Mestiçagem das vacas e rentabilidade da produção de leite 1



Documentos relacionados
Produzir Leite é Bom Negócio? Alto Paranaíba. Sebastião Teixeira Gomes

CUSTO DE PRODUÇÃO DE LEITE DA EMBRAPA E O PREÇO DO LEITE

EDUCAMPO: um projeto que dá lucro 1

DIAGNÓSTICO E PERSPECTIVAS DA CADEIA PRODUTIVA DO LEITE NO BRASIL

CUIDADOS NO CÁLCULO DO CUSTO DE PRODUÇÃO DE LEITE

Eficiência no uso da terra: um dos caminhos para alcançar maiores rentabilidades

Sistemas de Produção de Leite Prof. Geraldo Tadeu dos Santos

Ano V - Edição 34 Agosto 2014

DESAFIOS DA PECUÁRIA LEITEIRA

EVOLUÇÃO RECENTE E PERSPECTIVA DA PRODUÇÃO DE LEITE NO BRASIL 1

FAZENDA SANTA LUZIA. Maurício Silveira Coelho HISTÓRICO

2 Planilha para Cálculo do Custo de Produção de Leite na Agricultura Familiar

A PRODUCAO LEITEIRA NOS

EFICIÊNCIA TÉCNICA NO CURTO E NO LONGO PRAZO EM SISTEMAS DE PRODUÇÃO DE LEITE COM GADO HOLANDÊS, MESTIÇO E ZEBU

AVANÇOS SÓCIO-ECONÔMICOS EM SISTEMAS DE PRODUÇÃO DE LEITE

O SEBRAE E O QUE ELE PODE FAZER PELO SEU NEGÓCIO

DIAGNÓSTICO DA CADEIA PRODUTIVA DO LEITE NO ESTADO DE MATO GROSSO

O LEITE NOS PLANOS DE ESTABILIZAÇÃO

A utilização da vaca F1: visão da EMATER-MG INTRODUÇÃO


PROGRAMA REFERENCIAL DE QUALIDADE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA PECUÁRIA BOVINA DE MINAS GERAIS. Hélio Machado. Introdução

1. Planilha: Indicadores de Desempenho da Propriedade Leiteira (IDPL)

O cruzamento do charolês com o zebu (indubrasil, guzerá ou nelore) dá origem ao CANCHIM. Rústico e precoce, produz carne de boa qualidade.

PROGRAMAS DE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL EM REBANHOS BOVINOS: ANÁLISE DOS GANHOS PARA OS PEQUENOS PRODUTORES

GESTÃO DA PECUÁRIA LEITEIRA - GPL. ROTEIRO DE ANÁLISE DE GRUPO DE PROPRIEDADES Sistema de produção de leite à pasto

EFEITOS DO LEITE LONGA VIDA NO MERCADO DE SÃO PAULO

Produção de Leite a Pasto

Produção de F1 pelas fazendas Calciolândia e Colonial

Análise de rentabilidade de uma empresa com opção de comercialização de queijo ou leite

PLANO DE NEGÓCIO. Roteiro Financeiro. Prof. Fábio Fusco


Piscicultores discutem custos de produção da aquicultura na região central do estado do Tocantins

Inseminação Artificial em Tempo Fixo em Vacas Leiteiras

Caderneta de Poupança

AVALIAÇÃO DOS ÍNDICES ZOOTÉCNICOS DE MÉDIAS PROPRIEDADES LEITEIRAS

Conjuntura do Leite Demanda de Importações

Sistemas de produção e Índices zootécnicos. Profª.: Valdirene Zabot

1ª OLIMPIADA DO LEITE

CONCEITUANDO RECEITA TOTAL, RECEITA MÉDIA E RECEITA MARGINAL

de inverno que viraram opção para o pecuarista da região para conseguir ter pasto na época da seca.

CUSTARE - Software para Análise do Resultado Econômico na Produção de Ovinos e Caprinos

DIAGNÓSTICO E PERSPECTIVAS DA PRODUÇÃO DE LEITE NO BRASIL

O impacto do touro no rebanho de cria

COMO ANALISAR E TOMAR DECISÕES ESTRATÉGICAS COM BASE NA ALAVANCAGEM FINANCEIRA E OPERACIONAL DAS EMPRESAS

Gestão econômica de sistemas de produção de bovinos leiteiros 1

Boletim Ativos do Café - Edição 15 / Dezembro 2013 Preços do café intensificam a descapitalização na cafeicultura brasileira em 2013

Características dos Touros Senepol. Benefício ao Criador Invernista Confinador. Senepol SL

Diferimento de pastagens para animais desmamados

PROGRAMAS EM RAÇAS SINTÉTICAS. Kepler Euclides Filho

CUSTO DE PRODUÇÃO DE BOVINOCULTURA DE CORTE EM LONDRINA/PR

INDICADORES DA PECUÁRIA DE LEITE NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: UMA ABORDAGEM DA FUNÇÃO DE PRODUÇÃO

PERGUNTAS MAIS FREQÜENTES SOBRE VALOR PRESENTE LÍQUIDO (VPL)

PROJETO CAMPO FUTURO CUSTO DE PRODUÇÃO DO CAFÉ EM LUÍS EDUARDO MAGALHÃES-BA

PANORAMA DA PRODUÇÃO DE LEITE EM PASTAGENS NO BRASIL

Intenções de Investimento

AGROPACTO DIA 18 de fevereiro de 2008

INSTITUTO ASSAF: ANÁLISE DO DESEMPENHO DOS BANCOS MÉDIOS E DOS BANCOS GRANDES

Resumo dos Resultados Globais

Como calcular o Índice de Lucratividade (IL)

3 Indicadores de Resultados da gestão comercial. Série Indicadores Essenciais Volume 3

A IMPORTÂNCIA DE UM BOM PROJETO NA PECUÁRIA DE CORTE. A idéia de projeto, em qualquer atividade econômica é bastante elástica. Em geral um projeto é

ZAP Zambezia Agro Pecuaria Lda - Mozambique DESENVOLVIMENTO DE GADO LEITEIRO GIROLANDA FERTILIZACAO IN VITRO IVF

Ano 5 n o 41 abril/2012

PLANEJAMENTO E ESTRATÉGIAS 1. O CENÁRIO DO SETOR AGROPECUÁRIO BRASILEIRO

Viabilidade Financeira: Calculo da TIR e VPL

Programa Alta Gestação promove democratização da inseminação artificial em ovinos no Brasil

INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL OU MONTA NATURAL

Aula 4 Conceitos Básicos de Estatística. Aula 4 Conceitos básicos de estatística

UM NOVO FOCO NA GESTÃO DAS CENTRAIS DE INSEMINAÇÃO

BOVINOS RAÇAS SINTÉTICAS

(NUTROESTE URÉIA PLUS)

SUPLEMENTAÇÃO DE BEZERROS DE CORTE

7. Análise da Viabilidade Econômica de Projetos

MODELO DE PLANO DE NEGÓCIO EM BRANCO

financeira na ovinocultura de corte

Síntese dos resultados Meses

COMO QUALIFICAR O PREÇO DE VENDA DE SEUS PRODUTOS (UTILIZANDO AS TÉCNICAS DE ANÁLISE DE INVESTIMENTOS FORMAÇÃO DE PREÇOS)

CAPITAL DE GIRO: ESSÊNCIA DA VIDA EMPRESARIAL

Palestras Scot Consultoria

Desenvolvimento e performance produtiva e reprodutiva de fêmeas F1 Holandês/Zebu

ELEMENTOS DO PLANEJAMENTO FINANCEIRO NO PLANO DE NEGÓCIOS Prof. Ms. Marco Arbex

Precocidade Sexual e a Inseminação Artificial em Tempo Fixo

O uso de concentrado para vacas leiteiras Contribuindo para eficiência da produção

Administração Financeira

ASPECTOS SOCIAIS DA PRODUÇÃO DE LEITE NO BRASIL. Elmer Ferreira Luiz de Almeida. Introdução

TAXA DE LOTAÇÃO EM PASTAGEM DE TIFTON 85 SOB MANEJO DE IRRIGAÇÃO E SEQUEIRO NO PERÍODO DA SECA*

Texto para Coluna do NRE-POLI na Revista Construção e Mercado Pini Julho 2009

Projeções de custos e rentabilidade do setor sucroenergético na região Nordeste para a safra 2013/14: o desafio de sobrevivência dos fornecedores

LÂMINA DE INFORMAÇÕES ESSENCIAIS SOBRE O SANTANDER ESTRUTURADO BOLSA EUROPEIA 3 MULTIMERCADO / Informações referentes a Maio de 2016

A IMPORTÂNCIA DO MANEJO NO PERÍODO SECO

MERCADO FUTURO: BOI GORDO

2011 Evialis. Todos os direitos reservados uma marca

METODOLOGIA PARA CONTROLE E ANÁLISE DE CUSTO DA PRODUÇÃO DE LEITE1.

A administração rural e o uso econômico de ração.

ENTENDENDO OS DIVERSOS CONCEITOS DE LUCRO

Comparação do ganho de peso e desempenho de bezerras alimentadas com leite de descarte e leite normal durante a fase de aleitamento

Os juros podem ser capitalizados segundo dois regimes: simples ou compostos.

Transcrição:

Mestiçagem das vacas e rentabilidade da produção de leite 1 Sebastião Teixeira Gomes 2 Estima-se que 80% das vacas ordenhadas, no Brasil, são mestiças de raças européias e zebuínas. Dentre as européias, predomina a holandesa e, dentre as zebuínas, a gir. A combinação da rusticidade do gado gir com a especialização leiteira do holandês resulta em indivíduos de excelente desempenho na produção de leite. Os animais de maior percentual de sangue holandês são mais exigentes no manejo e na alimentação, porém, são mais produtivos. Por outro lado, os animais de menor grau de sangue holandês são menos exigentes no manejo e na alimentação, todavia, são menos produtivos. Nesse cenário, a questão central diz respeito à relação entre a rusticidade/especialização e rentabilidade. A pergunta é: Qual o intervalo de grau de sangue Holandês-Zebu que corresponde à maior rentabilidade da produção do leite? Segundo uma crença antiga, dentre aqueles que se dedicam à produção, a partir de 1/2 HZ, o aumento do grau de sangue holandês reduz a rentabilidade da produção, porque os custos aumentam mais que a renda bruta. Isto acontece em razão das restrições ambientais comuns nas regiões tropicais. Entretanto, alguns especialistas afirmam que é possível produzir leite, de modo lucrativo, em regiões tropicais, com animais de elevado grau de sangue holandês, desde que sejam adotadas práticas de manejo e alimentação que neutralizem os danosos efeitos climáticos. Diante dessas posições sobre mestiçagem e rentabilidade, a proposta deste artigo é contribuir com argumentos práticos para o aprofundamento do debate, que é antigo e recorrente. Foram utilizados dados que serviram para a elaboração do Diagnóstico da Pecuária Leiteira do Estado de Minas Gerais, em 2005. Na composição da amostra foram sorteados 1.000 produtores de todos os estratos de produção e de todas as regiões do Estado. 1 Escrito em 27-2-2007 2 Engenheiro agrônomo, professor titular da Universidade Federal de Viçosa

Os entrevistados foram divididos em quatro grupos segundo o grau de sangue das suas vacas: Azebuado, até 1/2 HZ, de 1/2 HZ a 3/4 HZ e de 3/4 HZ a 7/8 HZ. Quando na mesma fazenda existiam animais de diferentes graus de sangue, foi calculada a média, ponderada pelo número de vacas em cada grau, assim: 10 vacas 1/2 HZ e 30 vacas 3/4 HZ. ((10 x 0,50) + (30x 0,75)) 40 = 0,6875 ou 68,75 % de sangue holandês e 31,25% de sangue zebu. Os dados da Tabela 1 confirmaram a especialização para a produção de leite da raça holandesa. Todos os indicadores da produtividade aumentaram com o aumento do grau de sangue holandês. Isto significa que, considerando apenas tais indicadores, os sistemas de produção mais atraentes são os de maior grau de sangue holandês. Os dados da Tabela 2 mostram que os custos variáveis unitários (custo/litro) aumentaram com o aumento do grau de sangue holandês. São exemplos de custos variáveis: mão-de-obra contratada para manejo do rebanho, manutenção de pastagens, canaviais e capineira, silagem, concentrados, minerais, medicamentos, hormônios, materiais de ordenha, transporte do leite, energia e combustível, inseminação artificial e outros dessa natureza. Considerando apenas os custos variáveis médios, os sistemas de produção de menor grau de sangue holandês são os mais atraentes, porque são os de menor custo/litro. Os que defendem a tese de que nas regiões tropicais não se deve passar de 1/2 HZ tem como principal argumento o custo variável médio. Do ponto de vista de curto prazo, eles estão corretos, porque o que interessa para a decisão são os custos variáveis. Ainda segundo a Tabela 2, os custos fixos unitários (custo/litro) diminuíram significativamente à medida que aumentou o grau de sangue holandês das vacas. Tal diminuição é decorrente da baixa relação capital investido/produção de leite nos sistemas mais enraçados. São exemplos dos custos fixos as depreciações de benfeitorias e máquinas e os juros sobre o capital investido em benfeitorias, máquinas, animais e terra. Do ponto de vista de longo prazo, os custos fixos são essenciais na interpretação da viabilidade financeira do negócio. A substituição do capital envelhecido é condição vital de sobrevivência. O custo total médio (custo/litro), resultante da soma dos custos variáveis e fixos, diminuiu com o aumento do grau de sangue holandês das vacas, Tabela 2. Tendo como

critério o custo médio, as fazendas de gado mais enraçado são as mais atraentes, porque eles são de menor custo. Segundo os dados apresentados e discutidos, a definição do sistema de produção preferido depende do critério de análise financeira. Se forem custos variáveis, é mais atraente gado com menor grau de sangue holandês. Se for custo total, é mais atraente o de maior grau de sangue holandês. A margem bruta anual do estrato de 3/4 a 7/8 HZ (R$33.643,18) foi 196% maior que a do estrato até 1/2 HZ (R$11.355,00), segundo dados da Tabela 3. Por esse critério, as fazendas de gado mais enraçado são mais lucrativas.as mesmas conclusões foram observadas nos demais indicadores sobre margem bruta. Repetindo a comparação anterior nos outros indicadores, foram encontrados os seguintes resultados: bruta/hectare, 149% maior; margem bruta/vaca em lactação, 63% maior; e margem bruta/total de vacas, 86% maior. Os que defendem menor grau de sangue holandês argumentam que o preço de venda de bezerros e vacas descartadas é maior nas fazendas com menor grau de sangue holandês e, por isto, elas têm mais lucro. Esse argumento é ilusório, porque a participação da venda de animais na renda bruta se reduz com o aumento do grau de sangue, segundo dados da Tabela 4. Que o preço de um bezerro azebuado é maior que um holandesado, isto ninguém duvida. Porém, o valor da produção de leite dos sistemas mais enraçados é muito maior que o dos azebuados. A soma da venda do leite e de animais é maior nos sistemas de gado com maior percentual de sangue holandês. Finalmente, o último indicador examinado: taxa de remuneração do capital investido. Ele mostra a atratividade do projeto. Quanto maior a taxa, maior a atratividade. De acordo com os dados da Tabela 5, o estrato de 3/4 a 7/8 HZ é o de maior atratividade. Comparando as taxas de remuneração encontradas com a taxa real de juros da caderneta de poupança (6% ao ano), apenas os estratos de 1/2 a 3/4 HZ e de 3/4 a 7/8 HZ são atrativos. A principal conclusão deste artigo é que, para a realidade dos produtores de leite entrevistados, em Minas Gerais, em 2005, a hipótese da baixa rentabilidade das fazendas de gado mais enraçado não se confirmou no campo.

Tabela 1 Indicadores de produtividade, segundo estratos de raça e grau de sangue das vacas. sangue das vacas Produção/vaca em lactação (L/dia) Produção/total de vacas (L/dia) Produção/área (litros-ano/hectare) Azebuado 4,47 2,68 517,43 Até 1/2 HZ 5,87 3,73 769,66 De 1/2 a 3/4 HZ 8,42 5,70 1.253,80 De 3/4 a 7/8 HZ 12,01 8,67 2.394,53 Tabela 2- Custos médios da produção de leite, segundo estratos de raça e grau de sangue das vacas. sangue das vacas Custos variáveis Custos fixos Custo total Azebuado 0,2748 0,3685 0,6433 Até 1/2 HZ 0,3061 0,2484 0,5545 De 1/2 a 3/4 HZ 0,3347 0,1940 0,5287 De 3/4 a 7/8 HZ 0,3546 0,1552 0,5098 Tabela 3- Indicadores de margem bruta (renda bruta custos variáveis), segundo estratos de raça e grau de sangue das vacas. sangue das vacas bruta (R$/ano) bruta/área (R$/hectare) bruta/vaca em lactação (R$/cabeça) bruta/total de vacas (R$/cabeça) Azebuado 6.315,00 149,72 471,83 283,32 Até 1/2 HZ 11.355,00 206,67 575,61 365,87 De 1/2 a 3/4 HZ 19.522,00 306,71 751,88 508,94 De 3/4 a 7/8 Hz 33.643,00 513,93 940,62 679,23

Tabela 4 Participação da venda de animais na renda bruta, segundo estratos de raça e grau de sangue das vacas. sangue das vacas Participação da venda de animais (%) Azebuado 26 Até 1/2 HZ 24 De 1/2 a 3/4 HZ 21 De 3/4 a 7/8 HZ 14 Tabela 5 Taxa de remuneração do capital investido, segundo estratos de raça e grau de sangue das vacas. sangue das vacas Taxa de remuneração (%/ ao ano) Azebuado - Até 1/2 HZ 4,28 De 1/2 a 3/4 HZ 7,39 De 3/4 a 7/8 HZ 10,29