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Transcrição:

BuscaLegis.ccj.ufsc.br Procurador de Justiça no processo penal Edison Miguel da Silva Júnior* 1. Introdução No conhecido livro Eles, os juízes, visto por nós, os advogados, Calamandrei afirmar que na acusação pública, o acusador deveria ser tão parcial como o advogado e tão imparcial quanto um juiz (1). Apesar do nobre propósito e da inegável contribuição para mudar a imagem do antigo acusador irracional, a contradição dessa afirmação se mostra evidente: uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Na verdade, o Ministério Público tem duas funções no processo penal: ora deve ser tão parcial como o advogado, ora deve ser tão imparcial quanto o juiz. 2. Acusação No processo, parte é o sujeito que propõe ou contra quem se propõe a ação, independentemente da titularidade da relação jurídica material deduzida em juízo. Ao promover a ação penal oferecendo a denúncia contra o réu, o Ministério Público é parte. Como tal, busca um provimento judicial específico, decorrente do dever-direito de punir do Estado (jus puniendi): a condenação do réu. Logo, deve ser tão parcial como é o advogado da defesa na busca da absolvição.

Por óbvio, sua parcialidade não o autoriza atuar contra a lei ou promover chicana ou ainda utilizar-se de expediente espúrio. Se for o caso, deve requerer a absolvição do réu ou, antes, promover o arquivamento do inquérito policial. Aliás, a boa-fé obriga tanto a defesa como a acusação, pois ambas são funções essenciais à Justiça. Atuando sempre de acordo com a lei, cada qual desempenha seu papel no processo contraditório: uma parte acusa, a outra parte defende e o juiz decide qual dos argumentos deve prevalecer. A parcialidade da acusação, em oposição à parcialidade da defesa, é que possibilita a imparcialidade do juiz. Enfim, sem partes não existe sistema acusatório. Portanto, no processo penal, o sujeito imparcial é o juiz e não aquele que oferece a acusação. 3. Fiscal da lei Contudo, a função do Ministério Público no processo penal não se esgota na acusação. Havendo recurso, atua também como custos legis (fiscal da lei), isto é: não deduz uma pretensão em juízo (não é parte), mas promove a correta aplicação da lei, sugerindo a solução justa para o conflito penal formatado pela acusação e defesa. Por solução justa, entende-se aquela que está de acordo com a ordem jurídica: seja absolutória ou condenatória; seja para aumentar ou para diminuir a pena. Essa segunda função do Ministério Público (parecerista e não autor) decorre do interesse público na efetivação da garantia da liberdade individual e não do jus puniendi. A desproporção de forças entre o indivíduo e o Estado justifica a existência e o trabalho do fiscal da lei no sistema acusatório.

A realidade cotidiana demonstrada nos recursos criminais confirma essa necessidade, agravada pela ausência de defensoria pública. A maioria dos condenados (pobres na sua totalidade) tem apenas uma defesa formal, apesar do esforço do defensor nomeado ou mesmo constituído. Não cabendo à acusação, salvo em casos extremos, suprir falha da defesa, sob pena de inviabilizar o sistema acusatório. Portanto, a motivação do parecer ministerial no processo penal é a defesa da liberdade individual pela correta aplicação da lei penal. Do pior bandido ao mais probo cidadão, ninguém poderá ser preso ilegalmente ou sofrer pena injusta. Para dar maior efetividade a essa garantia, a ordem jurídica desvincula a atribuição de fiscal da lei daquela de acusação. Tanto que sua manifestação ocorre após as manifestações da acusação e da defesa, ou seja, após as alegações das partes. Como essa segunda atribuição, por impossibilidade lógica, não pode ser exercida no mesmo processo pelo mesmo órgão; havendo recurso, a acusação estará presente pelo promotor de justiça e a fiscalização da lei pelo procurador de justiça. O mesmo Ministério Público presente por dois órgãos distintos com funções distintas e o mesmo ideal: promover a Justiça. 4. Conseqüências práticas Por isso, não é correto que o promotor deixe de oferecer contra-razões em eventual recurso da defesa face à futura atuação do procurador, porque este não tem atribuição de acusação. Não se confundindo contra-razões da acusação com parecer do fiscal da lei. Também não é correto que o procurador transmude seu parecer em libelo acusatório, complementando ou reforçando a acusação. Sua obrigação não

é buscar a condenação, mas resguardar a liberdade individual contra a incorreta aplicação da lei penal. Se nada houver a dizer porque desnecessário, convencido da correta promoção da lei penal, apenas ratifica o arrazoado ministerial de 1º grau. Caso contrário, lança seu parecer, sugerindo a correta aplicação da lei penal face à garantia da liberdade individual. A eficácia do parecer é a mesma da denúncia ou qualquer outra promoção ministerial, qual seja: a necessidade de fundamentação das decisões judiciais. Julgado o recurso, cabe ao Ministério Público, presente pelo procurador que nele atuou, recorrer do acórdão para o Superior Tribunal de Justiça ou para o Supremo Tribunal Federal, se for o caso. Ofende o princípio do promotor natural que outro órgão ministerial recorra, pois a interposição do recurso especial ou extraordinário ocorre perante o tribunal de justiça, no qual atua o procurador por disposição legal (promotor natural) e não por designação do procurador-geral. Interposto o recurso especial ou extraordinário, o Ministério Público federal assume a atribuição de custos legis e o procurador de justiça, de parte; pois vinculado ao provimento judicial objeto do recurso que ofereceu. Mais uma vez, dois órgãos ministeriais diferentes, com funções diferentes e mesmo ideal. 5. Conclusão No processo penal, a acusação é promovida pelo promotor de justiça e a fiscalização da lei pelo procurador de justiça. Na primeira função deve atuar tão parcial quanto o advogado na defesa; na segunda, tão imparcial como o juiz. O mesmo Ministério Público presente por dois órgãos distintos com funções distintas e o mesmo ideal: promover a Justiça. (1) - São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 58.

Texto publicado no INFOCRIM. Goiânia, AGMP / FESUMP, ano II, nº 3, abr. 2006 SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Procurador de Justiça no processo penal. Disponível em: http://www.juspuniendi.net/01/01-0031.htm Acesso em: 2.ago.2006.