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Transcrição:

APPOA CARTELÃO CONGRESSO CORPO: fcção, saber e verdade 12 de março de 2015 Responsável: Lucy Linhares da Fontoura Para balizar a preparação de nosso congresso deste ano, vamos retomar a trajetória que vimos realizando na Associação, já há três anos, na elaboração dos diversos desdobramentos do tema. Vamos relembrar brevemente essa trajetória, através das imagens e dos argumentos que construímos para cada momento de trabalho: jornadas de abertura, encontros Relendo Freud e jornadas clínicas. Começamos com O amor e a erótca, em que trabalhamos o estabelecimento da geografa corporal do desejo, através dos cuidados da primeira infância, assim como a disjunção entre amor e erotsmo, para homens e mulheres, e ainda fzemos uma primeira aproximação da questão que hoje também nos reúne: se o amor e a erótca são análogos à disjunção entre corpo e linguagem/discurso. A seguir - porque, como Lacan, também somos freudianos, convocamos o texto de Freud, de 1925: Algumas consequências psíquicas das diferenças anatômicas entre os sexos. Neste texto, lemos as proposições freudianas clássicas acerca dos complexos de Édipo e castração, no menino e na menina, à luz da determinação cultural das representações da diferença sexual e dos processos de construção de gênero. A atualização dessa leitura nos levou à discussão sobre as diferentes formas como hoje se artculam as posições masculina/feminina, as identdades homem/mulher e os objetos de desejo sexual.

O trabalho seguiu com a proposta: Ainda mais sobre o gozo, em que, a partr do seminário Mais, ainda, de Lacan, trabalhamos as diferentes consttuições do sujeito masculino e do feminino, diferenças que defnem os modos diversos de laço com o gozo. Vimos que aí se produz o estranhamento e a divergência o encontro impossível entre masculino e feminino e nos perguntamos o que poderia reunir a divergência das buscas. Também voltamos a nos ocupar das diversas modalidades de artculação entre as identdades de gênero, sexo biológico e escolha de objeto, que nos impõem deslocar a referência da distnção anatômica para a dimensão da fantasia. No campo do laço social propriamente dito, tomamos as fórmulas da sexuação, que nos fornecem um fundamento lógico às leis da linguagem que estruturam o laço social, e nos ocupamos em examinar as diferentes formas de organização da vida coletva, que delimitam lugares que possibilitam ou impossibilitam o sujeito e o desejo. Para isso, contamos com experiência compartlhada pelos colegas analistas inseridos nas prátcas insttucionais. Na contnuação, agora foi a Freud que parafraseamos e, então, propusemos Quatro ensaios sobre a sexualidade. Como sabemos, em seus ensaios inaugurais sobre a sexualidade, Freud subverteu posições moralistas e avançou a investgação psicanalítca no campo do erotsmo e das escolhas sexuais, tema que segue nos ocupando na clínica e na cultura. Ao declínio da hegemonia vitoriana, surgem em nossa época algumas contradições: um exercício sexual liberado, ao mesmo tempo em que estão presentes as inibições e constrangimentos; a procura de

intmidade e simultaneamente a exposição da sexualidade e do corpo. Lacan, contnuando a subversão de Freud, agrega ao tema a afrmação de que sob o corpo estão os restos, os objetos a. O corpo, sede das pulsões oral, anal, escópica e invocante, abriga os gozos que lhes correspondem, levando-nos a indagar sobre a relação entre esses (gozos) e a sexuação. Assim, buscamos encontrar outros modos de nomear e inserir na língua aquilo que insiste em fazer sintoma. Sintoma que não é somente um modo de dizer, mas também um modo de gozar. Seguindo na temátca do gozo, se impôs o texto Além do princípio do prazer, de 1920, divisor de águas na obra freudiana; nosso interesse em retomá-lo se renova a cada releitura, pois há exatos 20 anos, ele inaugurava os nossos trabalhos do Relendo Freud. Até aí, a dinâmica psíquica era interpretada como regulada pela busca de prazer, prazer concebido como diminuição de tensão, e evitação do desprazer, ocasionado pelo aumento desta. Tal dicotomia não responde mais às interpelações da clínica e leva Freud a uma nova metapsicologia, em que reconhece a existência de algo para além destes princípios e cuja incidência ordenaria o psiquismo de cada sujeito. Dessa hipótese, resulta o conceito de compulsão à repetção, presente tanto no processo de simbolização da criança em relação ao corpo materno, quanto na cena analítca. A partr deste texto, se reconfgura a topografa do aparelho psíquico, com a proposição da pulsão de morte, que reposiciona a discussão em torno dos conceitos de angústa, medo e trauma. Daí tomamos a clínica do trauma e a interrogação sobre o necessário enlace com o sexual no tratamento.

Nosso encaminhamento a seguir foi para a ambiciosa e complexa (A) escrita do sexual. Na clínica da fala, inaugurada por Freud, o que emerge revela entrelaçamentos com o corpo que, em seu cerne, aludem ao sexual. O sintoma e o gozo a ele atrelado nos conduzem a pensar o sexual, o feminino, o corpo e seus transbordamentos. Escrever o sexual implica em inscrever o traço primeiro que defne um horizonte para os demais que virão. Escrever o sexual implica em inscrever a marca que circunscreve um lugar, a partr do qual cada sujeito se situa enquanto sexuado, com um gozo peculiar. É como se o corpo tvesse letras, que compõem um texto a ser lido e experimentado a cada relação. É também a escrita que diz sobre o estatuto do feminino ou do masculino, seja na literatura ou mesmo na história. Aqui falamos de Helena de Tróia, de Virginia Woolf, das transformações do feminino, que implicam (e implicaram) redefnições do masculino. Nos Discursos à for da pele, que trabalhamos a seguir, já tendo por referência o estudo do seminário de Lacan, De um discurso que não fosse semblante (1971), seguimos na elaboração da clínica psicanalítca na contemporaneidade. A partr da incidência clínica das inscrições no corpo, via tatuagens e outras marcas corporais, da voragem dos jogos virtuais e de outros fenômenos que hoje se apresentam, questonamos as aparências, examinamos as estruturas clínicas em suas construções fccionais e seguimos indagando sobre a verdade verdade do sujeito, verdade do desejo. Na contnuação, tomamos o texto freudiano, As pulsões e seus destnos, de 1915. Nessa necessária volta aos fundamentos, tvemos um

encontro surpreendente com o frescor de uma tradução do trieb freudiano que ainda recolhe o novo. A noção de deriva da pulsão nos implica na escuta dos destnos pulsionais de cada analisante, bem como em nossas próprias derivas surgidas desse encontro. Nosso destno seguinte foi abordarmos Corpo e discurso em psicanálise. Aqui, reconhecemos que o corpo sempre esteve em evidência na psicanálise. As primeiras formulações de Freud, desde as prépsicanalítcas, já o indicavam como lugar privilegiado para sustentar e apresentar o sofrimento psíquico. Freud propunha que corpo e psiquismo encontravam-se unidos de tal forma que não seria possível estabelecer uma clara fronteira entre eles. Temos, assim, uma estranha contnuidade entre os campos, mesmo que heterogêneos, como são corpo e discurso. Freud foi muito perspicaz ao situar essa contnuidade e acentuar o caráter erótco das primeiras trocas entre um bebê e o mundo, principalmente através dos cuidados maternos. Os orifcios corporais sustentam assim, desde o princípio da consttuição subjetva, um sistema de relações que, para além das necessidades vitais, se estende a todas as formas de laços que construímos, numa conjugação que une prazer e desprazer. Jacques Lacan, a partr dos anos 50, retomou as formulações freudianas e propôs sensíveis e marcantes avanços para a psicanálise. Ao formular que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, sustentado num discurso, Lacan abriu um campo de interrogação e de investgação muito próprio ao âmbito psicanalítco. Potencializou a artculação entre corpo/discurso, presente no exercício da clínica pela associação livre, delimitando que é através do ato da fala que se

depreende a lógica de um discurso que pode incidir ou não sintomatcamente sobre o corpo. É aí que se especifca a posição étca da psicanálise na qual o corpo, tomado no campo das representações, difere do orgânico para dizer da relação singular do sujeito com o desejo e o gozo.