UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO SÉRIE DE WORKING PAPERS WORKING PAPER Nº 04/005 ERGONOMIA EM SERVIÇOS ANDRÉA YUMI SUGISHITA KANIKADAN FEA-USP Este artigo pode ser obtido no site: www.ead.fea.usp.br/wpapers Os comentários, críticas e sugestões devem ser enviados ao e-mail: andreak@usp.br
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE Ergonomia em Serviços Autor: Andréa Yumi Sugishita Kanikadan Mestranda em Administração FEA/USP e-mail: andreak@usp.br 1
1. INTRODUÇÃO Este trabalho pretende ser parte da dissertação de Mestrado do autor que é integrante do Programa de Pós-graduação em Administração da FEA/USP da área de Recursos Humanos. A idéia de cursar a disciplina surgiu ao iniciar-se a revisão bibliográfica e constar-se que a Ergonomia é uma das áreas que exerce interface com a Gestão da Qualidade de Vida no Trabalho. A grande pergunta que se pretende responder ao final do curso de Mestrado é saber se existe a possibilidade de se falar em Qualidade de Vida no Trabalho quando a empresa em questão é uma escola de idiomas, caracterizando-se entre outras coisas, por ser uma micro/pequena empresa. Tal problema de pesquisa apresenta duas grandes dificuldades: [1] há pouca bibliografia que aborde aspectos de Ergonomia em ambientes acadêmicos; [2] as ações ergonômicas são sempre muito pontuais, oriundas de necessidades nem sempre muito legítimas. As dificuldades acima tornam o assunto mais interessante, visto que, em uma breve revisão bibliográfica, é possível encontrar o assunto Ergonomia em ambientes industriais, e o pouco que se encontra em Serviços está voltada a Ergonomia e questões tecnológicas. O objetivo do trabalho é identificar aspectos da ergonomia em ambientes de trabalho onde profissionais de ensino da língua inglesa estejam inseridos. 2. METODOLOGIA Todo trabalho científico utiliza-se de uma metodologia, que neste trabalho será conduzido por um estudo exploratório. Segundo Mattar (1996), o estudo exploratório é apropriado para os primeiros estágios da investigação quando o conhecimento do fenômeno é pouco ou inexistente. A pesquisa exploratória consiste em três métodos: levantamento em fontes secundárias, estudos de casos selecionados e observação informal. O presente estudo utilizar-se-á da observação informal caracterizada por envolver a nossa capacidade natural de observar continuamente objetos, comportamentos e fatos. O processo de observação informal chama-se observação informal não dirigida e a percepção e retenção do que é observado vai depender muito de interesses individuais do observador. Através de experiências vividas pelo próprio autor e relatos informais de profissionais da área de ensino de idiomas, será feita uma descrição dos aspectos ergonômicos presentes nesse tipo 2
de atividade. Tal descrição terá o suporte da teoria, e pretende envolver alguns aspectos presentes na fundamentação teórica de ergonomia. Serão abordados aspectos da biomecânica ocupacional e os fatores humanos no trabalho. Após a apresentação da Introdução e da Metodologia, será apresentada a revisão bibliográfica de Ergonomia e dos Cursos Livres de Idiomas. A seguir, encontrar-se-á a descrição do objetivo proposto bem como as considerações finais e propostas para futuros estudos. 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 3.1. Ergonomia Os estudos em Ergonomia iniciaram-se há mais de 40 anos. Desde então, vem ganhando espaço em diversas áreas do conhecimento, o que torna possível entender o caráter multidisciplinar que vem atingindo. Diversas disciplinas guardam uma relação com o assunto em questão, como medicina ocupacional, higiene ocupacional, psicologia ocupacional, engenharia de produção, gerenciamento de produção, entre outras. A ergonomia ganhou um espaço muito maior com a era da qualidade, quando as empresas buscavam certificações visando a excelência empresarial. Pheasant (1991) definiu ergonomia, considerando todas essas disciplinas, envolvendo aspectos mentais e físicos relacionados ao trabalho, em suas definições: Ergonomia é o estudo científico do trabalho humano. Ergonomia é a aplicação da informação científica considerando os seres humanos ao desenho de objetos, sistemas e ambientes para uso humano. Ergonomia é a ciência que adequa o trabalho ao trabalhador e o produto ao usuário. 3
O autor ainda, diz que os ergonomistas consideram também que, o ambiente de trabalho pode incluir fatores como temperatura, ventilação e barulho. Para Iida (1993), a ergonomia é o estudo da adaptação do trabalho ao homem. O trabalho aqui tem uma acepção bastante ampla, abrangendo não apenas aquelas máquinas e equipamentos utilizados para transformar os materiais, mas também toda a situação em que ocorre o relacionamento entre o homem e seu trabalho. Isso envolve não somente o ambiente físico, mas também os aspectos organizacionais de como esse trabalho é programado e controlado para produzir os resultados desejados. A ergonomia está presente em qualquer tipo de organização, sendo o setor de serviços a ser abordado nesse estudo. O setor de serviços cresce a cada dia, inserindo-se nessa classificação o comércio, a saúde, educação, escritórios, bancos, lazer e prestações de serviços em geral. (Iida, 1993) 3.2. Biomecânica ocupacional Segundo Iida (1993), a biomecânica ocupacional é responsável por estudar as interações entre o trabalho e o homem sob o ponto de vista dos movimentos músculo-esqueletais envolvidos. Aborda aspectos do trabalho estático e dinâmico, sendo o primeiro aquele que exige contração contínua de alguns músculos para manter uma determinada posição. É um trabalho fatigante, devendo ser evitado sempre que possível. O trabalho dinâmico é aquele que permite contrações e relaxamentos alternados dos músculos. O corpo assume diversas posturas que assumem diferenças dados o tipo físico e sexo. Quando a pessoa encontra-se na posição deitada, o sangue flui livremente para todas as partes do corpo, contribuindo para eliminar os resíduos do metabolismo e as toxinas dos músculos, provocadores da fadiga. Na posição sentada, a pessoa exige atividade muscular do dorso e do ventre para manter essa posição. Todo o peso do corpo é suportado pela pele que cobre o osso nas nádegas. A posição de pé é altamente fatigante porque exige trabalho estático da musculatura envolvida para manter essa posição. O coração encontra maiores resistências para bombear sangue para os extremos do corpo. As pessoas que executam trabalhos dinâmicos em pé, apresentam menos fadiga em geral, que aquelas que permanecem estáticas ou com pouca movimentação. Outra posição é a inclinação da cabeça para frente, de modo que se tenha uma melhor visão. Essas necessidades 4
ocorrem quando 1) o assento é muito alto; 2) a mesa é muito baixa; 3) a cadeira está longe do trabalho; e 4) há uma necessidade específica, como no caso do microscópio. Tabela 1 Localização das dores no corpo, provocadas por posturas inadequadas POSTURA RISCO DE DORES Em pé Pés e pernas (varizes) Sentado sem encosto Músculos extensores do dorso Assento muito alto Parte inferior das pernas, joelhos e pés Assento muito baixo Dorso e pescoço Braços esticados Ombros e braços Pegas inadequadas em ferramentas Antebraços Fonte: Ergonomia: Projeto e Produção, Iida, 1993 3.3. Fatores Humanos no Trabalho Estuda certas características do organismo humano que influem no desempenho do trabalho. Ao se analisar e projetar o trabalho humano é necessário considerar a monotonia, a fadiga e a motivação. Iida (1993) descreve que em determinados dias e horas o organismo se apresenta mais apto ao trabalho. Isso se deve a alguns fatores condicionantes, que podem ser intrínsecos, como é o caso do ritmo circadiano, que apresenta oscilações em quase todas as suas funções fisiológicas com um ciclo aproximado de 24 horas. O ritmo circadiano é comandado pela luz solar e apresenta grandes variações individuais, podendo-se distinguir os indivíduos matutinos e vespertinos.os matutinos tem a temperatura elevada mais rapidamente a partir das 6 horas e atinge o máximo por volta das 12 horas. A temperatura dos vespertinos, eleva-se mais lentamente pela manhã, e a máxima ocorre por volta das 18 horas. A monotonia é a reação do organismo a um ambiente uniforme, pobre em estímulos ou com pouca variação das excitações. O que causa a monotonia são as atividades prolongadas e repetitivas de baixa dificuldade. A curta duração do ciclo de trabalho, períodos curtos de aprendizagem e restrição dos movimentos corporais são agravantes da monotonia. Como conseqüência da monotonia, tem-se a diminuição da atenção e o aumento do tempo de reação. A fadiga é o efeito de um trabalho continuado, que provoca uma redução reversível da capacidade do organismo e uma degradação qualitativa desse trabalho. (Iida, 1993) A fadiga é causada devido a fatores fisiológicos, ou seja, considera a intensidade e duração do trabalho físico e 5
intelectual. Como conseqüência a pessoa tende a aceitar menores padrões de precisão e segurança, simplificando a tarefa. Tanto a monotonia como a fadiga apresentam fatores fisiológicos e psicológicos que não pretendem ser o objeto deste estudo. Outro aspecto considerado quando se analisam os fatores humanos no trabalho é a motivação. Sabe-se que a motivação é intrínseca ao indivíduo, sendo algo que o leva a perseguir um determinado objetivo. Algumas teorias procuram explicar o processo motivacional. Maslow apud Morgan (1996) procura explicar a motivação defendendo cinco classes de necessidades hierarquizadas. Alderfer apud Iida (1993) propõe uma simplificação da teoria de Maslow baseada em 3 níveis, também de necessidades. 3.4. Cursos Livres de Idiomas Os cursos de idiomas são caracterizados como livres pois seus certificados não são reconhecidos pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC). Com isso, não existe um órgão que regulamente a abertura dos mesmos, permitindo que a cada dia novos cursos e metodologias apareçam. Tais cursos apóiam-se em uma dada metodologia que pretende ser o produto a ser comercializado. A grande maioria das escolas de idiomas que existe no mercado, contrata seus professores como profissionais autônomos, não lhes dando nenhuma garantia, como: número definido de horas trabalhadas, férias remuneradas, décimo-terceiro salário, Fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS), entre outros. Nesses cursos, os profissionais são remunerados por hora-aula dada. A cada semestre essas escolas de idiomas renovam seu quadro de professores, possuindo, em muitos casos, somente a posição de um coordenador que atua a mais tempo na organização. São poucos os professores que permanecem por mais de um ano na mesma instituição. Os professores de inglês atuam em salas de aulas que possuem, em geral, capacidade para sete alunos em média, provocando diferenças no aprendizado dos alunos se o trabalho for realizado em pé ou sentado. A dinâmica de um professor influencia decisivamente neste processo, pois estudar inglês nem sempre é uma vontade pessoal dos indivíduos. Existe todo um contexto sócioeconômico porque um indivíduo busca esse conhecimento. Por se caracterizar como um trabalho autônomo, estando a remuneração dos professores atrelada ao número de aulas dadas, é comum encontrar professores com cargas de trabalho que englobem os três períodos: matutino, vespertino e noturno. 6
Os professores de inglês que atuam nos cursos livres, que são profissionais pertencentes a escolas de idiomas, seguem uma metodologia já desenvolvida, cabendo aos mesmos seguir um cronograma, tendo poucas oportunidades para inovar o método. No início de cada semestre tais professores recebem o cronograma do que deve ser passado aos alunos bem como os livros que compõem a metodologia. A partir disso, todas as atividades de ensino são conduzidas. 4. ANÁLISE DA OBSERVAÇÃO INFORMAL A observação informal mostra que é possível relacionar aspectos encontrados na conceituação em Ergonomia na realidade percebida desses profissionais. Em se tratando da biomecânica ocupacional pode-se dizer que o professor de inglês realiza um trabalho que algumas vezes caracteriza-se como estático, outras vezes dinâmico, pois a necessidade de se fazer entender, pede que atue de forma criativa a cada aula. Permanecer sentado todo o tempo pode não proporcionar o aprendizado que se deseja dos alunos, tornando-se necessário a movimentação durante as aulas. O ritmo circadiano não é respeitado por esses profissionais pois conforme descrito anteriormente, visando aumentar sua remuneração, tais profissionais trabalham em todos os períodos, e não será raro encontrar pessoas matutinas trabalhando em horários noturnos. Isso prejudica o rendimento e performance do indivíduo, pois ignora o funcionamento de seu organismo. O trabalho de um professor de inglês torna-se monótono a medida que desempenha suas atividades seguindo um script pré-definido. Em um primeiro momento, todas as atividades podem parecer novidade, mas com o passar do tempo elas tornar-se-ão repetitivas, provocando a monotonia e dessa forma, influenciando diretamente na sua motivação para o trabalho. 5. CONCLUSÕES Ao se traçar uma breve análise dos aspectos que envolvem a teoria e a prática é possível detectar que, a questão ergonômica também afeta o setor de serviços relativo a educação. Guarda muitas particularidades ao ser comparada com os ambientes industriais, cuja questão mais saliente e preocupante dos profissionais deste estudo reside nos fatores humanos no trabalho. O ritmo circadiano não é o fator mais crítico, porém deve ser dada uma atenção especial a este aspecto, pois os profissionais acabam atuando abaixo de sua performance ideal, o que torna-se prejudicial para 7
todos os atores envolvidos: o professor, porque não atinge sua performance ótima; os alunos, porque deixam de ter um profissional rendendo o máximo que poderia; e à organização, porque deixa de aproveitar o potencial máximo de seus profissionais. Neste caso, a solução não apresentase como inatingível, pois depende de políticas adotadas na organização, como contratar professores para períodos determinados. O aspecto mais agravante é o trabalho monótono, repetitivo, o qual pode trazer conseqüências psicológicas sérias a esses indivíduos. Reforça-se o agravante quando tem-se a noção de que a monotonia dificilmente será quebrada, pois o produto comercializado é a metodologia em si, que por sua vez, é a determinante da monotonia. Os outros conceitos abordados na revisão bibliográfica não são tão preocupantes, pois ao se considerar a biomecânica ocupacional, o trabalho se mescla entre o estático e o dinâmico, permitindo que o profissional equilibre suas atividades entre os dois tipos de trabalho. Dessa forma, a natureza do trabalho apresentada no setor de Serviços é o grande desafio da ergonomia, pois entende que o trabalho deve ser repensado de modo que os profissionais dessa área vejam sentido naquilo que desempenham. Para pesquisas futuras, pode ser feita uma pesquisa junto aos profissionais de inglês objetivando identificar fatores de satisfação e insatisfação da profissão. Outra possibilidade é explorar mais as próprias escolas de idiomas de modo que as políticas vigentes sejam analisadas e comentadas. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GRANDJEAN, E. Fitting the task to the man :a textbook of occupational ergonomics. London ; New York : Taylor & Francis, 1988. IIDA, I. Ergonomia :projeto e producao. São Paulo : Edgard Blucher, 1993 MATTAR, F.N. Pesquisa de Marketing. São Paulo : Atlas, 1996. MORGAN, G. Imagens da Organização. São Paulo : Atlas, 1996. PHEASANT, Stephen. Ergonomics, work and health. London: Macmillan Press, 1991. 8