Estado usará 85% dos royalties para pagar dívidas antigas

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Transcrição:

O Globo, 22 de novembro de 2016 Estado usará 85% dos royalties para pagar dívidas antigas Com quitação de montantes contraídos desde 1999, sobra pouco para dar fôlego a outras despesas Por: Rafael Galdo Apontada como uma das saídas para atenuar a crise, a antecipação de royalties e participações especiais do petróleo é a repetição de medidas parecidas já tomadas no passado que, como consequência, vão comprometer este ano R$ 3 bilhões das receitas do Rio. Esse valor, segundo números da Secretaria de Fazenda, é quanto o estado prevê desembolsar para quitar as parcelas de cinco operações financeiras, realizadas entre 1999 e 2014, que devem ser pagas com verbas das compensações pela exploração de óleo e gás. A cifra representa 85% dos R$ 3,5 bilhões que o estado deveria receber de royalties em 2016. O pagamento dessas dívidas absorve ainda mais as verbas do petróleo, que caíram drasticamente nos últimos anos com a redução do preço do barril. E, nesse desenrolar, enquanto o estado salda dívidas do passado, sobra pouco para dar fôlego a outras despesas, como capitalizar o Rioprevidência. A conta mais antiga é de 17 anos atrás, do governo Anthony Garotinho. Na época, o Rio recebeu R$ 8 bilhões da União, com Certificados Financeiros do Tesouro Nacional (CFT). A moeda de troca: a cessão dos direitos sobre os royalties. Só este ano, o Rio repassará R$ 1,1 bilhão ao governo federal para quitar parte dessa operação. Até 2021, serão mais R$ 2,9 bilhões. DISCUSSÕES EM BRASÍLIA Depois, foi o então governador Sérgio Cabral que empenhou os recursos do petróleo que o estado receberia no futuro. Era 2013, quando o Rio experimentava o ápice da arrecadação com royalties mais de R$ 8 bilhões anuais em 2012, 2013 e 2014. Apesar da fartura nos cofres do estado, o

governo fez duas antecipações desses recebíveis, num total de R$ 3,3 bilhões, junto à Caixa Econômica e ao Banco do Brasil, com pagamentos que se estenderão até 2022. O problema é que essas operações aconteceram com o barril do petróleo acima de US$ 100. Agora, o governo paga por elas com o barril na ordem de US$ 42, com a consequente queda nos royalties afirma o deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), lembrando que, sobre as antecipações, ainda incidem juros e correção monetária. Para pagar essas dívidas e tentar aliviar as taxas cobradas pelos bancos públicos além de pôr mais dinheiro em caixa, em 2014 foi a vez de o governo de Luiz Fernando Pezão recorrer a esse tipo de operação. Por duas vezes, lançou títulos de créditos no mercado internacional, também lastreados nos recursos de royalties. A primeira operação foi no valor de US$ 2 bilhões e, depois, mais uma de US$ 1,1 bilhão, com parcelas até julho de 2024 e janeiro de 2027, respectivamente.

Segundo a Secretaria da Fazenda, o Rioprevidência negocia receitas futuras, para receber recursos imediatamente. É uma alienação, portanto, o Rio não detém mais esse fluxo, explicou o órgão, em nota. O estado usou parte do que obteve com as operações de 2014 para abater R$ 1,66 bilhão do que devia à Caixa e ao Banco do Brasil. O passivo hoje, com esses dois bancos federais, segundo a Fazenda, é de aproximadamente R$ 980 milhões. Mesmo com uma grande parcela comprometida, a ideia de antecipar royalties voltou à tona no fim do ano passado com o agravamento da crise e os primeiros atrasos nos pagamentos dos servidores. Mas, em dezembro, Pezão desistiu da operação, alegando que as taxas de juros seriam muito altas, devido ao cenário de insegurança para os credores. Agora, com a situação ainda mais apertada e um pacote de austeridade em discussão na Assembleia Legislativa (Alerj), o governo avalia, mais uma vez, a possibilidade de uma nova operação. A Fazenda diz que ainda não há uma definição quanto à viabilidade. Mas, este mês, o secretário da pasta, Gustavo Barbosa, esteve em São Paulo para estudar com equipes do Banco do Brasil quanto em royalties o governo fluminense poderia negociar no mercado. Enquanto isso, a bancada fluminense em Brasília tenta facilitar os caminhos para o Rio. Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM) tenta votar um projeto de lei que daria mais segurança jurídica aos credores e, por consequência, reduziria os juros cobrados. Em vez de os royalties atrelados aos contratos de antecipação virem para a conta do Rio e, depois, serem repassados a quem se deve principalmente, num momento em que os recursos do estado têm sido bloqueados e arrestados, o Tesouro Nacional enviaria os valores direto para os credores. O mesmo valeria para outros estados e municípios. A proposta deve ser votada esta semana. Especialistas no setor dizem que a mudança ajudaria. Afirmam ainda que adiantar royalties agora seria uma saída viável, mas não a mais recomendável para um estado com finanças tão depauperadas. O governo cria uma despesa futura que, dependendo do momento, não terá condições de pagar. Funciona mais ou menos como um crédito consignado para o trabalhador. A garantia são recursos a receber. No caso

dos royalties e participações especiais, é uma receita variável. Ao fazer uma antecipação, a gestão financeira do estado pode ficar comprometida. Mas agora o Rio está num momento de desespero. Não tem muita escolha, ou corre o risco de não ter como cobrir os custos das antecipações anteriores. Isso significaria um calote com consequências desastrosas afirma Edmar de Almeida, professor do Grupo da Economia de Energia do Instituto de Economia da UFRJ. Ele lembra que, em outros países e estados produtores de petróleo, normalmente são criados fundos de estabilização fiscal, alimentados com royalties, justamente para salvar as contas em períodos de dificuldades como o vivido pelo Rio. O Texas, nos Estados Unidos, ou o Chile e mesmo países africanos, como Gana, fazem isso. Mas aqui temos a cultura de gastar por conta diz o economista. RIOPREVIDÊNCIA FICA COM ROYALTIES Só para pagar as parcelas das operações mais recentes, realizadas por Cabral e Pezão, entre 2013 e 2014, o estado precisou destinar aproximadamente R$ 1,6 bilhão ano passado, quando os royalties e participações especiais já tinham despencado dos R$ 8,7 bilhões de 2014 para R$ 5,29 bilhões. A Secretaria da Fazenda explica que, quando o Rioprevidência, detentor legal dos direitos sobre essas receitas, recebe o fluxo de recursos periodicamente, redireciona parte do valor, primeiro, para o pagamento de deduções legais e contratuais. Este ano, o Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam) receberá R$ 262 milhões. Os repasses a municípios fluminenses somarão R$ 240 milhões. Já o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Púbico (Pasep) ficará com R$ 33 milhões. O restante ficará, quase tudo, para os pagamentos das dívidas. O restante que sobraria vai para o caixa do Rioprevidência, que o faz o pagamento de aposentados e pensionistas. Aliado a isso, o professor Alfredo Renault, da PUC-Rio, ressalta que a crise do Rio inclui a queda de outras receitas, como o ICMS, e uma pesada

folha de pessoal a pagar. Quadro que, segundo ele, faz com que uma nova antecipação seja um caminho viável do ponto de vista financeiro. Não se trata de ser bom ou ruim para o estado, mas do fato de o Rio estar sem alternativa. É mais uma necessidade do que algo que valha a pena. OS VILÕES DA CRISE A redução das receitas dos royalties contribui para o agravar a crise do Rio, mas está longe de ser o único vilão das dificuldades para fechar as contas. Professor da UFRJ, o economista Mauro Osório afirma que o Estado do Espírito Santo, também produtor de petróleo, sofre menos com a conjuntura atual por ter realizado ajustes e passado por uma mudanças políticas que amenizaram os efeitos da queda desses recursos. O Rio não seguiu o mesmo caminho e ainda enfrenta outros fatores que explicam o momento atual. Os principais, segundo ele, seriam uma estrutura produtiva oca no interior e na periferia da Região Metropolitana e a queda na arrecadação de impostos. O quadro inclui o que ele chama de falta de racionalidade nos gastos, como despesas excessivas com Judiciário e Legislativo. E ainda regras econômicas nocivas. Não poder cobrar ICMS onde é extraído e refinado o petróleo é uma delas. Isso precisa ser discutido diz ele, citando ainda o debate sobre mudanças, por parte da Agência Nacional do Petróleo (ANP), no cálculo da distribuição de royalties, devido à melhor qualidade do que está sendo extraído do présal.