Eixo temático: Temporalidades en análisis A comunicação inconsciente interpsíquica (paciente/analista) segundo o modelo Bluetooth na psicanálise Descritores: Comunicação, Inconsciente, Intersubjetividade, Premonição, Telepatia Ana Rita Nuti Pontes, Analista Didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto - Brasil. Membro do Comitê de Extensão para a Comunidade (IPA) Coordenadora da Comissão de Convidados Estrangeiros da SBPRP Luciana Marchetti Torrano Psicóloga, mestre e doutora em Psicologia pela FFCL-RP\ USP-RP; Presidente da Associação Brasileira de Candidatos (ABC-BRASIL), Analista em formação da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto - Brasil. mobydick@netsite.com.br lutorrano@terra.com.br
Conexão à distância Numa noite chuvosa, enquanto a analista está guiando na estrada, subitamente lhe vem à mente o rosto de uma paciente. Dias depois, a paciente chega à sessão ferida devido a um acidente de carro que sofrera, sincronicamente ao flash visual da analista. O que aconteceu? Podemos considerar este fato como uma comunicação inconsciente entre a dupla? A psicanálise na perspectiva intersubjetiva considera que o fenômeno mental não pode ser suficientemente compreendido se abordado como entidade que exista unicamente dentro da mente do paciente, mas como um espaço vivo onde a fantasia e a realidade se sobrepõem. Ogden (1994) forjou o conceito de terceiro analítico para tratar desta intersubjetividade, onde o analisando não existe separado da relação com seu analista. Seria possível na prática psicanalítica, concebermos certas funções, conhecidas como telepáticas, envolvendo duas mentes, resultando numa transmissão de pensamentos? È possível, pensarmos que existe uma função mental resultante da comunicação de dois pólos conectados por um vínculo afetivo e modulados na transferência? A partir dos desenvolvimentos do conceito de intersubjetividade na relação analítica, o analista que, inicialmente, acreditava operar numa postura neutra, para isolar o foco no intrapsíquico, hoje assume que faz parte do campo observado. Baranger e Baranger (1961) formularam o conceito de fantasia em termos intersubjetivos, compreendendo analista e analisando como uma unidade,
inseparável que faz parte de um mesmo processo dinâmico. Assim sendo, o campo analítico (intersubjetivo) se constitui no conjunto de estruturas espaciais e temporais que incluem a fantasia inconsciente da dupla. Supomos que quando existe a intersubjetividade, produto do vínculo afetivo, a comunicação inconsciente extrapola o setting formal e ocorre, mesmo fora da sala de análise. Comunicações que extrapolam o setting, nos colocam em uma situação nova, para a qual precisamos desenvolver novas técnicas. A peça fundamental, neste quebra-cabeça, é o olhar do analista. O que denominamos telepatia é conforme sabem, o fato de que um evento, que ocorre em um determinado tempo, aproximadamente no mesmo momento chega à consciência de alguém distante no espaço, desprezando as vias de comunicação conhecidas. Pressupõe-se implicitamente que tal evento interessa a essa pessoa, por quem a outra pessoa (o recebedor da informação) tem um imenso interesse afetivo (...) é um tipo de equivalente psíquico da telegrafia sem fio. (Freud, 1933 pg. 44) Como analogia para pensarmos sobre este tipo de comunicação, poderíamos utilizar o modelo da tecnologia Bluetooth, que é um padrão global de comunicação sem fio que permite a transmissão de dados entre dispositivos compatíveis com a tecnologia. Para isso, uma combinação de hardware e software é utilizada para permitir que essa comunicação ocorra entre os mais diferentes tipos de aparelhos. Para realizar essa tarefa, cada perfil usa opções particulares e parâmetros que precisam funcionar de maneira compatível. A transmissão de dados é feita através de radiofreqüência, permitindo que um dispositivo detecte o
outro, desde que estejam dentro do limite de proximidade (vínculo afetivo). Assim, podemos enviar e receber informações virtuais (inconscientes) abrindo os canais de dois ou mais aparelhos que se conectam; se o aparelho está configurado para receber e aceitar as informações, estas podem ser recebidas, caso contrário a informação se perde. Como no modelo Bluetooth, o que acontece resultando na conexão do nosso aparelho mental ao aparelho mental de nosso paciente, na mesma freqüência para receber e aceitar suas comunicações significativas fora da sala de análise? Simultânea ou antecipadamente? Freud nos informou que o inconsciente se manifesta por meio de sonhos, chistes e atos falhos, e cabe ao psicanalista através da transferência interpretá-lo, e, comunicar ao paciente. O inconsciente se expressa continuamente, já, as formas de apreendê-lo dependem da capacidade do interlocutor (que esteja atento às suas manifestações). Uma condição sine qua non para que ocorra o processo receptivo é que a mente do analista possa ser capaz de ter uma função autoanalítica, permitindo a captação das informações vindas do self. (Bollas,1987). Será que damos atenção ao que não nos parece racionalmente explicável? Existem vários modelos teóricos que buscam compreender tais experiências na relação do analista com o paciente que funciona prioritariamente com a parte psicótica da personalidade, no entanto, interessa-nos pensar sobre tais comunicações, em pacientes que têm o funcionamento mental mais organizado.
Pensamento antecipatório Após três anos de afastamento de uma análise de dois anos, Alice retorna para a análise. Em sua primeira experiência de análise Alice relatava muitas preocupações com um sobrinho drogado. Quando retomou a análise e em sua primeira sessão, ao recebê-la, a analista pensou: Ela voltou à análise para elaborar o luto do sobrinho que morreu!. Este pensamento lhe causou angústia e pesar. Contrariando o pensamento da analista, no decorrer da sessão, ela contou-lhe como o sobrinho estava bem, ela estava cuidando de sua vida. O que aliviou a analista de sua percepção. Um mês após este episódio, o sobrinho de Alice realmente morreu num acidente de carro. Ela precisou então elaborar este luto, como a analista havia pensado inicialmente. Poderíamos chamar este fenômeno de um sentimento antecipatório? Proveniente da intuição, do vínculo afetivo e da atenção flutuante? Qual sua conseqüência na relação analítica? Na relação com Alice, a comunicação inconsciente, em forma do que chamamos aqui de sentimento antecipatório, funcionou como um despertar para sua sensibilidade em perceber o mundo ao seu redor, e o quanto, ela e sua analista, muitas vezes duvidaram de suas percepções! Mas o inconsciente de Alice foi capaz de escutar, o cochicho suicida do sobrinho, que bateu seu carro em alta velocidade. A ressonância deste cochicho angustiou a analisanda, que retomou a análise. Seu cochicho foi ouvido pela analista, que num flash visual o representou simbolicamente pela morte real do sobrinho, em conseqüência a uma morte psíquica já anunciada pela situação de violência e risco. Seriam estas previsões possíveis ou até comuns? A analista teve a sensação de ter tido uma premonição, mas depois percebeu que intuiu uma percepção inconsciente da
sua paciente. Este tipo de comunicação, (Bonaminio 2006) refere-se àquela comunicação inconsciente entre analisando e analista descrita várias vezes por Freud e que é base do trabalho analítico: uma comunicação de inconsciente para inconsciente. O sistema de escuta da psicanálise é essencialmente constituído pelas associações livres do paciente e a atenção flutuante do analista. Será que somos receptivos a esta escuta? O uso da comunicação Bluetooth em análise Diante da questão feita anteriormente, do que fazer com as comunicações inconscientes incomuns, como as que funcionam pelo modelo de Bluetooth, tal qual descrevemos acima: pensamos que estas comunicações devam ser utilizadas em análise como produto da transferência, e, que assim contribuem para o desenvolvimento da relação, ou seja, do espaço interpsíquico, e como conseqüência impulsionam o desenvolvimento intrapsíquico do paciente. Se esta comunicação for interpretada como produto do inconsciente, e as atualizações vividas na transferência, ela é construída da mesma forma que outras comunicações que ocorrem dentro da sala de análise. Precisamos também conectar nosso aparelho mental ao do paciente para aceitar suas informações, recebê-las e decodificá-las. A capacidade de receber as comunicações Bluetooth, depende das trocas na relação, da flexibilidade e a vitalidade da pessoa do analista. O tempo e o espaço e seus limites são absorvidos de maneira muito particular pelo inconsciente atemporal, assim o que ainda iria acontecer com Alice, foi absorvido por seu inconsciente e transmitido ao da analista. O que a analista captou foi a morte que já existia. Se o analista não se deixar tocar e modificar-se a partir do conjunto de experiências que ocorreram dentro e fora da sala de análise, sonhar com elas e assim
aprender; muitos sinais de comunicação deixarão de serem ouvidos e aproveitados. Segundo esta leitura, mesmo a afirmação de Bonaminio (2006): Tudo aquilo que nasce fora deste âmbito eletivo e específico da psicanálise, ou que não é imediatamente utilizável por esse âmbito, está fora do campo psicanalítico, que no início pareceu-nos antagônica às nossas hipóteses, tornou-se coerente, já que fora da sessão de análise, não significa fora do campo analítico, afinal, a ligação transferencial é extra-muro, ou seja, opera todo o tempo em que a relação está viva dentro das duas mentes. Referências Bibliográficas Baranger, M. e Baranger, W. [1961] La situación analítica como campo dinâmico. Rev. Urug. Psicanal. Vol. 4., pp. 3-54 Bateman, A.W. [1998]. Thick and thin-skinned organizations and ennactment in borderline and narcissistics disorders. International Journal of Psychoanalysis, vol. 79 pp. 13-25. Bion, W. R. [1954]. Notas sobre a Teoria da Esquizofrenia. Estudos Psicanalíticos Revisados. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1994. [1959]. Attacks on Linking. International Journal of Psycho-Analysis, 40. [1962]. Learning from experience. London: W. Heinemann. [1977]. Conversando com Bion. Rio de Janeiro: Imago. Bollas, C. [1987] A sombra do objeto. Imago São Paulo, 1992. [1995] Cracking up. Il lavoro dell inconscio. Trad. it., Milano: Cortina, 1996. Bonaminio, V. [1993] Del non interpretare: Alcuni spunti per una rivisitazione del
pensiero di Balint e due frammenti clinici. Rivista di Psicoanalisi, vol. 39, Nº 3, Italia, pp. 453-477. Freud, S. [1900] A interpretação dos Sonhos. E.S.B. vol. 6, Rio de Janeiro, Imago. [1933] Sonhos e ocultismo. E.S.B. vol.22., Rio de Janeiro, Imago. Ogden, T. [1994]. Os Sujeitos da Psicanálise Tradução Claudia Berliner; Casa do Psicólogo, São Paulo, 1996.