Variação Linguística: crenças e diferenças entre teoria e prática dos professores

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Transcrição:

Universidade de Brasília UnB Instituto de Letras IL Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas - LIP. Variação Linguística: crenças e diferenças entre teoria e prática dos professores Márcia Aparecida Carneiro Santana Orientadora: Profa. Dra. Ulisdete Rodrigues de Souza Rodrigues Brasília, Julho de 2014.

Universidade de Brasília UnB Instituto de Letras IL Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas - LIP. Variação Linguística: crenças e diferenças entre teoria e prática dos professores Márcia Aparecida Carneiro Santana 1 O Brasil é um país heterogêneo nos aspectos econômico, cultural e social, o que há de se refletir na variação linguística, que é inerente às línguas. A língua varia em relação ao contexto (formal/informal), ao sexo, à região de origem, à profissão, ao estilo pessoal dos falantes, entre outros fatores. Logo, é necessário que o professor de Língua Portuguesa conheça as diferenças culturais e linguísticas dos alunos para a construção de novos conhecimentos com base na realidade cultural de cada um. O presente ensaio pretende levantar e discutir dados bibliográficos referentes às crenças de professores de Língua Portuguesa. Pretende-se comprovar ou refutar a hipótese de que os professores dessa disciplina, recém-formados, saem da faculdade com sonhos e esperanças de transformação para o ensino da língua, mas com a prática docente seguem as regras da escola. Apesar de terem tido contato com as teorias variacionistas na faculdade, mesmo sabendo que a língua varia e que possui variedades, em sala de aula dão importância (quase) exclusiva ao ensino da norma padrão da língua, relegando a segundo (ou a nenhum) plano as variedades menos prestigiadas. Infelizmente, falta, ainda, em alguns professores a conscientização de que ser professor de língua portuguesa não é o mesmo que ser professor de gramática normativa, e que deve ocorrer o ensino da língua tal como ela funciona de verdade, em toda sua dinamicidade social. Deveriam eles, ainda, ter a clareza de que a norma 1 Graduanda do Curso de Letras Português (licenciatura)

padrão é apenas uma variedade da língua que, em um determinado momento de nossa história, foi escolhida para ser símbolo de poder e de cultura, ou seja, ela é uma imposição social. Como é preconizado na área da Sociolinguística, as diferenças entre a norma padrão, a variedade culta e as variedades populares da língua concentram-se mais na avaliação social a que são submetidas do que nas complexidades de suas gramáticas ou na eficiência comunicativa de cada uma (POSSENTI, 1996). Além disso, é pressuposto pela área em apreço que a língua não é usada de modo homogêneo por todos os seus falantes, pois seu uso varia de época para época, de região para região, de classe social para classe social, e assim por diante. Nem individualmente podemos afirmar que o uso seja uniforme, porque dependendo da situação, uma mesma pessoa pode usar diferentes variedades de uma só forma da língua. Segundo Possenti (1996), a variedade linguística nada mais é do que o reflexo da sociedade, onde, esta (sociedade) possui uma variedade social caracterizando então, o papel dos indivíduos e dividindo-os em grupos, classes. Nesse sentido, e atendendo aos propósitos do presente ensaio, pode-se vincular à noção de variação ao conceito de crenças que, de modo geral, pode ser entendido como o que se acha sobre algo o conhecimento implícito que se carrega, não calcado na investigação sistemática. Já no início do século passado, Dewey (1933, p. 6) se referiu a crença como um conceito que cobre todas as questões sobre as quais não temos um conhecimento certo, mas (...) aceitamos como verdade, como conhecimento, mas que mesmo assim podem vir a ser questionadas no futuro. Para Barcelos (2004, p. 132) as crenças têm suas origens nas experiências e são pessoais, intuitivas e na maioria das vezes implícitas. Dessa forma, as crenças não são apenas conceitos cognitivos, mas são socialmente construídas sobre experiências e problemas, de nossa interação com o contexto e da nossa capacidade de refletir e pensar sobre o que nos cerca. Parte-se da proposta de que crenças e atitudes estão inseridas nos processos educacionais da língua. A escola está a serviço dos interesses dos grupos dominantes dentro de uma sociedade complexa. Conforme Santos (SANTOS, 1996, p.18), para esses grupos é importante à manutenção de sua identidade, e uma das marcas de seu status é a variedade da língua que usam. O referido autor (SANTOS, 1996, p.18) observa que: A escola recebe a missão de fixar e de transmitir essa variedade, ou seja, preservar o valor distintivo dessa variedade da língua e garantir-lhe a continuidade. Isto faz com que a escola assuma compromissos que vão determinar suas crenças e atitudes em relação á língua. A defesa da variedade prestigiada e o combate às outras, ou seja, o aspecto ativo da crença na superioridade da variedade que ensina leva a escola ao conhecido tipo de ensino prescritivo proscritivo. 1

Doravante, será lançado um olhar sobre a relação entre variação linguística e as crenças dos professores na perspectiva de alguns autores e obras que têm versado sobre o tema em diferentes épocas e correntes teóricas. Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) de Língua Portuguesa são fundamentados nas teorias marcadas pelo estudo das regularidades linguísticas, e refletem as mudanças ocorridas na visão do ensino e no papel da escola na sociedade. Servem como apoio teórico aos professores e almejam uma reorientação curricular, de acordo com as novas necessidades tecnológicas, cientificas e culturais. Além de suprir os requisitos acima e abranger demandas já propostas nas leis, é interesse do governo subsidiar os professores com as discussões teóricas atuais. A despeito disso, as práticas de ensino de Língua Portuguesa permanecem ligadas a uma visão tradicional que tem na gramática sua maior aliada, o que, segundo Ilari (1989, p. 19), pode ser consequência da bandeira levantada pela mídia, da correção, da uniformidade e da primazia pelo escrito: Os estudos sobre a formação do português do Brasil mostram que nossa língua sempre esteve cindida entre uma norma lusitanizante e uma norma tipicamente brasileira, e que dessa duplicidade do passado deriva o enorme hiato que hoje separa o português escrito das pessoas letradas e o português efetivamente usado pelo povo. A linguística tem trabalhado no sentido de valorizar os usos reais e de tomar a língua falada pelos educandos como ponto de partida para o aprendizado da língua escrita culta; a mídia tem trabalhado, no mais das vezes, no sentido de estigmatizar as formas populares, aprofundando o hiato. No fogo cruzado entre as duas posições está o professor de português que, honestamente interessado em proporcionar o melhor a seus alunos, hesita entre uma e outra linha de conduta. Promovendo uma extensão dos sentidos propostos por Ilari (1989), é necessário que cada um realize seu papel de acordo com as possibilidades que são oferecidas e faça sua parte da melhor forma possível, buscando a formação intelectual e pessoal de seus alunos, a formação de cidadãos conscientes de sua realidade e que possam agir na sociedade para torna-la mais justa. Esse é um dos princípios dos PCNs. O cenário educacional muitas vezes não é favorável, e o professor, infelizmente, não ocupa um lugar socialmente valorizado, como salienta Antunes (2003): Vale à pena deixar bem claro que, em nenhum momento, deixo de reconhecer a falta de uma politica publica de valorização do trabalho do professor, reduzido, quase sempre á tarefa de dar aulas, sem tempo para ler, para pesquisar, para estudar. Passando e repassando pontos do programa, para depois cobrar no dia da prova no cenário nada convidativo (e muito menos poético) de prédios descorados e tristes: o que significa dizer que o professor não é o único responsável por todos os problemas da escola (p.17). Os professores recém-formados chegam às escolas, sedentos por mudança, por fazer diferente, por colocar em prática tudo aquilo que viram, estudaram, discutiram. 2

Contudo, se deparam com uma realidade diferente, desanimadora. Professores que compreendem as teorias, mas não as aplicam pelas dificuldades que isso impõe; alguns que sequer as conhecem, tiveram ou tem pouco contato com os PCNs, por exemplo; outros que chegam para dar aula sem nenhum planejamento. Aulas basicamente de gramática, em que a língua em uso não ganha espaço, o texto com espaço restrito e, muitas vezes, utilizado apenas como pretexto para uma abordagem gramatical. Para uma mudança na educação, precisamos de bons professores. Profissionais conscientes de seu papel e de sua importância para a sociedade; profissionais reflexivos e que saibam tornar aquilo que ensinam útil e significativo para seus alunos; profissionais capacitados que busquem, sempre, melhorar. Contudo, sabemos que, hoje, nem todas as faculdades e universidades conseguem aliar teoria, prática e reflexão, tanto que muitos dos profissionais que entram no mercado de trabalho acabam seguindo os padrões já estabelecidos. Podemos considerar como agentes dessa realidade a falta de contato com as teorias, ou sua não compreensão, ou ainda a pouca experiência em sala de aula, bem como a ausência de reflexão sobre as condições de trabalho enfrentadas na realidade das escolas. Segundo Guedes (2006, p.26), no caso do professor, isso pode ser muito prejudicial, pois, sem a prática e a reflexão, eles acabam seguindo modelos já conhecidos: Nenhum outro profissional tem uma relação tão precoce, continua e sistemática com seu trabalho e nenhuma outra profissão parece tão ao alcance de todos. Por isso, para o professor, a falta de experiência adquire um sentido diferente: ao chegar à graduação, o aluno de licenciatura já viveu, pelo menos, onze anos de sua vida em contato diário e bastante diversificado com o exercício da profissão que escolheu. Assim, por não praticar aquilo que lhe foi oferecido pela graduação, e por ser jogado na sala de aula, como qualquer outro professor já experiente, o recém-formado acaba seguindo os modelos já conhecidos, aqueles que lhe acompanharam por toda sua vida de estudante. Isso ocasiona a contínua reprodução desses modelos. Segundo Ilari, o jovem professor ao chegar à escola teria a oportunidade de escolher que caminhos seguir, que práticas pedagógicas utilizar, contudo, muitas vezes a escola, e a própria sociedade (pais, alunos, colegas, etc.) impõem outra realidade. Como, em geral o jovem professor traz da universidade uma quantidade de conhecimentos desconexos cuja relevância pedagógica é no mínimo obscura (cf. ILARI & BASSO, 2003, p. 229), ele acaba seguindo as práticas vigentes. Isso, para os autores em foco (ILARI & BASSO, 2004, p. 234), cria um movimento circular: A escola passa á sociedade a ideia de que escrever bem é escrever correto, num movimento circular que é raramente quebrado. Neste círculo, o professor aparece como instancia que detém o conhecimento das formas corretas, e isso o investe de autoridade do ponto de vista social. 3

Para escrever correto, segundo o pressuposto do senso comum, é preciso dominar a norma culta. Por esse motivo o ensino de língua materna nos parece pesado, ineficaz e carregado de gramática, pois a gramática tradicional é o meio preferencial de a escola trabalhar a norma culta. Os recém-formados, por não encontrarem um ambiente propicio para aplicação das teorias aprendidas na graduação, acabam, também, se utilizando desse método (ILARI & BASSO, 2003). Como afirma Guedes (2006), é a experiência em sala de aula que pode dar ao professor condições de tomar distância desses modelos ineficazes, à medida que seu fazer pedagógico vá constituindo sua concepção de estrutura da matéria e seus procedimentos didáticos. Os PCNs de Língua Portuguesa se baseiam nos usos da língua. Os alunos devem conseguir utilizá-la em suas diferentes modalidades e em diversas situações. Esse processo deve ser gradual, sempre partindo daquilo que já é de domínio dos alunos para aquilo que é novo. Para isso o professor deve utilizar o texto, oral e escrito. Todas as atividades devem ser centradas nele e é a partir dos textos que as questões gramaticais devem ser trabalhadas. Além disso, o ensino deve ser contextualizado, na medida do possível, com atividades que sejam significativas para os alunos. Feitas essas considerações, é importante ressaltar que, no desenvolvimento deste presente estudo, com o objetivo de tentar identificar as teorias que norteiam o trabalho dos professores, suas crenças sobre diferença entre teoria e prática no que tange a variação linguística foram propostas três questões para uma entrevista informal. Os questionamentos foram feitos para três colegas professores de Língua Portuguesa que estão atuando em sala de aula, tendo concluído sua graduação há aproximadamente dois anos. Foram estas, as questões: 1- Em sua opinião, quais são os objetivos do ensino de língua portuguesa? E qual o papel do professor de língua portuguesa? 2- Qual é o ponto de partida para seu trabalho em sala de aula, o texto ou a gramática? Por quê? 3- Qual a sua posição em relação ao ensino da variação linguística, como trabalha isso em sala de aula? No tocante à primeira questão, houve consenso a respeito dos objetivos do ensino de Língua Portuguesa. Os professores entrevistados reconhecem que ler, escrever e compreender são primordiais para o ensino. Falam que desenvolver as competências de compreensão e expressão dos alunos é o seu papel como professor, mas chamam a atenção para a não legitimação da variação linguística em sala de aula, difundida e estabelecida no meio acadêmico, e ainda não reconhecida e trabalhada na escola, o que fica evidenciado pelas noções de correção e erro desses colegas. Eles consideram que trabalham com o texto, mas o texto aparece isolado em uma atividade de produção textual, ou simples pretexto para trabalhar regras gramaticais. Isso pode estar ligado à questão do nosso imaginário, de que ensinar português é ensinar gramática. Esses professores reconhecem que a variação deve ser trabalhada, porém afirmam ser uma questão complicada porque os alunos têm dificuldade em entender esse fenômeno 4

linguístico. Apesar de não trabalharem com a variação, acreditam que os alunos conseguem perceber as diferenças e não precisam fazer um trabalho especificamente sobre o tema. No entanto, é sabido que não basta ensinar a língua padrão, é preciso revelar ao aluno tudo que está por trás dessa variante de prestígio. É papel da escola mostrar ao aluno que ele não fala errado, acabar com a crença de que o brasileiro não sabe falar o Português. Infelizmente, esses colegas, ainda, trazem a ideia, reforçada pela gramática tradicional, do certo e do errado, não validam as variantes trazidas pelos alunos, utilizando-se de certo para linguagem culta e errado para a variante que o aluno traz. Relativamente às respostas dadas à segunda questão, quando questionados sobre a relação teoria e prática, os professores entrevistados tenderam a distanciar as duas. Um colega, inclusive, utiliza-se da frase teoria é teoria, prática é prática, na faculdade você aprende muita teoria, mas quando entra em sala de aula, prática é outra coisa, é totalmente diferente. Os entrevistados foram uníssonos em firmar que há um distanciamento muito grande do que é feito em sala de aula para o que está nas teorias linguísticas ou, até mesmo, nos PCNs de Língua Portuguesa. Segundo esses professores, só se aprende a dar aula mesmo quando se entra em sala de aula e, efetivamente, ministrando aulas. Disseram ainda que nem sempre se pode aplicar tudo que se aprende de teoria na prática. Nesse discurso de distanciamento entre teoria e prática, enfatizam que a prática está sendo adquirida com o tempo (no caso deles). Sobre esse assunto, defende-se, aqui, que a prática é fundamental para o professor, assim como para outros profissionais, mas, no entanto, não se pode esperar sair da Universidade com um manual de como ministrar aulas ou totalmente preparado para a atuação em sala de aula, porque será o dia-a-dia que nos capacitará; cada dia trazendo uma nova experiência, mostrando o que melhor se aplica em cada vivência. Porém é importante destacar que tanto teoria quanto prática são imprescindíveis á formação do professor. Este deve continuar se capacitando, buscando formas de adaptação da teoria a sua realidade prática. Teoria e prática precisam estar caminhando lado a lado, uma deve estar aliada á outra, pois, são fundamentais para a ação educativa. Já no que diz respeito à terceira questão, os entrevistados declararam achar, sim, importante o ensino da variação linguística. Demonstraram, por suas falas, que conhecem a teoria, mas, na segunda parte da questão, no tocante ao trabalho da variação em sala de aula, mostraram-se receosos em dar respostas que os comprometesse. Inicialmente, disseram que, na medida do possível. Conseguem trabalhar a variação em sala de aula, mas, quando questionados sobre como as atividades eram propostas, iniciaram um discurso de que. muitas vezes. era difícil passar (o conteúdo) para os alunos sobre variação porque estes ficavam confusos e tinham dificuldades em entender as explicações. Quando perguntados se buscavam descobrir que dificuldades eram essas, deram respostas evasivas. Nesse momento deixaram escapar certa preocupação 5

com o cumprimento do conteúdo programático proposto pelo currículo. Apesar de ser uma entrevista informal, havia receio, por parte dos entrevistados, em demonstrar despreparo no exercício da sua atividade pedagógica. Para melhor investigação da questão três seria necessário uma observação das aulas desses professores, o que não foi possível nesta pesquisa, mas. pode constituir-se num tema para trabalho(s) futuro(s). Os professores apóiam-se na ideia de que devem corrigir os erros cometidos por seus alunos, de que pessoas sem escolaridade falam errado e de que quem não sabe gramática não sabe escrever. O professor de português precisa mostrar aos alunos que a língua, por ser diversificada, comporta muitos registros, necessários a seu uso efetivo em função das várias situações nas quais é empregada. No universo escolar, conforme Santos (1996, p. 20), o ideal de unidade pode levar á legitimação de uma variedade da língua, á estigmatização de todas as demais e á crença na necessidade de eliminar as variedades estigmatizadas. Santos (1996) acredita que a crença de que a variedade padrão é a ideal e a única correta explica outras crenças de alunos e professores, como a de o português é uma língua muito difícil. Todavia, considere-se a opinião de Santos (1996, p. 80): O ambiente escolar é, dentro da comunidade, um ambiente muito especial, onde a apresentação e a discussão dos fatos da língua criam condições extremamente favoráveis para julgamentos conscientes das variantes. Em linhas finais, defende-se neste ensaio que é Importante dar suporte para os professores avaliarem e reavaliarem o seu trabalho docente, buscar a valorização do profissional para motivá-los a mudança, a aproximação entre teoria e prática para que percebam que existem outras maneiras de ensinar, que a educação não é apenas ensinar conteúdos. Discutir e pensar a respeito de questões de língua e de educação é muito importante para a construção de um bom profissional, e para uma consequente mudança nas práticas de ensino, que refletirão diretamente em uma melhor qualidade da educação. 6

Referências Bibliográficas: ANTUNES, I. Aula de Português: Encontro e Interação. 2. ed. Parábola, 2003. BARCELOS, A. M. F. Crenças sobre aprendizagem de línguas, Linguística aplicada e ensino de línguas. Linguagem & Ensino, 2004. BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental. PCN: Língua Portuguesa. Brasília, Ministério da Educação, 1998. DEWEY, J. How we think. Boston: D.C. Heath. 1933/1985. GUEDES, P. C. A formação do professor de Português: que língua vamos ensinar? 2. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. ILARI, R. Linguística e Ensino da Língua Portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 1989. ILARI, Rodolfo; BASSO, Renato. O português da gente a língua que estudamos a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2003. POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas, Mercado das Letras. 1996. SANTOS, Emmanoel. Certo ou errado? Atitudes e crenças no ensino da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Graphia, 1996. 7