PALAVRAS-CHAVE: cooperativas de catadores, reciclagem, comercialização, resíduos sólidos urbanos, empreendimento solidário.

Documentos relacionados
ARTICULAÇAO DE COOPERATIVAS DE CATADORES: ASPECTOS FOMENTADORES DE REDE

CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS NO BRASIL: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

EDITAL DE SELEÇÃO PÚBLICA 001/2013 Secretaria Geral da Presidência da República SG/PR ANEXO II FORMULÁRIO PARA APRESENTAÇÃO DE PROPOSTA

Situação Atual da... Maioria. Das catadoras e catadores de materiais recicláveis em nossa Capital Gaúcha

POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Seminário Consórcios Públicos

Carta Compromisso Gestão Sustentável de Resíduos Sólidos

Panorama da Política Nacional de Resíduos Sólidos: Principais avanços e gargalos

O ILOG conta com a participação de Empresas, Cooperativas, Associações e Sindicatos, que juntas representam mais de 400 empresas, comprometidas com a

Tecnologia Social da Coleta Seletiva Solidária: melhores práticas na prestação de serviço de coleta seletiva por catadores de materiais recicláveis

Panorama e Política Nacional de

Gestão de Resíduos: Interface dos Municípios com a Logística Reversa. São Paulo - Maio/2019 Ecomondo Forum 2019 Fórum de Soluções Sustentáveis

Bolsa Reciclagem: Cadastramento, Coeficiente de Cálculos e Remuneração pelos Serviços Ambientais Urbanos das Organizações dos Catadores de Materiais

Programa de Fomento à Economia Solidária em São Carlos. Reynaldo Norton Sorbille

ESTUDO SOBRE A CONCEPÇÃO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM UMA COOPERATIVA LOCALIZADA NA CIDADE DE CAMPINA GRANDE-PB

Governança na Gestão de Resíduos Sólidos Painel I. Waste Expo Brasil São Paulo-SP- 2016

CEADEC 16 anos de história e de luta

III SEMINÁRIO ESTADUAL DE SANEAMENTO AMBIENTAL

Estágio da implementação das Políticas Nacional e Estadual de Resíduos Sólidos em Minas Gerais

GT 4 Articulação De Catadores De Resíduos E Economia Solidária

SECRETARIA DE INFRAESTRUTURA E MEIO AMBIENTE WORKSHOP GERAÇÃO DE ENERGIA POR MEIO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS

Seminário de Resíduos Sólidos Universidade Feevale Programa Cata Vida e a Cooperativa Coolabore

Coleta Seletiva Solidária: ampliando a eficiência da Reciclagem no Brasil

A EXPERIÊNCIA DO GRUPO DE EXTENSÃO DEMOCRACIA ECONÔMICA EM CONJUNTO COM A COOPERATIVA DE CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS DE FRANCA E REGIÃO

ATENÇÃO. Apresentação

REDE DE SAÚDE MENTAL E ECONOMIA SOLIDÁRIA DE SÃO PAULO

DEPARTAMENTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL GESTÃO DE RESÍDUOS : INTERFACE DOS MUNICÍPIOS COM A LOGÍSTICA REVERSA

PLANO ESTADUAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE MATO GROSSO DO SUL (PERS-MS)

Desafios da Logística Reversa Aspectos Ambientais

Cooperativas de Reciclagem dos Resíduos Sólidos Urbanos uma questão social, ambiental e econômica

Práticas e Ferramentas para a Gestão de Organização de Catadores

ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS E AMBIENTAIS DA RECICLAGEM: UM ESTUDO PARA O RIO DE JANEIRO LUIZ CARLOS S. RIBEIRO (DEE/UFS)

Coleta Seletiva Solidária o Modelo de Diadema/SP

PMGIRS Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos em Piracicaba HISTÓRICO E RESULTADOS

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Zilda Maria Faria Veloso

Gestão Sustentável e Inclusiva de Resíduos Sólidos

PLANO DE GERENCIAMENTO INTEGRADO DE PGIRSU

A Câmara Municipal de São Bernardo do Campo decreta: CAPÍTULO I DA POLÍTICA DE FOMENTO À ECONOMIA SOLIDÁRIA E SEUS AGENTES

PNRS e a Logística Reversa. Free Powerpoint Templates Page 1

Gerenciamento de Resíduos na Construção Civil

De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas

COOPERATIVAS DE CATADORES COMO NEGÓCIOS DE IMPACTO: Conceito e Aplicação

DEPARTAMENTO DE MEIO AMBIENTE PROJETO PILOTO DE ECONOMIA CIRCULAR DE EMBALAGEM

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS

PRODUZINDO SUSTENTABILIDADE! MELHORIA DO PROCESSO DE RECICLA- GEM DE LIXO NA COOPERATIVA AÇÃO RECICLAR DE POÇOS DE CALDAS RESUMO

ANEXO V INSTRUMENTOS DE INCENTIVO À PRESERVAÇÃO AMBIENTAL E REMUNERAÇÃO DA CONCESSIONÁRIA

AÇÕES PARA GESTÃO DE ASSOCIAÇÕES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS NA CIDADE DE JOÃO PESSOA-PB

O Papel dos Catadores de Materiais Reciclados em suas Organizações e Cooperativas

DESAFIOS ATUAIS DA GESTÃO DE RESÍDUOS URBANOS

INSTITUTO INTERAMERICANO DE COOPERAÇÃO PARA A AGRICULTURA TERMO DE REFERÊNCIA (TR) RESIDUOS - DRS

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE MMA POLITICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Universidade do Sul de Santa Catarina Unisul Campus UnisulVirtual

Painel Aspectos Práticos da Reciclagem de Embalagens Thais Vojvodic Coca-Cola 2 de junho de 2016 Rio de Janeiro Sistema FIRJAN

GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NO TERRITÓRIO

Desenvolvimento Tecnológico

RESÍDUOS SÓLIDOS E O PROGRAMA DE METAS DA CIDADE DE SÃO PAULO

Logística Reversa, Economia Circular e Empresas B

Criando valor através de resíduos sólidos. Marcelo Luércio, Sérgio Oliveira e Yuri Santos

WASTE EXPO BRASIL. Mara Luísa Alvim Motta. Gerente Executiva GN Sustentabilidade e Responsabilidade Socioambiental

Enga. Jacqueline Rutkowski, D.Sc. Instituto SUSTENTAR de Estudos e Pesquisas em Sustentabilidade

Panorama dos Resíduos Sólidos do Estado de São Paulo

O Panorama da Implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos no Brasil (Lei 12305/10)

Resíduos Sólidos Desafios da Logística Reversa. Zilda M. F. Veloso 08abril2014

Levantar informações sobre a cadeia de reciclagem de embalagens em Santa Catarina.

COMERCIALIZAÇÃO NO ÂMBITO DA ECONOMIA SOLIDARIA

Resíduos Sólidos. Panorama Estadual e Gestão

ESTUDO DOS PARÂMETROS DOS RESÍDUOS SÓLIDOS DOMICILIARES DECORRENTES DA IMPLANTAÇÃO DA COLETA SELETIVA NO MUNICÍPIO DE ASSIS-SP.

RECEPÇÃO DE CALOUROS COLETA SELETIVA DE RESÍDUOS SÓLIDOS UFES Campus ALEGRE

Sacolas Bioplásticas e a Coleta Seletiva da cidade de São Paulo

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE MMA POLITICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS

PLANO ESTADUAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS DO ESTADO DE SANTA CATARINA PERS-SC LEGISLAÇÃO RELATIVA A RESÍDUOS E SUAS IMPLICAÇÕES

ECOLOG: POR UMA GESTÃO SUSTENTÁVEL DE RESÍDUOS

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária

Desenvolvimento de Práticas Sustentáveis e Certificação Selo Verde Ecolmeia - Hotelaria

POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS A experiência do setor de tintas

Apresentação Os desafios da PNRS. Junho 2014

FILIADAS ESTADUAIS ABAD

Ampliar e fortalecer as iniciativas de Segurança Alimentar e Economia Solidária, assegurando o direito de todos ao acesso regular e permanente a

Águas de Lindóia. Conferências Municipais de Resíduos Sólidos - Planejamento

Recursos da FUNDAÇÃO: Recursos do Proponente: Recursos de Terceiros: DDD/Telefone: DDD/Fax:

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE MMA

Economia Solidária. na Mesorregião Nordeste Rio-Grandense. Sylvio Antonio Kappes Jardel Knecht da Silva Patrícia Sorgatto Kuyven

EDITAL 01/2017 EDITAL DE CHAMAMENTO PÚBLICO DE PROJETOS DE EMPREENDIMENTO DE ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA

APRESENTAÇÃO DO PLANO DE TRABALHO Cooperativa de Segundo Grau de Comercialização de Materiais Recicláveis da Cidade de São Paulo.

mqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklz xcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdf

Tratamento e Gerenciamento de Resíduos Sólidos Biológicos e Orgânicos

COLETA SELETIVA DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS NO MUNICÍPIO DE POÇO VERDE/SE: DESAFIO PARA O DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL MUNICIPAL

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Política Nacional de Resíduos Sólidos

A PNRS e o Acordo Setorial de Embalagens

Intercâmbio de práticas e ferramentas de gestão de coleta seletiva e de organizações de catadores 25 de outubro de 2016

Orgânicos e a Economia verde: Oportunidade e desafios.

LEI MUNICIPAL Nº 687 DE 09 DE SETEMBRO DE 2013 LEI:

TRAJETÓRIA DA SENAES

AVALIAÇÃO DA USINA DE TRIAGEM E COMPOSTAGEM DA CIDADE DE PARAISÓPOLIS - MINAS GERAIS

MAPEAMENTO LOGÍSTICO DO PROCESSO DE DESCARTE DE MATERIAIS RECICLÁVEIS NO SETOR SUL DA CIDADE DE BOTUCATU 1 INTRODUÇÃO

Quadro político, jurídico e técnico da gestão de resíduos no Brasil

PROGRAMAS MUNICIPAIS DE COLETA SELETIVA: FLUXO COMERCIAL E INDICADORES PARA GESTÃO. Dra. Aline Carolina da Silva

Palavras-chave: cooperativismo, agricultura familiar, maracujá orgânico.

Parcerias Público Privadas com a inclusão Socioprodutiva de catadores e a Função Fiscalizatória do Ministério Público

Transcrição:

CARACTERIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DE COMERCIALIZAÇÃO EM COOPERATIVAS DE CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS COM VISTAS EM ATUAÇÃO EM REDE DE EMPREENDIMENTOS SOLIDÁRIOS Alexandra Savio (*), Bernardo Arantes do Nascimento Teixeira, Carolina Valente Santos, Maria Zanin * Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) - email: alexandra.savio@yahoo.com.br RESUMO Os catadores de materiais recicláveis são atores fundamentais da cadeia de reciclagem de resíduos sólidos, porém são os que menos se beneficiam em todo o processo. Com o intuito de melhorar a participação dos catadores na cadeia da reciclagem, algumas iniciativas estão sendo tomadas, são as chamadas redes de cooperação de empreendimentos econômicos solidários, com objetivo de fortalecer a forma de trabalho e atuação dos catadores na cadeia da reciclagem. A partir desta ideia surgiu na região central do Estado de São Paulo a Rede Anastácia, que se trata de uma rede regional de catadores de materiais recicláveis, baseada na economia solidária. As cooperativas que participam desta rede estão localizadas em treze municípios do estado, e buscam o fortalecimento dos empreendimentos, através do compartilhamento de informações sobre compra de insumos, venda de materiais recicláveis, aquisição de tecnologias, entre outros. Com objetivo de conhecer e descrever essa dinâmica e a região onde estão inseridas as cooperativas, foi realizada caracterização através da obtenção de informações por meio de pesquisa bibliográfica, buscas em bases de dados sobre os municípios envolvidos, localização geográfica, população, renda per capita, economia e respectivos sistemas de resíduos sólidos. Foram realizadas coletas de dados relativos às práticas de comercialização por meio de observação e contatos diretos, participação em reuniões com os gestores e cooperados dos empreendimentos e análise de documentos. Neste estudo também buscou-se localizar os principais polos de reciclagem para identificar novos possíveis compradores para os materiais recicláveis. Com os resultados obtidos, foi possível observar que não existe um padrão de comercialização em relação aos materiais comercializados e compradores entre as cooperativas que compõem a Rede Anastácia. Além disso, em relação ao levantamento dos materiais comercializados, observou-se que não existe um critério estabelecido para regulamentar a nomenclatura de materiais, o que pode ser um obstáculo às estratégias para comercialização conjunta das cooperativas. Com isso, é necessário aprofundar as compreensões a respeito das dinâmicas da Rede, visando o estabelecimento de futuras estratégias de recuperação dos materiais, considerando que foi verificado que na região há um grande potencial de indústrias aptas a receber materiais para reciclagem. PALAVRAS-CHAVE: cooperativas de catadores, reciclagem, comercialização, resíduos sólidos urbanos, empreendimento solidário. Introdução O papel do catador na cadeia da reciclagem de resíduos sólidos é fundamental, pois são responsáveis por 89% de todo o trabalho da cadeia produtiva, segundo dados do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Porém, estes trabalhadores são os menos beneficiados em todo o processo, não só pela menor rentabilidade, mas também pela forma precária de trabalho e falta de reconhecimento da sua importante função como agentes ambientais na sociedade. Por isso, se fazem necessárias ações mais efetivas, na perspectiva da inclusão dos catadores como profissionais da coleta seletiva e como parte do planejamento na gestão de resíduos sólidos dos municípios brasileiros. A formação de Redes de Cooperação se mostra como um instrumento importante dentro destas ações, para que os catadores se fortaleçam e busquem maior valorização dos materiais recicláveis para assim, aumentar sua renda, melhorar suas condições de trabalho e consequente produtividade e inclusão social. De acordo com Tirado (2011), a ideia da atuação em rede está ligada em sua essência à autossustentabilidade econômica e não se trata apenas de garantir a sobrevivência dos empreendimentos, mas também gerar emprego e renda, contribuir com a economia de custos na gestão dos resíduos sólidos dos municípios onde estão inseridos e o desenvolvimento local. IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais 1

Porto Alegre/RS - 23 a 26/11/2015 Para Mance (2005), uma rede compõe atores que mantem relações entre si em situações específicas, em laços que podem ser mapeados graficamente, permitindo a identificação de subgrupos, as relações entre eles e suas intersecções. Neste contexto, a Rede Anastácia (rede de cooperativas de catadores de materiais recicláveis das regiões Central e Alta Mogiana do estado de São Paulo) surgiu a partir do Comitê Anastácia, base orgânica regional do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, que reúne catadores representantes de diferentes microrregiões (ZANIN; TEIXEIRA, 2015). Esse comitê se articulou e em 2009 deu origem à Rede Anastácia, a qual atualmente possui 13 cooperativas de catadores como membros. Os objetivos dessa articulação em rede são: compartilhamento de informações sobre comercialização de recicláveis, além do fortalecimento dos empreendimentos (CATAFORTE, 2013). Metodologia A pesquisa tomou como estudo de caso a Rede Anastácia, da qual participam as cooperativas de catadores de recicláveis dos municípios que compõem a Região Central do Estado de São Paulo e Alta Mogiana. Com vistas a explorar e descrever essa região, foi realizada caracterização desta, tendo sido obtidas informações por meio de pesquisa bibliográfica, bases de dados sobre os municípios envolvidos, contemplando informações sobre localização geográfica, população, renda per capita, economia e respectivos sistemas de resíduos sólidos. Posteriormente, foram realizadas as coletas de dados relativas às práticas de comercialização por meio de observação e contatos diretos, participação em reuniões com os gestores e cooperados dos empreendimentos e análise de documentos. Neste estudo também se buscou localizar os principais polos de reciclagem para identificar possíveis compradores para os materiais recicláveis. Gestão de Resíduos sólidos no Brasil e a Política Nacional de Resíduos Sólidos A gestão de resíduos sólidos no Brasil não tem acompanhado a crescente demanda por parte da população, considerando principalmente o padrão de consumo no Brasil, associado a alta e crescente taxa de geração de resíduos, reflexo do aumento populacional e incentivo ao consumo (MONTEIRO, 2011). De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE, 2014), o país atualmente gera diariamente uma média de 215.297 toneladas de resíduos sólidos urbanos (1,062 kg/hab/dia), sendo que, destas, 195.233 toneladas são coletadas (90,68%). Em relação à manutenção da coleta seletiva, apenas 64,8% dos municípios possuem iniciativas de coleta (ABRELPE, 2014). Esses dados, aliados a uma contínua desatenção do poder público à problemática, oferecem o potencial comprometimento da saúde da população e qualidade de recursos naturais, de modo a caracterizar os gestores públicos como atores fundamentais na proposição de soluções e alternativas para essa questão (MONTEIRO, 2011). Em contrapartida, foi sancionada em 2010, após 21 anos de tramitação, a Lei Federal nº 12.305, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). A PNRS introduz os conceitos de responsabilidade compartilhada e logística reversa no cenário de gestão de resíduos sólidos; além disso, prioriza a participação das cooperativas de catadores de materiais recicláveis no contexto de gestão de resíduos (GUTIERREZ, 2011). No entanto, os prazos estipulados pela Política não vêm sendo cumpridos; do mesmo modo, o processo de sua consolidação vem enfrentando inúmeras dificuldades e desafios (ABRELPE, 2014), o que compromete a atual situação vivenciada por cooperativas de catadores de materiais recicláveis no país. De acordo com De Lima (2013), a coleta seletiva municipal adequada aos princípios enunciados pela PNRS deve garantir, em relação às cooperativas de catadores: espaço físico adequado, equipamentos que possibilitem a valorização do trabalho desenvolvido pelo catador, segurança do trabalhador, melhora da autoestima do indivíduo, gestão eficiente, capacitação do indivíduo, assembleias regulares e cumprimento das normas internas. No entanto, este cenário ainda difere em muito da situação atualmente vivenciada por cooperativas de catadores de materiais recicláveis. 2 IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais

Cooperativas e Associações de Catadores de Materiais Recicláveis e Economia Solidária As cooperativas e associações de catadores de materiais recicláveis são empreendimentos econômicos solidários (EES) que visam consolidar alternativas para geração de trabalho, renda e inclusão social, e são organizados de acordo com princípios da economia solidária (autogestão, cooperação, solidariedade (ZANIN; TEIXEIRA, 2015). O movimento de economia solidária, organizado no Brasil a partir da década de 80, visa consolidar uma alternativa aos modelos econômicos capitalistas, os quais se baseiam em competição, meritocracia e materialismo (SINGER, 2002). Atualmente, há mais de 19.000 empreendimentos de economia solidária registrados no país, representadas por quatro linhas principais: empreendimentos solidários (de produção, prestação de serviços, comercialização, consumo e finanças), organizações civis (ONGs, entidades sindicais, pastorais), órgãos de representação e articulação política (incubadoras, gestores públicos, redes de troca) e organismos estatais (políticas e programas públicos de economia solidária (GAIGER, 2012). Dentro deste escopo, encontram-se também cooperativas e associações de catadores, que em 2007 eram representadas por 506 EES no país (GUTIERREZ, 2011). De acordo com o MNCR (2015), os catadores, que se encontram em atividade desde os anos 50, desempenham papel fundamental como principal ator responsável pela reinserção dos recicláveis na cadeia produtiva da reciclagem. No entanto, têm seu trabalho realizado sob condições precárias e exploratórias, e apenas na fase inicial da cadeia produtiva, o que limita o acesso a recursos suficientes para manutenção de uma vida digna (CATAFORTE, 2014). Redes de cooperação O caráter de redes pode ser compreendido sob diferentes perspectivas, tanto de acordo com referenciais econômicos capitalistas, como também em concordância com princípios econômicos solidários. No contexto capitalista, as redes são constituídas como estratégia para aproximação e cooperação entre organizações, vistas como fator de acúmulo de vantagens e aumento de poder no mercado competitivo (CAMBIAGHI, 2012). No entanto, a formação de redes também surge como estratégia para fortalecimento de EES, compreendidas como fomentadores de relações cooperativas tanto a nível local quanto regional, para superação de estruturas exploratórias vigentes no mercado em que se inserem (ZANIN; TEIXEIRA, 2015). Nesse contexto de economia solidária, Mance (2005) caracteriza as redes como estrutura constituída por células (empreendimentos solidários), conexões (ligações entre os empreendimentos) e fluxos (por onde materiais, informações e valores fluem entre as células); o mesmo autor estabelece quatro critérios básicos de participação em redes solidárias: a não exploração do trabalho, preservação do equilíbrio dinâmico dos ecossistemas, partilha de excedentes em fundos solidários e operação sob autogestão. De acordo com Mance (2005): (...) o isolamento dessas diversas práticas bem-sucedidas [de economia solidária] fragilizava a sua expansão local e global. Por isso, nas últimas décadas, redes socioeconômicas começaram a ser organizadas, articulando processos colaborativos de financiamento, produção, comercialização, consumo e desenvolvimento tecnológico potencializando as práticas de economia solidária em seu conjunto. De fato, tal estratégia tem sido assumida como relevante para a economia solidária, e viabiliza a circulação de informações, valores, serviços e materiais entre EES e iniciativas de economia solidária (ZANIN; TEIXEIRA, 2015). No entanto, a produção científica brasileira sobre redes sociais (categoria que englobaria as redes solidárias de cooperativas de catadores) ainda é limitada, e contém inúmeras lacunas de conhecimento (FARIAS FILHO; DOS SANTOS, 2012). Histórico da Rede Anastácia A Rede Anastácia de Cooperativas de Catadores de Materiais Recicláveis é fruto da articulação do Comitê Anastácia, base orgânica do MNCR. A primeira articulação regional se deu em 2009, em um encontro cujo IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais 3

Porto Alegre/RS - 23 a 26/11/2015 objetivo era o fortalecimento dos empreendimentos e troca de informações. Nos anos seguintes, o comitê participou de conferências municipais, regionais, estaduais e nacionais de meio ambiente e na Cúpula dos Povos na Rio +20, na defesa de políticas públicas em favor dos catadores (CATAFORTE, 2013). A rede submeteu proposta ao Edital de Seleção Pública 001/2013 da Secretaria Geral da Presidência da República, por meio do CATAFORTE Negócios Sustentáveis em Redes Solidárias, a qual foi aprovada em dezembro/2013. As ações do CATAFORTE visam favorecer o acesso de redes solidárias a contratos junto ao poder público e a indústrias, visando a prestação de serviços de coleta seletiva e logística reversa (ZANIN; TEIXEIRA, 2015). Atualmente, a Rede possui 13 cooperativas como membros, as quais se localizam em municípios das regiões Central e Alta Mogiana do estado de São Paulo, e são indicadas no Quadro 1. Quadro 1. Cooperativas membros da Rede Anastácia e suas respectivas localizações Fonte: CATAFORTE, 2013 (elaborado pelos autores) Município Araraquara Batatais Franca Itirapina Ituverava Leme Morro Agudo Orlândia Piracicaba Ribeirão Preto Rio Claro São Carlos Sertãozinho Cooperativa Acácia Acomar Cooperfran Cooperei Cooperar Reciclaleme Coopemar Cooperlol Reciclador Solidário Mãos Dadas Cooperviva Coopervida Cooserta Desde janeiro/2014, estas cooperativas se encontram periodicamente, para consolidação de estratégias políticas e de comercialização, além da consolidação do projeto CATAFORTE (ZANIN; TEIXEIRA, 2015). Resultados e Discussão A região de estudo na qual estão localizadas as cooperativas que compõem a Rede Anastácia está localizada no centro do Estado de São Paulo e Alta Mogiana, tendo sua economia baseada principalmente nos setores de serviços, indústria e agricultura. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS), ano referência 2013, esta região do Estado de São Paulo apresenta taxa de coleta convencional de resíduos sólidos urbanos acima de 60%, sendo que estes resíduos são encaminhados em sua maioria a aterros sanitários. A tabela 1.0 apresenta dados sobre população, renda per capita e principais setores econômicos dos municípios nos quais estão localizadas as cooperativas. 4 IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais

Tabela 1. Informações sobre população, renda per capita, local de destinação dos resíduos sólidos e principais setores econômicos dos municípios envolvidos no estudo, ano de referência 2013 Fonte: IBGE, 2015; SNIS, 2015 (elaborado pelos autores). Cooperativas Municípios População (hab.) - 2010 Renda Per Capita (R$) - 2012 Local de destinação Principais setores econômicos 1º 2º Acácia Araraquara 208.662 20.000-30.000 aterro sanitário serviços indústria Acomar Batatais 56.476 20.000-30.000 sem informação serviços indústria Cooperfran Franca 318.640 > 20.000 aterro sanitário serviços indústria Cooperei Itirapina 15.524 > 20.000 aterro sanitário serviços agropecuária Cooperar Ituverava 38.695 > 20.000 aterro sanitário serviços agropecuária Reciclaleme Leme 91.756 > 20.000 aterro sanitário serviços indústria Morro Coopemar Agudo 29.116 20.000-30.000 sem informação serviços indústria Cooperlol Orlândia 39.781 20.000-30.000 sem informação serviços indústria Reciclador Solidário Piracicaba 364.571 30.000-40.000 aterro sanitário serviços indústria Mãos Dadas Ribeirão Preto 604.682 30.000-40.000 aterro sanitário serviços indústria Cooperviva Rio Claro 186.253 30.000-40.000 aterro sanitário serviços indústria Coopervida São Carlos 221.950 20.000-30.000 aterro sanitário serviços indústria Corserta Sertãozinho 110.074 30.000-40.000 aterro sanitário serviços indústria A partir dos dados apresentados acima, observou-se que os municípios com maior população desta região são Ribeirão Preto, Piracicaba e Franca, respectivamente. Já os que possuíam maior faixa de renda per capita (R$) são Piracicaba, Ribeirão Preto, Rio Claro e Sertãozinho, em torno de 30.000 a 40.000. Os municípios com menores rendas são Franca, Itirapina, Ituverava e Leme, com faixa menor que 20.000 (R$) anual. Percebe-se, também, relação entre os principais setores econômicos e a população e renda per capita das cidades: em Itirapina e Ituverava (os quais se encontram dentre as três menores populações e a menor faixa de renda per capita), há destaque para a agropecuária e não para a indústria, como nos demais municípios A figura 1 ilustra a localização em mapa dos municípios integrantes da Rede. IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais 5

Porto Alegre/RS - 23 a 26/11/2015 Figura 1: Municípios integrantes da Rede Anastácia. Os resíduos coletados pelos catadores podem seguir diversos caminhos, passando por intermediários antes de serem reciclados e retornarem a processos produtivos e cadeia consumidora. Com o levantamento de dados, constatou-se que as cooperativas que compõem a Rede realizam comercialização com 21 intermediários e 11 indústrias. Porém, verificou-se que apenas na região do Estado de São Paulo próxima aos municípios estudados há pelo menos outras 26 indústrias como potenciais compradoras de materiais recicláveis. Além disso, foi verificado também que há campo para comercialização de outros materiais. Com os dados obtidos na pesquisa, buscou-se caracterizar a atual situação de comercialização das cooperativas que compõem a Rede Anastácia, com os diferentes tipos de materiais comercializados e os respectivos compradores (indústrias recicladoras ou intermediários). A Tabela 2 ilustra as quantidades de materiais comercializados por cada uma das cooperativas da Rede (dados referentes a junho de 2015). 6 IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais

Tabela 2. Número de categorias por tipo de material comercializado por cada cooperativa - Fonte: Mecca et al, 2015 (elaborado pelos autores). Cooperativas Municípios Papel Metal Plástico Vidros Outros Total Acácia Araraquara 4 6 10 2 3 25 Acomar Batatais 0 0 6 3 2 11 Cooperfran Franca 4 3 7 1 1 16 Cooperei Itirapina 2 1 4 0 0 7 Cooperar Ituverava 4 6 5 1 3 19 Reciclaleme Leme 2 2 6 1 1 12 Coopemar Morro Agudo 7 4 6 2 1 20 Cooperlol Orlândia 4 2 4 1 0 11 Reciclador Solidário Piracicaba 5 4 6 1 2 18 Mãos Dadas Ribeirão Preto 6 3 9 1 1 20 Cooperviva Rio Claro 4 4 10 2 2 22 Coopervida São Carlos 4 2 10 1 0 17 Corserta Sertãozinho 4 5 3 1 0 13 Com os dados obtidos verificou-se que algumas cooperativas separam os resíduos em variados tipos de materiais e outras não. Araraquara, por exemplo, separa 25 tipos de materiais, sendo 4 tipos diferentes de papel, 6 tipos de metais, 10 diferentes plásticos, 2 tipos de vidros e 3 outros materiais. Já Rio Claro segrega 22 diferentes tipos e Ribeirão e Morro Agudo 20. A cooperativa que segrega menos tipos de materiais é do município de Itirapina com apenas 4 diferentes tipos de plásticos, 2 tipos de papéis e apenas 1 metal. A Tabela 3 mostra os dados coletados em relação às distâncias entre vendedor (cooperativas) e municípios em que se localizam os compradores de materiais recicláveis. Tabela 3. Distâncias mínima e máxima entre cooperativas da Rede e respectivos compradores de materiais recicláveis (elaborado pelos autores). Cooperativas Municípios Distância mínima de municípios em que se localizam compradores Distância máxima de municípios em que se localizam compradores Acácia Araraquara 0 km 375 km Acomar Batatais 40 km 201 km Cooperfran Franca 0 km 175 km Cooperei Itirapina 36 km 78 km Cooperar Ituverava 103 km 188 km Reciclaleme Leme 0 km 92 km Coopemar Morro Agudo 0 km 69 km Cooperlol Orlândia 0 km 143 km Reciclador Solidário Piracicaba 0 km 48 km Mãos Dadas Ribeirão Preto 0 km 92 km Cooperviva Rio Claro 0 km 40 km Coopervida São Carlos 0 km 0 km Corserta Sertãozinho 0 km 0 km IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais 7