Apresentação O agronegócio brasileiro tem passado por profundas modificações, as quais aumentaram a competitividade de seus produtos e subprodutos na economia interna e externa. Neste contexto, a soja é uma das principais commodities brasileiras, especialmente devido ao fato do Brasil ser uma dos principais produtores dessa leguminosa. Com a implantação de novas tecnologias e a expansão das áreas produtoras, está previsto que o país se torne o maior produtor de soja nas próximas safras, aumentando a importância da soja. Outro fator que justifica a importância da soja também está ligado à versatilidade de usos de seus grãos, que tanto podem ser utilizados para a produção de óleo comestível, a alimentação humana e animal, além da produção de biodiesel. As doenças da soja, causadas tanto por agentes de origem biótica ou abiótica, são um das principais barreiras à produção da soja, causando danos irreparáveis à produção impondo sérios prejuízos aos produtores. Vários pesquisadores não limitam seus esforços para desenvolver novas tecnologias e meios para realizar o manejo responsável e sustentável das doenças da soja. Para que o controle das doenças da soja seja eficiente, é importante a adoção de várias práticas em um manejo integrado das doenças, o que regularmente sugere a aplicação conjunta de práticas de controle cultural, biológico, químico e genético. Com ênfase no controle genético de doenças da soja, os programas de melhoramento dos setores privado e público brasileiros estão unidos para o desenvolvimento de cultivares resistentes, ou parcialmente resistentes a esses estresses. Tais tecnologias, dentro do cenário econômico, se comportam como uma estratégia de liderança no controle de custos, e o conhecimento destes princípios e técnicas contribuem de forma decisiva para o sucesso da sojicultura. A presente obra, DOENÇAS DA SOJA Melhoramento Genético e Técnicas de Manejo, foi estruturada com o intuito de apresentar conceitos e técnicas atuais de manejo relacionadas às principais doenças da cultura. Foram reunidos importantes pesquisadores para a composição dos capítulos, os quais, cada um em sua especialidade, não mediram esforços para fazerem deste um trabalho uma referência para o conhecimento e o controle das principais patologias da soja. Na pretensão de abordarmos a produção de soja, e seus principais entraves relacionados às doenças nos principais países produtores, contamos com pesquisadores dos EUA, Argentina e China, que juntamente com o Brasil, são os maiores produtores mundiais da soja. Estamos com um sentimento de dever cumprido com os resultados obtidos pelo conjunto da obra, e esperamos que este sentimento também seja compartilhado entre os leitores dessa obra. Leonardo Humberto Silva e Castro Ernane Miranda Lemes Rafael Tadeu de Assis
Mofo branco 4 Silvânia Helena Furlan Engenheira Agrônoma, Me., Dra. Instituto Biológico 1. Introdução No Brasil, as epidemias de mofo branco, causadas por Sclerotinia sclerotiorum, estão amplamente distribuídas em várias regiões produtoras de um grande número de culturas, tendo sua incidência aumentada na soja a partir da década de 90. Os primeiros relatos de ataque em soja surgiram na década de 70 no Estado do Paraná, na década seguinte em Minas Gerais, e logo depois em Goiás, nas áreas de pivô central. No entanto, o feijão de inverno era um hospedeiro bem mais importante que a soja (NASSER et al. 1990; NASSER e SPEHAR, 2001). Atualmente, há registros de ocorrências severas em lavouras de soja, prevalecendo em áreas com alto potencial produtivo onde a doença encontra melhores condições para se desenvolver. Dentre as mais de 400 espécies hospedeiras do patógeno, pertencentes a aproximadamente 200 gêneros botânicos, está a soja (BOLAND e HALL, 1994; BOLTON et al., 2006), que, nos últimos anos, em especial a partir da safra 2006/07, ao lado do feijão, girassol, algodão, canola e algumas hortaliças como tomate, batata e alface, tem sido afetada com danos variáveis (CAMPOS e SILVA, 2009; MACHADO e CASSETARI, 2010; FURLAN, 2012 e MEYER et al., 2014). Diversas plantas daninhas também fazem parte da lista de hospedeiras, entre elas o caruru, o amendoim bravo, a guanxuma, a vassoura, a corda de viola, o carrapicho e o picão preto. Estima-se que aproximadamente 23% da área cultivada de soja no Brasil e 100% da área irrigada de soja por pivô central estejam contaminadas pela presença de escleródios do patógeno (CAMPOS et al., 2005; MENTEN e BAN- ZATO, 2014; MEYER et al., 2014). É uma doença com grande capacidade destrutiva. Segundo Nasser et al. (1990) e Meyer et al. (2014), S. Sclerotiorum é responsável por perdas de até 30% em lavouras de soja e de até 70% em lavouras de feijão irrigadas por pivô central nos Cerrados. Plantas doentes podem ter a produção reduzida em até 37% se considerarmos uma incidência de 50% na lavoura. Naturalmente, estas perdas variam grandemente em função de fatores genéticos como o potencial produtivo e a tolerância da cultivar, fatores nutricionais, principalmente a adubação nitrogenada, que interfere no crescimento das plantas, e fatores ambientais, sobretudo a precipitação e a irrigação, que afetam de maneira significativa a severidade do mofo branco. O fungo disseminou-se de maneira rápida e eficiente pelas sementes de soja infectadas por meio do micélio dormente, ou quando contaminadas pela presença de escleródios associados, estabelecendo-se notadamente nas áreas irrigadas por pivô central, o que assegurou sua ampla distribuição e multiplicação (NASSER e SPEHAR, 2001; CAMPOS e SILVA, 2009). Outro veículo importante da disseminação entre
54 Doenças da Soja: melhoramento genético e técnicas de manejo Ernane Lemes Leonardo Castro Rafael Assis as lavouras foram os implementos e máquinas carregando os propágulos do fungo, também responsáveis por introduzi-lo em locais antes isentos do problema. Habitante de solo, S. sclerotiorum apresenta grande longevidade por meio de suas estruturas de resistência e tem a capacidade de colonizar todas as partes aéreas das plantas (SCHWARTZ et al., 2005). Estas, quanto mais adensadas, sob condições climáticas favoráveis, tornam o processo infeccioso, incrementado pelo sombreamento, maior umidade e menores temperaturas dentro do dossel. A quantidade de escleródios na área, somada a vários componentes do hospedeiro, do ambiente e do patógeno, que são discutidos neste capítulo, também influencia consideravelmente a gravidade da doença. 2. Epidemiologia Para caracterizar e diagnosticar o mofo branco, é preciso conhecer as estruturas propagativas do fungo, tanto as vegetativas, que são Dentro do atual sistema de rotação de culturas, plantas hospedeiras em sucessão à soja, como algodão, girassol, feijão e canola, elevam o potencial destrutivo da doença pelo acúmulo do inóculo, refletindo em crescentes prejuízos. As gramíneas, por não fazerem parte da lista de hospedeiras de Sclerotinia, representam uma alternativa na rotação, visando à redução de inóculo na área. A importância de uma abordagem epidemiológica e de manejo do mofo branco, denominada na soja também como podridão branca da haste, se dá na prevenção e redução dos sintomas, de forma a viabilizar a produção por meio da adoção de práticas eficientes que visam evitar ou minimizar os problemas de uma doença tão agressiva e de difícil controle, como já é amplamente conhecida no mundo. o micélio e os escleródios, quanto as reprodutivas, os apotécios e ascósporos, que estão ilustradas, respectivamente, nas figuras 1, 2, 3 e 4. Figura 1. Crescimento micelial típico de Sclerotinia sclerotiorum sobre folhas de soja caídas ao solo.
4 Mofo branco Silvânia Helena Furlan 55 Figura 2. Escleródios típicos de Sclerotinia sclerotiorum, de coloração escura, semelhantes a fezes de rato. Figura 3. Apotécios de Sclerotinia sclerotiorum no solo em lavoura de soja no estádio inicial de formação de vagens (R3).
56 Doenças da Soja: melhoramento genético e técnicas de manejo Ernane Lemes Leonardo Castro Rafael Assis Figura 4. Ascósporos de S. sclerotiorum visualizados em microscópio ótico, obtidos após a maceração de apotécios em laboratório. Antes do aparecimento dos sintomas nas plantas, é comum, na superfície do solo, surgir um crescimento micelial branco e cotonoso, originado da germinação dos escleródios, com maior frequência nos locais sombreados pelo fechamento das ruas, logo no pré- ou início do período reprodutivo da soja. Este micélio pode, por contato, alcançar a parte aérea e afetar ramos, folhas e vagens. Ainda, pode ser uma unidade infectiva primária e infectar flores caídas ao solo ou danificadas, embora comumente participe das infecções secundárias. Situações de acamamento das plantas facilitam e aceleram a infecção. O micélio pode permanecer viável em flores infectadas por aproximadamente uma semana em condições desfavoráveis e retornar ao desenvolvimento quando voltarem as condições favoráveis (HARIKRISHNAN e DEL RÍO, 2006). Maiores epidemias normalmente não ocorrem iniciadas pela infecção de micélio, mas, devido ao surgimento de apotécios no solo, as estruturas de reprodução sexuada ou corpos de frutificação, formados a partir da germinação (carpogênica) dos escleródios, em especial aqueles que estão imersos a até 5 cm de profundidade no solo, pois as estipes dos apotécios raramente são maiores que 6 cm. Os apotécios podem produzir ascósporos por 5 a 10 dias e, quando liberados, alcançam e infectam as flores, em especial as senescentes, que assegurarão o potencial da doença. Os ascósporos são disseminados a curtas distâncias pelo vento, podem permanecer viáveis por 2 a 3 semanas na superfície da planta e, ao se depositarem, colonizam o tecido floral ou aqueles com ferimentos, originando, assim, as primeiras infecções. Uma vez estabelecida a infecção inicial, o fungo pode atacar qualquer órgão da planta (SCHWARTZ et al., 2005). A partir das infecções das flores, consideradas a fonte inicial de inóculo, os sintomas
4 Mofo branco Silvânia Helena Furlan 57 evoluem para as axilas das folhas e ramos laterais. Estes caracterizam-se por pequenas manchas aquosas que rapidamente evoluem para uma podridão mole dos tecidos onde, sob condições favoráveis, há o crescimento típico do micélio de aspecto cotonoso (Figuras 5 e 6). Este origina, interna e externamente aos tecidos das hastes e vagens, os escleródios, estruturas rígidas, de coloração preta, semelhantes na sua forma a fezes de rato (Figura 2). Em consequência, surgem os sintomas de murcha, seca e morte das áreas afetadas (Figura 7), podendo ocorrer em toda a planta (TU, 1989; HARTMAN et al., 1999). Figura 5. Sintomas do mofo branco (S. sclerotiorum) na haste da planta de soja. Figura 6. Sintomas severos de mofo branco (S. sclerotiorum) em hastes e vagens de plantas de soja.
58 Doenças da Soja: melhoramento genético e técnicas de manejo Ernane Lemes Leonardo Castro Rafael Assis Figura 7. Sintomas avançados de morte de plantas em ataque severo de S. sclerotiorum em lavoura de soja cv. BRS-231, em Pilar do Sul, SP, safra 2009/10. Adams e Ayes (1979) relatam que um único escleródio viável a cada 5 m 2 é suficiente para causar uma epidemia e, de acordo com Schwartz (2005), o tempo de sobrevivência dele no solo é de 5 anos ou mais. O ácido oxálico produzido pelo fungo durante o processo de infecção é considerado o principal fator na patogenicidade de S. sclerotiorum (KIM et al., 2000; KOLKMAN e KELLY, 2000). Portanto, as diferenças na tolerância ao ácido oxálico e à sua difusão nos tecidos do hospedeiro podem influenciar na velocidade de aumento da doença e resultarem em variações no tamanho do encharcamento das lesões. Segundo Tu (1982 e 1985), sintomas de podridão mole similares aos do mofo branco podem ser induzidos em folhas de feijão destacadas e inoculadas com o ácido oxálico nos pecíolos. Na patogênese, o ácido oxálico cria um ambiente de ph mais baixo (em torno de 4,0), no qual as enzimas de degradação, pectinolíticas, produzidas pelo fungo são mais eficientes (ECHANDI e WALKER, 1957), indicando também sua função na patogenicidade. A disseminação do fungo ocorre principalmente pelas sementes, mas também pelo vento e por implementos agrícolas que, por transitarem em áreas contaminadas vizinhas ou na própria lavoura, carregam micélio e escleródios. O fungo é transmitido pelas sementes (MACHADO et al., 2002) e, segundo Botelho (2011), a forma micelial foi visualizada por métodos moleculares de detecção do fungo, apresentando-se nas camadas protetoras e no embrião das sementes de soja. Ascósporos, considerados como o principal inóculo primário, são disseminados por correntes aéreas dentro da cultura e também em lavouras próximas (TU, 1989; VIEIRA, 1994). A germinação direta dos escleródios (miceliogênica) e o crescimento micelial, embora sejam um evento importante no ciclo de vida do fun-