Avaliação das características físico químicas da farinha de trigo submetida ao processo de ozonização Juliana Lobo Paes 1, Lêda Rita D Antonino Faroni 1, Zenil Ricardo Cunha Rodrigues de Oliveira 1, Marcela Silva Carvalho 1, André Rodrigues da Costa 1 83 1 Departamento de Engenharia Agrícola, Universidade Federal de Viçosa - Viçosa, Minas Gerais. Resumo O objetivo neste trabalho foi avaliar o efeito do gás ozônio nas características físico químicas da farinha de trigo. A farinha foi ozonizada com as concentrações de 0, 250, 500, 1.000, 1.500 e 2.000 mg L -1 com os respectivos períodos de 0, 1.040, 880, 630, 590 e 160 min. A ozonização não afetou o teor de cinzas da farinha. Observou-se redução nos valores de teor de água nas concentrações de 1.000 e 1.500 mg L -1. O aumento da concentração de ozônio aplicado na farinha resultou em aumento da acidez com redução no ph. Palavras-chave: Ozônio, ph, acidez total titulável. Introdução O trigo é de fundamental importância tanto na economia brasileira quanto na alimentação humana, visto que a farinha obtida da extração deste cereal possui várias aplicações na indústria alimentícia e os derivados da farinha são extremamente consumidos pela população brasileira (FERREIRA, 2003; COSTA et al., 2008). Segundo Abitrigo (2009), a produção nacional de farinha de trigo atingiu cerca de 7 milhões de toneladas e o consumo foi de aproximadamente 40 kg per capita -1 ao ano. Deste total de farinha produzida, 60,04% foi destinada à panificação, 18,43% para a produção de massas, 12,21% para a produção de biscoitos e 13,69% para uso doméstico. A qualidade da farinha para um produto final específico é definida por um conjunto de parâmetros. Geralmente as indústrias moageiras estabelecem padrões de qualidade para as farinhas, que incluem, dentre outras, a determinação do teor de água, teor de cinzas, acidez total titulável e o ph (GRAS et al., 2000, MIRALBÉS, 2004). O teor de água é de fundamental importância na conservação da qualidade da farinha de trigo, visto que é responsável pela manifestação da maior parte das deteriorações. Muitas das reações 602
deteriorativas ocorrem em função do elevado teor de água, assim como crescimento e desenvolvimento de microrganismos (SILVA, 2003). O conteúdo mineral, mais conhecido como cinza, também é considerado um importante critério de qualidade da farinha de trigo. Farinha com altos teores de cinzas são consideradas de qualidade tecnológica inferior. De acordo com a legislação vigente no Brasil, o teor de cinzas é um dos parâmetros de qualidade utilizado para diferenciar os principais tipos de farinha de trigo existentes no mercado, estando diretamente relacionado com a sua comercialização (BRASIL 2005). A acidez representa o estado de conservação das farinhas, envolvendo tantos aspectos econômicos quanto químicos e microbiológicos. Dessa forma, o estudo da acidez torna-se imprescindível, visto que o aumento no valor deste parâmetro promove alterações que afetam a qualidade nutricional, segurança alimentar, cor, aroma e textura da farinha de trigo, acarretando em perdas econômicas devido à sua rejeição pelo consumidor. Além disso, farinha com elevada acidez também pode afetar a qualidade de alguns produtos finais (SILVA, 1999). A presença de microrganismos e insetos praga consiste em um dos principais fatores que afetam a conservação da qualidade tecnológica da farinha de trigo. Sendo assim, surge a necessidade da busca de novos métodos que possibilitem a boa conservação do produto. Um método que vem sendo estudado para o controle destes e, consequentemente a conservação da qualidade póscolheita de produtos agrícolas é o processo de ozonização. O processo de ozonização pode ser considerado uma das formas mais modernas, seguras e eficientes na eliminação de microrganismos presentes nos grãos e subprodutos. Classificado como Gerenally Regarded as Safe (GRAS) pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos, o ozônio é considerado um potente agente antimicrobiano e sanitizador devido ao seu poder oxidativo, que lhe confere um caráter altamente reativo (FDA, 2001; KIM, et al., 1999; GUZEL- SEYDIM, et al., 2004). Uma propriedade de grande importância do gás ozônio é sua instabilidade. Assim, para sua utilização comercial, o ozônio deve ser gerado no próprio local de aplicação, sendo necessário como insumo apenas eletricidade e ar ou oxigênio, o que descarta a necessidade de manipulação, armazenamento ou eliminação dos recipientes de produtos químicos, quando comparado aos fumigantes e desinfetantes tradicionais (KIM et al., 1999; KEELS et al., 2001; MENDEZ et al., 2003; MANSON et al., 2006). Os benefícios da utilização do gás ozônio no processo pós-colheita e na indústria alimentícia incluem o aumento da vida de prateleira de carnes, vegetais e frutas, a preservação e conservação dos produtos agrícolas, o controle de insetos praga, a inibição do desenvolvimento de fungos, a desinfecção microbiológica (vírus e bactérias), a detoxificação de micotoxinas e a descontaminação de resíduos de pesticidas nos alimentos, equipamentos e embalagens (RICE et al., 1982; GRAHAM, 1997; KIM et al., 1999; KHADRE et al., 2001; KELLS et al., 2001; YVIN et al., 2005; ROZADO et al. 2008). Outro aspecto importante é o fato de o ozônio não interferir nas características físicas, fisiológicas e tecnológicas dos grãos e subprodutos (IBANOGLU, 2001; KIM et al., 2003; MENDEZ et al., 2003; PAUL, 2007). Além disso, sua meia vida é muito curta e o produto de sua degradação é o oxigênio (O 2 ), não deixando resíduo nos produtos ozonizados, podendo ser aplicado em alimentos sem risco de toxidez para os consumidores (LAW et al., 1992; CHIATTONE et al., 2008). Dessa forma, objetiva-se com este trabalho avaliar o efeito do gás ozônio nas características físico químicas da farinha de trigo. 603
Material e métodos O presente trabalho foi realizado no setor de Pré-Processamento e Armazenamento de Produtos Agrícolas do Departamento de Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa. Investigou-se o efeito do gás ozônio, nas concentrações de 0, 250, 500, 1.000, 1.500 e 2.000 mg L -1 e períodos de ozonização de 0, 1.040, 880, 630, 590 e 160 min -1, respectivamente, sobre a qualidade tecnológica da farinha de trigo. A ozonização da farinha de trigo (3,3 kg), na temperatura média de 25 ºC foi realizada em um protótipo composto por um tambor cilíndrico, em aço inoxidável, posicionado horizontalmente, com dimensões de 0,20 m de diâmetro e 0,30 m de comprimento. O protótipo foi projetado com sistema de hélice dupla que permite o tratamento da farinha em movimento, com a finalidade de proporcionar uma mistura homogênea da farinha com o gás ozônio. Nos lados opostos de cada extremidade do cilindro foram instaladas conexões para injeção, a um fluxo de 4,0 L min -1, e exaustão do ozônio. O gás ozônio foi produzido pelo gerador desenvolvido pela empresa Ozone & Life. No processo de geração do ozônio foi fornecido ao gerador oxigênio industrial. Durante o experimento a concentração de ozônio foi ajustada no dosador do gerador e o fluxo de gás foi monitorado por meio de um rotâmetro. Para quantificar a concentração residual de ozônio, utilizou-se o método iodométrico, por meio da titulação indireta conforme recomendado pela International Ozone Association (IOA). Este método, descrito por Clescerl et al. (2000), consiste no borbulhamento do ozônio residual em uma solução de iodeto de potássio (KI) com liberação de iodo (I 2 ). Para garantir o deslocamento da reação para a produção de I 2 é necessário acidificar o meio com ácido sulfúrico (H 2 SO 4 ) 1 N. Posteriormente, titulou-se com tiossulfato de sódio (Na 2 S 2 O 3 ) 0,1 N até que a coloração amarela do iodo quase desaparecesse. Após cada tratamento, para a avaliação da qualidade da farinha de trigo, amostras foram analisadas quanto o teor de água, teor de cinzas, acidez total titulável e ph, conforme a metodologia descrita pelo Instituto Adolfo Lutz (2005). Ressalta-se que o ph foi obtido por um peagâmetro digital e todas as análises foram realizadas em triplicata. Os dados experimentais foram submetidos à análise de variância (ANOVA), sendo as diferenças entre as médias comparadas pelo teste Tukey, ao nível de 5% de probabilidade através do programa Saeg (Sistema de Análises Estatísticas), versão 9.1. Resultados e discussão Os resultados de teor de água, cinzas, acidez total titulável e ph da farinha de trigo tratada em diferentes concentrações estão apresentados na Tabela 1. O resumo das análises de variância indica pelo teste Tukey, a 5% de probabilidade, que não houve efeito significativo da concentração na análise de teor de cinzas. No entanto, constatou-se diferença significativa da concentração para as análises de teor de água, acidez total titulável e ph. 604
Tabela 1. Valores médios de teor de água, cinzas, acidez total titulável e ph da farinha de trigo tratada em diferentes concentrações. Concentração Teor de água Cinzas Acidez Total (mg L -1 ) (%) (% b.s.) Titulável (%) ph 0 13,7208 a 0,76 a 4,67 c 8,70 a 250 13,4920 a 0,80 a 4,70 c 7,57 b 500 13,6987 a 0,62 a 4,82 bc 7,43 b 1.000 13,0919 b 0,71 a 5,33 b 6,39 c 1.500 12,9612 b 0,52 a 6,87 a 5,01 d 2.000 13,6589 a 0,43 a 6,53 a 5,33 d * Médias seguidas de mesma letra na coluna não diferem entre si ao nível de 5% de probabilidade pelo teste Tukey. b.s. base seca. Observa-se que houve redução nos valores de teor de água nas concentrações de 1.000 e 1.500 mg L -1 (Tabela 1). No entanto, os valores médios foram inferiores a 15%, ou seja, abaixo do valor máximo permitido pelo Ministério da Agricultura para farinha de trigo (BRASIL, 2005). A possibilidade de desenvolvimento de microrganismos, como fungos, é reduzida quando a farinha apresenta valores de teor de água abaixo de 14%, bem como o aumento da estabilidade da farinha, já que a água é um componente essencial para que ocorram reações químicas e enzimáticas, aumentando assim a sua vida útil (SGARBIERI, 1987). A análise de variância indicou que o tratamento da farinha de trigo não influenciou o teor de cinzas em que a média foi de 0,62% b.s. para a farinha de trigo ozonizada e 0,76% b.s. para a farinha de trigo não ozonizada. Segundo Ibanoglu (2001), o condicionamento dos grãos de trigo com água ozonizada nas concentrações de 1,5 e 11,5 mg L -1, por um período de 30 min, não afetou a taxa de extração, o teor de cinzas e de proteína da farinha de trigo obtida destes grãos. A acidez é um parâmetro de qualidade importante no que se refere à farinha de mesa, influenciando na percepção das características sensoriais do produto. De acordo com os resultados apresentados na Tabela 1, o aumento da concentração aplicado na farinha resultou em aumento da acidez com redução no ph. Esta tendência observada pode ser explicada pelo alto poder oxidante do ozônio. Desta forma, é importante que alguns cuidados, como redução da concentração e do período de ozonização, sejam tomados durante a ozonização da farinha de trigo a fim de evitar a elevação excessiva da acidez, garantindo, assim, a qualidade do produto a ser comercializado. Referências bibliográficas ABITRIGO. Associação Brasileira da Indústria do Trigo. Estatísticas. Disponível em: http:// www.abitrigo.com.br/download.asp?cdnivel=178&nivel=4.1.1. Acesso em 11 ago. 2009. BRASIL. Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Instrução Normativa n 8, de 02 de junho de 2005. Regulamento técnico de identidade e qualidade da farinha de trigo. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n.105, p.91, 3 jun. 2005. Seção 1. CLESCERL, L.S.; GREENBERG, A.E.; EATON, A.D. Standard methods for the examination of water and wastewater. Denver: American Water Works Association, 1220p, 2000. 605
COSTA, M.G.; SOUZA, E.L.; STANFORD, T.L.M.; ANDRADE, S.A.C. Qualidade tecnológica de grãos e farinhas de trigo nacionais e importados. Ciência e Tecnologia de Alimentos, Campinas, v. 28, n. 1, p. 220-225, 2008. CHIATTONE, P.V.; TORRES, L.M.; ZAMBIAZI, R.C. Aplicação do ozônio na indústria de alimentos. Alimentos e Nutrição. v. 19, n. 3, p. 341-349, 2008. FDA, United States Food and DrugAdministration. Secondary direct food additives permitted in food for human consumption, final rule, Publication: 66. 2001. FERREIRA, R.A. Trigo: o alimento mais produzido no mundo. Nutrição Brasil, v.2, n.1, p.45-52, 2003. GRAHAM, D.M. Use of ozone for food processing. Food Technology, v. 51, p. 72-75, 1997. GRAS, P.W.; CARPENTER, H.C.; ANDERSSEN, R.S. Modelling the developmental rheology of wheat-flour dought using extension tests. Journal of Cereal Science, v.31, p. 1-13, 2000. GUZEL-SEYDIM, Z.B., GREENE, A.K., SEYDIM, A.C. Use of ozone in the food industry. Lebensmittel- Wissenschaft und-technologie, v. 37, p. 453-460, 2004. IBANOGLU, S. Influence of tempering with ozonated water on the selected properties of wheat flour. Journal of Food Engineering, v. 48, p. 345-350. 2001. INSTITUTO ADOLFO LUTZ. IAL. Métodos físico-químicos para análise de alimentos. 4ed, 1018p, 2005. KELLS, S.A.; MASON, L.J.; MAIER, D.E.; WOLOSOSHUK, C.P. Efficacy and fumigation characteristics of ozone in stored maize. Journal of Stored Products Research, v. 37, n. 4, p. 371-383, 2001. KHADRE, M.A.; YOUSEF, A.E.; KIM, J.G. Microbiological aspects of ozone applications in food: a review. Journal of Food Science, v. 66, n. 9, p. 1242-1252, 2001. KIM, J.G.; YOUSEF, A.E.; DAVE, S. Application of ozone for enhancing the microbiological safety and quality of foods: a review. Journal of Food Protection, v. 62, p. 1071-1087, 1999. KIM, J. G.; YOUSEF, A.E.; KHADRE, M.A. Ozone and its current and future application in the food industry. Advances in Food and Nutrition Research. v. 45, p. 167-218, 2003. LAW, S.E.; KISS, E.G. Electric discharge generation of ozone for beneficial agricultural usages. In: International Summer Meeting Sponsored by the American Society of Agricultural Engineers, 1992, North Carolina, Proceedings.. 1992. p.1-9. MASON, L.J.; WOLOSHUK, C.P.; MENDONZA, F.; MAIER, D.E.; KELLS, S.A. Ozone: A new control strategy for stored grain. In: 9 th International Working Conference on Stored Product Protection, 2006, Campinas, Proceedings... Campinas: Abrapos,. p.904-907. 2006. MENDEZ, F.; MAIER, D.E.; MASON, L.J.; WOLOSHUK, C.P. Penetration of ozone into columns of stored grains and effects on chemical composition and performance. Journal of Stored Products Research, v. 39, n. 1, p. 33-44, 2003. MIRALBÉS, C. Quality control in the milling industry using near infrared transmittance spectroscopy. Food Chemistry, v.88, p.621-628, 2004. PAUL, J.S. Comparative effects of two ozonation treatments on wheat flour technological properties. 2007. 88 f. Dissertação (Mestrado em Grain Science & Industry) - Kansas State University, Kansas. 606
RICE, R.G.; FARQUHAR, W.; BOLLYKY, L.J. Review of the applications of ozone for increasing storage times of perishable foods. Ozone Science. Engineering, v. 4, n. 3, p. 147-163. 1982. ROZADO, A.F.; FARONI, L.R.A.; URRUCHI, W.M.I.; GUEDES, R.N.C. PAES, J. L. Aplicação de ozônio contra Sitophilus zeamais e Tribolium castaneum em milho armazenado. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v. 12, n. 3, p. 282 285, 2008. SGARBIERI, V.C. Alimentação e Nutrição: fator de saúde e desenvolvimento. São Paulo: Editora Almed, 1987. 387 p. SILVA, F.A.M., BORGES, M.F.M., FERREIRA, M.A. Métodos para avaliação do grau de oxidação lipídica e da capacidade antioxidante. Quim. Nova, São Paulo, v.22, n.1, p.94-103.1999. SILVA, R.C. Qualidade tecnológica e estabilidade oxidativa de farinha de trigo e fubá irradiados. 2003. 107f. Dissertação (Mestrado em Ciências) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. YVIN, J.C.; BAILLI, A.; JOUBERT, J.M.; BERTAUD, O. Method and installation for making flour from ozone-treated grains. United States Patent, nº. 69159969B2, 11p. 2005. 607