Existe Gerenciamento de Resultados nas Empresas com Ações Negociadas na BOVESPA? ROBERTO FROTA DECOURT (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDO DO SUL)

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Existe Gerenciamento de Resultados nas Empresas com Ações Negociadas na BOVESPA? Autores: ROBERTO FROTA DECOURT (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDO DO SUL) ANDRE LUIS MARTINEWSKI (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDO DO SUL) JOSÉ DE PIETRO NETO (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - PPGA - PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO) Resumo Este trabalho testou a forma da distribuição da curva normal para os retornos do patrimônio líquido das empresas com ações negociadas na BOVESPA, buscando evidências de gerenciamento contábil dos valores nas demonstrações financeiras do período de 199 a 24. Apesar de um pequeno prejuízo ou um pequeno lucro não serem muito diferentes na lógica racional, psicologicamente, a diferença entre publicar lucro ou prejuízo pode ser significativa. Desta forma, as empresas evitariam divulgar pequenos prejuízos, transformando-os em lucro. O método utilizado foi baseado no trabalho de BURGSTAHLER e DICHEV (1997) onde os histogramas dos lucros foram analisados com relação à freqüência de pequenas relações negativas e pequenas relações positivas das variações do patrimônio líquido. Os resultados evidenciaram a existência de gerenciamento contábil dos resultados, sendo que em 9 dos 1 anos pesquisados a freqüência dos pequenos lucros foi superior e significativa a dos pequenos prejuízos, sugerindo que os administradores evitaram divulgar a obtenção de pequenos prejuízos e apresentaram pequenos lucros, ou sejam, praticaram o gerenciamento contábil. Abstract This work tested the form of normal distribution curve for returns of the equity of companies with shares negotiated at São Paulo Stock Exchange, searching evidences of Earning management of values in financial demonstrations for period between 199 and 24. Although the similarity of a small profit and small losses under the rational model, psychologically, they can be significative different, thus firms avoid report small losses. It was used one method based on the work of BURGSTAHLER and DICHEV (1997) where the profits histograms had been analyzed regarding the frequency of small negative relations and small positive relations of equity variations. The results had evidenced the existence of countable management of the results, so in 9 of 1 searched years the frequency of small profits was superior and significant to small loss, suggesting that the managers avoid to disclosure small loss and used to manage financial demonstrations.

1. Introdução A transparência na relação entre empresa e acionista esta sendo cada vez mais valorizada no mercado financeiro. Prova disto foi a recente criação das segmentações em Nível I, Nível II, Novo mercado e Bovespa Mais onde as empresas estão sendo agrupadas de acordo com os níveis de informações e boas práticas de Governança Corporativa, entre outros, e que passaram a diferenciar estas empresas em níveis proporcionais de transparência e outras variáveis. Este estímulo, em parte, é proveniente de ações da BOVESPA que preza por um mercado mais estável e seguro. Os resultados contábeis das empresas, apesar de serem frutos das demonstrações padronizadas e regulamentadas, não são medidas exatas e únicas das situações das firmas, pelo contrário, podem ser valores distintos dos reais, tendo em vista os ajustes que podem ser feitos. Estes argumentos sugerem que o lucro ou prejuízo, por exemplo, podem ser não só uma conseqüência das operações e da administração da empresa, mas também provenientes de uma combinação entre gestão e tratamento contábil. As empresas podem adotar os ajustes que acharem necessários em seu contexto, desde que sigam os princípios fundamentais da contabilidade ditados na Resolução CFC nº 7/93 e estejam amparados pela legislação vigente (no caso das S.A. as Leis 6.44/76 e 1.33/1). Além do mais, seria desejável que as firmas seguissem um padrão na elaboração das suas demonstrações informando aos acionistas os métodos que foram utilizados e as razões que levaram a adoção do modelo escolhido. O gerenciamento destes resultados consiste na utilização dos ajustes legais com o intuito de direcionar as informações a serem divulgadas, conforme os interesses dos administradores, aumentando ou diminuindo os resultados obtidos de algumas contas nas demonstrações financeiras. Neste sentido, se as empresas não seguem um padrão de ajustes em seus relatórios financeiros os demonstrativos passam a ser vistos como um modelo mais conveniente aos administradores e podem gerar dúvidas nos investidores quanto a real situação da empresa e passam a parecer relatórios distantes da situação ideal para a avaliação dos resultados obtidos pela firma. Esta atitude acaba prejudicando a interpretação e a avaliação das demonstrações contábeis, consequentemente, a mensuração do valor das ações da companhia, pois os acionistas não possuem as mesmas informações que os administradores e as demonstrações contábeis são as suas principais fontes de análise. Neste sentido, estes questionamentos abrem caminho para a realização de uma pesquisa que procure encontrar evidências significativas da manipulação dos demonstrativos obrigatórios por lei, e que mostre se realmente há um controle dos valores que são divulgados ao mercado.

Assim, este trabalho se propôs a fazer uma análise da relação entre os lucros ou prejuízos apurados no demonstrativo de resultado divulgados ano a ano, com o objetivo de encontrar indícios de gerenciamento contábil desta conta através das demonstrações publicadas para os investidores. Este estudo justifica-se como ferramenta de auxílio aos investidores e vai de encontro com as novas propostas estabelecidas e que requerem o maior nível de transparência na divulgação das informações e de ética em termos de governança corporativa. 2. Referencial teórico Healy e Wahlen (1998) definiram gerenciamento de resultados como o uso do julgamento dos administradores nas demonstrações contábeis para alterá-las com o objetivo de iludir algumas das partes interessadas no relatório contábil divulgado pela empresa. Schipper (1989) apresenta o gerenciamento de resultados como uma intervenção no processo de reportar dados financeiros com o objetivo de obter algum ganho particular. Para Martinez (21) o gerenciamento dos resultados não é de forma alguma uma fraude contábil, ou seja, opera-se dentro dos limites do que prescreve a legislação contábil, mas os administradores realizam suas escolhas não em função do que dita a realidade dos negócios, mas visando atender motivação particular e criar artificialmente resultados com propósitos bem definidos, não sendo estes expressar a realidade latente no negócio. Comiskey e Mulford (22) definiram gerenciamento de resultados como a atividade de manipulação dos resultados para um pré determinado alvo, que pode ser definido pela administração, previsão de analistas ou uma quantia que seja mais consistente com uma mais suave e mais sustentável tendência de ganhos. Beneish (21) acredita que o gerenciamento de resultados seja uma espécie de fraude e sustenta seu ponto de vista com a definição de fraude da National Association of Certified Fraud Examiners: uma ou mais ações intencionais para iludir outras pessoas e causá-las perdas financeiras. Dechow & Skinner (2) diferenciam o gerenciamento de resultados de fraude, uma vez que o primeiro é praticado dentro das normas GAAP, enquanto a fraude é praticada mediante violação das práticas contábeis geralmente aceitas. Como pode ser percebido, não há um consenso se o gerenciamento de resultados é ou não uma fraude, contudo, claramente não é algo desejado pelos investidores, pois ao ser praticado, o gerenciamento de resultados, esconde a realidade desejada. Sour (1998) acredita que os empresários e gestores atuais encaram todo dia o velho desafio de Glaucon, irmão de

Platão: se uma pessoa puder mentir, trapacear e roubar, e nunca ser pega, por que deveria ser honesta? Não importa se seja fraude ou não, se seja feita dentro dos princípios contábeis ou não, se pode ser descoberto ou não. O administrador de uma empresa tem obrigação de divulgar os resultados para seus acionistas de forma mais transparente possível, portanto, num ponto, todas as definições estão de acordo: o gerenciamento de resultado é uma manipulação dos dados com objetivo de atender os interesses do administrador, e não dos acionistas de modo geral, portanto, é uma prática altamente reprovada. Burgstahler e Dichev (1997) identificaram que a prática de gerenciamento de resultados para evitar prejuízos anuais ou diminuição nos lucros é comum. Eles estimaram que os administradores, dentre 3% e 44% empresas com pequeno resultado negativo, tomaram ações para transformar o resultado em positivo. Também estimaram que entre 8% e 12% das empresas com pequena queda nos resultados, tiveram modificações nos resultados para provocar uma pequena variação positiva. Figura 1 Histograma de ganhos das observações de Burgstahler e Dichev (1997) A figura 1 é o histograma apresentado na pesquisa de Burgstahler e Dichev (1997) representando a freqüência dos 7.999 retornos observados entre 1976 e 1994 e objeto de análise em busca de evidência da existência de gerenciamento de resultados com o objetivo de evitar a divulgação ao mercado de pequenas perdas. Percebe-se claramente uma alta freqüência de retornos positivos muito baixos e uma baixa freqüência de retornos negativos próximos a zero. Segundo os autores este é um indicativo que as empresas praticam gerenciamento de resultados para eliminar prejuízos quando estes são pequenos.

Trabalhos semelhantes ao de Burgstahler e Dichev (1997) foram realizados em outros países e também foram encontrados indícios de gerenciamento de resultados com o propósito de esconder pequenos prejuízos. Schøler (2) na Dinamarca, Beuselinck, Deloof e Manigart (23) na Bélgica, Suda e Shuto (2) no Japão, Glaum, Lichtblau e Lindemann (24) na Alemanha são alguns destes estudos. No Brasil, Martinez (21) realizou um estudo analisando a distribuição do lucro líquido em relação aos ativos totais da empresa de companhias abertas brasileiras no período entre 199 e 1999. Os resultados então ilustrados na figura 3. Figura 3 Histograma de ganhos/ativos das observações de Martinez (21) Martinez (21) não fez uma análise estatística destes dados para comprovar se as diferenças encontradas eram significativas. Todavia, percebe-se que há um aumento exagerado nos pequenos retornos positivos, sendo esta uma evidência da existência no Brasil de gerenciamento de resultados para evitar a divulgação de pequenas perdas, resultado coerente com os encontrados em demais países. Kahneman e Tversky (1979) na teoria da perspectiva demonstram que ganhos e perdas são avaliadas de forma distinta pelas pessoas e eles propõem uma função valor para ganhos e perdas como a da Figura 2.

Figura 2: Ilustração da Função Valor de Kahneman e Tversky (1979) A função valor de Kahneman e Tversky (1979) é obtida a partir dos desvios em relação a um ponto de referência, nesse caso o valor zero onde não há ganhos ou perdas, sendo, em geral, côncava para ganhos e convexa para perdas e mais íngreme para as perdas do que para os ganhos. A interpretação da função valor permite concluir que o prazer obtido para um determinado ganho é menor que a dor que se sente com a perda do mesmo valor. Estas diferenças envolvendo perdas e ganhos identificadas por Kahneman e Tversky podem justificar o esforço dos administradores em evitar a divulgação de resultados negativos e gerenciar os resultados para transformá-los em positivos. Thaler (1999) considera que as evidências de que empresas praticam o gerenciamento de resultados para evitar divulgar pequenos prejuízos é aparentemente uma indicação de que as empresas acreditam que os acionistas ou potenciais acionistas reagem ao anúncio de resultados de maneira consistente à teoria da perspectiva. Desta forma, as ações de empresas com pequenos prejuízos seriam penalizadas com mais rigor do que as ações de empresas com pequenos lucros. Uma análise racional dos resultados não diferenciaria muito um pequeno prejuízo de um pequeno lucro, ambos os casos a empresa estaria aquém do desejado.

3. Método O objetivo deste trabalho foi o de verificar se as empresas de capital aberto com ações negociadas na BOVESPA praticaram gerenciamento dos resultados contábeis. A amostra utilizada foi extraída do software Economática, sendo composta de todas as empresas com dados disponíveis para a conta patrimônio líquido referentes aos anos de 199 até 24. As empresas com patrimônio líquido negativo foram excluídas da amostra Este período foi escolhido por ser atual, de memória longa, e por possuir níveis de inflação já considerados estáveis, podendo contribuir para a obtenção de resultados robustos e livres das distorções provocadas pelo excesso de inflação dos períodos anteriores. Os dados foram analisados de forma conjunta, numa análise para os 1 anos pesquisados e, posteriormente, segmentados por ano, resultando em 1 novas amostras. A amostra utilizada teve 3398 casos no período analisado, sendo distribuída conforme tabela 1. 2 4 2 3 2 2 2 1 2 199 9 199 8 199 7 199 6 199 Casos 314 319 337 39 37 39 391 341 296 281 Tabela 1 Número de empresas analisadas em cada ano. Foi adotada a metodologia de distribuição de freqüência utilizada por Burgstahler e Dichev (1997) e Martinez (21). Assim, foram analisadas as distribuições de freqüência das relações entre os lucros ou prejuízos divulgados conforme os patrimônios líquidos das empresas. Como teste de significância estatística foi utilizada a estatística τ descrita por Degeorge, Patel, e Zeckhauser (1999) que testa a descontinuidade de uma distribuição empírica. Este modelo supõe que as diferenças na densidade de probabilidade entre dois vizinhos de intervalos próximos no histograma seguem uma distribuição normal aproximada. Os histogramas foram divididos em faixas de 2% em 2%, sendo que foram considerados, para efeito desta pesquisa, como pequenos prejuízos, as perdas de até 2% dos patrimônios líquidos declarados, enquanto que os pequenos lucros foram considerados como sendo os ganhos de até 2% dos patrimônios líquidos. Desta forma, se não houvesse gerenciamento dos resultados, o número de pequenos lucros da amostra total deveria ser próximo à quantidade de pequenos prejuízos. Para as amostras anuais, o número de anos com freqüência de pequenos lucros superior à freqüência de pequenos prejuízos deveria ser próximo ao número de anos em que a relação foi inversa. Assumindo-se, então, a premissa de que as diferenças na densidade de probabilidade entre dois vizinhos de intervalos próximos de um histograma seguem uma distribuição normal aproximada, foi utilizado o teste estatístico abaixo, para captar as diferenças estatísticas:

τ n = p n - MED( p i ) DP( p i ) Onde, p n = densidade de probabilidade do intervalo n menos a densidade de probabilidade de seu vizinho n 1. MED( p i ) = média de p i DP( p i ) = desvio-padrão de p i MED( p i ) e DP( p i ) foram estimados como as médias e desvios-padrão de todas as probabilidades de densidade de dois intervalos vizinhos entre n- e n+, excluindo a diferença n (n-1), utilizando o log( pi) conforme o procedimento de Degeorge, Patel, e Zeckhauser (1999). Para valores acima de 2,1 a diferença é significativa ao nível de 9% e para valores acima de 2,82 a diferença é significativa ao nível de 99%. Vale ressaltar que o teste acima segue, aproximadamente, uma distribuição t-student e que os níveis de decisão escolhidos foram de 1 e %. As hipóteses testadas foram as seguintes: H : Os demonstrativos financeiros, disponíveis aos investidores, das empresas com ações na BOVESPA não sofrem gerenciamento dos resultados. H 1 : Os demonstrativos financeiros, disponíveis aos investidores, das empresas com ações na BOVESPA sofrem gerenciamento dos resultados.

4. Resultados Os resultados obtidos são apresentados nas figuras 4 a 14. A área de lucro e prejuízo está dividida por uma linha vertical. Percebe-se que nos histogramas das distribuições de freqüência das relações entre lucros ou prejuízos divulgados que em nenhum dos 1 períodos analisados a faixa de pequenos prejuízos foi superior à faixa dos pequenos lucros. Histograma - 24 3 2 2 1 1 -,28 -,18 -,8,2,12,22 Histograma - 23 3 2 2 1 1 -,28 -,18 -,8,2,12,22 Figura 4 Resultado do ano fiscal 24 Figura Resultado do ano fiscal 23 Histograma - 22 2 2 1 1 -,28 -,18 -,8,2,12,22 Histograma - 21 3 2 2 1 1 -,28 -,18 -,8,2,12,22 Figura 6 Resultado do ano fiscal 22 Figura 7 Resultado do ano fiscal 21 Histograma - 2 3 3 2 2 1 1 -,28 -,18 -,8,2,12,22 Histograma - 1999 4 3 3 2 2 1 1 -,28 -,18 -,8,2,12,22 Figura 8 Resultado do ano fiscal 2 Figura 9 Resultado do ano fiscal 1999

Histograma - 1998 4 3 3 2 2 1 1 -,28 -,18 -,8,2,12,22 Histograma - 1997 3 3 2 2 1 1 -,28 -,18 -,8,2,12,22 Figura 1 Resultado do ano fiscal 1998 Figura 11 Resultado do ano fiscal 1997 Histograma - 1996 3 2 2 1 1 -,28 -,18 -,8,2,12,22 Histograma - 199 3 3 2 2 1 1 -,28 -,18 -,8,2,12,22 Figura 12 Resultado do ano fiscal 1996 Figura 13 Resultado do ano fiscal 199 Histograma - 199 a 24 3 2 2 1 1 -,28 -,18 -,8,2,12,22 Figura 14 Resultado de todos períodos agrupados

As relações entre as ocorrências de pequenos lucros e pequenos prejuízos são apresentadas na tabela 2. Considerando toda a amostra, o número de ocorrências com pequeno lucro é mais que o dobro das ocorrências com pequeno prejuízo, sendo que a maior diferença ocorreu em 1999 e a menor diferença em 22. Período 199 1996 1997 1998 1999 2 21 22 23 24 todos Relação 2,9 2, 2,46 2,44 3, 1,87 1,3 1,41 2,14 2,71 2,7 Tabela 2 Relação entre ocorrências de pequenos lucros em relação à ocorrência de pequenos prejuízos. Da tabela acima se observa que houve uma maior concentração de resultados positivos próximos à zero em relação aos resultados negativos também próximos à zero em todos os anos analisados, sugerindo que algumas empresas gerenciaram seus resultados com o objetivo de evitar a divulgação de prejuízos. Talvez com o intuito de manter o valor das ações em um patamar desejável de preço. Para aprofundar o conhecimento sobre os dados foi feita uma análise estatística das diferenças encontradas. Os resultados da estatística τ são apresentados na tabela 3. Período 199 1996 1997 1998 1999 2 21 22 23 24 Estatística τ 7,73 4,1 8,36 3, 9,86 4,97 2,2,99 2,61 2,97 Significativo a 99% 99% 99% 99% 99% 99% 9% n.s. 9% 99% Tabela 3 Resultados da Estatística τ Os valores obtidos demonstram claramente que houve uma diferença estatística e significativa entre a freqüência de pequenos lucros e a freqüência de pequenos prejuízos. Em todos os períodos analisados a diferença encontrada foi grande, sendo significativa a 99% em 7 anos, significativa a 9% em 2 anos e somente em 22 a diferença apesar de positiva não foi significativa. Os resultados encontrados sugerem a existência de gerenciamento dos resultados contábeis, pois as diferenças encontradas indicaram uma maior freqüência de pequenos lucros quando comparados com os pequenos prejuízos, sendo significativas em 9 dos 1 anos pesquisados.

. Conclusão Esta pesquisa testou a metodologia de Burgstahler e Dichev (1997) e Martinez (21) para as empresas com ações negociadas na BOVESPA, durante os anos de 199 a 24, para verificar se estas firmas estariam praticando o direcionamento dos resultados contábeis em benefício próprio. As evidências encontradas indicam que diversas empresas praticaram o gerenciamento dos demonstrativos financeiros evitando a publicação de prejuízos, considerando que foram detectados uma baixa freqüência de resultados ligeiramente negativos e uma alta freqüência de resultados pouco superiores a zero em termos de variação do patrimônio líquido. Os resultados obtidos tiveram relevância estatística em 9 dos 1 anos testados, e somente para o ano de 22 os resultados não foram significativos. Os níveis de significância escolhidos variaram de 1 a %, portanto, podem ser considerados robustos e confiáveis. Apesar desta prática não ser coerente com os princípios de transparência desejados pelos investidores e pelos órgãos reguladores, encontra respaldo científico na teoria da perspectiva de Kahneman e Tversky (1979) e sua função valor, que recomenda a prática do gerenciamento de resultados para evitar a divulgação de pequenos prejuízos. A hipótese nula de que os demonstrativos financeiros estavam livres do gerenciamento dos resultados foi rejeitada e os resultados encontrados sugerem que as empresas analisadas realizam esta prática também efetuada em diversos países. Após a realização deste estudo, os autores recomendam a realização de um estudo comparando o desempenho das ações de empresas após a divulgação de pequenos prejuízos com o desempenho das ações de empresas que divulgaram grandes prejuízos. Para verificar se realmente há uma valorização por parte do mercado para as ações das empresas que divulgam grandes perdas patrimoniais. Desta forma, tem-se a certeza de que estes resultados contribuem para a formação de uma literatura financeira voltada para as empresas negociadas na bolsa e geram novos recursos para os investidores efetivarem suas análises sobre os papéis negociados.

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