TEXTOS PARADIDÁTICOS. Literatura - 3 Ano Mauricio Neves

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Transcrição:

TEXTOS PARADIDÁTICOS Literatura - 3 Ano Mauricio Neves Unidade I

*(FUTURISMO)* ODE TRIUNFAL À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica Tenho febre e escrevo. Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos. Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno! Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! Em fúria fora e dentro de mim, Por todos os meus nervos dissecados fora, Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, De vos ouvir demasiadamente de perto, E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso De expressão de todas as minhas sensações, Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas! (...) Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo, Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje? Tudo isso apaga tudo, salvo o Momento, O Momento de tronco nu e quente como um fogueiro, O Momento estridentemente ruidoso e mecânico, O Momento dinâmico passagem de todas as bacantes Do ferro e do bronze e da bebedeira dos metais. Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora do jantar, Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos, Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar, Engenhos brocas, máquinas rotativas! Eia! eia! eia! Eia electricidade, nervos doentes da Matéria! Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do Inconsciente! Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez! Eia todo o passado dentro do presente! Eia todo o futuro já dentro de nós! eia! Eia! eia! eia! Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita! Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô! Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me. Engatam-me em todos os comboios. Içam-me em todos os cais. Giro dentro das hélices de todos os navios. Eia! eia-hô! eia! Eia! sou o calor mecânico e a electricidade! (...) Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá! Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá! Hé-la! He-hô! H-o-o-o-o! Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z! Ah não ser eu toda a gente e toda a parte! Londres, 1914 - Junho. (FERNADO PESSOA)

Ode ao Burguês Eu insulto o burgês! O burguês-níquel, o burguês-burguês! A digestão bem feita de São Paulo! O homem-curva! o homem-nádegas! O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, é sempre um cauteloso pouco-a-pouco! Eu insulto as aristocracias cautelosas! os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros! que vivem dentro de muros sem pulos, e gemem sangues de alguns mil-réis fracos para dizerem que as filhas da senhora falam o francês e tocam os Printemps com as unhas! Eu insulto o burguês-funesto! O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições! Fora os que algarismam os amanhãs! Olha a vida dos nossos setembros! Fará Sol? Choverá? Arlequinal! Mas à chuva dos rosais o êxtase fará sempre Sol! Morte à gordura! Morte às adiposidades cerebrais Morte ao burguês-mensal! ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi! Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano! _ Ai, filha, que te darei pelos teus anos? _ Um colar _ Conto e quinhentos!!! Mas nós morremos de fome! Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma! Oh! purée de batatas morais! Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas! Ódio aos temperamentos regulares! Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia! Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados! Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos, sempiternamente as mesmices convencionais! De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia! Dois a dois! Primeira posição! Marcha! Todos para a Central do meu rancor inebriante! Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio! Morte ao burguês de giolhos, cheirando religião e que não crê em Deus! Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico! Ódio fundamento, sem perdão! Fora! Fu! Fora o bom burguês! (Mário de Andrade)

*(CUBISMO)* Poema de Sete Faces Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos. O bonde passa cheio de pernas: pernas brancas pretas amarelas. Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. (Carlos Drummond de Andrade) *(EXPRESSIONISMO)* A noite A nebulosidade ameaçadora Tolda o éter, mancha a gleba, agride os rios E urde amplas teias de carvões sombrios No ar que álacre e radiante, há instantes, fora. A água transubstancia-se. A onda estoura Na negridão do oceano e entre os navios Troa bárbara zoada de ais bravios, Extraordinariamente atordoadora. A custódia do anímico registro A planetária escuridão se anexa... Somente, iguais a espiões que acordam cedo, Ficam brilhando com fulgor sinistro Dentro da treva omnímoda e complexa Os olhos fundos dos que estão com medo! (AUGUTO DOS ANJOS)

*(DADAÍSMO)* Poema dadaísta Pegue um jornal. Pegue a tesoura. Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema. Recorte o artigo. Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo e meta-as num saco. Agite suavemente. Tire em seguida cada pedaço um após o outro. Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco. O poema se parecerá com você. E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público. (Tristan Tzara) *(SURREALISMO)* As realidades Era uma vez uma realidade com suas ovelhas de lã real a filha do rei passou por ali E as ovelhas baliam que linda que está a re a re a realidade. Na noite era uma vez uma realidade que sofria de insônia Então chegava a madrinha fada e realmente levava-a pela mão a re a re a realidade. No trono havia uma vez um velho rei que se aborrecia e pela noite perdia o seu manto e por rainha puseram-lhe ao lado a re a re a realidade. CAUDA: dade dade a reali dade dade a realidade A real a real idade idade dá a reali ali a re a realidade era uma vez a REALIDADE. (Louis Aragon)

A UNIÃO LIVRE Minha mulher com o cabelo de fogo de lenha Com pensamentos de relâmpagos de calor De talhe de ampulheta Minha mulher com a talhe de lontra entre os dentes de tigre Minha mulher com a boca de roseta e de buquê de estrelas de última grandeza Com dentes de rastro de camundongo sobre a terra branca Com língua de âmbar e de vidro em atritos Minha mulher com língua de hóstia apunhalada Com a língua de boneca que abre e fecha os olhos Com a língua de inacreditável pedra Minha mulher com cílios de lápis de cor das crianças Com sobrancelhas de borda de ninho de andorinha Minha mulher com têmporas de ardósia de teto de estufa E de vapor nos vidros Minha mulher com espáduas de champanhe E de fonte com cabeças de delfins sob o gelo Minha mulher com pulsos de fósforos Minha mulher com dedos de acaso e de ás de copas De dedos de feno ceifado Minha mulher com axilas de marta e de faia De noite de São João De ligustro e de ninho de carás Com braços de espuma de mar e de eclusa E de mistura do trigo e do moinho Minha mulher com pernas de foguete Com movimentos de relojoaria e de desespero Minha mulher com panturrilhas de polpa de sabugueiro Minha mulher com pés de iniciais Com pés de chaveiros com pés de calafates que bebem Minha mulher com pescoço de cevada perolada Minha mulher com a garganta de Vale d Ouro De encontro no leito mesmo da torrente Com seios de noite Minha mulher com seios de toupeira marinha Minha mulher com seios de crisol de rubis Com seios de espectro da rosa sob o orvalho Minha mulher com ventre de desdobra de leque dos dias Com ventre de garra gigante Minha mulher com dorso de pássaro que foge vertical Com dorso de mercúrio Com dorso de luz Com a nuca de pedra rolada e de giz molhado E de queda de um copo do qual se acaba de beber Minha mulher com ancas de chalupa Com ancas de lustre e de penas de flecha E de caule de plumas de pavão branco De balança insensível Minha mulher com nádegas de arenito e de amianto Minha mulher com nádegas de dorso de cisne Minha mulher com nádegas de primavera Com sexo de gladíolo Minha mulher com sexo de mina de ouro e de ornitorrinco Minha mulher com sexo de algas e de bombons antigos Minha mulher com sexo de espelho Minha mulher com olhos cheios de lágrimas Com olhos de panóplia violeta e de agulha magnetizada Minha mulher com olhos de savana Minha mulher com olhos d água para beber na prisão Minha mulher com olhos de madeira sempre sob o machado Com olhos de nível d água de nível do ar de terra e de fogo.

Clair de terre, 1931. (ANDRÉ BRETON) Tradução: Priscila Manhães e Carlos Eduardo Ortolan * André Breton (1896-1966), poeta e escritor francês. Foi um dos principais nomes da vanguarda francesa no início do século, tendo publicado, em 1924, o famoso Manifesto do Surrealismo, e lançado a revista Littérature. Breton, que estudou medicina e trabalhou num centro psiquiátrico, conhecia o pensamento de Freud e interessou-se pela arte primitiva ou ingênua dos loucos, das crianças e dos povos africanos. Entusiasmou-se pelos poetas malditos, como Edgar Allan Poe, Rimbaud e Lautréamont, e via a arte como uma experiência próxima ao sonho, à loucura, à aventura e à vivência mística, e distante das instituições e dos preconceitos do mundo burguês. Breton desenvolveu um método de criação chamado escrita automática, ou automatismo psíquico, pelo qual o escritor coloca no papel as frases e palavras ditadas por seu inconsciente, de maneira livre, espontânea, sem intervenção do intelecto. Esse sistema irá marcar toda a poesia surrealista, e mais tarde, nos anos 50, teve reflexos na escritura beat (e, no Brasil, na poesia de Roberto Piva e Claudio Willer). Mais tarde, o autor engajou-se no socialismo revolucionário, criando com Trotsky e Diego Rivera a Federação Internacional dos Artistas Revololucionários Independentes (FIARI). Entre as obras principais de Breton estão Nadja (1928), Clair de Terre (1930), L Union Libre (1931), L air de l Eau (1934) e L Amour Fou (1937). No Brasil, foram traduzidos os Manifestos do Surrealismo e o romance Arcano 17 (1947). MODERNISTAS Canto de regresso à pátria Minha terra tem palmares Onde gorjeia o mar Os passarinhos daqui Não cantam como os de lá Minha terra tem mais rosas E quase que mais amores Minha terra tem mais ouro Minha terra tem mais terra Ouro terra amor e rosas Eu quero tudo de lá Não permita Deus que eu morra Sem que volte para lá Não permita Deus que eu morra Sem que volte pra São Paulo Sem que veja a Rua 15 E o progresso de São Paulo. (Oswald de Andrade)

Pronominais Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro (Oswald de Andrade) Vício na fala Para dizerem milho dizem mio Para melhor dizem mió Para pior pió Para telha dizem teia Para telhado dizem teiado E vão fazendo telhados (Oswald de Andrade) Descobrimento Abancado à escrivaninha em São Paulo Na minha casa da rua Lopes Chaves De supetão senti um friúme por dentro. Fiquei trêmulo, muito comovido Com o livro palerma olhando pra mim. Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus! muito longe de mim Na escuridão ativa da noite que caiu Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos, Depois de fazer uma pele com a borracha do dia, Faz pouco se deitou, está dormindo. Esse homem é brasileiro que nem eu. (Mário de Andrade)

Porquinho-da-Índia POEMAS DE MANUEL BANDEIRA Quando eu tinha seis anos Ganhei um porquinho-da-índia. Que dor de coração me dava Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão! Levava ele prá sala Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos Ele não gostava: Queria era estar debaixo do fogão. Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada. A estrela Vi uma estrela tão alta, Vi uma estrela tão fria! Vi uma estrela luzindo Na minha vida vazia. Era uma estrela tão alta! Era uma estrela tão fria! Era uma estrela sozinha Luzindo no fim do dia. Por que da sua distância Para a minha companhia Não baixava aquela estrela? Por que tão alta luzia? E ouvi-a na sombra funda Responder que assim fazia Para dar uma esperança Mais triste ao fim do meu dia. Poema tirado de uma notícia de jornal João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

Desencanto Eu faço versos como quem chora De desalento de desencanto Fecha o meu livro, se por agora Não tens motivo nenhum de pranto. Meu verso é sangue. Volúpia ardente Tristeza esparsa remorso vão Dói-me nas veias. Amargo e quente, Cai, gota a gota, do coração. E nestes versos de angústia rouca, Assim dos lábios a vida corre, Deixando um acre sabor na boca. - Eu faço versos como quem morre. Pneumotórax Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Tosse, tosse, tosse. Mandou chamar o médico: Diga trinta e três. Trinta e três trinta e três trinta e três Respire. O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino. Consoada Quando a Indesejada das gentes chegar (Não sei se dura ou caroável), Talvez eu tenha medo. Talvez sorria, ou diga: - Alô, iniludível! O meu dia foi bom, pode a noite descer. (A noite com os seus sortilégios.) Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, A mesa posta, Com cada coisa em seu lugar. O Último Poema Assim eu quereria meu último poema Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.