Análise do tamanho e distância entre fragmentos florestais na bacia hidrográfica do Rio Una Celso de Souza Catelani Getulio Teixeira Batista Programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais da Universidade de Taubaté (UNITAU) Estrada Mun. Dr. José Luiz Cembranelli, 5.000-12080-010 - Taubaté - SP, Brasil {celso, getulio}@agro.unitau.br Abstract. This article characterized the forest fragments of Una River hydrographic basin, affluent of the Paraíba do Sul River. Results showed that the average mean size of all fragments is 9.06 ha and that the correlation to the circular shape is 0.68 and the mean nucleus area of fragments considering a border effect of 60m is 5.86 ha. The mean distance among them is 245m. These parameters indicate that this basin has elongated fragments, with high border effect and may be in risk of biodiversity erosion. The image showing the different size classes of fragments allowed spatial observation of critical areas of the basin in ecological sustainability risk. The computing tools proved to be useful and easy to use as long as a previous georeferenced data basis is available. Palavras-chave: remote sensing; image processing; GIS; sensoriamento remoto; processamento de imagens; SIG. 1. Introdução As condições atuais de fragmentação da Mata Atlântica divulgadas em meios técnicos e acadêmicos nos remetem a uma reflexão sobre as possibilidades de restauração de corredores ecológicos e preservação de maciços florestais remanescentes como subsídio à conservação e proteção do Patrimônio Genético e da Biodiversidade. A legislação ambiental brasileira, no que se refere à conservação de florestas nativas e proteção das áreas de preservação permanente (APP), em especial o Código Florestal (Lei 4771/1965) e a Resolução CONAMA 303/2002 trazem em seus textos imposições legais que se observadas na prática auxiliariam garantir a preservação das florestas e corredores ecológicos como forma de perpetuar o fluxo gênico e prover a manutenção dos recursos hídricos e demais funções ecológicas. No entanto, o histórico de uso da terra no domínio da Mata Atlântica, o mais ameaçado dos ecossistemas florestais brasileiros, que apresentava já em 1998 menos de 9% de sua cobertura original (MMA, 1998), não demonstra sinais firmes de inversão na curva de degradação desse ecossistema. Dados recentes sobre o desmatamento no Estado de São Paulo, entre 1990 e 1995, mostram que foram destruídos neste período 674km² de Mata Atlântica (MMA, 1998). Esse desflorestamento e em conseqüência a degradação dos recursos hídricos, ocasionado pelos diversos usos da terra nos ciclos agro-econômicos que se sucederam na região do Vale do Paraíba paulista determinam a necessidade de recomposição dos corredores ecológicos e ou a manutenção e união de fragmentos significativos ao propósito da conservação de espécies. Grandes extensões territoriais de florestas sofreram transformações significativas, especialmente no último século (RODRIGUES et al., 2004). O Bioma Atlântico brasileiro, que envolve a Floresta Ombrófila Densa, a Floresta Ombrófila Mista e a Floresta Estacional Semidecidual, além de ecossistemas associados, originalmente cobria o território brasileiro com cerca de 100 milhões de hectares de extensão (DEAN, 1987). Atualmente restam apenas 9% de sua cobertura original (MMA, 1998), e caracteriza-se entre as mais ameaçadas Florestas Tropicais do mundo (REIS et al., 1999). Esta pequena porção da floresta original se encontra na forma de pequenos fragmentos que tem despertado grande interesse para 75
programas de reposição de florestas em áreas degradadas (NREAMP, 2000; PEMBH, 2004; FNMA, 2005). A fragmentação é, na grande maioria das vezes, um processo antrópico de ruptura da continuidade das unidades de uma paisagem e resulta em mudanças na composição e diversidade das comunidades envolvidas. Isto provoca o isolamento e redução das áreas propícias à sobrevivência das populações, causa extinções locais e reduz a variabilidade genética das mesmas, e conseqüentemente leva à perda de biodiversidade (METZGER, 1999). Na reversão desses processos de degradação de fragmentos florestais, conhecer a situação atual das bacias hidrográficas em relação à distribuição por tamanho, forma, área do núcleo e outros elementos dos fragmentos florestais remanescentes, consiste numa ferramenta de grande importância no planejamento de conexão entre fragmentos significativos como subsídio à manutenção da biodiversidade. 2. Materiais e métodos A bacia hidrográfica do Rio Una, com uma área de 476km², situada no médio Vale do Paraíba, abrange parte dos municípios de Pindamonhangaba, Redenção da Serra, Taubaté e Tremembé, situados no cone leste do Estado de São Paulo. A área de estudo está delimitada por um retângulo entre as coordenadas UTM dos cantos, inferior esquerdo E=430.000, N=7.410.000 e, superior direito E=490.000, N=7.460.000, Datum horizontal SAD-69 e Meridiano Central 45 W (Figura 1). Figura 1. Localização da área de estudo. O desenvolvimento desse estudo foi baseado na utilização de geotecnologias disponibilizadas em SIG e processamento estatístico de métricas. O Sistema de Informações Geográficas utilizado foi o SIG completo SPRING Sistema de Processamento de Informações Georreferenciadas em sua versão v.4.3.2 (CÂMARA et al., 1996). Para o processamento estatístico de métricas foi utilizado o FRAGSTATS - Spatial pattern analysis program for quantifying landscape structure (MCGARIGAL e MARKS, 1995). 76
A organização computacional se deu a partir da criação de um banco de dados georreferenciados no SPRING, sob o qual foram processados os dados de base e os cruzamentos e conversões para compatibilização entre dados espaciais e métricas. Com base nos dados de uso da terra oriundos do Projeto Una (BATISTA et al., 2005) foi processado o isolamento da classe Mata_Capoeira, que corresponde aos fragmentos florestais existentes na bacia. A Figura 2 representa um fragmento florestal mapeado como Mata_Capoeira no Projeto Una, visto no mosaico ortorretificado e sua correspondente fotografia no campo. Mosaico ortorretificado Fotografia de campo Figura 2. Exemplo de classe mapeada como Mata_Capoeira que representa áreas de vegetação natural, pioneira ou secundária em estágios inicial, médio ou avançado de regeneração. A partir do mapa de fragmentos florestais da Bacia do Rio Una foi gerado um mapa de distância no modelo numérico, que corresponde a um mapa matricial no qual as células referentes a cada pixel da imagem resultante possuem valores crescentes em metros à medida que se afastam dos fragmentos florestais. O dado numérico resultante desse processo foi agrupado ou fatiado em faixas de 100m de largura a partir das bordas dos fragmentos florestais existentes na bacia. A imagem matricial correspondente ao mapa de fragmentos florestais da bacia do Rio Una foi exportada em formato ASCII compatível com a entrada de dados no software para processamento de métricas i.e. FRAGSTATS. Com a aplicação das ferramentas métricas foram gerados os seguintes parâmetros: tamanho de fragmentos, índice de forma, área do núcleo (borda de 60m) e índice de proximidade. 3. Resultados e discussão O Mapa de Fragmentos e de distância entre fragmentos florestais nativos da Bacia do Rio Una, representados pela classe Mata_Capoeira originária do mapa de uso do solo do projeto Una (BATISTA et al., 2005) demonstra um alto grau de fracionamento e dispersão dos fragmentos florestais remanescentes. O mapa resultante está apresentado na Figura 3. A Tabela 1 mostra a área e a percentagem de ocorrência dos remanescentes. 77
Tabela 1. Resultado da classificação do mapa de distância entre fragmentos florestais nativos da bacia do Rio Una. Classe Faixa de Distância Área (ha) Área (%) Mata_Capoeira 0 10083,3 21,18 0-100 0-100 14973,0 31,46 100-200 100-200 10149,4 21,32 200-300 200-300 5924,0 12,45 300-400 300-400 3207,8 6,74 400-500 400-500 1669,7 3,51 500-600 500-600 799,2 1,68 600-700 600-700 400,5 0,84 700-800 700-800 211,6 0,44 800-900 800-900 121,9 0,26 900 ou + 900 ou + 59,7 0,13 Total 47600,0 100,00 Figura 3. Mapa de distância entre fragmentos florestais da Bacia do Rio Una com base no Mapa de Uso da Terra de Batista et al. (2005). 78
Os resultados do mapa de distância entre fragmentos da bacia demonstraram que cerca de 53% da área total situa-se a uma distância inferior a 200m em relação ao fragmento florestal nativo mais próximo, o que facilita a conexão entre fragmentos e dessa forma, permite indicar a adoção de métodos de restabelecimento baseados em nucleação (REIS et al., 2003). Esse mapa de distância permite visualizar possíveis rotas de ligação entre corredores ecológicos e possíveis uniões entre fragmentos e ainda, levando-se em consideração a rede hidrográfica, observar a configuração da cobertura florestal do conjunto ripário (LIMA e ZAKIA, 2000). Com a aplicação das ferramentas métricas foram obtidos o tamanho médio de fragmentos em hectares igual a 9,06ha, o índice médio de correlação com forma circular (circularidade) igual a 0,68, a área média do núcleo (considerado o efeito de borda de 60m) igual a 5,86 ha e proximidade média entre fragmentos de 244,73m. Os resultados relativos ao tamanho dos fragmentos existentes na bacia estão apresentados na Tabela 2 e a respectiva imagem do mapa de fragmentos florestais está representada na Figura 4. Tabela 2. Caracterização dos fragmentos florestais por classe de tamanho de área. Grupos de Fragmentos Nº Fragmentos Área ha % do nº de Fragmentos % da área de floresta 0 a 2 ha 595 506,1837 53,41 5,02 2 a 10 ha 365 1720,218 32,94 17,06 10 a 100 ha 134 3652,186 12,05 36,22 > 100 ha 18 4204,753 1,60 41,70 Total 1112 10083,34 100,00 100,00 Figura 4. Captura de tela do software SPRING com a imagem resultante do mapeamento dos fragmentos florestais agrupados em quatro classes de tamanho. 79
Os dados relativos ao índice de circularidade de 0,68 indicam a presença de fragmentos de forma alongada, com grande influência do efeito de bordas (KAGEYAMA et al., 1998). Aliando-se esse efeito com o tamanho médio dos fragmentos na bacia de apenas 9,06 hectares, e ainda ao tamanho médio do núcleo dos fragmentos ser de somente 5,86 hectares (Borda de 60m) pode-se deduzir que a bacia do Una apresenta alto risco de sofrer erosão da biodiversidade, uma vez que fragmentos com essas características são considerados frágeis na capacidade de suporte e preservação da diversidade de espécies (SAUNDERS et al., 1991). 4. Considerações finais O dados analisados na forma de métricas demonstraram existir um nível elevado de risco ambiental determinado pelo baixo suporte à biodiversidade que se observa nas características físicas dos fragmentos existentes. A geração de uma imagem classificada por agrupamentos de tamanho de fragmentos florestais permite espacializar o resultado das métricas e verificar de forma visual as áreas com sustentabilidade ecológica na bacia. As ferramentas computacionais utilizadas permitiram a elaboração do estudo de forma prática e rápida e permitem subsidiar ações pró-ativas de forma eficiente e direcionada para a manutenção de corredores de diversidade em bacias hidrográficas. 5. Referências Bibliográficas BATISTA, G. T.; TARGA, M. S.; FIDALGO, E. C. C. Banco de dados ambientais da Bacia do Rio Una, Bacia do Rio Paraíba do Sul. DSPACE. (http://www.agro.unitau.br:8080/ dspace/handle/2315/51), Repositório Eletrônico Ciências Agrárias, Coleção Ciências Ambientais. 16p., 2005. BRASIL. Lei Federal Nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 (Institui o Novo Código Florestal Brasileiro).. Lei Federal Nº 7.803, de 15 de julho de 1989, Altera a redação da Lei n 4.771, de 15 de setembro de 1965, e revoga as Leis n 6.535, de 15 de julho de 1978 e 7.511, de 7 de julho de 1986 CÂMARA G., SOUZA R. C. M., FREITAS U. M., GARRIDO J. SPRING: Integrating remote sensing and GIS by object-oriented data modelling" Computers & Graphics, 20: (3) 395-403, May-Jun 1996. CONAMA, Resolução Nº 303 de 20 de março de 2002. Dispões sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente. CPTI - Cooperativa de Serviços, Pesquisas Tecnológicas e Industriais. Plano das Bacias Hidrográficas do Rio Paraíba do Sul 2000-2003. São Paulo: CPTI, 2001. CD-ROM. DEAN, W. A ferro e fogo: a história da devastação da mata atlântica brasileira. Companhia das Letras, São Paulo. 1997. KAGEYAMA, P. Y.; GANDARA, F. B.; SOUZA, L. M. I. Conseqüências genéticas da fragmentação sobre populações de espécies arbóreas. Série Técnica IPEF, v.12, n.32, p.65-70, dez. 1998. LIMA, W. P.; ZAKIA M. J. B. Hidrologia de matas ciliares. In: Matas Ciliares Conservação e Recuperação. Rodrigues & Leitão Filho (Eds.). EDUSP/FAPESP:p. 33-44. Piracicaba 2000. MCGARIGAL, K.; MARKS, B. J. FRAGSTATS: spatial pattern analysis program for quantifying landscape structure. Gen. Tech. Report PNW-GTR-351, USDA Forest Service, Pacific Northwest Research Station, Portland, OR. 1995. METZGER, J. P. Estrutura da paisagem: o uso adequado de métricas. In: JUNIOR, L. C., PÁDUA, C. V. & RUDRAN, R. Métodos de estudos em biologia da conservação e manejo da vida silvestre. Curitiba, PR. Ed. da UFPR. Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, 2003. 667p. METZGER, J. P. Como restaurar a conectividade de paisagens fragmentadas? In.: KAGEYAMA, P. Y.; OLIVEIRA, R. E.; MORAES, L. F. D.; ENGEL, V. L.; GANDARA, F. B. Restauração ecológica de ecossistemas naturais. Botucatu: FEPAF, 2003. cap.3, p.51 76. 80
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