III Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas ST 01 - Os sentidos da democracia: tensões entre prática e teoria Coord.: Adrian Gurza Lavalle (USP/Cebrap) e Cláudia Feres Faria (UFMG) Sessão 01 Os sentidos da democracia para atores sociais e políticos Democracia - Liberdade e Igualdade, Direita e Esquerda: Uma Discussão Teórica e sobre as Percepções d@s Brasileir@s sobre Governos, Partidos e Políticas Públicas Carolina Raquel Duarte de Mello Justo (UFSCar) Fabíola Brigante del Porto (CESOP/Unicamp) Kátia Mika Nishimura (Puccamp e UniFOA) UFES, Vitória (ES) 0/05 a 02/06/2017
Democracia - Liberdade e Igualdade, Direita e Esquerda: Uma Discussão Teórica e sobre as Percepções d@s Brasileir@s sobre Governos, Partidos e Políticas Públicas Resumo: Carolina Raquel Duarte de Mello Justo (UFSCar) Fabíola Brigante del Porto (CESOP/Unicamp) Kátia Mika Nishimura (Puccamp e UniFOA) O que é a democracia? Em contraposição à ditadura, é a forma de governo em que o poder político é exercido pelo povo, de modo direto ou indireto, através de representantes. A discussão teórica que amplia tal noção - seja para a democratização social, em que o indivíduo é tomado como cidadão, com múltiplos status, cujo poder decisório é partilhado com mais gente -, seja para a democratização substancial, em que a linguagem, fins e valores democráticos orientam as práticas individuais e coletivas - não escapa da definição e relação entre igualdade e liberdade, e da ênfase ou prioridade dada a esses termos pela esquerda e pela direita, cujas definições, ainda que não diretamente relacionadas às de democracia e ditadura, acabam, por conta de tal debate e das experiências históricas, delas se aproximando e se distanciando, em medidas e condições distintas. Como se retroalimentam tais debates, empírico e normativo, a partir das interconectadas preferências e percepções d@s brasileir@s sobre democracia, liberdade, igualdade, direita, esquerda, bem como sobre partidos, suas ações governamentais e propostas de políticas públicas? É esta a discussão deste artigo baseado em dados do ESEB 2014. Palavras-chave: ESEB2014, democracia, políticas públicas 2
I. Introdução O que é a democracia? Como se distinguem direita e esquerda no espectro ideológico? Ainda é válida sua distinção? Ou o ideal socialista terá sido definitivamente solapado pelo capitalismo? Este artigo procura tratar destes temas e questões bastante complexos e polêmicos, e por isso é preciso desde o início fazer algumas ponderações e limitações. Tratamos aqui de uma discussão que é ao mesmo tempo conceitual e normativa. Em princípio, direita e esquerda, capitalismo e socialismo, democracia e ditadura, igualdade e desigualdade, liberdade e opressão, conservadorismo e liberalismo (ou progressismo) político conformam díades cujos termos se definem e se distinguem um em oposição ao outro. Recorrendo a Bobbio (1992), é possível dizer que estas díades compõem sistemas normativos diferentes. Segundo o autor, ao tratar da relação entre ética e política, deve-se considerar as distintas formas como as teorias abordam os sistemas normativos. Quando de forma dual, é possível reconhecer critérios no interior de um sistema normativo que permitem distinguir e escolher, por exemplo, entre capitalismo e socialismo, ou então, entre democracia e ditadura (noutro sistema normativo). É assim que o fazem as chamadas teorias monistas. No entanto, o autor aponta que há critérios - sejam internos aos sistemas, sejam externos a eles - que permitem hierarquizar os sistemas. O recurso analítico proposto por Bobbio é útil para refletir sobre as múltiplas relações entre capitalismo, socialismo, democracia, ditadura, liberdade, igualdade, direita e esquerda, etc. Embora tais termos não estejam conceitualmente ligados entre si, e façam parte de sistemas normativos diferentes, podem no entanto estar correlacionados, como mostram experiências históricas, nas propostas e ações de partidos políticos e coalizões governantes e nas percepções e preferências dos cidadãos e grupos sociais. E é precisamente da forma e medida como se relacionam as ações governamentais, de um lado, com as percepções e preferências dos cidadãos quanto a elas, de outro, que trata este artigo. De que ações e percepções, especificamente? Sobre aquelas que dizem respeito à igualdade, isto é, políticas inclusivas e redistributivas. Considerando que a política sempre trata do conflito de interesses e preferências, que são fundados em critérios valorativos formados culturalmente, no tempo e no espaço, e partilhados coletivamente por grupos em disputa por poder, é importante conhecer quais são estes critérios e como variam na hierarquização intra e inter-sistemas. Se podemos assumir que o principal critério que permite distinguir a esquerda da direita é a predileção pela igualdade, uma tendência a exaltar mais o que faz os homens iguais do que o que os faz desiguais e a favorecer políticas que objetivam tornar mais iguais os desiguais (Bobbio, 1995: 125), não podemos, com segurança e convicção, assumir que a predileção pela liberdade e pela democracia sejam critérios característicos de definição, seja da esquerda, seja da direita, e nem sequer de distinção entre uma e outra. E é aí que está o problema. Pra começar, a história registra experiências de ditaduras de esquerda e de direita. Mas para além disso há que se
enfrentar o problema das próprias concepções de liberdade e democracia defendidas pelas esquerdas e pelas direitas. Nessas concepções, às vezes liberdade e democracia se confundem e interpenetram, assim como noutras democracia e igualdade. Em suma, não apenas os significados conceituais de liberdade, igualdade e democracia variam em termos teóricos (empíricos e normativos), como também variam seus significados e usos políticos e, ainda, as percepções, opiniões e valorações dos cidadãos quanto a eles. Como este trabalho trata das percepções d@s brasileir@s, interessa saber não tanto se suas visões e opiniões estão certas ou erradas, isto é, condizentes com o(s) conceito(s) a que serenarem esses termos, mas, sim, como os diferentes extratos populacionais (subdivididos em categorias sócioeconômicas e demográficas, mas também atitudinais) associam estes termos entre si, dando-lhes significações e valorações distintas, específicas e variadas. Tal observação pode auxiliar a compreender as mudanças e motivações que acirraram a polarização política no Brasil recente. II. Discussão Teórica e Bibliográfica - Conceitual, Empírica, Normativa e Cognitiva III. Experiências Históricas: a Social-Democracia Europeia e o PT no Brasil III. Percepções d@s Brasileir@s sobre as Políticas Inclusivas e Redistributivas Desde junho de 201, passando pelas eleições de 2014 e 2016, a Operação Lava Jato, a crise econômica e o aumento do desemprego no país, o impeachment da presidenta Dilma, os vai e vens da reforma política e a polêmica PEC241 (já aprovada na Câmara e agora em tramitação no Senado como PEC 55), uma série de instabilidades e incertezas políticas, institucionais, econômicas e sociais têm marcado a experiência democrática brasileira recente. Como os cidadãos brasileiros veem e participam desse processo? Nas redes sociais, nas ruas e nas eleições, discussões sobre a crise e sua gestão, sobre as responsabilidades do Estado e do governo na condução das políticas públicas que afetam a vida individual e coletiva e sobre como a corrupção afeta o desenvolvimento da democracia brasileira parecem sugerir uma sociedade atenta às questões socialmente prioritárias para o país. Resultados do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) - survey nacional pós-eleitoral realizado pelo CESOP desde 2002 - para o ano de 2014 mostram que a maioria dos cidadãos considera que o governo federal gasta pouco em políticas de saúde, educação, salário-desemprego, aposentadoria e programas sociais. Mostram ainda que a percepção majoritária de que o governo gasta menos do que deveria nessas políticas aumentou entre 2010 e 2014. No mesmo sentido, tendo sido a demanda por melhoria de serviços públicos uma das principais bandeiras das jornadas de 201, ainda segundo os resultados longitudinais do ESEB, as avaliações que os cidadãos fazem dos serviços e políticas públicas (bem como das instituições representativas) pioraram entre 2010 e 2014. Como explicar esses posicionamentos contraditórios à primeira vista? Seja através da análise de resultados de pesquisas de opinião, seja através da observação de mobilizações nas
ruas e de posicionamentos e debates nas redes sociais, o cenário aponta para as polarizações que têm marcado a opinião pública brasileira sobre o desenvolvimento social no Brasil recente. Também em 2015 e 2016, milhares de manifestantes ocuparam e pintaram de verde, amarelo e vermelho as ruas em várias cidades brasileiras, ora protestando contra a corrupção, clamando pelo impeachment, ora protestando contra o golpe, clamando Fora Temer, em movimentos contraditórios que explicitam a heterogeneidade de visões e interesses, e também a dinâmica e acirramento do conflito político no Brasil, passados cerca de 0 anos da redemocratização. Ainda neste sentido, resultados do ESEB para 2014 também sugerem divisões nas opiniões e percepções dos brasileiros sobre como reduzir as desigualdades sociais no país, sobre o acesso a direitos por parte de grupos distintos, e também sobre quem deve ser o principal responsável por garantir o bem estar individual e coletivo - se os próprios indivíduos ou o Estado. Esta percepção de descontentamento pode ser vista como reflexo do amadurecimento democrático no país, que teria feito com que os cidadãos passassem a se interessar mais por política e a estarem mais dispostos a lutarem pelos seus interesses e a não se contentarem com o mínimo. Daí uma possível interpretação de que a ocupação das ruas reflita maior engajamento político e posicionamento ativo de setores da sociedade na luta por seus interesses e direitos. No entanto, tais manifestações não foram homogêneas. Ao mesmo tempo em que há aqueles que, tendo sido beneficiados por uma série de políticas inclusivas, passaram a se perceber ouvidos e atendidos pelo Estado - e daí a usarem mais seu poder e voz na busca por seus interesses, há outros que, ao contrário, passaram a se sentir lesados por estas mesmas políticas, expressando sentimentos de indignação e descontentamento diante delas porque representariam, supostamente, restrições aos seus direitos e interesses sociais, políticos e econômicos (por exemplo, devido ao aumento de impostos e da dívida pública para financiamento das políticas redistributivas). Tais setores também foram às ruas, expuseram suas demandas e visões, mas tal explicitação do conflito, saudável à democracia, não raras vezes tem resultado em intolerância e violência, que leva a questionar, então, os rumos da democracia brasileira, seja quanto à sua qualidade, ao teor de seu debate, aos seus valores, quanto também à representatividade e responsividade dos políticos eleitos, ao funcionamento das suas diversas instituições e aos recados dados pelas eleições. A partir da análise dos dados do ESEB de 2014, correlacionando as preferências e percepções d@s brasileir@s sobre democracia, liberdade, igualdade, direita, esquerda, bem como sobre partidos, suas ações governamentais e propostas de políticas públicas, este artigo pretende contribuir com a discussão teórica sobre democracia, considerando que tal noção, quando ampliada da esfera política - seja para a democratização social, em que o indivíduo é tomado como cidadão, com múltiplos status, cujo poder decisório é partilhado com mais gente -, seja para a democratização substancial, em que a linguagem, fins e valores democráticos orientam as práticas individuais e coletivas - não escapa da definição e relação entre igualdade e liberdade, e da ênfase ou prioridade dada a esses termos pela esquerda e pela direita, cujas definições, ainda que não diretamente relacionadas às de democracia e ditadura, acabam, por conta de tal debate e das experiências históricas, delas se aproximando e se distanciando, em medidas e condições distintas. sido beneficiados por uma série de políticas inclusivas, passaram a
se perceber ouvidos e atendidos pelo Estado - e daí a usarem mais seu poder e voz na busca por seus interesses, há outros que, ao contrário, passaram a se sentir lesados por estas mesmas políticas, expressando sentimentos de indignação e descontentamento diante delas porque representariam, supostamente, restrições aos seus direitos e interesses sociais, políticos e econômicos (por exemplo, devido ao aumento de impostos e da dívida pública para financiamento das políticas redistributivas). Tais setores também foram às ruas, expuseram suas demandas e visões, mas tal explicitação do conflito, saudável à democracia, não raras vezes tem resultado em intolerância e violência, que leva a questionar, então, os rumos da democracia brasileira, seja quanto à sua qualidade, ao teor de seu debate, aos seus valores, quanto também à representatividade e responsividade dos políticos eleitos, ao funcionamento das suas diversas instituições e aos recados dados pelas eleições.