Guyer and Fredrick Rauscher. Cambridge: Cambrigde University Press, AA Pr 136, 19:184.

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Transcrição:

5 Conclusão A obra Sobre a pedagogia reúne notas tomadas por um aluno de Kant. Sendo assim, é bem evidente o fato de o texto não ser muito comentado e desenvolvido, cabendo ao leitor, a todo instante, relacionar as passagens com as obras mais sistemáticas de Kant, que tratam dos princípios da moralidade, bem como outros escritos, como a Antropologia de um ponto de vista pragmático. A leitura desses textos foi capaz de fornecer o caminho de aplicação dos princípios que são propostos nas obras sistemáticas, onde não há lugar para um olhar sensível sobre os seres humanos. Com isso foi capaz, também, de retirar aquele ar de rigorismo da ética kantiana que estamos acostumados a ver nas obras que tratam dos princípios, em que a moralidade está fundada exclusivamente na compreensão do imperativo categórico. A etapa que corresponde à moralidade da forma como observamos aqui, é a última etapa que compreende a moralidade. Acredito que, com isso, tenhamos visto como Kant pensou o caminho de formação e a sua importância para a execução dos propósitos que são da razão humana, como Kant os entende. Esse foi o método que buscamos aqui para entender e analisar a grande dificuldade que há em torno do tema ético, a saber: o problema da formação ética e a proposta que Kant oferece para ela. Obviamente que esta não se trata de uma dificuldade inerente apenas ao próprio sistema, ainda que essa dificuldade sempre exista, se queremos manter a unidade do sistema, mas se trata muito mais de uma dificuldade inerente à tarefa da educação moral, visto que este esforço deve ser empreendido também por cada ser humano, educando e educador, na luta constante com o desenvolvimento de sua própria natureza, na forma como Kant compreendeu este tema. Observamos que os textos que tratam da colocação em prática desses princípios os apresentam como sendo um tema de suma importância para Kant. Mas em relação à questão dos princípios morais, ainda que Kant seja a referência mais fundamental, ela não deixou de fazer escola. Mais contemporaneamente, Walter Benjamin comentou o seguinte sobre essa questão: A finalidade da educação ética é a formação da vontade ética. E, não obstante, não há nada mais inacessível do que essa mesma vontade ética, já que, enquanto tal, ela não é uma grandeza psicológica que possa ser abordada com instrumentos determinados. Em nenhum ato empírico de influenciação encontramos a garantia

94 de ter atingido efetivamente a vontade ética enquanto tal. Falta-nos a alavanca eficiente da educação ética. Na mesma medida em que a lei ética pura (e, por isso, a única válida) é inacessível em si mesma, nessa mesma medida a vontade pura é impalpável para o educador. 188 Com efeito, a ideia segundo a qual é necessário um caminho de formação moral para se atingir a altura que o imperativo categórico ocupa no pensamento ético de Kant retira, de alguma forma, a exclusividade daquela compreensão tão racionalista da filosofia moral de Kant. Se, por um lado, é certo que para agir em nome da lei moral é preciso que se tenha consciência da lei, portanto, que se use a razão, é certo também que o querer seguir a lei exige uma motivação que não depende da razão ela mesma, mas de um sentimento, o sentimento de respeito pela lei, pois o salto para a moralidade reside justamente aqui no querer seguir a lei e não apenas no dever de seguir a lei. A dificuldade de toda educação moral consiste em conciliar o dever com o querer. A tarefa da educação é a de fazer com que o educando queira seguir o princípio representado por sua razão, isto é, o dever. A questão da formação moral é uma questão que até hoje desperta nosso interesse. Assim, a passagem acima, longe de desanimar o educador, pode ser um alento para os dias atuais. Pois, mesmo da pior maneira, a passagem diz que esse problema está vivo ainda e, sobretudo, é um problema que deve estar sempre em voga quando se fala de educação. Sempre está aqui não por falta de soluções e instrumentos adequados para tratar o problema, como a passagem indica, mas por conta do modo de ser do ser humano, um ser que, aos olhos de Kant, habita duas esferas à primeira vista tão incompatíveis. Por isso, é necessário um esforço contínuo de formação moral em busca do aperfeiçoamento infinito do caráter. Para entendermos como isso pode acontecer, foi preciso observar o modo como Kant considera a natureza humana, as faculdades mentais, as suas atividades correspondentes, o papel dos primeiros cuidados na infância, a disciplina, a cultura etc. Pois, como entendemos aqui nesta tese, Kant não só elaborou os princípios que fundamentam a moralidade, mas também mostrou o caminho de formação que é necessário percorrer para que a consciência moral seja desenvolvida. Compreendemos este caminho quando podemos observar a atividade das 188 BENJAMIN, W. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. Trad. Marcus V. Mazzari. São Paulo: Duas Cidades/Ed. 34, 2002. p. 13-14.

95 faculdades humanas, identificando que espécie de uso se poderia fazer delas de tal modo que viessem a favorecer o desenvolvimento moral do ser humano. É nesse sentido que o estímulo ao uso da reflexão e do juízo reflexivo é o caminho privilegiado para o desenvolvimento do caráter inteligível. O modo como Kant responde ao problema da educação passa, assim, pela forma como ele compreende a formação do caráter moral dos seres humanos. O caráter humano, como vimos, é dividido por Kant em caráter inteligível e empírico. Kant entende essa questão do caráter em termos de causalidade, ou seja, o caráter tem a ver com a causa da ação. Que haja uma causa inteligível, não sensível, que possa mover as nossas ações, é da esfera do imperativo categórico e reside nas intenções humanas, que não são visíveis. Aquilo que é visível nas ações dos seres humanos é o que constitui o seu caráter empírico, os costumes, hábitos, maneiras de agir etc. Então, o processo de formação moral busca fomentar causas inteligíveis, racionais, para o agir humano. Kant foi muito enfático neste ponto, ao sublinhar a etapa da formação moral em que se começa a falar de razões para o agir humano. É muito comum entender o adágio pelo qual Kant estimula o pensar por si mesmo, o Sapere Aude, como se isso fosse um convite ao pensar individualista e solitário. Na verdade, é o contrário disso. A conquista da autonomia é o resultado da formação do caráter moral. O pensamento autônomo se estabelece no solo do sensus comunnis e, como tal, é a esfera do pensamento alargado, do pensar universal. O caminho de formação moral, quando enfatiza a autonomia, nada tem a ver com um individualismo formal, em que cada ser humano se relaciona somente com a forma da sua consciência moral. Não se trata disso. Pois The principium of moral judgment (the principium of the conformity of freedom with reason in general, i.e., lawfulness in accordance with universal conditions of consensus) is the rule for the subordination of freedom under the principium of the universal consensus of freedom with itself (with regard to oneself as well as other persons). 189 Quando observamos a maneira com que Kant pensa o estímulo ao juízo reflexivo o que vemos é fundamentalmente isso. O relato dos grandes feitos com relação às escolhas que fizeram os seres humanos considerados pessoas de caráter é parte da comunicação entre os seres humanos na busca de um ponto de 189 KANT, I. Notes and fragments. edited by Paul Guyer, Translated by Curtis Bowman, Paul Guyer and Fredrick Rauscher. Cambridge: Cambrigde University Press, 2005. AA Pr 136, 19:184.

96 vista universal. A provocação para o ajuizamento reflexivo é o que coloca o educando nesse ponto de vista. Isso tem tudo a ver com a autonomia, visto que a ação autônoma também deve levar em conta a autonomia dos outros, pois ao se negar essa possibilidade, está se negando a possibilidade de a razão vir a ser legisladora universal, pois está se negando a razão que o outro também deve possuir. O que é contraditório, pois seria agir racionalmente sem esperar que outros assim também agissem. Então, a tese procurou chamar a atenção não só para a preocupação de Kant com este aspecto formativo do ser humano para a moralidade, mas também para a maneira pela qual ele enfrentou esse problema em seu tempo, e em sua forma de compreender a natureza humana o ser humano como um ser sensível e inteligível. Esse problema é tão mais importante quando observamos, na Crítica da razão pura - que não é uma obra propriamente sobre ética -, a preocupação de Kant a respeito desta questão. Lá, podemos ler: Que uso podemos fazer do nosso entendimento, mesmo em relação à experiência, se não nos propusermos fins? Ora, os fins supremos são os da moralidade e apenas a razão pura no-los pode dar a conhecer. 190 Que o foco na formação moral esteja fundado, mormente, no uso que o ser humano faz das faculdades mentais, para Kant, foi o que procuramos tratar aqui nesta tese. A ênfase recaiu sempre sobre a capacidade que os seres humanos possuem de exercitar as faculdades mentais através de um tipo específico de ajuizamento e o caminho que Kant oferece para isso. Vimos, dessa forma, o que Kant considera como moralidade das ações e a importância que recai sobre a formação moral a respeito da escolha, da vontade humana. Para mostrar como Kant pensou este problema, tivemos que compreender em que consiste a esfera moral definida por ele. Com isso enxergamos o lugar que a formação moral deve alcançar. O processo de formação moral visa a desenvolver as potencialidades que já são próprias do ser humano. Essas disposições morais são desenvolvidas, em última análise, de acordo como Kant pensa, de um lado, o que deve ser o ser humano e, de outro, o que natureza é. Isso deve ser lembrado porque, assim, podemos entender as razões pelas quais o progresso técnico não só não significa desenvolvimento moral como, também, em que medida a cultura das habilidades deve estar a serviço da moralidade humana no entender de Kant. A moralidade 190 CRP, A816/B844; tr. p. 647.

97 como etapa última da formação do ser humano não pode prescindir da técnica, da aquisição de habilidades úteis, que são meios para se produzirem determinados fins, pensada também como uma etapa do desenvolvimento humano, isto é, o desenvolvimento das disposições técnicas. Mas, em função mesmo do desenvolvimento crescente das habilidades e das técnicas, que se constituem em meios eficientes para muitos fins, é importante tocar no assunto da formação moral. Em nosso tempo, o cuidado com a formação moral deve ser ainda mais realçado, pois em nossa época, uma criança com dotes geniais pode causar muito dano a um número cada vez maior de pessoas. Percebemos isso quando observamos crianças que manipulam os computadores com muito mais habilidades do que adultos, simplesmente. E o potencial de dano tanto social quanto individual aumenta na mesma proporção das habilidades técnicas fornecidas pela cultura, pelo saber. Diante disso, é imprescindível que elas tenham a mesma ou ainda maior competência para lidar com suas próprias faculdades. Essa competência pode ser dada pelo interesse pela reflexão e pelo seu uso no juízo.