O ETERNO RETORNO DE KEYNES

Documentos relacionados
Lista Final de referências bibliográficas. Parte I: Crescimento e distribuição na teoria neoclássica

UFRJ CCJE INSTITUTO DE ECONOMIA DISCIPLINA: TEORIAS DA DINÂMICA CAPITALISTA PROFESSORA: ANA CRISTINA REIF TURMA IEE

- Introduzir elementos e conceitos relativos à estrutura e funcionalidade dos sistemas monetários;

Parte I - Fundamentos da Teoria Pós-Keynesiana de Crescimento e Distribuição de Renda: os modelos de primeira geração.

Parte 2 Fundamentos macroeconômicos Sessão 2

Parte 2 Fundamentos macroeconômicos Sessão 1. Reinaldo Gonçalves

O Pós-Keynesianismo. Antony Mueller UFS Junho 2011

Edital n 860, de 20 de dezembro de Concurso Público para provimento efetivo de vagas no cargo de Professor da Carreira de Magistério Superior

MICROECONOMIA. Programa: 2. Concorrência como interação estratégica: elementos de teoria dos jogos não cooperativos e modelos clássicos de oligopólio.

IEE-894 Teorias do Crescimento e da Distribuição Profs. Fábio Freitas e Esther Dweck

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO PROGRAMA DE DISCIPLINA. Disciplina: ECONOMIA MONETÁRIA E FINANCEIRA

Parte 2 Fundamentos macroeconômicos Sessão 3

UERJ/FCE Pós-Graduação em Ciências Econômicas Curso Macroeconomia Pós-Keynesiana Prof. Luiz Fernando de Paula

EAE 206 Macroeconomia I 1o. semestre de 2016

Ementa. Programa. 1. Visões sobre economia política. 2.Petty & Quesnay. O excedente. Os economistas. 3.Smith & Ricardo

Teorias do Crescimento e da Distribuição

Unidade III ECONOMIA E NEGÓCIOS. Prof. Maurício Felippe Manzalli

Estado, Moeda e Desenvolvimento Prof. Alcino Camara EPI 705

Colégio Bandeirantes. Syllabus Orientações e Modelo. Nome da disciplina: Economia, política e sociedade global (1.o semestre) Disciplinas Eletivas 1

Introdução à Microeconomia

UFJF/CEDEPLAR. Disciplina: Finanças Internacionais e Ciclos Econômicos (Tópicos Especiais) Prof. Marco Flávio da Cunha Resende

RESENHA DE: MACROECONOMIA MODERNA: KEYNES E A ECONOMIA CONTEMPORÂNEA

MACROECONOMIA. Haverá duas provas : uma prova intermediária (PI) e uma prova final (PF), os pesos respectivos sendo de 60% e de 40%.

Disciplina: Finanças Internacionais e Ciclos Econômicos (Tópicos Especiais)

Ressurgência Keynesiana nos Países Emergentes: o caso do Brasil

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE. DEPARTAMENTO DE ECONOMIA TÓPICOS ESPECIAIS EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

ECONOMIA. Macroeconomia. Escola Clássica Parte 01. Prof. Alex Mendes

EAE 206 Macroeconomia I 1o. semestre de 2017

EAE 206 Macroeconomia I 1o. semestre de 2018

Unidade: FACE Semestre: 2011/1 Pré-Requisitos: Microeconomia II, Macroeconomia I Horário: Segunda-Feira, 20:30 a 22:00 e Terça-Feira, 20:30 a 22:00

U N I V ER S I D A D E E S T A D U A L D E G O I Á S UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE CIÊNCIAS SÓCIO-ECONÔMICAS E HUMANAS DE ANÁPOLIS

EMENTÁRIO. Princípios de Conservação de Alimentos 6(4-2) I e II. MBI130 e TAL472*.

CONTROVÉRSIAS NA TEORIA ECONÔMICA PÓS KEYNESIANA: UMA AVALIAÇÃO CRÍTICA DO DEBATE DAVIDSON VERSUS KING, LAVOIE E DOW

Liberalismo Econômico

Notas para conferência e artigo, aproveitando ideias apresentadas na UFRGS, em Porto Alegre em junho de 2014

ANEXO II - RESOLUÇÃO Nº 282/2006-CEPE

EAE 206 Macroeconomia I 1o. semestre de 2017

Modelos de determinação da renda: o Modelo Clássico

Keynes e o Brasil. Fernando J. Cardim de Carvalho 1

Principais trabalhos de Bresser-Pereira sobre taxa de câmbio e crescimento

SECRETARIA DE PRODUTOS DE DEFESA MINISTÉRIO DA DEFESA Currículum Vitae

Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Ciclo Introdutório às Ciências Humanas

Economia. Modelo Clássico. Professor Jacó Braatz.

Parte 1 Sessão 4 Fundamentos analíticos gerais. Reinaldo Gonçalves

A GLOBALIZAÇÃO E OS DESEQUILÍBRIOS DA ECONOMIA MUNDIAL

O Monetarismo Petista: Uma análise da economia brasileira com enfoque na poĺıtica monetária

Keynes: ensaios sobre os 80 anos da Teoria Geral

Autores básicos das teorias heterodoxas do desenvolvimento econômico: Marx, Keynes, Schumpeter e Weber

IEE-855 Economia Monetária I Profa. Jennifer Hermann

Financeirização e dinâmica do capitalismo contemporâneo. Notas de apresentação

5. Política Monetária Novo-Clássica 5.1. Expectativas racionais, curva de oferta de Lucas e a curva de Phillips vertical

DISCIPLINAS DE FORMAÇÃO BÁSICA GERAL

Luiz Carlos Bresser-Pereira Anpec Sul, Florianópolis, li 9 de junho de 2011

HISTÓRIA. Crise dos anos 70 e Desmonte do Welfare State Parte 1. Profª. Eulália Ferreira

ECONOMIA. Macroeconomia. Escola Clássica Parte 04. Prof. Alex Mendes

Sumário. Introdução geral. 1. Objetivos e metodologia... 5

Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional (PEPI) Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Aristóteles (Grécia AC) criação do termo OIKO NOMIA

PROGRAMAÇÃO FISCAL E FINANCEIRA

I MACROECONOMIA BÁSICA: AGREGADOS MACROECONÔMICOS,

Fernando Ferrari Filho e Fábio Henrique Bittes Terra (orgs.), Keynes: Ensaios sobre os 80 anos da Teoria Geral, Editora Tomo, 2016.

Mr. Keynes and the "Classics", A Suggested Interpretation

Programa de Curso 1º Semestre de 2013

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Relatório Perfil Curricular

Bloco I A economia política e o capitalismo como ordem natural.

Matutino Currículo nº 8 Noturno Currículo nº 8

O CAPITALISMO ESTÁ EM CRISE?

EMENTA. CURSO DE GRADUAÇÃO EM ECONOM I A 2/2017

Homenagem ao Professor Fernando José Cardim de Carvalho

EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ECONÔMICO

Cód. Disciplina Período Créditos Carga Horária º Nome da Disciplina / Curso CIÊNCIAS ECONÔMICAS HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO

INTRODUÇÃO À MICROECONOMIA PROF. MARTA LEMME 1º SEMESTRE 2014

REFERÊNCIAS: FRIEDMAN, CAP. 1, BUCHANAN, CAP. 3, BLANCHARD CAP.30, SACHS & LARRAIN, CAP 1.

Avaliações: Serão duas avaliações escritas, valendo cada uma, 50% da média final. P1 07/05; P2 25/06; Final 02/07.

6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Macroeconomia Aberta. CE-571 MACROECONOMIA III Prof. Dr. Fernando Nogueira da Costa Programa 1º semestre.

LISTA 5B ANOTAÇÕES. Lista de Exercícios 5B Introdução à Economia 1

Itens do Edital. responsabilidade fiscal. 2.5 Teoria e Política monetária Funções da moeda Criação e distribuição de moeda.

Resenha Bibliográfica

Desemprego. Desemprego involuntário e voluntário

PLANO DE ENSINO DISCIPLINA: FUNDAMENTOS DE ECONOMIA. CARGA HORÁRIA TOTAL: 72hs TEORIA: 72hs PRÁTICA:

EMENTA PROGRAMA E BIBLIOGRAFIA 1ª UNIDADE : MERCADORIA, VALOR E DINHEIRO NA ECONOMIA MARXISTA - 4 AULAS E 2 SEMINÁRIOS

BRAZILIAN KEYNESIAN REVIEW

Plano de Ensino. Identificação. Câmpus de Araraquara. Curso Bacharelado em Ciências Econômicas

Crise financeira mundial e a América Latina

Conferência na UFRGS com apoio do Corecon. Porto Alegre, Luiz Carlos Bresser-Pereira

Revolution and Evolution in Twentieth Century Macroeconomics

OBJETIVOS DA DISCIPLINA CLASSICOS

CURSO METODOLOGIA ECONÔMICA. Professora Renata Lèbre La Rovere. Tutor: Guilherme Santos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO PROGRAMA DE DISCIPLINA. Disciplina: HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO II

Economia. Prof. Responsável: Wilson Mendes do Valle

Resenha Bibliográfica

Cenário Macroeconômico Brasileiro

Parte 7 Estado e mercado global Sessão 2. Reinaldo Gonçalves

DISCIPLINA: ANALISE DE INVESTIMENTOS AULA 1

Entrevista com José Luís Oreiro

Cód. Disciplina Período Créditos Carga Horária ECO º 4 Semanal Mensal 4 60

RESENHA: CAPITAL, PODER E DESIGUALDADE COMO FORÇAS ESTRUTURAIS CRÍTICAS DE LONGA DURAÇÃO NA AMÉRICA LATINA E CARIBE

Transcrição:

Revista de Economia Contemporânea (2014) 18(1): p. 147-153 (Journal of Contemporary Economics) ISSN (Versão Impressa) 1415-9848 http://dx.doi.org/10.1590/141598481817 www.ie.ufrj.br/revista www.scielo.br/rec RESENHA BIBLIOGRÁFICA O ETERNO RETORNO DE KEYNES Rogerio P. de Andrade a a Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Resenha recebida em 17/03/2014 e aceita em 07/07/2014. Resenha do livro: KING, J. E. (Ed.) The Elgar Companion to Post Keynesian Economics. 2 ed. Cheltenham, UK: Edward Elgar, 2012. Este livro organizado por John King é uma atualização oportuna e bem-vinda da primeira edição (King, 2003). Após cerca de 10 anos, ainda continua uma referência importante para o estudo das ideias da escola de pensamento econômico pós-keynesiana. É um guia de consulta não só para pós-keynesianos de carteirinha ou simpatizantes, mas também para todos aqueles interessados em aprofundar temas vitais para o pensamento econômico heterodoxo. O pós-keynesianismo surge e se consolida como uma escola de pensamento no campo heterodoxo a partir da insatisfação com os rumos tomados pela revolução keynesiana. A interpretação questionável da Teoria Geral (TG) de Keynes que se tornou hegemônica (mas não consensual) a partir da ascensão da síntese neoclássica provocou reações indignadas de economistas que viam aí uma deturpação inaceitável da verdadeira mensagem de Keynes. Inicialmente, as reações deram-se na forma de vozes isoladas, como as de Joan Robinson (que cunhou o termo keynesianismo bastardo ), Nicholas Kaldor, Richard Kahn, Sidney Weintraub e George Shackle, entre outros. Posteriormente, com um pé em Keynes e outro em Kalecki, consolidou-se como um Correspondência para Rogerio P. de Andrade. E-mail: roger.andrade@uol.com.br.

148 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 121-127, jan-abr/2014 corpo teórico alternativo (com implicações claras de política econômica) a partir dos trabalhos de Paul Davidson, Hyman Minsky, Alfred Eichner, Victoria Chick, Jan Kregel etc. 1 Como resultado da pesquisa teórica e empírica no âmbito de uma ciência normal à la Thomas Kuhn, há hoje no mercado uma série de manuais pós-keynesianos, como Arestis (1992), Carvalho (1992), Lavoie (1992), Palley (1996), Davidson (1994, 2011), Macedo e Silva (1999) etc. Assim, a crítica pós-keynesiana à síntese neoclássica (e também ao atual mainstream) manifesta-se em termos inter-paradigmas e não intraparadigmas, como foram, por exemplo, as críticas internas do monetarismo friedmaniano ou dos novos clássicos. Em outras palavras, o pós-keynesianismo pretende não um aperfeiçoamento ou uma recauchutagem do saber econômico convencional ora dominante, mas uma substituição de paradigmas, por meio de uma reconstrução, em novas bases, da análise econômica (enquanto economia política) a partir de Keynes e de outros autores heterodoxos, como Kalecki, Schumpeter, Marx etc. A economia pós-keynesiana é uma escola crítica de pensamento econômico baseada em uma interpretação particular da TG de Keynes. Representa tanto uma retomada quanto uma extensão das ideias de Keynes (cf. King, 2008). Retomada porque os pós-keynesianos acreditam que a interpretação de Keynes no âmbito da síntese neoclássica (e também dos novos keynesianos) é equivocada. Extensão porque contemplam questões importantes que Keynes não discutiu, como distribuição da renda, conflito distributivo, inflação, crescimento econômico, progresso técnico, desenvolvimento, formação de preços em mercados oligopolistas etc. Esta escola possui uma abordagem peculiar no que diz respeito à metodologia, teoria e política econômica. No âmago da teoria está o princípio da demanda efetiva: a produção e o emprego são, normalmente, condicionados pelo lado da demanda (demand-constrained) e não pelo da oferta (supply-constrained). As restrições de demanda sobre a produção e o emprego não estão restritas ao curto prazo. Tais restrições não são o resultado de imperfeições de mercado ou rigidezes de salários e preços, mas, ao contrário, devem ser explicadas em termos das características do dinheiro e da influência ubíqua da incerteza fundamental. Como não poderia deixar de ser, existem algumas discordâncias internas acerca das devidas ênfases que devem ser dadas a autores e/ou temas. King (2008) sugere que existem três vertentes básicas (ou modelos macroeconômicos de determinação do produto e do emprego no período curto), compatíveis entre si, dentro do guarda- -chuva pós-keynesiano: o modelo kaleckiano, o modelo davidsoniano de oferta e demanda agregada e a hipótese da instabilidade financeira de Minsky. 1 Para uma história do pós-keynesianismo, consultar, por exemplo, King (2002) e/ou Harcourt (2008).

Andrade, r.p. O eterno retorno de Keynes 149 A despeito de eventuais conflitos tópicos, as várias vertentes tendem a aceitar as principais proposições da visão de mundo pós-keynesiana. De acordo com King (2008) (com base em A. Thirlwall), a visão de Keynes e pós-keynesianos poderia ser resumida nas seguintes ideias centrais, que conformariam uma espécie de plataforma mínima : 1) a produção e o emprego são determinados no mercado de produtos, não no mercado de trabalho; 2) o desemprego involuntário existe; 3) um aumento da poupança não gera um aumento equivalente do investimento; 4) uma economia monetária é fundamentalmente diferente de uma economia de escambo (o dinheiro enquanto um ativo afeta a economia no curto e no longo prazo); 5) se tiver alguma validade, a teoria quantitativa da moeda só se aplicaria a situações de pleno emprego pressões de custo podem gerar inflação bem antes que este estado seja alcançado; 6) as economias capitalistas são impulsionadas pelos animal spirits dos empresários, que influenciam fortemente as decisões de investir; 7) segue daí que a Lei de Say é falsa. Em tempos de normalidade, o capitalismo não atingirá ou sustentará o pleno emprego sem intervenção governamental. Assim, defendem o uso sistemático e ativo das políticas fiscal e monetária para regular a demanda agregada. Portanto, rejeitam as proposições da macroeconomia do mainstream acerca da ineficácia da política econômica. Esta nova edição do livro de King é mais abrangente do que a edição anterior em vários aspectos. Primeiro, o número de verbetes passou de 80 para 112. Dos verbetes anteriormente presentes na primeira edição, vários foram atualizados e/ou aprimorados. Em particular, deu-se uma atenção redobrada à dinâmica (e à necessidade de reforma e regulação) dos mercados financeiros, por motivos óbvios. Segundo, buscou-se ampliar o alcance geográfico, com verbetes (ausentes na edição anterior) que contam a história do pós-keynesianismo em vários países, como Austrália, Áustria, Alemanha, Itália e Japão. É digno de nota que o Brasil teve sua participação aumentada. Além de ter sido contemplado com um verbete escrito a quatro mãos por Fernando Ferrari Filho (FFF) e Luiz Fernando de Paula (LFP), o Brasil ganhou uma dimensão maior nesta nova edição em termos de número absoluto de contribuições. Na primeira edição, aparecem apenas dois economistas brasileiros, a saber, Fernando Cardim de Carvalho ( Central Banks ) e Rogerio Studart ( Development Finance ). Nesta nova edição, além destes dois já mencionados, participam também David Dequech ( Conventions ), Flavia Dantas ( Time-series Econometrics ) e os já mencionados F. Ferrari Filho e L. F. de Paula ( Brazil ). No entanto, em um universo de 112 verbetes, isto representa apenas 4,46 % do total, sem dúvida alguma uma participação relativa muito baixa. Talvez isto seja um reflexo de que, do ponto de vista da produção acadêmica internacional, em geral, os pós-keynesianos brasileiros sejam, com algumas exceções, mais imitadores do que inovadores, para usar a classificação que Schumpeter concebeu para outro

150 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 121-127, jan-abr/2014 contexto. Se isto for verdade, há uma contradição curiosa aí: embora muito bem disseminado na academia brasileira, o que denota uma realidade local praticamente sem paralelo no resto do mundo, com várias instituições de primeira linha oferecendo cursos de economia com forte presença de ideias verdadeiramente keynesianas, o Brasil não exibe a mesma performance quantitativa e qualitativa quando se trata de publicações internacionais de livros e artigos de autores pós-keynesianos nativos. Neste verbete sobre o Brasil, FFF e LFP narram as origens da presença das ideias pós keynesianas no país, identificando a importância do estruturalismo latino americano para a disseminação das mesmas, principalmente através da popularização de Keynes feita por Raul Prebisch. FFF e LFP apontam corretamente para o papel institucional exercido pela Unicamp e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no processo de difusão de ideias pós keynesianas e formação de quadros legitimamente keynesianos 2. No entanto, gostaria de acrescentar que enquanto que o pós keynesianismo que se desenvolveu na Unicamp pode ser caracterizado como mais abrangente no uso de suas fontes de inspiração (Kalecki, Keynes, Schumpeter, Marx), o da UFRJ seria mais davidsoniano. No processo de enraizamento das ideias pós-keynesianas no Brasil, é importante ressaltar, embora Ferrari-Filho e de Paula não mencionem isto, que um evento crucial para a construção da identidade pós-keynesiana no país foi o debate sobre o princípio da demanda efetiva (PDE), que teve lugar no final dos anos 1970 e início dos anos 1980. Sem dúvida, este foi um importante episódio, se não for o episódio, para a emergência e posterior consolidação local desta escola de pensamento econômico. Esta controvérsia deu-se na forma de um debate entre economistas heterodoxos brasileiros acerca da importância deste princípio, tal qual teorizado por Keynes e Kalecki, para o estudo da dinâmica econômica capitalista. Maria da Conceição Tavares (MCT) foi a primeira autora a se debruçar de forma mais atenta sobre o significado do princípio da demanda efetiva nos termos propostos por Keynes e Kalecki (Tavares, 1974, 1978) 3. O debate surgiu a partir de uma intervenção de Antonio Barros de Castro, no texto intitulado Por que não Kalecki, incluído em seu livro O Capitalismo Ainda É Aquele, de 1979, em que criticou a teoria do ciclo econômico de Kalecki. Nas respostas à Castro, nasceu a controvérsia. Possas e Baltar (1981), por meio de um trabalho apresentado originalmente em 1979 no encontro anual da ANPEC, retomaram a discussão do ciclo em Kalecki a partir do PDE e enfatizaram suas implicações dinâmicas. Castro (1980) procurou rebater as críticas destes 2 Para uma narrativa semelhante, ver Carvalho (2008). 3 Andrade e Silva (2010) procuraram identificar as principais matrizes teóricas (Marx, Keynes, Kalecki) do pensamento econômico de Tavares.

Andrade, r.p. O eterno retorno de Keynes 151 autores e incluiu Keynes e Steindl em sua mira. Na sequência, Tavares e Belluzzo (1981) defenderam Keynes e reforçaram a importância teórica do PDE. Em resposta a estes últimos, Castro (1981) retomou novamente suas críticas. Após um breve interregno, a controvérsia parecia ter se esfriado. Coube a Possas (1987 [com base em trabalho finalizado originalmente em 1983], 1986) retomar a discussão sobre o PDE e colocá-la em uma dimensão analítica mais geral, apresentando um novo tratamento deste conceito. A interpretação de Possas do PDE consolidou-se e tornou-se uma referência indispensável para os que vieram posteriormente a se interessar pelo assunto 4. A compreensão cabal do enraizamento do pós-keynesianismo no pensamento heterodoxo brasileiro não pode deixar de mencionar o papel desempenhado pela militância de MCT. Como tinha uma inserção como professora e pesquisadora tanto na UFRJ como na Unicamp, promoveu uma interação profícua não só entre estas duas instituições, mas também com outras de orientação igualmente heterodoxa. Sua participação ativa nos meios acadêmicos e políticos do país contribuiu para dar visibilidade às novas ideias e interpretações que então surgiam. Se Tavares desempenhou o papel de pioneira, ao abrir a picada no mato, outros pavimentaram e alargaram as avenidas abertas, levando a novos caminhos e horizontes. Neste sentido, ao alçarem a visão pós-keynesiana a outros patamares, as obras de Fernando Cardim de Carvalho, na UFRJ, e de Mario Possas, na Unicamp e na UFRJ, devem, em particular, ser destacadas. Carvalho foi discípulo/orientando de Paul Davidson na Universidade Rutgers nos EUA. Suas primeiras intervenções já se dão nos anos 1980 (Carvalho, 1983-84, 1984-85, 1988). Desde então, tem contribuído sistematicamente, dentro e fora do país, para o desenvolvimento desta escola. Por sua vez, a trilogia de Possas (1985, 1987, 1989), originalmente uma tese de doutorado defendida na Unicamp sob a orientação de MCT, foi crucial para consolidar o pós-keynesianismo no Brasil. Provavelmente, foi o autor que mais longe levou uma integração consistente das ideias de Keynes, Kalecki, Marx e Schumpeter. Sintomaticamente, a reunião de 2013 da Associação Keynesiana Brasileira reconheceu a importância deste autor ao promover uma homenagem ao mesmo. Em suma, uma história que se pretende sincera, sem vieses de qualquer natureza, acerca das origens e da consolidação do pós-keynesianismo no país deve necessariamente fazer jus ao papel desempenhado por estes autores. Que Keynes é ainda atual e imprescindível, quase ninguém duvida. Na esteira da crise financeira e econômica que teve seu epicentro no mercado imobiliário subprime 4 Em sua macroeconomia sem equilíbrio, Macedo e Silva (1999), por exemplo, faz uso extensivo da interpretação de Possas do PDE.

152 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 121-127, jan-abr/2014 norte-americano, em 2007, e posteriormente irradiou-se para a economia mundial, dando lugar à chamada Grande Recessão, Robert Skidelsky pode anunciar triunfalmente, sem meias palavras, o Retorno do Mestre (Skidelsky, 2009). Mas, a despeito do que, à primeira vista, pode parecer mais um novo modismo, pode-se afirmar que há uma linha de reflexão e pesquisa que vem de longa data e que procura, a partir das obras de Keynes (mas não só), desenvolver, de forma consistente, uma abordagem econômica alternativa. Assim, para os que militam neste movimento, não pode haver nenhum tipo de retorno do mestre, pois o mesmo jamais havia partido, muito menos havia sido esquecido. Ao se inserir nesta corrente, este livro organizado por John King contribui de forma indiscutível para manter vivo o espírito crítico e realista desta escola de pensamento econômico. Neste sentido, a melhor prescrição contra todo e qualquer novo consenso macroeconômico continua sendo o velho bom senso keynesiano. REFERÊNCIAS ANDRADE, R. P.; SILVA, R. C. Uma mestra na periferia do capitalismo: a economia política de Maria da Conceição Tavares. Revista de Economia Política, v. 30, n. 4, out./dez. 2010. ARESTIS, P. The Post Keynesian Approach to Economics. Aldershot: Edward Elgar: 1992. CARVALHO, F. J. C. On the concept of time in Shacklean and Sraffian economics. Journal of Post Keynesian Economics, v. 6, n. 2, Winter, 1983-84. CARVALHO, F. J. C. Alternative analysis of short and long run in post Keynesian Economics. Journal of Post Keynesian Economics, v. 7, n. 2, Winter, 1984-85. CARVALHO, F. J. C. Keynes on probability, uncertainty, and decision making. Journal of Post Keynesian Economics, v. 11, n. 1, Fall, 1988. CARVALHO, F. J. C. Mr. Keynes and the Post Keynesians. Aldershot: Edward Elgar, 1992. CARVALHO, F. J. C. Keynes e o Brasil. Economia e Sociedade, v. 17, num. especial, dez. 2008. DAVIDSON, P. Post Keynesian macroeconomic theory. 2 ed. Cheltenham: Edward Elgar, 2011. HARCOURT, G. C. The structure of Post Keynesian economics: the core contributions of the pioneers. Cambridge, UK: CUP, 2008. KING, J. E. A history of Post Keynesian economics since 1936. Cheltenham: Edward Elgar, 2002. KING, J. E. (Ed.) The Elgar companion to Post Keynesian economics. Cheltenham: Edward Elgar, 2003. KING, J. E. (Ed.) Post Keynesian economics. In: BLUME, L. E.; Durlauf, S. N. (Eds.) The New Palgrave Dictionary of Economics. 2 ed. New York: Palgrave Macmillan, 2008, p. 532-539. LAVOIE, M. Foundations of Post Keynesian economic analysis. Aldershot: Edward Elgar, 1992. MACEDO E SILVA, A. C. Macroeconomia sem equilíbrio. Petrópolis: Vozes, 1999.

Andrade, r.p. O eterno retorno de Keynes 153 PALLEY, T. I. Post Keynesian economics: debt, distribution and the macro economy. New York: St. Martin s Press, 1996. POSSAS, M. L. Estruturas de mercado em oligopólio. São Paulo: Hucitec, 1985. POSSAS, M. L. Para uma releitura teórica da Teoria Geral. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 16, n. 2, ago. 1986. POSSAS, M. L. A dinâmica da economia capitalista: uma abordagem teórica. São Paulo: Brasiliense, 1987. POSSAS, M. L. Dinâmica e concorrência capitalista: uma interpretação a partir de Marx. São Paulo: Hucitec/Editora da Unicamp, 1989. TAVARES, M. C. Acumulação de capital e industrialização no Brasil. Tese de Livre-Docência, Faculdade de Economia e Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1974. TAVARES, M. C. Ciclo e crise: o movimento recente da industrialização brasileira. Tese de Professor Titular, Faculdade de Economia e Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1978.