4ª Jornada Científica e Tecnológica e 1º Simpósio de Pós-Graduação do IFSULDEMINAS 16, 17 e 18 de outubro de 2012, Muzambinho MG Arte na Cidade: O Discurso do Grafite na Arte dos Irmãos Pandolfo Ellissa Castro Caixeta de Azevedo 1 1 Universidade do Vale do Sapucaí UNIVÁS Mestrado em Ciências da Linguagem, Pouso Alegre, MG, ellissacastro@yahoo.com.br Introdução A escrita é integrante da história e uma forma de expressão humana feita através de registros e de informações dos povos ao longo da trajetória da Humanidade. De acordo com Orlandi (2004), a escrita é parte de nossa história e, portanto, sujeita às diferentes formas de significar a relação do homem com a linguagem. As primeiras tentativas de se criar um sistema de escrita ocorreram por volta de 4.000 a.c. e não foram atribuídas a apenas uma sociedade. Em épocas bem próximas, civilizações mesopotâmicas, egípcias e chinesas começaram a desenvolver seus sistemas de representação gráfica. Os primeiros vestígios de inscrições encontradas por estudiosos e historiadores eram desenhos que procuravam reproduzir de uma forma simplificada algum tipo de conceito ou de objeto a ser representado. Com o passar do tempo, houve pelo sistema de escrita, um ganho de complexidade e de multiplicidade de símbolos, principalmente quando esses passaram a representar os sons. Os equipamentos utilizados para a escrita nos primórdios eram a terra vermelha, o carvão, e os pigmentos amarelos (retirados também da terra), recentemente os sprays e tintas. Os locais dessas inscrições eram as paredes das cavernas, depois migraram para os muros, casas e espaços públicos. Atualmente a escrita tem diferentes formas de significar-se e de acordo com Orlandi (2004), dependendo das condições materiais em que se realiza e dos modos como se institucionaliza, resulta em diversas maneiras de promover a individualização dos sujeitos. É no espaço urbano dominado pela mídia e pelas novas tecnologias da linguagem que procuraremos pensar a escrita hoje. Ainda conforme Orlandi (2004), há no espaço urbano novas formas de se escrever/grafar/inscrever-se e neste espaço ela situa o sujeito e seus modos de significar (-se), identificar-se, individualizar-se. A arte inscrita em muros em branco e pelas cidades é o grafite que de acordo com Houaiss (2001) quer dizer: Desenho, inscrição, assinatura ou afim, feito com tinta,
geralmente de spray, feito em muros, paredes e outras superfícies urbanas. Igual a grafito. O grafite é hoje um desenho/escrita que invade os espaços públicos em uma linguagem que revela como esse espaço de significação se organiza. E o artista inscreve-se através desse espaço e faz dele um espaço social e de vida. Neste sentido procuramos pensar acerca dos textos que circulam atualmente na sociedade e especificamente no espaço urbano. Assim é de grande relevo buscar entender o grafite na rua enquanto uma prática simbólica que nos remete a questões sobre os sentidos da cidade e a identidade do sujeito-grafiteiro. Material e Métodos Este trabalho, objetiva através de uma pesquisa bibliográfica, servir de embasamento teórico para a dissertação e demonstrar a importância do grafite como fonte de produção dos sentidos e a sua transversalidade no que tange às práticas sociais enquanto discurso do sujeitografiteiro no espaço urbano e ainda demonstrar através de duas obras dos irmãos Pandolfo (Os Gêmeos) a produção da memória e os silenciamentos da história. O trabalho será feito em forma de uma pesquisa qualitativa através da busca de dados descritivos que através do contato direto entre pesquisador e objeto de estudo (Grafite) se possa procurar entender de que forma se insere o grafite e as suas peculiaridades na sociedade hoje.
FIGURA 1. Grafite dos irmãos Pandolfo (OSGEMEOS) Extraídas de: Fonte: http://osgemeos.com.br/index.php/blog/arquivo/city-of-the-lost-childrens/ - Acesso em 27/06/2012. Bandeira ultrajada? Interessa aqui analisar discursivamente uma imagem de grafite dos irmãos Pandolfo que está publicada na sua página na internet, refletindo como a voz dos Pandolfo faz falar efeitos de sentidos muitas vezes apagados ou silenciados na sua página da internet ou em observações do público ao trabalho. A obra já instala um código à medida que é precedida por um enunciado em inglês, além de uma criança com uma panela vazia, uma bandeira brasileira ao fundo, já sobreposta por inscrições (pichos) e um morador de rua acompanhado de um cão. Sustentados por uma memória discursiva, podemos colocar a bandeira brasileira como um símbolo de autoridade, de um revestimento de poder, no grafite em pauta, a bandeira aparece longe de um lugar social de poder, mas é fundo de uma imagem da criança de panela vazia em punho e de um cidadão sentado a frente com seu cão. Além de estar descorada, a bandeira tem sobre si alguns pichos, e isso diz muito, porque esse símbolo da República Federativa do Brasil aparece na imagem como um fruto de descaso ao permitir que ele descore, apague, se esvaia, e que ainda seja sobreposto por inscrições que denigrem, (en)cobrem parcialmente sua exposição. É também necessário, quando falamos da bandeira nacional na imagem 1, falar sobre a inscrição Ordem e Progresso, sendo que o O da palavra Ordem é sobreposto pela cabeça do menino, será um sentido de ordem focado em uma sociedade organizada, preparada? E o sentido de progresso voltado para o desenvolvimento? Inscrições estas sobrepostas por índices de retrocesso e de desordem como a fome (transparecida no ato de se mostrar a panela vazia), a desnutrição (caracterizada na criança com índices de desnutrição, com pernas muito finas e barriga grande) e a imagem viva (de um morador de rua com um rosto característico de desânimo e seu cão sentado em frente ao grafite dos Pandolfo). Grigoletto (2003, p.43) especifica que a linguagem é sempre intencional, sendo o lugar privilegiado de manifestações da ideologia Nota-se que, através da experiência imagética, que a criança com a panela vazia na mão, em frente à bandeira do Brasil renegocia sentidos da memória discursiva já dada em um outro contexto longe de que o Brasil é um local de Ordem e Progresso. Ratificado pelo picho que sobrepõe a bandeira brasileira ou ainda pelo enunciado em Língua Inglesa que precede a
imagem. A panela vazia contrasta com um país (representado ao fundo) que lança programas sociais para o suprimento de necessidades básicas da população. A frase que antecede o grafite City of the lost Children s Cidade das crianças perdidas, chama-nos atenção por estar em Língua Inglesa, mas as palavras empregadas no cabeçalho em inglês não são os principais aspectos a serem considerados, porque na realidade, o contexto que elas fazem parte é o mais importante, é a situação que é sustentada por aqueles que a empregam (o site dos gêmeos), que mudam de sentido de acordo com a formação discursiva.de acordo com Orlandi (2002, p. 16), pode-se dizer que os sentidos não estão nas palavras elas mesmas. Estão aquém e além delas. O enunciado chama atenção pelo contraste inglês-problemas brasileiros (fome, desnutrição, abandono, descaso, picho, dentre outros). Mas ainda assim o título traduzido traz uma implicância de que o Brasil apresentado no grafite dos Pandolfo em questão, é um lugar de crianças perdidas, perdidas aqui podemos considerar vários efeito de sentidos de serem crianças que serão desorientadas, que perdem o caminho ou ainda, que desperdiçam, ficam sem a posse. Ainda segundo nos diz Orlandi (2002, p.16), palavras iguais podem significar diferentemente porque se inscrevem em formações discursivas diferentes. Diante do local em que se encontra em uma parede qualquer de um local público simples, demonstra um mecanismo de naturalização propiciado pela ideologia. Observar o grafite em si e a frase, faz com que os movimentos dos sentidos sejam retomados, deslocados e rompidos e nos demonstra que a linguagem é afetada pela historicidade e os efeitos de sentidos migram quando se observa: a frase, o dizer Ordem e Progresso, os pichos que sobrepõem a bandeira, a figura da criança sem ter o que comer, o morador de rua e etc. Assim podemos concluir que a memória sustenta atos de linguagem e a circulação dos dizeres nessa obra, dialoga com sentidos já-ditos em outros contextos sócio-históricos. Segundo Orlandi (2002), não há uma verdade oculta atrás do texto e sim, gestos de interpretação que o constituem e que o analista, com seu dispositivo, deve ser capaz de compreender. Conclusões Este trabalho permitiu concluir que o grafite é muito além de uma forma de expressão artística, mas uma arte urbana que traz consigo além da cultura, do folclore e de belas intervenções urbanas, discursos que por vezes são silenciados, nos demonstrando que a Análise do Discurso não procura o que este texto (ou imagem) quer dizer mas sim, sabendo da opacidade da linguagem ela procura como este texto (imagem) significa.
Para Orlandi (1999, p.26 e 27), a AD visa a compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está revestido de significância para e por sujeitos [...] Referências Bibliográficas ALTHUSSER, L. Aparelhos Ideológicos do Estado. Rio de Janeiro: Edições GRAAL LTDA., 2001. GRIGOLETTO, E. Sob o rótulo do novo, a presença do velho: análise do funcionamento da repetição e das relações divino/temporal no discurso da Renovação Carismática Católica. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003. GITAHY, Celso. O que é Graffiti. São Paulo: Brasiliense, 2008. GUILHAUMOU, J. MALDIDIER, D. Efeitos do arquivo. A análise do discurso no lado da História. In: Gestos de leitura. Da História no Discurso. Campinas. Editora da UNICAMP, 1994. HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001. ORLANDI, Eni Pulcinelli. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 4.ed. Campinas: Pontes, 1996.. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 4. ed. Campinas: Unicamp,1997. (org.). Cidade Atravessada. Os sentidos Públicos no Espaço Urbano. Campinas: Pontes, 2001 a.. Discurso e Texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas: Pontes, 2001 b. (org.). Para uma enciclopédia da cidade. Campinas: Pontes, LABEURB/Unicamp, 2003.. Metáforas da Letra: Escrita, Grafismo. Cidade dos Sentidos. Campinas: Pontes, 2004.. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 7.ed. Campinas: Pontes, 2007.. Discurso e Leitura. 8.ed. São Paulo: Cortez, 2008.. Análise de Discurso: Michel Pechêux. 2.ed.Campinas:Pontes, 2011.