ocurre en las empresas donde hay la ideología heterosexista, que puede conducir la prejuicio y comportamiento discriminatório en trabajadores sociales. El propósito de este estúdio és describir la experiencia de enseñar la clase Trabajo social contra la homotransfobia: fundamentos la intervençión social para los estudiantes del tercero año del curso de Trabajo social de una universidad del interior de São Paulo, durante el día y las noches, en los períodos nos períodos diurno e noturno, en segundo semestre de 2015. Se trata del relato de experiencia de dos clases magistrales com el desarrollo de los seguientes temas: historia del Trabajo social en la población LGBT; resoluciones del CFESS relacionadas al tema; población LGBT; conceptos de orientación sexual, identidad de gênero, homotransfobia y heterosexismo; homossexual como chivo expiatório del de psiquiatría y mitos acerca 1 Mestre em Enfermagem Fundamental (Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP); Especialista em Prevenção e controle de infecção pela mesma universidade; Graduado em Enfermagem pela Universidade de Franca e em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP. Membro do Grupo de Pesquisa em Gênero, Poder e Resistências (Divergentes), da Unesp, Campus de Franca. E-mail: marcogimenes@yahoo. com.br 160

del población LGBT. Después de clase los estudiantes aclararan sus dudas. Esta experiencia permitió resolver la contribución del Trabajo social junto a población LGBT, problematizando los fundamentos la intervençión social basada en desconstrucción de prejuicios, apreciación del diversidad sexual y de gênero de las personas y de las familias. Los estudiantes valoraron la experiencia importante para basan su intervenciones profesionales junto a población LGBT. Palabras clave: Relato de Experiencia. Trabajo social. Orientación sexual. Homotransfobia. ABSTRACT The homotransphobia is a violence against gays, lesbians, bisexuals, transvestites and transexuals that occurs in societies where there the heterosexist ideology, which can lead to prejudice and discriminatory behavior in social workers. The purpose of this study is describe the experience of teach the class Social work against homotransfobia: foundations of social intervention to students of third year of Social Work course of an university of São Paulo, in daytime and night-time periods, on the second semester of 2015. This is an experience report of two expository lectures with the development of the issues: history of Social work with LGBT persons; resolutions of CFESS related to issues; population LGBT; concepts of sexual orientation, gender identity, homotransphobia and heterosexism; homosexuals as scapegoat of psyquiatry and myths about LGBT population. After the lesson the students have had opportunity to clarify doubts. The experience have allowed the contribution of Social work with LGBT population, discussing the foundations of social intervention based on desconstrution of prejudices, appreciation of sexual and gender diversity of peoples and families. The students considered the experience important to base yours professionals interventions with LGBT population. Keywords: Experience report. Social work. Sexual orientation. Homotransphobia. 1 INTRODUÇÃO A palavra homofobia foi criada na década de 1960 pelo psicólogo George Weinberg e vem sendo tradicionalmente utilizada para se referir a violência contra homossexuais masculinos, sem incluir a violência sofrida pelas homossexuais femininas (lesbofobia) ou pelos (as) bissexuais (bifobia). Utilizase atualmente um termo mais abrangente, a palavra homotransfobia, com o objetivo de representar a violência contra a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), não só em função de sua orientação sexual, relativa a gays, lésbicas e bissexuais, mas também de sua identidade de gênero, relacionada a travestis e transexuais (SMITH, OADES, MCCARTHY, 2012). A homotransfobia então é uma forma de violência que ocorre em função da intolerância social em relação a determinadas orientações sexuais e identidades de gênero, estigmatizadas socialmente. Quando nos referimos à orientação sexual indicamos a direção do desejo, da atração sexual e do afeto entre pessoas. Quando duas pessoas de gêneros diferentes sentem-se sexual e afetivamente atraídas, consideramos sua orientação sexual heterossexual. Quando duas pessoas de gêneros iguais sentem-se sexual e afetivamente atraídas, consideramos sua orientação sexual homossexual. E quando uma pessoa sente-se sexual e afetivamente atraída pelo seu gênero e também pelo gênero oposto, 161

consideramos sua orientação sexual bissexual. Embora não saibamos a razão pela qual uma pessoa é hetero, homo ou bissexual, o conhecimento científico atual indica que não se trata de uma escolha, por isso a expressão correta para designar o direcionamento do desejo é orientação sexual e não opção sexual (FRANKOWSKI, 2004). Identidade de gênero se define pela relação entre a autopercepção e a forma pela qual as pessoas se expressam socialmente e o seu sexo biológico. Existem pessoas cuja identidade de gênero está em concordância com o sexo biológico, o que é legitimado socialmente e há aquelas cuja identidade de gênero não está em acordo com o sexo biológico, sendo, portanto discriminadas socialmente. Logo, pessoas consideradas biologicamente machos e que se comportam e se expressam conforme o gênero masculino e pessoas consideradas fêmeas e que se comportem conforme o gênero feminino são considerados cisgêneros, isto é, há concordância entre o sexo biológico e o gênero masculino. Contudo, há pessoas que não vivenciam o seu gênero em conformidade com o seu sexo biológico e as denominamos como pessoas transgêneras, como as travestis e transexuais (JESUS, 2012). A homotransfobia prejudica inclusive heterossexuais. Conforme Warren J Blumenfeld as famílias são desestruturadas pela homotransfobia, que cria obstáculos nas relações entre os seus membros. Quando os filhos são gays, lésbicas, travestis ou transexuais, muitas vezes temem a reprovação de seus pais que foram educados para terem filhos heterossexuais e assim omitem importantes informações sobre suas vidas, enfraquecendo as relações familiares. Por outro lado temos os pais, que sem saber como lidar com a orientação sexual e a identidade de gênero de seus filhos, recorrem ao silêncio e ficam distanciados deles, sem realmente conhecê-los (BLUMENFELD, 1992). Após o aprofundamento no conceito de homotransfobia, abordaremos alguns dados sobre esta violência em contexto brasileiro. Segundo dados obtidos através do disque 100 em 2015 pela Secretaria de Direitos Humanos, foram computadas 1.983 denúncias sobre a violação de direitos de pessoas da comunidade LGBT, formada por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (BRASIL, 2015). As violações mais recorrentes contra a população LGBT foram discriminação (53,58%), violência psicológica (26,42%), violência física (11,54%), negligência (2,77%) e outras violações (5,43%) (BRASIL, 2015). Tal violência ocorre em sociedades calcadas em uma ideologia heterossexista. O psicólogo George Weinberg criou o termo heterossexismo em 1972 com o objetivo de representar a opressão que gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais sofriam por não serem heterossexuais. Desta maneira, o heterossexismo consiste numa ideologia que prega a superioridade dos heterossexuais sobre os outros seres humanos, que devem ser marginalizados por não se enquadrarem na heteronormatividade (SMITH, OADES, MCCARTHY, 2012). O estabelecimento da ideologia heterossexista foi se formando, conforme o jornalista Colin Spencer (1996), a partir da leitura fundamentalista, literal e não contextualizada de determinadas passagens bíblicas que inspiraram as legislações seculares. Além disso, com o advento da revolução industrial e 162

a necessidade de acúmulo de capital pela burguesia, a ideologia heterossexista foi sendo consolidada, pois as famílias nucleares apoiadas pelas religiões cristãs se tornaram economicamente viáveis e foram naturalizadas ideologicamente. Seguindo este raciocínio, um casal heterossexual poderia ter filhos e perpetuaria o sistema de acumulação capitalista e a partir de então os homossexuais foram considerados uma ameaça, sendo considerados doentes ou criminosos. A ideologia heterossexista então existe em nossa sociedade atual, podendo fomentar preconceito e atitudes discriminatórias em alguns assistentes sociais, que vivem também em uma sociedade marcada pelo preconceito. Conforme Cramer (1997), assistente social norte-americana, estudos norte-americanos relatam que de 30 a 90% dos estudantes e profissionais de Serviço Social são homotransfóbicos. Possivelmente isso se deve devido pouco contato dos estudantes de Serviço Social com a população LGBT, dificuldade dos estudantes de Serviço Social LGBT se assumirem, escassez da literatura de Serviço Social relacionada a população LGBT e a ideologia heterossexista que permeia a sociedade. De acordo com livro do assistente social norte-americano Gerald P. Mallon (1998), existe a necessidade de preparar os estudantes de Serviço Social para trabalharem num mundo onde a diversidade é uma realidade, porque seria antiético permitir que um estudante conclua seus estudos sem conhecer as necessidades da população que irá constituir seu objeto de trabalho. Os assistentes sociais devem estar atentos as necessidades específicas da população LGBT, precisam ter acesso a literatura específica do Serviço Social nesta área, uma vez que a falta de informação perpetua a homotransfobia. Considerando que não dispomos de literatura específica da área em idioma português, pensamos, a partir de um convite de uma docente do curso de Serviço Social de uma universidade do interior paulista, proporcionar momentos de reflexão sobre esta temática, de forma a fundamentar teoricamente os estudantes de Serviço Social a intervirem de forma adequada e não preconceituosa junto a população LGBT que poderá ser usuária das variadas políticas sociais. Desta maneira, o objetivo deste estudo é descrever a experiência de ministrar a aula Serviço Social contra a homotransfobia: fundamentos da intervenção social para estudantes do terceiro ano da graduação de Serviço Social de uma universidade do interior paulista, nos períodos diurno e noturno, no segundo semestre de 2015. 2 DESENVOLVIMENTO Considerando o objetivo deste estudo, utilizaremos como método o relato de experiência, abordando o contexto institucional e temporal da experiência, o relato da experiência em si e uma reflexão teórica. A experiência de ministrar as duas aulas denominadas Serviço Social contra a homotransfobia: fundamentos da intervenção social partiu do convite de uma professora doutora do curso de Serviço 163

Social de uma universidade do interior paulista. O autor das aulas é assistente social e foi orientando da docente enquanto estudante de Serviço Social, estudando no trabalho de conclusão de curso os conceitos de homofobia e heterossexismo e estratégias de sua superação. As aulas ocorreram em dois dias, nos períodos diurno e noturno, no terceiro ano de Serviço Social. As aulas foram expositivas e após a exposição os alunos e a docente puderam fazer questionamentos, ampliando a discussão. A primeira aula abordou a trajetória do Serviço Social no trabalho com a população LGBT, destacando alguns assistentes sociais norte-americanos que trabalham com a temática; as resoluções do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) de número 489 de 2006, vedando práticas discriminatórias com base em orientação sexual, e 615 de 2011, autorizando o uso do nome social nos documentos de identidade profissional de assistentes sociais travestis e transexuais; caracterização da população LGBT; conceitos de orientação sexual, identidade de gênero, homotransfobia e heterossexismo. Foi questionado com os discentes se os temas abordados eram de seu conhecimento antes das aulas. Conforme seus relatos, sabiam que alguns trabalhos de conclusão de curso em Serviço Social na Unesp abordavam a temática, mas desconheciam os assistentes sociais norte-americanos considerados nas aulas. Desconheciam as resoluções do CFESS relacionadas ao tema. Alguns tinham pouco conhecimento sobre as pessoas que compõem a população LGBT e sobre o conceito de orientação sexual, mas desconheciam os conceitos de identidade de gênero, homotransfobia e heterossexismo. Foi explicado aos alunos que existe uma literatura específica de Serviço Social com a população LGBT, considerando os trabalhos dos assistentes sociais Elizabeth P. Cramer e Gerald P. Mallon, que são estudiosos que defendem a inclusão da temática na graduação em Serviço Social. Cramer (1997) estuda estratégias de redução da homotransfobia em estudantes de Serviço Social e Mallon trabalha com as famílias homoafetivas e adoção. Em contexto nacional, enfatizamos duas resoluções do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS). A resolução 489 de 2006 veda aos assistentes sociais condutas discriminatórias ou preconceituosas por orientação sexual e a resolução 615 de 2011 regulamente o uso do nome social a assistentes sociais travestis e transexuais. Consideramos assim, que as resoluções formalizam que as intervenções profissionais devem ser pautadas no respeito a diversidade sexual (CFESS, 2006; CFESS, 2011). Em relação à população LGBT, desmistificamos quem são as pessoas desta sigla, ou seja, essa população então é composta por lésbicas (homossexuais femininas), gays (homossexuais masculinos), bissexuais, travestis e transexuais. Explicamos ainda os conceitos de orientação sexual e identidade de gênero. Por orientação sexual compreendemos a direção do desejo, da atração sexual e do afeto entre pessoas. Quando duas pessoas de gêneros diferentes sentem-se sexual e afetivamente atraídas, consideramos sua orientação sexual heterossexual. Quando duas pessoas de gêneros iguais sentem-se sexual e afetivamente atraídas, consideramos sua orientação sexual homossexual. E quando uma pessoa sente-se sexual e afetivamente atraída pelo seu gênero e também pelo gênero oposto, consideramos sua orientação sexual bissexual. Embora não saibamos a razão pela qual uma pessoa é hetero, homo ou bissexual, o 164

conhecimento científico atual indica que não se trata de uma escolha, por isso a expressão correta para designar o direcionamento do desejo é orientação sexual e não opção sexual (FRANKOWSKI, 2004). Por identidade de gênero consideramos a percepção que a pessoa tem de si, como ela se descreve e deseja ser reconhecida. Em relação à identidade de gênero podemos ser considerados cisgêneros ou transexuais. Cisgêneros são as pessoas cuja identidade de gênero coincide com o seu sexo biológico e as pessoas transgêneras são aquelas que possuem uma identidade de gênero diferente de seu sexo biológico. Logo, as pessoas transgêneras buscam fazer uma transição de forma a se adequarem a sua identidade de gênero e esta transição pode ocorrer desde ao uso de determinadas roupas, nome até o uso de hormônioterapia ou cirurgia. As mulheres transexuais são mulheres que nasceram e foram criados como homens, mas que se sentem mulheres. Os homens transexuais são homens que nasceram e foram criados como mulheres, mas que se sentem homens. As travestis são também mulheres transexuais e devido a marginalização e exclusão social, acabam sobrevivendo como profissionais do sexo (SÃO PAULO, 2014). Na segunda aula abordamos o homossexual como bode expiatório da psiquiatria e mitos sobre a população LGBT. Em relação ao conceito do homossexual como bode expiatório da psiquiatria, abordamos que o psiquiatra Thomas Szasz se opõe a psiquiatria coercitiva e ao controle social e que ele contextualiza que o homossexual é considerado um bode expiatório pela psiquiatria por desafiar valores socialmente aceitos via ideologia heterossexista, porque o homossexual não reduz a mulher a um objeto nem deseja ser heterossexual, por isso era considerado um doente (SZASZ, 1976). Os discentes relataram nunca terem ouvido antes da aula a respeito da ideologia heterossexista. Em relação aos mitos sobre a população LGBT, desmistificamos várias crenças relacionadas às famílias homoafetivas e ao uso da palavra homossexualismo. Em relação às famílias homoafetivas, ou seja, aquelas constituídas a partir de casais do mesmo sexo, de gays ou de lésbicas, consideramos a partir de literatura científica que não há desvantagem para crianças criadas por tais casais, em relação aquelas criadas por casais heterossexuais. Elucidamos também que a homossexualidade não constitui patologia conforme a Organização Mundial de Saúde desde 1993 e que a palavra homossexualismo não deve ser utilizada a partir de então, por denotar doença. Consideramos também que os psicólogos brasileiros, mediante a Resolução número 1 do Conselho Federal de Psicologia de 1999, não podem considerar a homossexualidade doença, distúrbio ou perversão e nem devem participar de tratamentos com objetivo de cura da homossexualidade, pois ela não constitui doença (CFP, 1999). Os discentes desconheciam a literatura científica considerada na aula sobre a condição das crianças criadas por famílias homoafetivas. Desconheciam também o processo de despatologização da homossexualidade, tanto em relação internacional como na esfera nacional. A discussão durante as aulas foi muito fértil, com vários estudantes afirmando que desconheciam em profundidade a maior parte dos assuntos abordados. Relataram que em alguns momentos do curso a temática LGBT foi considerada, porém sem maior aprofundamento de conceitos, sem estabelecer uma trajetória do Serviço Social na temática, sem abordagem das resoluções do CFESS. Após a 165

exposição do conteúdo das aulas os discentes afirmaram que estavam mais seguros para trabalhar com as pessoas LGBT, porque a aula trouxe de forma sistematizada os fundamentos do trabalho do assistente social na questão com argumentação científica. Alguns pretendiam trabalhar com a temática em suas monografias de conclusão de curso e pudemos refinar as propostas de pesquisa considerando as discussões feitas, porque concordamos que o Serviço Social brasileiro precisa produzir mais conhecimento a respeito. Os discentes consideraram as aulas importantes em sua formação, pois permitiram maior aprofundamento na temática. 3 CONCLUSÕES A experiência em ministrar as aulas permitiu elucidar a contribuição do Serviço Social junto à população LGBT, esclarecendo que existe literatura na área e que essa população também é usuária do Serviço Social. Consideramos como fundamentos da intervenção social a desconstrução de preconceitos oriundos de nossa sociedade heterossexista, para então valorizarmos a diversidade sexual e de gênero das pessoas e das famílias. Tal desconstrução foi possível pelos momentos de reflexão e discussão possibilitados pela disciplina e pelas aulas. Por fim, os alunos consideraram a experiência importante para pautarem suas intervenções profissionais junto a população LGBT com maior segurança e propriedade, de forma a não atuarem de forma preconceituosa ou discriminatória, prática contra a ética de nossa profissão. REFERÊNCIAS BLUMENFELD, W.J. Homophobia: how we all pay the price. Boston: Beacon, 1992. BRASIL. Balanço das denúncias de violações de direitos humanos. Brasília, 2015. 32 p. CRAMER, E.P. Effects of an educational unit about lesbian identity development and disclosure in a social work methods curse. Journal of Social Work Education, v. 33, n. 3, p. 461-472, 1997. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Resolução n. 489. Estabelece normas vedando condutas discriminatórias ou preconceituosas, por orientação e expressão sexual por pessoas do mesmo sexo, no exercício profissional do assistente social, regulamentando princípio inscrito no Código de Ética Profissional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 jun. 2006. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Resolução n. 615. Dispõe sobre a inclusão e uso do nome social da assistente social travesti e do(a) assistente social transexual nos documentos de identidade profissional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 set. 2011. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução n. 1. Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 março 1999. 166

FRANKOWSKI, B.L. Sexual orientation and adolescents. Pediatrics, v 113, n 6, p. 1827-1832, 2004. JESUS, J.G. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. 2012, 23p. MALLON, G.P. Foundations of social work practice with lesbian and gay persons. New York: The Harrington Park Press, 1998. SMITH, I; OADES, L.G; MCCARTHY, G. Homophobia to heterosexism: constructs in need of re-visitation. Gay and lesbian issues in psychology review, v 8, n 1, p. 34-44, 2012. SÃO PAULO. Governo do Estado. Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania. Diversidade sexual e cidadania LGBT. 2014, 44p. SPENCER, C. Homossexualidade: uma história. 2a edição. Rio de janeiro: Record, 1996. SZASZ, T. A fabricação da loucura: um estudo comparativo da Inquisição e do Movimento de Saúde Mental. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. 167