Relato de caso clínico CARVALHO PFM, SILVA RC, JOLY JC Aumento de coroa clínica estético sem retalho: uma nova alternativa terapêutica Aesthetic crown lengthening: a flapless, new approach Paulo Fernando Mesquita de Carvalho Mestre em Periodontia - CPO/SLM - Campinas, Professor dos Cursos de Especialização em Periodontia e Implantodontia - APCD - Piracicaba, Professor do Curso Avançado de Reconstrução Tecidual em Áreas Estéticas - CETAO - São Paulo Robert Carvalho da Silva Mestre e Doutor em Clínica Odontológica - Área de Periodontia - FOP/Unicamp - Piracicaba, Coordenador do Curso de Especialização em Periodontia - EBO/SLM - Brasília, Professor do Curso de Mestrado em Periodontia - CPO/SLM - Campinas, Professor dos Cursos de Especialização em Periodontia e Implantodontia - APCD - Piracicaba, Professor do Curso Avançado de Reconstrução Tecidual em Áreas Estéticas - CETAO - São Paulo Julio Cesar Joly Mestre e Doutor em Clínica Odontológica na Área de Periodontia - FOP/Unicamp - Piracicaba, Coordenador do Curso de Mestrado em Periodontia - CPO/São Leopoldo Mandic - Campinas, Coordenador dos Cursos de Especialização em Periodontia e Implantodontia - APCD - Piracicaba, Professor do Curso Avançado de Reconstrução Tecidual em Áreas Estéticas - CETAO - São Paulo RESUMO O aumento de coroa clínica estético representa um importante capítulo da plástica periodontal que, atualmente, tem sido bastante discutido. Tradicionalmente, o procedimento é realizado com a elevação de um retalho para a exposição da crista óssea e subsequente osteotomia/osteoplastia. Entretanto, em casos apropriados, é possível indicar um procedimento sem a elevação do retalho, possibilitando a realização de uma osteotomia via sulco gengival, com a utilização de micro-cinzéis apropriadas. Os benefícios da técnica incluem a finalização do procedimento sem a necessidade de suturas, a diminuição do desconforto pós-operatório e a otimização da reparação tecidual. Os resultados são previsíveis e esteticamente favoráveis, desde que se respeitem as indicações adequadas (biotipos fino e intermediário) e se obedeça criteriosamente o protocolo de execução. DESCRITORES: sorriso gengival; cirurgia plástica periodontal; estética. ABSTRACT Aesthetic crown lengthening is an important chapter of contemporary periodontology. Traditionally, this procedure is performed using flap elevation to fully expose the underlying bone and allow subsequent osteotomy/osteoplasty. However, in appropriately indicated cases, it is possible to meet that purpose in a flapless approach, i.e. without flap elevation, in which osteotomy is performed through the gingival sulcus using proper micro-chisels. Among the benefits of this technique are the ability to finalize the procedure without the need for sutures, less postoperative discomfort and improved tissue repair. As long as the appropriate indications of the procedure are observed (thin and intermediate tissue biotypes) and the protocol is followed strictly, predictable and favorably aesthetic outcomes can be expected. Descriptors: gummy smile; periodontal plastic surgery; aesthetics. RELEVÂNCIA CLÍNICA A técnica do aumento de coroa clínica estético sem retalho representa uma alternativa minimamente invasiva que, quando bem indicada, oferece benefícios terapêuticos reais. Autor de correspondência Julio Cesar Joly Rua João Polastri, 755, casa 21 Cidade Jardim 13501-105 Rio Claro SP Brasil julio.joly@yahoo.com.br 26 REV ASSOC PAUL CIR DENT 2010;ED ESP(1):26-33
Periodontia INTRODUÇÃO Não existe fórmula ideal para um sorriso belo e atraente. Entretanto, a harmonia e simetria dos elementos que o compõe (faciais, labiais, gengivais e dentais) devem ser considerados (Fradeani, 2004). Diversos fatores precisam ser avaliados no planejamento estético para a otimização do sorriso. Dentre eles, podemos destacar alguns aspectos periodontais relacionadas à coloração, ao contorno, à simetria, ao zênite e ao posicionamento gengival (da Silva et al., 2007). Durante o sorriso espontâneo, a posição da borda inferior do lábio superior delimita três condições distintas de exposição dos dentes e do tecido gengival (sorriso alto, médio ou baixo) (Tjan & Miller, 1984). É importante diferenciar dois termos que freqüentemente causam confusão: sorriso gengival e sorriso alto. Todos os pacientes que têm sorriso gengival apresentam linha de sorriso alta, mas o contrário não é verdadeiro, visto que o sorriso gengival é representado pela exposição gengival maior que 3 mm (Blitz, 1997). Existem diferentes etiologias para o sorriso gengival, cujo reconhecimento é fundamental para o correto diagnóstico e subseqüente tratamento (Garber & Salama, 1996; Levine & McGuire, 1997). Essa ocorrência pode ser associada a crescimento vertical, extrusão dento-alveolar, lábio superior curto, hiper-atividade do lábio superior, erupção passiva alterada, ou a combinação de vários fatores. Uma indicação precisa para a atuação do periodontista relacionada ao tratamento do sorriso gengival é em situações de erupção passiva alterada (Garber & Salama, 1996). Nesses casos, as proporções faciais, e o comprimento e a motilidade labiais estão normais, mas existe grande exposição de gengiva acompanhada de coroas clínicas curtas. A erupção dentária é determinada pela saída da coroa da cripta óssea, e é considerada finalizada quando os dentes atingem o plano oclusal e entram em função. Os tecidos moles acompanham o movimento de erupção do dente e, ao final do processo, a gengiva marginal migra apicalmente (erupção passiva) até que esteja localizada próxima à junção cemento/esmalte (JCE). Quando a gengiva não retorna à sua posição original, dá-se o nome de erupção passiva alterada. Pode ser classificada com relação à quantidade de gengiva queratinizada e sub-classificada quanto à relação entre a JCE e a crista óssea alveolar (COA) (Garber & Salama, 1996; Levine & McGuire, 1997). DESCRIÇÃO DA TÉCNICA Nos procedimentos de aumento de coroa clínica estético sem a elevação de retalho ( flapless ), o posicionamento da incisão é estabelecido pela JCE, nos casos de dentes naturais sem envolvimento restaurador (Figura 1, A a T), ou pela futura margem gengival em dentes com envolvimento restaurador (Figura 2, A a Z). Após a incisão e remoção do colar de tecido excisado, realiza-se um refinamento das margens gengivais com micro-tesoura. Em seguida, é fundamental a realização de uma sondagem óssea, A B C D E FIGURA 1, A a E Exposição gengival excessiva associada a uma discrepância marginal comprometendo a harmonia do sorriso REV ASSOC PAUL CIR DENT 2010;ED ESP(1):26-33 27
CARVALHO PFM, SILVA RC, JOLY JC F G H FIGURA 1, F a H Sondagem clínica identificando o posicionamento da JCE e da crista óssea alveolar I J K FIGURA 1, I a K Recontorno gengival com incisão em bisel interno (I). Realização de osteotomia sem retalho com micro-cinzel (J, K) considerando que, quando a distância entre a JCE e a COA é menor que 2 mm, deve-se necessariamente realizar uma osteotomia. É válido salientar que, nos casos com envolvimento restaurador, a referência ideal é a futura margem protética, ao invés da JCE. A osteotomia, quando necessária, deve ser conduzida via sulco gengival utilizando micro-cinzéis até que se restabeleça um espaço suficiente para acomodar as estruturas periodontais que compõem o espaço biológico. Após a osteotomia, uma nova sondagem deve ser realizada para conferir a distância entre a JCE e a COA, que deve ser de 2 a 3 mm. A finalização do procedimeto é realizada por meio de uma irrigação com solução fisiológica e compressão com gaze umedecida. Não há necessidade de suturas ou recobrimento com cimento cirúrgico. DISCUSSÃO O planejamento de todos os casos de aumento de coroa clínica estético deve considerar se haverá ou não uma reabilitação protética associada. Nos casos em que facetas ou coroas forem previstas, a determinação da posição da futura margem protética que deve coincidir com a margem gengival determinará a extensão da osteotomia. Não existem restrições quanto ao risco de exposição radicular, uma vez que as próteses/restaurações corrigirão essas áreas sem prejuízos estéticos. Nesses casos, o tempo de cicatrização necessário para a maturação dos tecidos moles, 28 REV ASSOC PAUL CIR DENT 2010;ED ESP(1):26-33
Periodontia L M FIGURA 1, L a M Refinamento marginal com micro-tesoura N O P Q R T S FIGURA 1, N a T Acompanhamento clínico após 6 meses, mostrando a otimização do contorno tecidual, a equalização do posicionamento marginal e a diminuição da quantidade de tecido gengival exposto durante o sorriso REV ASSOC PAUL CIR DENT 2010;ED ESP(1):26-33 29
CARVALHO PFM, SILVA RC, JOLY JC A B C D E FIGURA 2, A a E Sorriso gengival associado a uma alteração de erupção passiva e presença de lábio curto e hiperativo (causa combinada) com formação do sulco gengival e estabilidade dimensional da margem gengival, deve ser respeitado antes do preparo dental definitivo. Esse tempo varia de 3 a 6 meses, podendo chegar a até um ano, dependendo da extensão do procedimento periodontal (Pontoriero & Carnevale, 2001). Quando não houver tratamento restaurador associado, o limite da osteotomia é determinado pela localização da JCE. Nos casos de erupção passiva alterada, a quantidade de tecido queratinizado determina o tipo de incisão, isto é, se parte do tecido queratinizado pode ou não ser eliminado. Quando existe abundância de tecido queratinizado em altura, a incisão tipo bisel interno é realizada e, conseqüentemente, um colar tecidual é removido. Embora não exista um limite mínimo para a quantidade de tecido queratinizado para o estabelecimento da saúde gengival, essa estrutura é importante na estabilização da margem gengival e confere conforto e estética ao sorriso. Por isso consideramos que o bisel possa ser realizado com a manutenção de pelo menos 3 mm de tecido queratinizado. Quando não houver disponibilidade de tecido queratinizado, deve-se realizar uma incisão intrassulcular acompanhada de um retalho recolocado apicalmente (Joly, de Carvalho, da Silva, 2009). A distância entre a COA e a JCE determina a necessidade ou não de uma remodelação óssea para que haja espaço suficiente para a acomodação da inserção conjuntiva e, portanto, a estabilidade dimensional da margem gengival. Tradicionalmente, os procedimentos de osteotomia/osteoplastia dependem da elevação do retalho para a exposição da crista óssea. Em nossa opinião, isso é válido para casos com periodonto espesso, visto que a osteoplastia (remoção óssea em espessura) se faz necessária para otimizar a arquitetura óssea e melhorar a adaptação do tecido mole na região cervical (Joly, de Carvalho, da Silva, 2009). Nos casos de periodontos fino e intermediário, a osteoplastia não é realizada, e a osteotomia deve ser realizada exclusivamente com instrumentos manuais, principalmente na região da pré-maxila. Dessa forma, desde que tenhamos à disposição micro-cinzéis apropriados que possam ser posicionados através do sulco gengival, a elevação de um retalho pode ser dispensada. É importante entendermos que as técnicas flapless são mais sensíveis, visto que os riscos de laceração tecidual são maiores. Além disso, a sondagem periodontal torna-se fundamental para aferir a distância entre a JCE, ou limite da futura prótese, e a COA, considerando que não podemos visualizar a extensão da osteotomia. CONCLUSÃO Os benefícios da técnica incluem a finalização do procedimento sem a necessidade de suturas, a diminuição do desconforto pósoperatório e a otimização da reparação tecidual. Os resultados são previsíveis e esteticamente favoráveis, desde que se respeitem as indicações adequadas (biotipos fino e intermediário) e se obedeça criteriosamente o protocolo de execução. 30 REV ASSOC PAUL CIR DENT 2010;ED ESP(1):26-33
Periodontia F G H I FIGURA 2, F a I Realização da simulação J L FIGURA 2J Notar a comparação com a condição inicial K FIGURA 2L Realização da sondagem óssea FIGURA 2K Realização do recontorno gengival com incisão em bisel interno REV ASSOC PAUL CIR DENT 2010;ED ESP(1):26-33 31
CARVALHO PFM, SILVA RC, JOLY JC M N FIGURA 2M A realização da sondagem define a necessidade de osteotomia complementar FIGURA 2N Acompanhamento clínico após 4 meses sugerindo a completa maturação tecidual e permitindo o planejamento da reabilitação protética O P FIGURA 2O Preparo dos laminados cerâmicos FIGURA 2P Instalação de próteses provisórias Q R S T U V W FIGURA 2, Q a W Aspecto clínico após a finalização protética. Protesista: Fabio Hiroshi Fujiy. Ceramista: Luiz Alves Ferreira 32 REV ASSOC PAUL CIR DENT 2010;ED ESP(1):26-33
Periodontia X Z Y FIGURA 2, X a Z Após nove meses de acompanhamento. Notar a harmonia e o equilíbrio estético, melhorando significativamente a condição clínica inicial* *As imagens contidas neste artigo estão parcialmente publicadas do capítulo Tratamento das discrepâncias de altura da margem gengival: recobrimento radicular e aumento de coroa clínico estético, publicado em: Joly JC, Da Silva RC, Carvalho PFM. Reconstrução Tecidual Estética - Procedimentos Plásticos e Regenerativos Periodontais e Peri-implantares. São Paulo: Artes Médicas, 2009. 696 p. REFERÊNCIAS 1. Blitz N. Criteria for success in creating beautiful smiles. Oral Health. 1997 Dec;87(12):38-42. Review. 2. Da Silva RC, Carvalho, PFM, Joly JC. Planejamento estético em periodontia. ebook Jubileu de Ouro CIOSP. São Paulo; 2007, p. 299-341. 3. Fradeani M. Estethic analysis: A systematic approach to prosthetic treatment. Quintessence Publishing Co, 2004. 4. Garber DA, Salama MA. The aesthetic smile: diagnosis and treatment. Periodontol 2000. 1996 Jun;11:18-28. Review. 5. Joly JC, Da Silva RC, Carvalho PFM. Reconstrução Tecidual Estética - Procedimentos Plásticos e Regenerativos Periodontais e Peri-implantares. São Paulo: Artes Médicas, 2009. p. 253-309. 6. Levine RA, McGuire M. The diagnosis and treatment of the gummy smile. Compend Contin Educ Dent. 1997 Aug;18(8):757-62, 764; quiz 766. 7. Pontoriero R, Carnevale G. Surgical crown lengthening: a 12-month clinical wound healing study. J Periodontol 2001; 72:841-8. 8. Tjan AH, Miller GD, The JG. Some esthetic factors in a smile. J Prosthet Dent. 1984 Jan;51(1):24-8. REV ASSOC PAUL CIR DENT 2010;ED ESP(1):26-33 33