Imagens e memórias das masculinidades: as indumentárias dos pioneiros de Maringá

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Transcrição:

Imagens e memórias das masculinidades: as indumentárias dos pioneiros de Maringá Images and memories of masculinities: the costumes of the Pioneer of Maringá Guilherme T. da Silva 1 Ivana G. Simili² 2 Resumo Almejamos mostrar como as vestimentas dos pioneiros, contribuíram/participaram na produção de significados para as masculinidades e de representações para eles, como homens desbravadores, corajosos, as quais repercutem na memória da cidade e nos arquivos históricos e patrimoniais. Palavras chave: indumentaria, pionerios, Maringá. Abstract We aim to show how the clothes of the pioneers, contributed/ participated in the production of meanings of masculinity and representations for them, men as pioneers, brave, and have repercussions in memory of the city and the historical archives and heritage. Key-words: clothing, pioneers, Maringá. A história da cidade de Maringá vincula-se à construção da representação para os pioneiros ou para o pioneirismo dos homens que colonizaram e urbanizaram a região norte/nordeste do Paraná. A partir da década de 20, mais especificamente entre os anos 40 e 60, dentre os estados brasileiros o Paraná obteve destaque quanto ao seu crescimento demográfico, principalmente devido a ocupação das terras na região norte do estado onde se 1 Universidade Estadual de Maringá UEM - graduado em História. Av. Colombo, 5.790 -Jd. Universitário - Maringá Paraná. CEP 87020-900 (44) 3011-4040, guilhermetelles@hotmail.com. 2 Universidade Estadual de Maringá, docente do Departamento de Fundamentos da Educação UEM - ivanasimili@ig.com.br.

localiza Maringá, que nasce assim como as demais cidades da região na pulsão da economia cafeeira. O planejamento da cidade pela empresa colonizadora de terras Companhia de Terras Norte do Paraná, hoje, Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, atraiu segundo Marlete dos Anjos Silva Schaffrath (2007), brasileiros de todo o país, sobretudo dos estados de São Paulo e de Minas Gerais. As terras adquiridas pela companhia foram colonizadas, desbravadas e, nelas, quase que em sua totalidade, neste primeiro momento, têm-se a cultura do café como predominante. Logo, o desenvolvimento de Maringá e seu núcleo urbano se fazem de maneira acelerada. Em 10 de maio de 1947, nasce como distrito de Mandaguari, em 1951 é elevada a condição de Município, passando em seu desenvolvimento de um estado de natureza bruta para uma arquitetura arrojada e planejada com rotatórias e avenidas largas. Os pioneiros chegavam em caravanas procedentes de vários estados do Brasil, especialmente do interior de São Paulo, Minas e do Nordeste. Dentre eles, também estavam representantes de diversas etnias em função da corrente migratória, com predominância para a colônia japonesa, Mas também chegavam portugueses, árabes, alemães e italianos. No pequeno núcleo urbano que surgia, concentravam-se as atividades de compra e venda de terras, as negociações entre proprietários, hospedagem de colonos recém chegados e algumas práticas ínfimas de comércio varejista. O local funcionava também, como pousada para aqueles que se embrenhavam mato a dentro, no rumo desconhecido das barrancas do Rio Ivaí. (CAP,2004) Esse era o panorama do período de ouro do ciclo do café, mais tarde substituído pelas culturas de soja e trigo, cana-de-açúcar, algodão e milho. Os produtores reuniam-se no centro do assentamento (hoje chamado de Maringá Velho), a fim de receber noticias e correspondências, fazer compras e estabelecer a primitiva rede local de comunicações. Um dado importante é que, dada a especificidade da situação de uma terra em colonização, tanto mulheres como homens trabalhavam na atividade da família. O acesso à cidade era difícil e os moradores do campo adquiriam

pequenas mercadorias de vendedores ambulantes, muitas vezes, pelo processo de troca. A vida cultural se dividia em atividades do campo e da cidade, com festas, bailes e quermesses. Havia esforços para movimentar a vida cultural com grupo de teatro de artistas moradores, mas as condições estruturais dificultavam a sistematização destas iniciativas. (TAIT, 2003). Fragmentos dessa história estão nos documentos de memória e da história de Maringá. Nesse sentido, no final da primeira metade do século XX e concomitante ao desenvolvimento da imprensa ilustrada, nos núcleos urbanos em formação no Paraná, mais especificamente em Maringá. As fotografias pessoais, familiares, permitem, no presente, conhecer aspectos da história dos pioneiros. Por intermédio destas imagens vamos ater nosso olhar sobre as indumentárias dos pioneiros, de modo a mostrar como elas contribuíram/participaram na produção de significados para as masculinidades. 2. História da Moda e História dos gêneros: considerações historiográficas É possível afirmar que muito antes do surgimento do conceito de gênero nos anos 1970 e de seu emprego nos estudos de moda, a concepção de que as mudanças históricas, econômicas, sociais, culturais e políticas refletem-se nas aparências dos indivíduos e a ideia de que a roupa é um dos principais marcadores das distinções de gênero, mediante a produção de significados para os corpos como masculinos e femininos, estiveram presentes em diversos estudos. Na descrição de Lipovestky(1989) sobre como se processou o surgimento da moda no fim do século XIX, a separação e a distinção entre as roupas para os homens e para as mulheres, ao ocorrer por intermédio da valorização de certas partes do corpo em detrimento de outras, além de definir o masculino e o feminino, passaram a exercer um papel importante na estimulação do olhar, dos jogos de sedução e de encanto entre uns e outros. A roupa teria se transformado, assim, em instrumento das relações de gênero, ao

dotarem de significados as aparências dos sujeitos históricos como masculinas e femininas e se constituírem em recurso visual para aproximações. A história do traje nos mostra, é verdade, como dois grupos sempre se diferenciaram através das roupas escreveu Gilda de Mello e Souza (1987, p.59). Com a assertiva, a autora amplia a análise dos trajes e dos ornamentos corporais do século XIX para observar que, nesse período, os princípios que marcaram a separação das indumentárias dos homens e das mulheres articulavam-se com as mudanças sociais e políticas e com a emergência de um tipo e modelo de casal: o burguês, que submetia-se às noções de casamento, família e papéis sociais a serem desempenhados por cada um do par. Nessa época, tornou-se comum a forma X para as mulheres, com as suas cinturas comprimidas por espartilhos, com as sedas dos trajes, as rendas, os babados, os fricotes, os laçarotes, os xales e os decotes em múltiplas tonalidades; e a forma H para os homens, com seus ternos de fazendas ásperas e preto. Em ambos os casos, essas peças sinalizam para a constituição de universos distintos: um feminino e um masculino. As formas e os tecidos dos trajes, bem como os detalhes das peças, desenham espaços de atuação, atitudes e comportamentos, os quais, no que diz respeito ao homem, referem-se ao mundo público dos negócios, do trabalho. Os ternos escuros e de tecidos ásperos, o esmero e o cuidado com a aparência, com a decoração do rosto a barba e o bigode -, juntamente com os símbolos fálicos da bengala, o charuto, ou ainda o uso de joias como as abotoaduras, eliminam da imagem masculina as rendas e os brocados do século XVIII e caracterizam o novo homem e a nova masculinidade. O sentido da moda está em que a roupa significa algo, e esse significado, além de diferir em função do grupo pesquisado e de sua posição no interior da estrutura social, imprime e direciona diferentes condutas para esses diversos grupos sociais, tem-se a moda como reflexo das transformações da sociedade contemporânea, dos costumes e do comportamento em geral, isto fica claro nas vivências, representações e naquilo que orienta a relação das pessoas com as roupas, aprovando e desaprovando, imitindo juízos de valor.

Ao entrar em contato com as análises de Mello e Souza(1987), podemos perceber os modos pelos quais os trajes instrumentalizam as concepções sociais de feminino e masculino ou dos papéis sociais prescritos para os sexos, na sociedade e na cultura do período. De certa forma, Mello aborda como os modos dos homens e modas de mulher encontraram nos trajes uma forma de comunicação para o casal burguês e nos faz lembrar da obra de Gilberto Freyre(1987), cuja contribuição aos estudos de moda no Brasil foi mostrar que os conceitos de masculino e feminino são produtores de significados para roupas e comportamentos. Embora com focos e abordagens distintas, Lipovestky(1989), Mello e Souza(1987) e Freyre(1987) acenam para alguns dos fundamentos que passaram a nortear os estudos de moda e gênero, o qual pode ser assim sintetizado: vestir uma roupa é vestir um gênero, vem repetindo de diversas formas os estudiosos de gênero nas interfaces com a indumentária e a moda, sinalizando os caminhos percorridos pelos debates e estudos desde o surgimento e a emergência do conceito no âmbito das ciências humanas, por volta dos anos 1970. Desde esse período, algumas das bases teóricas e metodológicas existentes defendem o fato de que o gênero não é uma decorrência natural das diferenças sexuais, mas uma categoria imposta a um corpo sexuado (SCOTT, 1995, p.75). Isso significa que as concepções de masculino e feminino são produzidas e reproduzidas nas relações sociais, ou seja, nelas, as roupas ingressam como um dos mecanismos sociais e culturais para as identificações dos sujeitos e as criações de significados para os corpos, como masculinos e femininos. Se o gênero adquire vida pelas roupas e se a moda instrumentaliza as concepções de gênero, fabricando noções de masculino e de feminino e, com elas, as representações para as masculinidades e feminilidades, como os pioneiros foram retratados nos documentos legados? Como os trajes representam as masculinidades dos homens, produzindo e reproduzindo representações para eles como conquistadores, fortes, viris, corajosos, poderosos?

3. Os arquivos de memória da cidade e as metodologias para a utilização das fotografias como fonte de estudo Entre os acervos de memória está o do Patrimônio Histórico de Maringá. Segundo o historiador da gerência do Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura, João Laércio Lopes, o Museu de História e Arte Hélenton Borba Cortes, foi instituído como Museu Municipal pela lei nº 299/64 mas, na ocasião, ainda não contava com um acervo ou um espaço físico. Seu acervo começou a ser constituído a partir de 1984, em 1987 com a criação do Projeto Memória, a lei nº2.297/87 criou o Serviço de Patrimônio Histórico de Maringá(SPHAM), decorrente do Projeto Memória e vinculado a Secretaria da Cultura e Educação, o estabelecimento de tal órgão materializou a intencionalidade de execução de uma política governamental em favor dessa questão. Com a construção do moderno Teatro Calil Haddad, inaugurado em 31 de dezembro de 1996 como o maior no Norte do Paraná e um dos maiores do Estado, no ano seguinte ambos passaram a ocupar o mesmo espaço, transformando-se praticamente em uma instituição só. O acervo foi então, disponibilizado para consulta e o museu pode ser aberto à visitação pública. Atualmente a gerência de Patrimônio Histórico é responsável pela coleta, catalogação e conservação do acervo histórico deste museu que, acumulou um arquivo considerável com documentos sobre vários personagens da história maringaense. Entre entrevistas, objetos, jornais, periódicos e as fotografias as quais se detém o foco de nossa pesquisa, é possível encontrar registros sobre a construção da cidade, seu desenvolvimento político, práticas de poder e seus personagens. As narrativas visuais encontradas no acervo falam da moda e dos usos de fotografias, como fontes em pesquisas em moda desenvolveram algumas metodologias de análise para a utilização dos fragmentos imagéticos. Burke(2004, p.99) evidência a importância das imagens para a história do vestuário, colocando a possibilidade da mudança de foco do item isolado para o conjunto, ou seja, para saber o que se usava e como que.

Le Goff(1996) legitima a fotografia como uma mensagem que se elabora através do tempo, tanto como imagem/monumento, quanto como imagem/documento, March Bloch(1969), partilha essa ideia que legitima a imagem como testemunho direto quanto indireto do passado, assim cabe ao historiador entrar em contato com este presente/passado, investir sentido no mesmo, diverso ao dado a imagem por seus contemporâneos, mas próprio a problemática a ser estudada. Isto posto, por intermédio das imagens é possível perceber e identificar como esses homens [negros, brancos, ricos, trabalhadores, meninos], partilhavam o espaço e se relacionavam entre si e com o mundo, em um momento de formação do município de Maringá, em seus primórdios. A discussão dos métodos de analise imagética, propõem uma abordagem da construção e desmontagem da imagem fotográfica. A desmontagem da fotografia consistiria, num primeiro momento, segundo Boris Kossoy (2001), em analisar e interpretar as fontes fotográficas, tendo conhecimentos que a fotografia não são um documento isento de manipulação, buscando decifrá-las e encontrar seus elementos constitutivos (fotografo, assunto, tecnologia) e suas coordenadas de situação ou seja espaço tempo. Das fotografias localizadas do acervo, selecionamos esta para explorar neste texto:

Figura 1: Drº José da Cunha, advogado e fazendeiro, em foto com seus empregados, fazenda Marajó, estrada Guaiapó, acervo Patrimônio Histórico Maringá, década de 40. É nítida, na imagem, que as roupas atestam as diferenças sociais ou de classes sociais e gênero. A relação histórica dos homens com as calças, como sinal e sintoma de virilidade e, portanto, de masculinidade, adquire força no fragmento visual. No entanto, as diferenças sociais entre eles também são visíveis. O homem posicionado no centro da imagem usa terno e botas, dizendo com todas as letras, eu tenho poder superior aos demais homens, certamente, seus empregados. Fica evidente na foto sua posição de proprietário das terras. Talvez, a fotografia também provavelmente tenha sido produzida a seu pedido, para referendar seu poder como homem, dono de terras. O terno contribui, assim, para referendar poder e prestigio de um proprietário. Ademais, os ternos, conforme mostrou Hollander(1996), na indumentária masculina está relacionada à fabricação de um tipo de poder ao uniforme do poder oficial, não da força física, mas da diplomacia, do compromisso, da civilidade e do autocontrole físico. Homens usando ternos reafirmam os códigos e os simbolismos culturais, políticos e econômicos da autoridade, do poder de fazer, realizar, negociar ou ainda, ao poder econômico de ter dinheiro, de ter empregados, de ter terras, como era o caso

dos pioneiros. O terno e o carro ao fundo, completam a descrição e a representação. Ele usa terno, tem carros e empregados. O terno impecável do proprietário contrasta-se com as roupas usadas pelos empregados: amarrotadas e sujas. Um dos homens está com a camisa aberta, sugerindo que faltavam botões. Os contrastes proporcionados pelas imagens em preto e branco denunciam que aqueles homens estavam trabalhando quando o proprietário chegou, provavelmente, com alguém, com uma máquina ou pediu para que algum funcionário o registrasse junto a seus empregados. A relação entre os homens com o mundo no qual habitavam e estavam desbravando torna-se nítida pelas roupas e calçados usados por uns e outros. As botas, como calçados, dizem muito sobre os trabalhos no campo, na zona rural. Era preciso calçar bem os pés, porque as picadas de cobras e de outros insetos podiam matar os trabalhadores. Logo, as botas também são diferenciadas e constroem significados diferentes. A bota do proprietário, engraxada, chega a reluzir. Ele não coloca o pé na terra para trabalhar. Está, lá, para vistoriar o trabalho dos empregados. Estes, sim, cuidam de usar botas para enfrentar o chão de terra e seus perigos. As botas e as enxadas das mãos comunicam quem são os trabalhadores. Há um garoto descalço com o que parece ser uma lata na mão. Seria filho de algum empregado? Será que o proprietário explorava o trabalho infantil? As perguntas são plausíveis bem como as respostas. Era e podemos dizer que, ainda é, prática comum, os pais que trabalham e moram no campo, fazer com que os filhos os ajudem, principalmente, nos casos em que o empregado mora nos sítios e fazendas ou quando o pagamento do pai, depende ou é parte da produção. Talvez o menino da fotografia esteja contando para nós que, estava ali, ajudando o pai e que talvez, a falta de dinheiro e o custo de uma bota para que trabalhasse não fosse possível e que, na falta de calçados e a necessidade de trabalhar, ele o fizesse com os pés descobertos. O uso dos chapéus também produzem significados para os empregados e o patrão, que não faz uso dele porque, talvez, ficará pouco tempo exposto ao

sol. Para os empregados, os chapéus ou a cobertura de cabeça com algo, era necessário para protegê-los do sol enquanto lidavam com o trabalho na terra. O menino cobre a cabeça com algo semelhante a um tipo de boné, o que significa que, de fato, ele estava trabalhando quando foi chamado a integrar o grupo para ser fotografado. Os corpos e as fisionomias entre patrão e empregados também são distintas. O patrão é gordo e parece bem alimentado. Já os empregados, são magros e tem semblantes tristes. A dureza da vida e do trabalho deixam marcas, a pele as mãos são maltratadas pelo trabalho pesado com as pás e enxadas. Em síntese, eis, ainda que em breve comentário, do que pode ser extraído de uma imagem, quando abordadas sob o foco das roupas e das masculinidades. Talvez, como palavras finais, fosse importante destacar que, se força e coragem educam as aparências e os comportamentos dos meninos e homens, na imagem, em particular, é possível observar como elas foram alocadas para o mundo do trabalho. Pelas roupas, os homens comunicam a vida no trabalho no campo e as relações estabelecidas com a terra. O mundo separado e compartilhado pelos proprietários e empregados na terra é que a foto dá a ver. Nela, patrão e empregados usam roupas diferentes e produzem significados diferentes para as masculinidades. Referências Bibliográficas: BLOCH, M. Introdução à História. Lisboa: Publicações Europa-América, 1969. BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. São Paulo: Edusc, 2004. CAP - Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas com Deficiente Visual. Histórico da cidade de Maringá, 2004. (Disponível: http://intervox.nce.ufrj.br/~cap-mga/maringa.html. Acesso em 28 maio 2012. FREIRE, Gilberto. Modos de Homem & Modas de Mulher. São Paulo: Global, 1987. 2ªedição.

HOLLANDER, Anne. O sexo e as roupas. A evolução do traje moderno.rio de Janeiro: Rocco, 1996 KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo: Editora Ateliê Editorial, 2001. LE GOFF, Jacques. Documento /Monumento Jacques História e Memória. 4.ed. Campinas:Unicamp, 1996. LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. A moda e seu destino nas sociedades modernas. SP: Cia das Letras, 1989. MELLO E SOUZA, Gilda. O espírito das roupas. A moda no século XIX. SP: Cia das Letras, 1987. TAIT, Tânia. A participação da mulher na história de Maringá. 2003. Disponível em: <http://www.din.uem.br/~tait/mulher.htm.>, [visualizado 26.05.2012]. SCHAFFRATH, M. dos A. S. A escola Normal em Maringá-PR: o ensino público como projeto político. s/d. Disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/ navegando/artigos_ frames/artigo_081.html [visualizado 27.05.2012]. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995.