AÇÃO nº 2008.70.59.000660-6 AUTORA: MIRIELY FERREIRA RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL CLASSIFICAÇÃO DA SENTENÇA: TIPO A S E N T E N Ç A Dispensado o relatório pelo art. 38 da Lei nº 9.099/95, c/c art. 1º da Lei nº 10.259/2001. 1. FUNDAMENTAÇÃO A parte autora ajuizou a presente ação com o fim de obter a concessão do benefício de auxílio-doença, seguido de benefício de salário maternidade. Informa que devido ao alto risco de sua gravidez, por força de hemorragia de início de gravidez com cólicas nefréticas e descolamento coriônico (placenta), teve de se afastar do trabalho antes do previsto. Todavia, tanto o requerimento de auxílio-doença (DER: 18/10/2006) quanto de salário-maternidade (DER: 27/06/2007) foram indeferidos, o primeiro ao fundamento de que a data de início da incapacidade seria anterior ao reingresso e o segundo pela perda da qualidade de segurada. -Do benefício de auxílio-doença Para que a segurada faça jus ao benefício pretendido, devem estar preenchidos os requisitos previstos no artigo 59 da Lei 8.213/91, que dispõe: O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos (sem grifos no original). Da mesma forma, com relação à aposentadoria por invalidez, prescreve o artigo 42 da mesma Lei: A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição (grifos aditados) No caso em análise a incapacidade da autora não é controvertida. A perícia médica do INSS reconheceu em 22/11/2006 que a autora apresentava 1
incapacidade devido problemas anormais da concepção, fixando a data de início da incapacidade em 11/10/2006, com previsão de cessação em 30/05/2007 (evento 16, documento 02). No mesmo sentido, o perito judicial concluiu em seu laudo que a autora apresentou incapacidade devido descolamento coriônico ocorrido em 09/10/2006, circunstância que exigiu repouso absoluto até a data do parto (evento 11). Assim, quanto aos contornos da incapacidade, encontram-se definidos pelas duas avaliações realizadas, demonstrando que desde outubro de 2006 até o parto, em 15/05/2007, a autora estava incapaz ao exercício de qualquer atividade laborativa. Porém, a controvérsia diz respeito aos demais requisitos, quais sejam, a qualidade de segurada e carência. No tocante a qualidade de segurada, discute-se especificamente o reconhecimento do vínculo empregatício iniciado em 01/09/2006, em que a autora teria trabalhado como empregada doméstica para Carolina C.C. Sant Ana, conforme anotações em CTPS. No presente caso, diante das provas coligidas, não restam dúvidas de que a autora trabalhou para referida empregadora. É certo que existem justificativas a recomendar a exigência de outras evidências para comprovação do referido contrato de trabalho. Apesar das anotações em CTPS gozarem de presunção relativa de veracidade (súmula 12, TST), o INSS poderá exigir do segurado a apresentação dos documentos que serviram de base à anotação em CTPS caso existam fundadas dúvidas a seu respeito, conforme dispõe o artigo 19 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99. É o caso dos autos, eis que o vínculo em questão é o último anotado, não havendo prova inequívoca de que seria contemporâneo ao tempo de trabalho. No entanto, as provas produzidas são harmônicas quanto ao efetivo trabalho pela autora no período. Primeiramente, destaque-se o convincente depoimento pessoal da autora. Quando ouvida, afirmou que antes de trabalhar como empregada doméstica trabalhou em restaurante, sem registro em CTPS. Disse que antes de trabalhar para Carolina estava somente em casa e que quando começou a trabalhar com Carolina ainda não estava grávida. Esclareceu que começou a trabalhar para Carolina em 17/07/2006, mas somente foi registrada em setembro de 2006. Disse que trabalhou para Carolina até outubro de 2006, mas somente foi dado baixa em setembro de 2007, quando fez o acerto. Não soube informar sobre os comprovantes de recolhimento de contribuições de setembro e outubro/2006 e 2
setembro de 2007. Afirmou que trabalhou para Carolina por três meses. Adiante esclareceu que quem recolheu as contribuições foi o empregador (evento 50). As testemunhas confirmam a versão da autora. Terezinha Madureira Oliveira afirmou que quando conheceu a autora ela trabalhava em sua própria casa ( do lar ), depois passou a trabalhar como doméstica em uma casa no Centro da cidade. Disse que pegava o mesmo ônibus que a autora para voltar do trabalho. Sabe que a autora trabalhava para Carolina, não sabendo quanto tempo. Afirmou que no começo da gravidez a autora parou de trabalhar, por problemas de saúde. Disse que depois do nascimento do filho a autora não voltou a trabalhar (evento 50). A testemunha Jussara Rodrigues Pereira disse que conhece a autora desde 2006. Disse que a autora começou a trabalhar fora e contratou a testemunha para cuidar da casa da autora e da filha. Disse que na época recebia R$ 150,00 para fazer esse trabalho. Disse que começou a trabalhar no dia 20 de julho, ficando por mais um mês e meio trabalhando, quando foi dispensada porque a autora não poderia mais lhe pagar. Afirmou que em julho a autora estava trabalhando, bem de saúde. Disse que em setembro a autora estava consultando e achava que estava com problema no rim. Disse que a autora foi algumas vezes trabalhar doente. Acredita que em outubro a autora parou de trabalhar (evento 50). Além disso, em audiência realizada nesta data, a empregadora Carolina Sant Ana confirmou que, de fato, a autora teria trabalhado como empregada doméstica em sua residência. Embora haja controvérsia em relação ao período, pois afirmou que a autora teria começado a trabalhar em 01.09.2006, conforme termo de rescisão apresentado em audiência, houve o efetivo vínculo, ainda que por curto período, merecendo a autora a proteção conferida aos empregados domésticos e também a gestante, já que, embora com direito à estabilidade, teria deixado o trabalho por saber da gravidez. Diante dessas informações, me convenço de que a autora realmente trabalhou como empregada doméstica para a Sra. Carolina C.C. Sant Ana. Assim, considero comprovado o vínculo da autora anotado em CTPS, reconhecendo, portanto, a sua condição de segurada obrigatória do RGPS (artigo 11, inciso II, da Lei de Benefícios), sendo o encargo pelo recolhimento das contribuições do empregador doméstico, e não do trabalhador, consoante determinação do artigo 30, V, da Lei n.º 8.212/91. Logo, em outubro de 2006, quando teve início a incapacidade, a autora detinha a qualidade de segurada. Quanto à carência, a parte autora reconhece na inicial que não a preenche. Todavia, defende a dispensa do preenchimento desse requisito uma vez 3
que estava submetida, à época, a uma gravidez de alto risco, sob a iminência de um aborto espontâneo devido descolamento da placenta, hipótese que configuraria causa especial de dispensa, a teor do artigo 26 da Lei de Benefícios ( outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado ). Com efeito, as doenças e afecções que dispensam esse requisito estão relacionadas na Portaria Interministerial MPAS/MS nº 2.998/2001, expedida pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, e são: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da deficiência imunológica adquirida (Aids), contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada e hepatopatia grave. Como se percebe, a gravidez de risco da autora, devido ao descolamento de placenta, não está arrolada na Portaria que rege a matéria. Todavia, forçoso reconhecer que a relação acima não é taxativa. Fere o bom senso supor, nessa matéria, que a Portaria Interministerial possa contemplar todas as situações de doenças graves e extraordinárias que, por essa lógica, mereçam tratamento diferenciado no que se refere ao cumprimento do requisito da carência. Logo, a relação comporta interpretação analógica, na linha do entendimento manifestado pelos autores Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior:... Entretanto, em nosso entendimento, este dispositivo deve comportar, no mínimo, um elastério analógico. Não se cogita de matéria cuja rigidez exija um elenco imutável. Aliás, esta circunstância foi reconhecida implicitamente pelo legislador, quando determinou a revisão da lista a cada três anos. Dessa forma, parece-nos de todo justificável, por exemplo, que o surgimento de uma nova patologia, cujos efeitos danosos ao organismo humano fossem semelhantes aos causados pela AidS, em razão de não ter havido, ainda, inclusão da doença nessa lista, ficasse o segurado relegado ao desamparo social. (Comentários à lei de benefícios da previdência social. 5ª ed. rev. atual. Porto Alegre : Livraria do Advogado Editora: Esmafe, 2005. p. 120). No caso, tratando-se de gravidez de alto risco, constatada no início da gestação, considerando a gravidade e a natureza extraordinária da moléstia, considero possível a dispensa da carência. A moléstia guarda a mesma gravidade que as demais arroladas, merecendo o mesmo tratamento humanitário. Logo, dispensada a carência e preenchidos os requisitos da incapacidade e da qualidade de segurada, a autora faz jus ao benefício de auxíliodoença que, nos termos do artigo 60 da Lei de Benefícios, é devido a partir do 16º 4
dia subseqüente à data de início da incapacidade (11/10/2006), ou seja, a partir de 27/10/2006, até a data do parto, em 15/05/2007. -Do salário-maternidade O salário-maternidade, segundo dispõe o artigo 71 da Lei de Benefícios, é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 dias, com início no período entre 28 dias antes do parto e a data da ocorrência deste. Na redação original da Lei de Benefícios, o benefício era devido apenas às seguradas empregada, trabalhadora avulsa e doméstica. A proteção previdenciária posteriormente foi estendida à segurada especial (Lei nº 8.861/94), e às seguradas contribuintes individuais e facultativas (Lei nº 9.876/99), de modo que, atualmente, todas as seguradas do RGPS fazem jus ao benefício. Com relação à carência para o salário-maternidade, o tratamento é diferenciado de acordo com a espécie de segurada. Enquanto as seguradas contribuintes individuais, seguradas especiais e facultativas devem comprovar, pelo menos, o recolhimento de dez contribuições previdenciárias (artigos 25, III da Lei de Benefícios), as seguradas empregadas, empregadas domésticas e trabalhadoras avulsas prescindem desse requisito (artigo 26, VI da Lei de Benefícios). No caso, diante do labor pela autora, na condição de segurada obrigatória do RGPS (artigo 11, inciso II, da Lei de Benefícios), e do reconhecimento da proteção previdenciária no período de 27/10/2006, até a data do parto, em 15/05/2007 (período de auxílio-doença), na data de nascimento de nascimento de seu filho a autora detinha a qualidade de segurada, a teor do artigo 15, inciso I, da Lei de Benefícios. Dispensa-se a carência por se tratar de segurada empregada doméstica. Restam atendidos, portanto, os requisitos que autorizam a concessão do benefício de salário-maternidade à autora. 2. DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo procedentes os pedidos formulados na exordial, extinguindo o processo com exame do mérito, nos termos do artigo 269, I, do CPC para condenar o INSS a pagar à autora as prestações decorrentes do benefício de auxílio-doença devidas no período compreendido entre 27/10/2006 a 15/05/2007 e os valores referentes ao benefício de salário-maternidade de que trata o artigo 71 da LB, pelo período de 120 dias, contados da data do parto (15/05/2007), corrigidos monetariamente, adotando, até junho de 2009, o IGPD-I 5
(artigo 10 da Lei nº 9.711/98) e, a partir de então, a TR (artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009), acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação (TRF4ª, súmula nº 03) até junho de 2009 e, a partir de então, 0,5% ao mês (aplicados na caderneta de poupança). Defiro à parte autora os benefícios da assistência judiciária, nos termos do art. 4º da Lei nº 1.060/50. Sem custas ou honorários advocatícios (artigo 1º da Lei nº 10.259/2001 e artigo 55 da Lei nº 9.099/95). Publique-se. Registre-se. Intimem-se. (assinatura eletrônica do magistrado) 6