Canto Folclórico Minhoto: dados preliminares de um Estudo de Caso

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Canto Folclórico Minhoto: dados preliminares de um Estudo de Caso André Araújo 1, Filipa Lã 2, e Johan Sundberg 3 Universidade de Aveiro Aveiro Portugal Instituto de Etnomunicologia Centro de Estudos em Música e Dança paa@estsp.ipp.pt (1. Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Instituto Politécnico do Porto, Porto, Portugal; 2. Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal; 3. Department of Speech, Music and Hearing, KTH, Stockolm, Sweden) Resumo O trabalho apresentado é resultado de um estudo piloto com vista à caracterização acústica, fisiológica e funcional da voz cantada no Estilo Folclórico do Minho. Foi realizada uma gravação multicanal a uma cantadeira de 65 anos, sem educação vocal formal e com mais de 30 anos de experiência em canto folclórico Minhoto. Extraíram-se medidas acústicas, electroglotográficas e aerodinâmicas de diferentes tarefas de voz falada e cantada. Os dados obtidos comprovam a produção vocal em intensidades elevadas que parecem estar combinadas com um alto grau de fonação comprimida e com fenómenos específicos de ressonância. Palavras-chave canto, folclore do Minho, acústica, pressão subglótica, fonação comprimida. I. Introdução Durante o século XX, o Minho constituiu um dos nichos mais representativos dos Ranchos Folclóricos Portugueses, grupos artísticos que combinam a música, a dança e a iconografia na representação das actividades rurais. São vários os autores que se têm dedicado ao estudo das características da música folclórica Portuguesa, apresentando-as essencialmente de uma perspectiva etnomusicológica, histórica e musical, compilando o repertório existente, interpretando as diferentes formas musicais e descrevendo os diferentes estilos interpretativos existentes. Entre estes estudos destacam-se os de Michel Giacometti e Fernando Lopes Graça, que durante décadas recolheram e editaram registos audiográficos de canto folclórico em meios rurais [1]. Contudo, e ao contrário do que tem acontecido noutros países, são inexistentes estudos nesta área artística, em que o fenómeno vocal associado a pratica deste estilo musical tenha sido descrito e compreendido, tendo em conta as especificidades e exigências vocais dos pontos de vista fisiológico, funcional (i.e. aerodinâmico) e acústico. As condições associadas à performance e à colocação de voz própria de cada estilo vocal são factores que colocam alguns estilos de canto, especialmente nãoclássicos, num nível elevado de risco vocal, com impacto frequente na saúde e eficiência vocais [2], o que corrobora a necessidade de estudar este aspecto em estilos folclóricos. A. Estilos Folclóricos Internacionais A grande maioria dos estudos científicos que procuram compreender o desempenho vocal em contextos performativos que nao-clássicos focam-se essencialmente em géneros musicais como o pop, jazz, blues [3], teatro musical [4] e belting [5], e fazem uso de metodologias pouco adaptadas ao estudo do desempenho vocal cantado num contexto artístico e performativo real. Adicionalmente, os estudos encontrados que concernem especificamente repertório folclórico focam-se apenas no folclore dos EUA (country music), da Croácia, da Estónia, da Bulgária, do Brasil (sertanejo) e da Mongólia. Estes debruçam-se essencialmente sobre aspectos funcionais e acústicos da fonação, não tendo em conta aspectos aerodinâmicos determinantes na qualidade da voz cantada [6]-[17]. Dos estilos estudados apenas os da Estónia e da Bulgária se referem a vozes femininas, e só os últimos se baseiam em dados e tecnologias de análise recentes. No Quadro 1 estão apresentados os diversos estilos folclóricos sobre os quais se encontrou publicações em revistas internacionais da especialidade. Estudos anteriores têm comparado diferentes estilos de canto, tendo como base principal de comparação o canto clássico. Parâmetros como a Pressão Subglótica, o quociente de contacto das pregas vocais e a análise do espectro de longa duração (LTAS), têm sido os mais usados, demonstrando genericamente haver uma maior eficiência vocal no canto clássico em relação aos outros estilos.

Quadro 1. Resumo dos estudos publicados acerca da produção vocal em estilos folclóricos internacionais. Origem Ano Estilo(s) Amostra Métodos/Medidas Observações Bulgária Estónia Croácia 2007 Teshka and Leka 1992-2006 E.U.A. 1996-2001 Brasil Mongolia Klapa, Ojkanje and Tarankanje Country 1 cantora (profissional) 2 cantoras (gravação com 50 anos) 12 cantores (profissionais) 6 cantores (profissionais) 2009 Sertanejo 10 cantores 2001 Kargyraa 1 cantor Análise de afinação de formantes (injecção de uma corrente acústica de banda larga). EGG. Filtragem inversa (F1, F2, F3) e LTAS LTAS Comportamento respiratório, Psub, filtragem inversa do fluxo (quociente de encerramento e glottal compliance), SPL, F0, LTAS e frequências formantes (F1-F4) Análise do vibrato (extensão e grau) Filtragem inversa do fluxo, análise acústica espectral, quimografia Afinação de formantes (F1:H2) na maioria das vogais. Sem diferenças de ressonância importantes entre as qualidades Teshka (voz forte e projectada) e Leka (voz mais lírica e mais suave). Fase de encerramento das pregas vocais mais longaem Teshka do que em Leka, mas ambas em registo modal. F0 do canto situa-se entre 200 e 300 Hz. Tendência para Tendency to aglomerar ou aproximar a F1 e a F2 em vogais cantadas. Ausência da formante do cantor. Klapa: voz tipo fala; menor intensidade vocal; inclinação do LTAS mais acentuada; picos espectrais a 0.6 e 1.1 khz. Ojkanje: voz gritada; maior intensidade; inclinação média do LTAS; picos espectrais a 0.6 e 1.1 khz; formante do falante/actor (2.2<3.8 khz); afinação de formantes (F1:H2). Tarankanje: voz comprimida; qualidade nasal; inclinação do LTAS extremamente plana; picos espectrais a 0.7 e 1.5 khz Volumes pulmonares reduzidos para cantar com movimentos predominantes da caixa torácica; presses subglóticas altas (35<50 cm H2O); maior nível de fonação comprimida ao cantar tons agudos; quocientes de encerramento muito elevados (0.5 to 0.6 ou maiores) no canto em intensidade forte em tons agudos; sem estratégias de ressonância específicas que incluam F1, F2 e F3; formante do falante/actor (3<4 khz). O grau do vibrato varia entre 5.0<6.56 Hz e a extensão do vibrato varia entre 0.54<0.95 semitons (sem diferenças estatísticas comparando com o estilo lírico); sem regularidade identificada no espectrograma em termos da frequência de oscilação. F0 baixa (70 < 100 Hz); combinação da vibração das pregas vocais com a das pregas ventriculares; tom extremamente grave (metade do encontrado no registo modal); espectro muito denso e rico em harmónicos, facilitador da realização de overtone singing. Quanto aos géneros musicais folclóricos, os estudos possuem predominantemente um carácter exploratório, comparando estes estilos vocais com a voz falada e recorrendo a maioritariamente a amostras pequenas ou estudos de caso. Os resultados têm demonstrado que existe uma considerável aproximação aos mecanismos vocais usados na fala, com algumas excepções ao nível das frequências formantes que por vezes parecem aproximar a voz cantada da voz gritada [8]. A descrição de voz gritada é seguramente um dos indícios de que a fisiologia utilizada no acto de cantar é mais abrangente do que a que usualmente encontramos nas actividades de voz cantada mais reconhecidas a nível comercial. O recurso a mecanismos menos usuais, como é o caso dos cantos da Mongólia, onde as pregas vestibulares são recrutadas na fonação em conjunto com as pregas vocais, é um bom exemplo disso. A globalidade dos mecanismos utilizados no canto apenas se encontra descrita de forma mais detalhada no estilo Country, considerando aspectos respiratórios, fonatórios e de ressonância. Todos os restantes estudos se focam em aspectos mais específicos, o que limita qualquer tentativa abrangente de comparação. Ainda assim, um dos mecanismos mais descritos é o tipo de fonação, que é caracterizado pela Pressão Subglótica e medidas relacionadas com o padrão vibratório das pregas vocais, como o quociente de encerramento. Um dos padrões mais frequentes parece ser uma Pressão Subglótica elevada e uma fase de encerramento longa, o que está na origem de uma fonação comprimida (pressed phonation). Este padrão é percebido como voz tensa e tem influência na forma como a energia dos harmónicos produzidos na fonte glótica é configurada, pelo que condiciona também os possíveis fenómenos de ressonância realizados no trato vocal [18]. Uma outra característica que se destaca entre os estilos folclóricos internacionais relaciona-se com as estratégias de ressonância utilizadas para alcançar o timbre característico de cada estilo de canto. O exemplo mais comum é a afinação de formantes (formant tuning), um processo de estudo complexo que revela o controlo da ressonância de forma a fazer coincidir uma determinada formante (filtro) com um harmónico específico (fonte glótica) num conjunto de tons. Este fenómeno é frequente no canto clássico, onde há evidência de diferentes estratégias utilizadas dependendo da gama de tons e da tipologia vocal [19]. No canto folclórico a afinação mais descrita foi entre a primeira formante (F1) e o segundo harmónico (H2), presente no canto da Bulgária [6] e da Croácia [8]. Note-se que esta estratégia está definida como sendo possível pelo facto de, no caso das mulheres, ser utilizada uma gama de frequência relativamente grave para a voz cantada. Por exemplo, na Bulgária a tessitura

utilizada para canto solista varia num intervalo de quinta (tipicamente entre Ré 4 [294 Hz] e Lá 4 [440 Hz]) ou em 8 semitons em canções de grupo em uníssono [6]. Emissões vocais em tessituras mais altas necessitariam de outras estratégias mais compatíveis com a relação de proximidade natural entre formantes e harmónicos [19]. A formante do cantor, um reconhecido fenómeno de ressonância que se identifica no canto clássico, não foi identificada em nenhum dos estilos folclóricos que a procuraram: Estónia, Croácia e E.U.A. Esta estratégia é geralmente encontrada em cantores clássicos do género masculino ou em contraltos (género feminino). Por definição, trata-se de uma aglomeração das formantes F3, F4 e F5, e encontra-se como um pico de energia localizada na região dos 2-3 kkz. É especialmente utilizada no canto clássico como forma de sobrepor a voz do cantor solista ao som da orquestra, sem a necessidade de amplificação [18]. Os mecanismos fisiológicos responsáveis por este fenómeno não são totalmente claros, apontando-se a altura do palato, a posição da língua, a tensão da faringe e a configuração do esfíncter ariepiglótico como possíveis explicações. O desenvolvimento desta estratégia é conseguido através do treino formal e trata-se de uma característica específica do canto clássico, pelo que também não tem sido encontrada noutros estilos não clássicos. Não foram encontrados para nenhum dos estilos dados que revelem qual o processo de aprendizagem para o canto folclórico, pelo que uma das possibilidades mais fortes é a aprendizagem em contexto natural, pela própria experiência, enquanto fenómeno social e de dinâmica de grupo. No entanto, a maioria dos estudos define o cantor estudado como profissional. Se alguns dos estudos, como os do canto Country e da Croácia, deixam claros quais os critérios (anos de experiência e retorno financeiro) para assim serem definidos, nos restantes é difícil perceber se são considerados apenas critérios de domínio vocal, ou também aspectos relacionados com experiência, reconhecimento e com o retorno financeiro da actividade. B. Estilo Folclórico Português: Alto Minho Na tradição do canto folclórico Português, especialmente na região entre Douro e Minho, encontrase um repertório polifónico maioritariamente realizado por mulheres. O canto era tradicionalmente utilizado em actividades ao ar livre, associadas a tarefas agrícolas (pe. colheitas de cereais ou vindimas) ou em festividades religiosas (pe. procissões, peregrinações ou romarias). As mulheres que usualmente cantam neste estilo, habitualmente a solo, são conhecidas por cantadeiras e reconhecidas pelas suas características vocais, que normalmente incluem ser capaz de cantar tons agudos em forte intensidade [20]. Com a evolução do processo de folclorização em Portugal, o canto folclórico, que tradicionalmente era cantado a capela, foi integrado em apresentações formais e associado a performances musicais onde se inclui uma tocata diversificada em instrumentos, a dança e o traje [20]. Neste contexto, é muito provável que tenha ocorrido uma modificação do modo de cantar devido ao acompanhamento musical, que, além de condicionar vários aspectos harmónicos e musicais, entra em competição com as vozes do canto, como acontece usualmente com a concertina. Outro factor que pode ter influenciado a forma de cantar foi a introdução de meios de amplificação nas actuações, que embora fundamental para estas, usualmente não é encontrada nos ensaios. Vários estudos têm sido realizados a nível etnomusicológico ao longo dos anos e muitas são já as variáveis identificadas que influenciam e influenciaram o desenvolvimento da actividade dos grupos folclóricos e etnográficos em Portugal [1] [21]. Contudo, neste estudo pretende-se observar de forma clara e objectiva a performance vocal das cantadeiras na actualidade, e não analisar as diferenças e evoluções que se terão acontecido desde os cantos ancestrais que lhes deram origem. Desta forma, os fenómenos sociais, políticos e culturais que estão inerentes a esta evolução foram considerados e valorizados, como forma de enquadramento da temática, mas não serão aqui explorados de forma extensiva, de forma a evitar um afastamento do âmbito real do estudo. Considera-se no entanto importante dar ênfase a um aspecto que poderá interferir com o fenómeno vocal: a autenticidade do folclore representado. É possível caracterizar os grupos folclóricos de acordo com o grau de autenticidade com que representam as tradições das suas regiões, ao nível da música, dança e trajar. No entanto, desde os mais puros, com repertório e interpretações baseados em recolhas etnográficas genuínas até aos mais artificiais, com influência tradicional mas sem rigor etnográfico, todos implicam a existência de uma performance vocal que não está estudada e todos competem por representação num mercado do espectáculo que apesar de limitado é bem definido [21]. Esta competição é um dos factores que, a nível local, regional, nacional ou internacional, justifica tanto influências mútuas como diferenças acentuadas. Assim, torna-se difícil, senão impossível, assumir que uma determinada região apresente consistência na forma como se apresenta a nível folclórico, pelo que inevitavelmente a forma de cantar da cantadeira e a sua qualidade de voz poderão sofrer influências de acordo com o tipo de grupo em questão. Da mesma forma, considera-se que processos de influência musical induzidos pela cultura musical existente em gerações mais recentes, pela formação formal que possa ocorrer ou pela participação em outros tipos de grupos musicais, nomeadamente grupos corais, entre outros aspectos, podem interferir com a performance vocal que encontramos actualmente.

Independentemente, das características mais ou menos variáveis que possam ser apresentadas pelas cantadeiras, para muitos grupos a cantadeira continua a ser um dos mais importantes símbolos de qualidade e autenticidade. Apesar de hoje ser frequente encontrar homens a cantar em Ranchos, os cantadores, é a voz das cantadeiras que continua a marcar a diferença, chamando a atenção da audiência pelas suas qualidades vocais. Destacam-se aqui a voz aguda, a intensidade forte, alguma possível rouquidão, por vezes a desafinação e especialmente a tensão elevada [20], factores que contribuem para uma frequente redução na inteligibilidade do texto cantado. Para além das características vocais do ponto de vista estilístico, é importante perceber que dimensões o fenómeno do canto folclórico pode ter considerando a voz cantada como uma actividade de risco, tal como demonstrado em estudos anteriores [2]. Estima-se a existência de cerca de 2.000 grupos de carácter folclórico ou etnográfico em todo o país [21]. Num estudo preparatório ao actual, realizado pelos mesmos autores, foram identificados todos os grupos folclóricos e etnográficos existentes no distrito de Viana do Castelo através dos dez municípios que dele fazem parte: Arcos de Valdevez, Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Valença, Viana do Castelo e Vila Nova de Cerveira. No total foram identificados 95 grupos. Cerca de 85% foram contactados para levantamento de dados e estima-se a existência de 190 cantadeiras solistas, e 500 cantadeiras em coros, que normalmente alternam entre o canto e a dança. Quanto aos homens os números rondam os 125 cantadores solistas, embora num número mais reduzido de Ranchos (pois em alguns grupos os homens não cantam) e com menor repertório mesmo naqueles em que participam, e 230 cantadores em coros, que normalmente coincidem com os tocadores pelo facto de haver menos dançadores em excesso (o que não acontece com as mulheres). Vários grupos afirmaram haver historial de cantadeiras com problemas de voz, principalmente em fases de muitas actuações, como no Verão, e da necessidade de fazer ajustes nas actuações quando isto acontece. Assim, apesar de não haver ainda informação suficientemente abrangente para fazer um retrato preciso da situação desta região, considera-se haver evidência suficiente para justificar o estudo aprofundado deste tema, no sentido de contribuir para uma prática vocal saudável. C. Objectivos do Estudo Está descrito o impacto negativo que alguns estilos de canto podem ter ao nível da saúde vocal, principalmente estilos como o belting, usado em teatro musical, devido aos níveis elevados de Pressão Subglótica utilizada e o recurso a fonação comprimida [2]. Neste sentido tornase pertinente estudar o folclore português, de forma a contribuir para as boas práticas na área do canto e da saúde e reabilitação vocal. O presente projecto pretende ser pioneiro ao investigar as práticas vocais particulares do repertório vocal folclórico do Minho, recorrendo a tecnologia avançada de análise da produção vocal. Este trabalho, de carácter descritivo e exploratório, representa parte do estudo piloto realizado no âmbito de uma investigação mais alargada, pelo que se apresenta na forma de um estudo de caso. O objectivo deste estudo é caracterizar aspectos fonatórios do estilo de canto de folclore do Minho, mais propriamente do distrito de Viana do Castelo. II. Metodologia Para sujeito do estudo foi seleccionada uma cantadeira de 65 anos, sem educação vocal formal e com mais de 30 anos de experiência em canto folclórico Minhoto, residente no distrito de Viana do Castelo. Relativamente ao historial clínico não foram detectados dados pertinentes com possível influência na voz, nomeadamente com respeito a perturbações da voz, fala e audição, patologia respiratória, digestiva ou hormonal. Foi realizada uma gravação multicanal durante a produção de diferentes tarefas vocais, num estúdio acusticamente tratado. A gravação foi realizada em quatro sinais: (i) áudio, (ii) electrolaringografia, (iii) fluxo e (iv) pressão oral. Foi utilizado equipamento tecnológico de análise vocal constituído por uma combinação entre o electrolaringógrafo de Fourcin (UK) e o interface MS-110 da Glottal Enterprises (USA), que permite avaliar, de uma forma objectiva e não-invasiva, aspectos relacionados com a produção vocal artística. A cantadeira realizou as seguintes tarefas: (i) cantar uma canção folclórica da sua preferência, canção livre, (ii) cantar uma canção representativa do repertório minhoto, canção standard, (Ó Rosinha do Meio) com letra normal e (iii) substituindo a mesma pela repetição sucessiva da sílaba /pae/, canção standard /pae/, (iv) falar de forma espontânea, fala livre, (v) produzir em modo de voz falada a letra da canção previamente descrita (Ó Rosinha do Meio), fala standard e (vi) sustentar vogais (/a/, /i/ e /u/) cantadas em tons graves, médios e agudos. Neste estudo preliminar foi realizada a análise de: (i) Pressão Subglótica, (ii) espectrografia de longo termo (LTAS long term average spectrum), (iii) equivalent sound level (Leq) a 30 cm, (iv) alpha ratio (α), (v) a relação entre os picos dos dois primeiros harmónicos medida no no LTAS (H1-H2 LTAS ) e (vi) estabilidade fonatória ciclo-a-ciclo (jitter). A análise dos sinais foi realizada usando diferentes softwares: Soundswell signal workstation (Hitech Development, Solna, Sweden), Speech Studio e Praat (Paul Boersma, University of Amsterdam, The Netherlands).

III. Resultados e Discussão A primeira medida de fonte glótica é a Pressão Subglótica extraída na prova de canto standard /pae/. Na Fig.1 é possível observar a distribuição da Frequência Fundamental em função da Pressão Subglótica durante a realização da tarefa de canção standard /pae/. Verifica-se uma relação linear positiva moderada (R 2 = 0,59), o que significa que a Pressão Subglótica aumenta com a Frequência Fundamental. A variação encontrada é entre 20 e 30.5 cm H 2 O, com uma média de 24.6 cm H 2 O. Estes valores são extremamente elevados, o que se considera justificável pelo facto de se tratar de uma produção em intensidade forte. masculinas, os nossos valores são mais baixos. Neste estudo, como no nosso, também se encontrou uma relação linear positiva entre os valores de Pressão Suglótica e os da Frequência Fundamental. Resultados similares aos nossos foram ainda descritos para o estilo heavy belting, realizado por uma cantora em condições semelhantes, como pode ser observado na Fig.3 [5]. Fig. 3. Média da Pressão Sugblótica obtida em diferentes estilos de belting na tarefa de canto em /pae/ e em sequências de diminuendo. Fonte: Sundberg, Thálen e Popeil [5] Fig. 1. Dispersão da Pressão Subglótica (Psub) versus a Frequência Fundamental (F0) na tarefa de canto livre /pae/ Quando comparados com dados publicados por Thalén e Sundberg [3], também de uma voz feminina em forte intensidade, os nossos resultados apresentam níveis superiores de Pressão Subglótica, ficando acima de produções voluntariamente produzidas em modo de fonação comprimida, como demonstrado na Fig. 2. A segunda medida em análise é proveniente do sinal acústico e denomina-se de jitter. Esta medida que pretende analisar a estabilidade fonatória, e consecutivamente a qualidade vocal, foi extraída na prova de canto standard /pae/ em segmentos estáveis de pelo menos 2.5 segundos, excluindo vibrato. Devido à inexistência de uma norma para a voz cantada comparou-se os resultados com os obtidos no mesmo sujeito em vocais sustentadas em diferentes tons. Fig. 4. Dispersão do jitter local versus a Frequência Fundamental (F0) na tarefa de canto livre /pae/ Fig. 2. Comparação dos da dispersão da Pressão Subglótica versus a Altura Tonal na tarefa de canto livre /pae/, com os dados de Thálen e Sundberg [3] relativos a diferentes tipos de fonação (comprimida, neutra, fluida e soprosa). Se comparados com os dados apresentados por Cleveland et al. [10], acerca do estilo country, em vozes Os resultados, apresentados na Fig. 4, mostram que o jitter nas vogais sustentadas apresenta valores baixos e a dispersão obtida no canto é semelhante, pelo que a possível existência de rouquidão descrita neste estilo [20] não parece ter manifestação na regularidade dos ciclos glóticos do sujeito em estudo.

Fig. 5. Perfil de gama de Frequência Fundamental apresentado pela cantadeira nas diferentes tarefas vocais: extensão vocal obtida por glissandos (rectângulo cinzento); canção livre (rectângulo com linha preta); canção standard, Ó Rosinha do Meio (rectângulo com linha cinzenta); fala livre (rectângulo com linha preta tracejada); e fala standard, leitura da letra da canção Ó Rosinha do Meio (rectângulo com linha cinzenta tracejada). Comparando os valores de jitter com outros estudos podemos observar que esta medida varia entre 0.32 e 0.37 (para /i/ e /a/, respectivamente) [22] enquanto que os nossos valores são geralmente menores, variando para os mesmos tons (aproximadamente 250 Hz) entre 0.24 e 0.22 para as mesmas vogais. Isto significa que os valores de jitter, para além de normais e aceitáveis, mostram que não há uma aperiodicidade relevante nas vogais sutentadas na nossa cantadeira. Considerando os valores encontrados nas vogais da voz cantada (média = 0.26, mínimo = 0.15 e máximo = 0.34), apesar de serem perceptivamente avaliados como contendo algum grau de rouquidão, os níveis são igualmente aceitáveis. Os valores são próximos dos encontrados para o teatro musical (ou belting) (0.280, 0.21 0.70) e country (0.320, 0.27 0.44). O soul (0.430, 0.34 0.58), o jazz (0.440, 0.22 0.65) e a ópera (0.520, 0.37 1.01) tiveram valores ligeiramente superiores e o pop (1.13, 0.81 1.99) obteve os valores mais altos [23]. Estes valores de referência foram extraídos de gravações comerciais que incluíam segmentos em vibrato. O vibrato, frequente no canto clássico, pode ser o suficiente para influenciar esta medida de perturbação. O facto de termos seleccionado segmentos sem vibrato pode ser a razão pela qual obtivemos valores mais baixos de jitter e deverá ser uma questão a explorar em investigações futuras. Os dados que iremos apresentar de seguida dizem respeito a medidas acústicas no sentido de comparar as diferentes tarefas de voz falada e voz cantada. Para dar início a esta comparação apresenta-se a Fig. 5, onde está patente a distribuição de tons encontrada nas diferentes tarefas solicitadas. A extensão vocal da cantadeira atingiu as três oitavas, estando as tarefas de fala localizadas na região inferior da extensão e as de canto numa região mais alta, ao nível da segunda oitava. A fala livre foi a tarefa que apresentou a gama tonal mais alargada, com cerca de duas oitavas, enquanto que a gama menor foi encontrada no canto standard. A Frequência Fundamental média mais baixa foi observada na fala standard e a mais alta no canto livre. Note-se ainda que os valores encontrados são superiores aos descritos para o canto da Bulgária, também realizado por mulheres. Os dados relativos à Frequência Fundamental expressos na Fig. 5 estão também apresentados no Quadro 2, juntamente com os valores de intensidade, em Leq a 30 cm, de Alpha e de (H1-H2) LTAS. Os resultados mostram diferenças claras entre as diferentes provas, destacando-se a de canto livre pelos tons elevados que atinge (659.3 Hz) e pela elevada intensidade comprovada pelo Leq (89.5 db). Neste aspecto também o canto standard atingiu um valor elevado (83.8 db). Estes valores mostram que o canto folclórico do Minho, aqui representado por uma única cantadeira, tem níveis de intensidade comparáveis aos apresentados no canto clássico (ref=88.1 db) ou da broadway (ref=87.9 db) [24]. Comparando com o belting, percebe-se que estes podem atingir níveis ainda superiores, pelos 95 db [5]. Quadro 2. Medidas acústicas das diferentes tarefas de fala e canto Fala Canto Livre Standard Livre Standard F0 media [Hz] 220 213 430 386 F0 mínima [Hz] 138.6 123.5 311 311 F0 máxima [Hz] 554.4 329.6 659.3 554.4 Leq [db] 70.9 80.3 89.5 83.8 Alpha [db] -8.83-8.29 5.63 0.32 H1-H2 LTAS 0.4 4.8-12.5-10.6 Os dados apresentados na Fig. 6, representam o LTAS das diferentes tarefas de fala e canto e estão em concordância com os valores de Leq. A tarefa que mais se destaca é a de canto livre com um pico espectral na região de 1 a 1.5 khz, o qual se manifesta também no canto standard, embora com menos expressão. Esta configuração está em concordância com os valores de alpha (Quadro 2) que sendo positivos mostram que há

uma contribuição das frequências acima de 1 khz para o nível global de intensidade da voz. Este fenómeno é inverso ao que se verifica nas tarefas de fala, onde se observa um declínio progressivo do espectro ao longo das gamas de frequências, típico da perda de energia que acompanha a sequência de harmónicos. Fig. 6. Espectrogramas de longo termo (LTAS) das tarefas de fala livre, fala standard, canto livre e canto standard Como demonstrado anteriormente o estilo belting partilha algumas características com a nossa cantadeira ao nível da fonte glótica. Dados semelhantes foram também encontrados nas curvas de LTAS, nomeadamente no que respeita ao pico localizado na região dos 1.5 khz, como pode ser observado na Fig. 7, extraída do estudo de Sundberg e col. [5]. Na figura é claro que os subtipos brassy, heavy, ringy e nasal belting apresentam um pico na mesma região. efeito de afinação de formantes, amplificando a respectiva gama de frequências. No presente estudo não se reuniram as condições técnicas necessárias ao estudo de fenómenos de afinação de formantes. Contudo, considerando a possibilidade de afinação de F1:H2 já descrita no canto da Bugária, mas apenas possível devido à gama de tons do canto ser relativamente grave [6], pensamos que neste caso seria difícil um efeito semelhante. Outras estratégias de ressonância poderiam justificar os resultados obtidos, nomeadamente as descritas no belting: F2:H3 e F2:H5. Mesmo sem dados específicos sobre a afinação de formantes podemos recorrer às medidas de H1-H2 LTAS para melhor compreender este fenómeno. Estas são compatíveis com uma fonação comprimida nas tarefas de canto [3] e apresentam valores negativos, o que pode significar que, no canto, há um aumento da energia na região da H2 que pode ser justificado por um fenómeno de ressonância. Esta interpretação é também suportada pelos resultados de alpha previamente apresentados. Os fenómenos de ressonância no canto do Minho são, assim, um campo de pesquisa que necessita de ser explorado. Uma última particularidade pode ser apontada, neste caso quanto às tarefas de fala, visto que ambas apresentam um pico espectral na região dos 4.5 khz. Estas podem ser interpretadas como um agrupamento de formantes (formant cluster), respectivamente da F4 e F5, correspondendo à Formante do Actor, um indicador de qualidade/projecção vocal [25]. No entanto, esta Formante apenas está descrita e demonstrada para vozes masculinas, nomeadamente no canto da Croácia [8], e normalmente é encontrada entre 3 e 4 khz. Este é também um aspecto que necessita de ser mais explorado no futuro. VII. CONCLUSÃO Fig. 7. Espectrogramas de longo termo (LTAS) das tarefas de canto em vários estilos de canto belting (brassy, heavy, ringy, speechlike e nasal) e canto clássico. Fonte: Sundberg, Thálen e Popeil [5] O primeiro platô localizado entre os 300 e os 500 Hz das tarefas de canto pode ser explicado pela gama de Frequência Fundamental, cujas médias variam entre os 386 e os 430 Hz, como apresentado no Quadro 2. Os picos localizados a 1-1.5 khz podem ser justificados por dois factores: a) a fonação comprimida, que seria responsável pelo aumento da energia do H2, ou b) um O presente estudo de caso, enquanto teste piloto, permitiu uma caracterização preliminar dos parâmetros de voz presentes no canto feminino do folclore do Minho. Os dados recolhidos serão futuramente analisados através do método de filtragem inversa, o que permitirá a extracção de medidas suplementares que facilitarão a interpretação e corroboração das conclusões apresentadas. As medidas a analisar incluem: (i) quociente de amplitude normalizada (NAQ), (ii) quociente de encerramento (Qclosed), (iii) maximum flow declination rate (MFDR) e (iv) a relação entre os dois primeiros harmónicos medida no glotograma de fluxo (H1-H2). Verificaram-se diferenças entre as várias de tarefas de fala e canto que deverão ser exploradas no futuro em grupos amostrais de maiores dimensões. Encontraram-se ainda semelhanças com outros estilos de canto

folclórico, como os da Bulgária, da Croácia e o Country, mas também com estilos comerciais como o belting. Há evidências do uso de tons agudos, intensidade forte e fonação comprimida/tensa, pelo que os aspectos de saúde vocal das cantadeiras devem ser tidos em especial consideração. A existência de alta incidência de perturbações da voz associadas a estilos não-clássicos com características similares às encontradas justifica o desenvolvimento de investigações orientadas a esta realidade, na região do Minho, em Portugal. A aparente presença de fenómenos de ressonância específicos deste estilo justifica ainda a necessidade de adoptar métodos suplementares de recolha e análise de dados para que possam ser correctamente identificados e descritos. Este conhecimento é fundamental para uma intervenção junto desta população, respeitando e promovendo as características vocais que mais identificam o estilo folclórico do Minho. Referências [1] J. S. 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