A Nanotecnologia e os impactos à saúde dos trabalhadores



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Transcrição:

Nesta quarta entrevista da série sobre a utilização da nanotecnologia nos processos produtivos, a Dra. Maria De Fatima Torres F. Viegas nos fala, entre outros temas, sobre a Nanotoxicologia, cuja missão primordial é nortear o desenvolvimento seguro e sustentável da Nanotecnologia e sua relação com a proteção à saúde dos trabalhadores(as). Acompanhe. A Nanotecnologia e os impactos à saúde dos trabalhadores Muito já se discutiu sobre Nanotecnologia até o momento. No que se refere à saúde do trabalhador, como poderíamos avaliar estes 1 / 6

impactos? Maria de Fatima Torres F Viegas: Realmente muito já se discutiu sobre Nanotecnologia, seu conceito, suas dimensões, a reatividade das partículas, suas implicações no mundo do trabalho e seus possíveis riscos à saúde do trabalhador a ao meio ambiente. Mas pouco ainda se sabe sobre seus efeitos reais sobre a saúde. Para tal, teríamos que falar um pouco sobre Nanotoxicologia, para podermos entender um pouco mais sobre a toxicidade destes chamados nanomateriais. Devido ao pequeno tamanho e grande área superficial dos nanomateriais, eles têm propriedades únicas comparadas com os mesmos materiais em escala maior, com o já é sabido. Portanto a Nanotoxicologia se refere à toxicologia das nanopartículas (partículas <100 nm) que aparentam ter alguns efeitos tóxicos não usuais e diferentes das partículas da mesma substância, mas de tamanho maior. Há vários mecanismos propostos para explicar a formação destas espécies reativas. No final todas resultam em danos no DNA, proteínas, lipídeos e outras biomoléculas, inflamação e mesmo a morte celular. Por que devemos nos preocupar? Maria de Fatima Torres F Viegas: Já há algum tempo, estudos epidemiológicos mostram uma correlação significativa entre a mortalidade devido a doenças cardiorrespiratórias e a concentração de partículas de dimensões nanométricas presentes em situações de poluição do ar. Ou seja, partículas geradas no meio ambiente. Como sabemos hoje, e o que nos tem preocupado bastante é a geração proposital destas partículas, principalmente no ambiente de trabalho, através das novas tecnologias e o quanto este trabalhador estaria exposto. De que forma o trabalhador poderia ter contato com estas partículas? Maria de Fatima Torres F Viegas: Bem, existem algumas maneiras disto ocorrer. Para ficar mais claro, poderíamos citar as 2 / 6

chamadas Vias de Penetração. A mais importante é pelo Trato Respiratório, havendo a translocação destas partículas do pulmão para o sistema circulatório e pelo s nervo s olfativo e trigêmeo. Mas também poderemos ter a penetração através da pele e com menos frequência pela ingestão. Sendo a via respiratória a mais importante, que doenças poderiam ser causadas? Maria de Fatima Torres F Viegas: Este é realmente um ponto importante desta questão. Como não temos os efeitos à saúde documentados, não podemos identificar com precisão os riscos. Há pelo menos duas décadas, estudos epidemiológicos relacionam as nanopartículas a várias doenças, em diferentes órgãos, a saber: asma, bronquite, enfisema e câncer de pulmão, através da inalação, doenças neurológicas tais como Parkinson e Alzheimer, e pelo sistema circulatório, aterosclerose, trombose, hipertensão arterial e infarto agudo do miocárdio, para citar as mais importantes. Entretanto, ainda não existem testes clínicos e protocolos de exames e vigilância médica definidos para correlacionar o nexo causal. E ainda há falta de métodos validados para identificação de biomarcadores. Há muito que se fazer nesta área. Como seria possível caracterizar e identificar estes riscos? Maria de Fatima Torres F Viegas: Bem, para isto temos que voltar a falar em Nanotoxicologia, que já foi citada no início da entrevista e cuja missão primordial é nortear o desenvolvimento seguro e sustentável da Nanotecnologia. Disciplinas associadas à Nanotoxicologia tais como a Genotoxicologia e a Ecotoxicologia, entre outras, completam um conjunto que terá papel fundamental nos aspectos científicos relacionados à criação de uma regulação consistente para a Nanotecnologia. Além do tamanho há vários outros aspectos que são importantes para a determinação das 3 / 6

propriedades dos materiais em escala nano, especialmente com relação às nanopartículas: forma, estado de aglomeração, biopersistência, durabilidade e solubilidade (em água e em gordura); área superficial, porosidade (pós porosos possuem área superficial muito maior do que os não porosos); química da superfície, incluindo sua composição, energia superficial, molhabilidade, carga, reatividade, espécies adsorvidas, contaminação. Possível modificação na cobertura da partícula também é citada por alguns autores; contaminantes ou traços de impurezas; composição química, incluindo dispersão da composição; propriedades físicas: tais como densidade, condutividade. E alguns artigos incluem: dureza, deformabilidade e estrutura cristalina. Desta forma, conhecer as características das substâncias em tamanho maior não fornece informações compreensíveis sobre suas propriedades no nível nano. Eis aí uma grande dificuldade. Quais trabalhos ou processos envolvem a produção ou uso de nanopartículas nanoestruturadas? Empregadores devem identificar e documentar a presença de nanopartículas nanoestruturadas em seus locais de trabalho e nas atividades de trabalho associadas a tais locais? Maria de Fatima Torres F Viegas: Sim, sem dúvida, isto seria importante. Mas infelizmente, ainda nos dias de hoje, não temos como fazer esta identificação com precisão. Temos que trabalhar para que cada vez mais o uso de metodologias qualitativas seja implantado, para avaliação do ambiente de trabalho e primar pela adoção do Princípio da Precaução, com o bem citou o Dr. Luís Renato Balbão, pesquisador da Fundacentro. Uma vez reconhecidas as exposições potenciais, deve-se determinar ações apropriadas para minimizá-las, tais como: Ø Implementação de controles de engenharia; Ø Aplicação de boas práticas de trabalho e 4 / 6

Ø Utilização de equipamento de proteção individual. Tudo isto aliado à participação e conhecimento de todos os envolvidos nos processos, principalmente os trabalhadores, primando pelo direito do saber, e também seus gestores. Como está o Brasil, frente às pesquisas realizadas em países como EUA, União Europeia e China? Maria de Fatima Torres F Viegas: Muito há que ser feito com relação ao desenvolvimento de pesquisas em todo o mundo e no Brasil não poderia ser diferente. O gasto hoje em pesquisas sobre desenvolvimento e produção de novos produtos ainda é infinitamente maior do que em pesquisas sobre os impactos que estes poderão causar. Há uma necessidade premente de se criar um marco regulatório para os nanomateriais, como também citou o Dr. Luís Renato, e este é um tema que está em discussão nos principais fóruns. O Brasil vem participando, pela criação do Comitê Interministerial de Nanotecnologia, com diversos integrantes dos mais variados Ministérios, entre eles o do Trabalho, na qual a Fundacentro foi convidada a integrar, de importantes fóruns de discussão, principalmente junto à Comunidade Europeia. Esta iniciativa foi capitaneada pelo MCTI, na intenção de convergir esforços e ações em nanotecnologia que estejam preocupados com a questão de segurança e qualidade dos nanomateriais e nanoprodutos. Em linhas gerais, os temas relevantes são comuns aos Ministérios envolvidos, tais como: - Buscar ou desenvolver modelos, ferramentas, métodos e técnicas para detectar e medir a estrutura física, propriedades químicas e segurança de nanopartículas e nanomateriais para medicamentos; alimentos; materiais; embalagens; saneantes; cosméticos, agrotóxicos etc.; - Buscar ou desenvolver modelos e ensaios in vitro, in situ e in vivo para avaliar a segurança, eficácia e qualidade de nanopartículas e nanomateriais; - Identificar e desenvolver modelos de análise de risco 5 / 6

(avaliação do risco, gerenciamento do risco e comunicação de risco) para nanopartículas e nanomateriais, que possam subsidiar, objetivamente, na avaliação das diversas categorias de nanopartículas e nanomateriais para a tomada de decisões; - mostrar interesse em conhecer os principais modelos regulatórios que possam contribuir para a construção de um ambiente regulatório que prime pela segurança e qualidade dos produtos nanotecnológicos e que possa ser indutor da inovação e competitividade do Brasil. A participação neste Comitê poderá abrir portas para que num futuro próximo, o projeto desenvolvido pela Fundacentro, coordenado pela Dra. Arline Arcuri, que tem como escopo os Impactos das Nanotecnologias à Saúde do Trabalhador e ao Meio Ambiente, possa ser incluído nas pautas de discussões, com ênfase na avaliação do risco, manejo do risco, vigilância médica e a regulação da nanotecnologia no Brasil. Vamos aguardar! Maria de Fatima Torres F Viegas é médica do trabalho, tecnologista da Fundacentro do Rio de Janeiro. Atuou 17 anos na área de Pediatria, Terapia Intensiva, Neonatal e Pediátrica. Possui especialização em Medicina do Trabalho pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Fez residência médica em Pediatria no Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro e graduação na Escola de Medicina Faculdade Técnico Educacional Souza Marques do Rio de Janeiro.Participa desde de 2008 do projeto "Impactos das Nanotecnologias à Saúde do Trabalhador e ao Meio Ambiente", da Fundacentro, coordenado pela Dra. Arline Arcuri. 6 / 6