Uma ampliação das fronteiras do campo Barbara Jane Necky e Patrícia Castro Ferreira design, graduação em design, habilitação A proposta deste artigo é gerar uma reflexão sobre um fenômeno que vem acontecendo nas universidades brasileiras nos últimos anos: a criação de novas habilitações para bacharelados em design. Em meio a questões que afligem o campo do design como a dificuldade em se auto-definir, a falta de definição de um corpo teórico de conhecimento, a falta de fundamentação teórica no ensino de design, entre outras, é percebido um movimento de ampliação das fronteiras do campo. Este artigo tem por objetivo elucidar questões relativas à conformação da graduação em design no Brasil e propor, através de discussões internas ao campo realizadas no âmbito da pós-graduação, parâmetros para configuração de uma formação que considere aspectos fundamentais à constituição do campo. 1 Introdução Ultimamente ouve-se a afirmativa da tendência de que design está na moda e que a simples menção do termo design associado a qualquer produto lhe investe de uma aura própria. Ser apresentado como designer pode, a princípio, gerar prestígio, mas logo se instauram dúvidas quanto à atividade praticada. Os profissionais da área quase sempre necessitam fornecer um pouco mais de informação quanto à sua atividade profissional do que a autodenominação de designer, que abre uma larga margem de interpretações. Observa-se, nos últimos anos, uma ampliação da atuação do designer, muitas das quais proporcionadas pelas novas tecnologias. São exemplos dessas novas atuações a atividade de webdesigners, animadores (2D e 3D), design de moda, design de jogos, design de hipermídia etc. Recentemente, o mercado de trabalho, no Brasil e no exterior, vem demandando novos perfis profissionais que devem estar em consonância com as novas tecnologias e novos meios de produção e publicação, através de uma formação que exige cada mais agilidade e constante atualização. Estas novas demandas estão sendo atendidas, na medida do possível, pelas IES que encontraram nas DCNs terreno fértil para implantação de currículos personalizados conforme o contexto. Verificaremos as bases para configuração de tal cenário, apontaremos fragilidades no sistema de ensino em design no Brasil e proporemos como o campo do Design pode trabalhar em prol da melhoria da formação do designer. 2 Design como disciplina O reconhecimento do campo do Design, historicamente, é marcado pelo período da industrialização, entendimento este que constitui alvo de muitas discussões entre os se ocupam de estudar o tema. No senso comum o design é reconhecido como uma atividade prática ligada à produção de objetos. Entre os pesquisadores da área, Design é um componente da produção moderna e devemos considerar seu papel no
desenvolvimento social, uma vez que os aspectos sociais não podem ser separados dos demais aspectos da vida humana (MARGOLIN, 2005; FORTY, 2007). Seja reconhecido como um processo ou como uma atividade prática, atualmente, o campo do design encontra-se institucionalizado e reconhecido pela academia e pela sociedade em geral. Entretanto, a caracterização da atividade de design parece se mostrar ainda indefinida, entre outros motivos, por não encontrar fronteiras fixas para sua área de atuação. Couto (1997) diz que para alguns autores a atividade de design é relativamente nova e seu conceito ainda não foi suficientemente entendido e formalizado. A autora relata ainda que outro grupo de autores considera os designers lentos na tentativa de definir sua própria atividade (COUTO, 1999). Segundo Couto & Oliveira (1999), o design vem se construindo e reconstruindo em um processo permanente de ampliação dos seus limites através da sua relação de troca com outras áreas do conhecimento e em função de exigências de uma determinada época. Esta condição é definida pela sua vocação interdisciplinar que, muitas vezes, dificulta um consenso nas diversas tentativas de conceituação. O design é uma disciplina notavelmente flexível, passível de interpretações radicalmente diferentes na teoria assim como na prática. Porém, esta flexibilidade freqüentemente conduz a uma inadequada interpretação de sua natureza (Couto & Oliveira, 1999; p. 7). Para Love (2002), a ausência de concordância de consenso teórico e terminológico fundamentais apresenta obstáculos para o endereçamento de problemas porque termos-chave como design, processo de design e projeto têm diferentes significados em diferentes domínios. Muitas vezes, as discussões no âmbito do design não avançam por um impedimento inicial em criar consenso sobre questões básicas dentro do próprio campo. Numa área na qual a teoria se encontra atrelada aos domínios da prática existe pouco interesse ou quase uma negligência em examinar questões epistemológicas e ontológicas para elaboração de teorias. Love (2002) identifica também outros problemas para o desenvolvimento de um corpo unificado de conhecimento: conflitos teóricos entre pesquisadores que trabalham em domínios diversos; dificuldade na validação de teorias contrária aos seus contextos ontológicos, epistemológicos e teóricos; falta de clareza sobre o escopo, fronteiras e focos dos campos de pesquisa; dificuldades para pesquisadores iniciantes em estabelecer revisões de literatura satisfatórias identificando fundamentos epistemológicos confiáveis em suas pesquisas e criação de uma teoria aplicável a um amplo leque de disciplinas associadas às ações projetuais de design. A constituição de um corpo unificado de conhecimentos da área do design tem se mostrado uma tarefa difícil e, para alguns autores, até improvável se considerarmos este como um corpo de conhecimento fixo. Bomfim (1997) afirma existir a crença, comungada por alguns membros do campo, de que o design melhor se define pelo seu campo de ação do que pelo domínio de um campo teórico próprio definido tarefa impedida pela variabilidade e complexidade dos temas tratados pela atividade. Em outras palavras, o campo do design possui dificuldade em se definir a priori, pois é constituído por uma prática profissional diversa e multifacetada. Na medida em que o design não pode ser considerado uma ciência pura e nem tem um campo de atuação fixo que poderia definir um aporte teórico comum, aqueles que se dispõem a estudar questões de design o fazem através da apropriação de teorias advindas de outras áreas. A vocação interdisciplinar do design se explica através da necessidade que a área tem em construir aporte teórico com o auxílio de outras disciplinas. Assim define Bomfim: 2
O que parece haver de original na relação entre a teoria e a prática, no caso específico do design, é o fato de que os conhecimentos demandados pela práxis pertencem a diferentes ramificações das ciências clássicas, que se constituíram antes do surgimento do design, a exemplo da fisiologia, do grupo das ciências da natureza; da matemática, que faz parte das ciências formais; da estética, do conjunto de ciências humanas etc. Este conjunto de ciências empregadas na fundamentação do design caracteriza-o como atividade interdisciplinar (BOMFIM, 1997). O autor chama atenção para a dificuldade de construção de uma teoria do design, tendo em vista a sua essência interdisciplinar e, por conseqüência, a ausência de fronteiras no seu campo de conhecimento. Numa tentativa de gerar um mapeamento do terreno conceitual básico do design no Brasil, o livro Conceitos-chave em Design traz uma série de definições de termos do campo do design propostas diversos por pesquisadores. Para o termo design encontramos, entre outras, a seguinte definição:... disciplina de caráter interdisciplinar, de natureza abrangente e flexível, passível de diferentes interpretações (COELHO, 2008; p. 187). Um caminho para entender a constituição do conhecimento em design é apontado por Cross (2007) ao propor discutir as qualidades particulares da prática do design como prática de pesquisa. O autor considera que a pesquisa em design deve ser direcionada em nível epistemológico, em nível da prática do design e em nível de processo de design. Com essa ideia, Cross (op. cit.) procura descrever e compreender o design como uma ação criativa situada em diferentes contextos e processos, situações e comunidades, situando as principais áreas desse conhecimento no desenvolvimento de habilidades inatas, no desenvolvimento cognitivo e no desenvolvimento de habilidades constituintes do pensamento e comunicação não verbal. Dessa forma, o autor considera que o design tem um conhecimento que pode ser aprendido, o que o institui como disciplina. Dentro dessa linha, Bomfim (1997) coloca que construir uma teoria do design é tão possível quanto é sua práxis. Bomfim entende que deve haver uma compreensão do design a partir de seus objetivos, métodos e campos de ação. Considerando seu percurso histórico, o autor caracteriza o design como um agente ideológico: O design seria, antes de tudo, instrumento para a materialização e perpetuação de ideologias, de valores predominantes em uma sociedade, ou seja, o designer, conscientemente ou não, re-produziria realidades e moldaria indivíduos por intermédio dos objetos que configura, embora poucos designers aceitem a faceta mimética de sua atividade (Bomfim, 1997, p. 32). Segundo o autor, os discursos políticos, filosóficos ou éticos que legitimaram o design ao longo do seu desenvolvimento vêm sendo diluídos pelas forças do mercado de consumo. Essas forças de mercado também ganham espaços na formação educacional no campo do design, orientando e definindo rumos para o campo a partir da formação acadêmica. 3 O ensino superior em Design No Brasil, na educação superior existem cursos de graduação, com formação de bacharéis e licenciados, cursos graduação tecnológica, com formação de tecnólogo; e; cursos de pós-graduação, com formação de especialistas (lato sensu), mestres e doutores (stricto sensu). A graduação prevê a formação em nível superior e pode ser oferecida com diferentes habilitações: Cursos de Graduação e Diplomas São os mais tradicionais e conferem diploma com o grau de Bacharel (ex.: Bacharel em Física), Licenciado (ex.: Licenciado em Letras), Tecnólogo (ex.: Tecnólogo em Hotelaria) ou título específico 3
referente à profissão (ex: Médico). O grau de Bacharel ou o título específico referente à profissão habilitam o portador a exercer uma profissão de nível superior; o de Licenciado habilita o portador para o magistério no ensino fundamental e médio. É possível obter o diploma de Bacharel e o de Licenciado cumprindo os currículos específicos de cada uma destas modalidades. Além das disciplinas de conteúdo da área de formação, a licenciatura requer também disciplinas pedagógicas e 300 horas de prática de ensino. Os cursos de graduação podem oferecer uma ou mais habilitações. Habilitação É um programa instrucional com requisitos específicos como: disciplinas, estágio, trabalho de conclusão, dentre outros. É vinculada obrigatoriamente a um curso de graduação, visando habilitar o aluno a exercer uma atividade específica dentro da área de conhecimento do seu curso. As diferentes habilitações de um mesmo curso de graduação devem, necessariamente, compartilhar um núcleo comum de disciplinas e atividades (MEC, 2009). Além disso, são oferecidas mais duas modalidades de cursos seqüenciais para a educação média e superior, o curso superior de formação específica e o curso superior de complementação de estudos. Curso Superior de Formação Específica É um programa de formação de estudantes em qualificações técnicas, profissionais ou acadêmicas, que confere um diploma aos concluintes. É constituído por um conjunto de disciplinas e atividades organizadas, com carga horária e duração mínimas de 1.600 horas e 400 dias letivos, respectivamente. Curso Superior de Complementação de Estudos É um programa de formação de estudantes em qualificações técnicas, profissionais ou acadêmicas, com destinação coletiva ou individual, conferindo certificado. É obrigatoriamente vinculado a curso de graduação existente na IES e é constituído por um conjunto de disciplinas e atividades para atender a objetivos educacionais definidos pela instituição, no caso de cursos coletivos, ou para atender às necessidades individuais (ibidem). Atualmente, a formação superior em design oferece cursos em diferentes níveis, seqüenciais, graduação, graduação tecnológica e, na pós-graduação, cursos de especialização, mestrado e doutorado. Algumas fragilidades da Graduação em Design O primeiro curso de graduação em Design no Brasil iniciou-se com a criação da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), na década de 1960, no Rio de Janeiro. Pelo fato de ter sido a escola pioneira de Design, a ESDI tornou-se o modelo dos cursos de graduação em Design subsequentes, criando a partir de então um reprodutivismo no ensino em Design no Brasil (NIEMEYER, 1998). O ensino de Design no Brasil é marcado por um processo de reprodução acrítica da estrutura curricular e das práticas de ensino, afirma Freitas (1998). A ESDI configurou-se como uma instituição de ensino isolada que marcou um entendimento do ensino do design como um processo separado dos demais bacharelados (BOMFIM apud COUTO, 2008). Entretanto, as mudanças curriculares da graduação em Design não diferem essencialmente das mudanças efetuadas no ensino superior de maneira geral. O bacharelado em Design enfrentou diversos dilemas comuns a outros bacharelados como, por exemplo, currículos que proporcionavam uma formação distante do que se praticava no mercado de trabalho. Em 1968, surge o Currículo Mínimo para os cursos de graduação permitindo grande liberdade aos cursos de graduação em Design. A heterogeneidade dos cursos, com estruturas curriculares tão díspares para formação de um mesmo profissional, fez com que o Conselho Federal de Educação criasse, em 1978, uma comissão de especialistas para criar um currículo novo, diz Couto (2008). Em 1987, com a reformulação do currículo mínimo, os cursos de Comunicação Visual e Desenho Industrial, com bacharelado de quatro anos, se transformaram num único curso de bacharelado denominado Desenho Industrial, com habilitações em Programação Visual e em Projeto de Produto (LIMA & LIMA, 2009). Apesar de trazer unidade aos 4
cursos de graduação em Design o novo Currículo Mínimo 1 acabou por gerar um engessamento curricular muito criticado pelas Instituições de Ensino Superior IES que operacionalizavam cursos de graduação em Design. Em abril de 1997, o Fórum de Recife 2 foi palco dessas críticas e, nesta ocasião, foi apontada a extrema necessidade de uma reforma curricular (COUTO, 2008). Muitas das sugestões colhidas nesse encontro serviram de base para a criação de parâmetros sobre o ensino em Design no Brasil. Como fruto de uma comissão de especialistas reunidos pelo MEC surgem as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para Bacharelados em Design 3 com vistas a assegurar os conteúdos comuns, a flexibilidade e a qualidade da formação oferecida aos estudantes. Diferentemente do Currículo Mínimo, as novas Diretrizes Curriculares funcionavam como orientações para a elaboração de currículos de cada instituição, respeitando a vocação local. Dentre as medidas que visavam permitir uma maior flexibilização aos currículos a possibilidade de criação de novas habilitações foi uma delas. Por muitos anos, o bacharelado em Design possuiu apenas duas habilitações: projeto de produto e programação visual. Entretanto, dentre seus objetivos, as DCNs deveriam induzir à criação de diferentes formações e habilitações para cada área do conhecimento com a possibilidade de definirem múltiplos perfis profissionais (COUTO, 2008). A partir desta premissa surgem nas diferentes instituições de ensino, diversas novas habilitações, que abrangem áreas específicas, tais como decoração, design de interiores, design de games, design de interface, design de moda, design e tecnologia da moda, design e construção de marcas, design de interface e gestão do design, multimídia e webdesign. São alguns exemplos de novas habilitações e vocações em bacharelado em Design no Brasil: o Centro Universitário Senac (SP) que oferece o Curso de Design com habilitações em Design Industrial, Comunicação Visual, Interface Digital e Modelagem 4 ; a Escola Superior de Propaganda e Marketing (RJ), com habilitação em Comunicação Visual e ênfase em Marketing 5 ; o Senai Cetiq 6 (RJ), com bacharelado em Design e habilitação em Moda; a Universidade Anhembi Morumbi 7 (SP) que possui graduação em Design de Games, Design Digital, Design Gráfico com ênfase em Tipografia e Moda - Design, além dos cursos tecnólogos em Design de Animação, Design de Interiores e Design de Jóias. Por exemplo, o curso de graduação em Design da PUC Rio ganha uma nova estrutura curricular que começou a ser implantada em 2007. As principais características deste do currículo são a flexibilização e a criação de duas novas habilitações: Moda e Mídia Digital, em consonância com as DCNs. A reforma curricular do curso de graduação em Design da PUC se justifica por: Os avanços científicos e tecnológicos exigem hoje do designer uma atitude de contínua reflexão e atualização, de forma a incorporar novos conceitos, linguagens e conhecimentos, e a rever processos, técnicas e práticas. A reformulação do currículo de curso de Graduação em Desenho Industrial e o oferecimento de duas novas habilitações em Mídia Digital e Moda têm por objetivo capacitar o aluno de Design a melhor entender e atender às novas demandas da sociedade do século XXI, ampliar seu escopo de atuação 1 Aprovado em 16 de junho de 1987, através da Resolução 02/87 do Conselho Federal de Educação. 2 I Fórum de Dirigentes de Cursos de Desenho Industrial representa por cerca de 40 instituições de ensino. 3 As Diretrizes Curriculares Nacionais específicas para os cursos de graduação em Design foram fixados nos Pareceres CES/CNE 0146/2002, 67/2003 e 0195/2003, da Resolução 5 de 8 de março de 2004 (COUTO, 2008). 4 Disponível em http://www.sp.senac.br. Acesso em 03 jul. 2009. 5 Disponível em http://www.espm.br. Acesso em: 30 jun. 2009. 6 Disponível em http://www.cetiqt.senai.br. Acesso em: 30 jun. 2009. 7 Disponível em http://portal.anhembi.br. Acesso em: 30 jun. 2009. 5
profissional, e possibilitar o desenvolvimento de novos produtos, serviços e soluções (PUC-RIO, 2007). A partir da orientação das DCNs podem ser criados cursos em design com diferentes estruturas curriculares. Houve, desde então, uma maior liberdade para a construção dos currículos, exploração dos conteúdos básicos, técnicos e teórico-práticos, bem como implantação de metodologias diferenciadas de ensino. Em paralelo à criação de novas habilitações de graduação em design foram lançados cursos com especialidades tais como cursos de design de produtos, design visual, design de interiores, design de moda e tecnologia, design digital, design e negócios da moda etc. Com vias a checar se estes cursos não representam uma especialização dentro da graduação nos interessamos em mapear as estruturas curriculares para conhecer a articulação dos eixos de conteúdo e a ênfase dada a cada um deles. Entretanto, as matrizes curriculares ou ementas de curso fornecidos online ou localmente aos potenciais alunos não oferecem um plano detalhado da articulação de conteúdos e nem da dinâmica do curso. Para tal mapeamento, seria necessário entrar em contato com a coordenação de curso ou ter acesso ao documento oficial do currículo do curso. Como, até o momento, não contamos com o acesso a estes dados, fica a pergunta: Seriam estes cursos uma especialização dentro da graduação? Anualmente, o INEP 8 realiza uma coleta de dados sobre a educação superior, buscando oferecer informações sobre a situação atual e as tendências do setor. Com base nos dados disponíveis on-line pelo Instituto, realizamos uma pesquisa utilizando como termo de busca a palavra design, encontramos quase 500 ocorrências em cursos de graduação tecnológica e cursos de graduação (curso e habilitação), contra 10 ocorrências em cursos seqüenciais (MEC, 2009). O INEP assinala que os cursos tecnológicos e os seqüenciais são formas de ingressar mais rápido no mercado de trabalho. A partir dos resultados, observa-se um grande número de oferta de cursos tecnológicos confirmando essa tendência, provavelmente por parte da demanda por formação superior em menos tempo e, consequentemente, pela oferta das instituições em suprir a demanda da sociedade. Entre as graduações, a maioria das habilitações de cursos de design se concentra em design gráfico, design de produto e design de moda. Além desses, podemos destacar alguns cursos como design de games, design de interface, design de ambientes e webdesign, entre outros, como cursos que mostram uma tendência de especialização a partir da graduação. As DCNs não só permitem, mas também incentivam a criação de novas habilitações admitindo que cada instituição de ensino através seu Projeto Pedagógico crie linhas de formação específicas nas áreas de conhecimento. O intuito de tal ação foi melhor atender às demandas institucionais e sociais, assegurando a formação de perfil profissiográfico adequado para o formando (COUTO, 2008, p. 51). A princípio, a intenção de flexibilizar o ensino superior através de diretrizes que norteiam os currículos, a serem desenhados pela IES para atender aos anseios de uma sociedade em constante mudança, pode ser entendida de maneira positiva. O respeito à vocação local também pode ser compreendido como apoio às necessidades de cada comunidade e às questões que nela se instalam. Por outro lado, a premência em ingressar no mercado de trabalho, aliado às exigências nas especificações de cargos nas empresas privadas ou públicas, pode fazer com que a orientação dos programas educacionais ganhe um caráter de formação técnica, com prejuízo a formação acadêmica do egresso. 8 O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC) que promove estudos, pesquisas e avaliações para fornecer informações sobre o quadro do Sistema Educacional Brasileiro. 6
A oferta de cursos de graduação em Design cresceu bastante nos últimos anos, em conseqüência, aumenta a diversidade de denominações e habilitações. Observamos que o campo do design traz algumas particularidades e especificidades que o diferenciam de outras áreas do conhecimento. Nossa formação é marcada por dinâmicas essencialmente práticas e, apesar das coordenações de curso se responsabilizarem no oferecimento de uma formação teórico-prática, observamos na prática em sala de aula um peso maior no que diz respeito ao fazer no ensino do design. Pergunta-se se uma formação de caráter eminentemente técnico não estaria se superpondo ao objetivo esperado de um curso de formação superior no atual momento. Segundo o artigo 5º do Parecer CES/CNE 0195/2003 são previstos três eixos interligados de formação para a composição dos projetos pedagógicos de graduação: conteúdos básicos, conteúdos específicos e conteúdos teórico-práticos. Como vêm sendo definidos esses conteúdos nas graduações em design? Qual a interligação entre esses eixos de conteúdos? O que há de específico nas habilitações da graduação em design? Em que nível as habilitações abrangem um conhecimento geral do campo do Design? O campo do Design carrega uma indefinição em suas questões epistemológicas gerada pela dificuldade de constituição de corpo teórico unificado. Na prática do ensino, a indeterminação desse corpo teórico pode levar a um distanciamento entre teoria e prática, possibilitando graduações com acentuada orientação técnica em detrimento de uma construção de pensamento crítico. Niemeyer (1998) salienta que é fundamental uma revisão do ensino em design no Brasil, buscando maior ênfase nas disciplinas tecnológicas e o desenvolvimento da capacidade crítica embasada em disciplinas que trazem aspectos sociais, culturais e econômicos (p.21). Cabe ressaltar o sentido de desenvolvimento de uma tecnologia. O conhecimento tecnológico, segundo Bunge (1980), constitui-se de teorias, regras fundamentadas e dados, e é resultante da aplicação do método da ciência a problemas práticos (apud FREITAS, 1998, p.19). Esta postura difere substancialmente da prática instituída no ensino em design no Brasil. Decorrente da insuficiência de investigação científica tem-se, no design, um ensino com pouca fundamentação teórica, voltado para a formação profissional essencialmente prático. Esse ensino pauta-se na apropriação de conhecimentos técnicos e na sua aplicação a situações práticas. Passa, assim, ao largo das atividades tecnológicas. Tal forma de ensino não considera a importância dos processos históricos e sociais envolvidos na formação de tecnologias (FREITAS, 1998, p. 19). A falta de fundamentação teórica tem reflexos concretos na graduação em design no País. Essa lacuna impede uma abordagem científica no encaminhamento de questões projetuais e, conseqüentemente, não desenvolve a formação de tecnologia em design. Além disso, não fornece embasamento ao aluno de design quanto aos aspectos sociais, culturais e econômicos para o desenvolvimento de projetos. Considerações finais Inicialmente, a profissão de design foi sendo definida pelo o que se fazia na disciplina de projeto da ESDI, ou seja, pelo o que os professores da disciplina definiam como sendo cabível como projeto de design (NIEMEYER, 1998). Atualmente, observamos, em comparação aos primeiros tempos do design no Brasil, uma grande ampliação do 7
escopo de atuação da área. Quais as implicações da ampliação das fronteiras do campo na condução dos programas de ensino em design quanto à manutenção de uma unidade entre os cursos? Acreditamos que estas são questões novas que encontram problemas antigos. Para agravamento da situação, identificamos uma postura auto-referenciada na graduação em design das universidades brasileiras. O campo do design parece não efetuar intensa troca com disciplinas de outros cursos de graduação dentro do espaço universitário. Já na pós-graduação, essa troca se dá com maior facilidade por força da necessidade de angariar aporte teórico. Os programas de pós-graduação em design configuram-se como o espaço interdisciplinar do campo do design. O encaminhamento das questões que afligem o campo do design, muito provavelmente, se dará como resultado das discussões e reflexões geradas pelas pesquisas dos programas de pósgraduação em Design. A pós-graduação em Design congrega a prática interdisciplinar e a discussão a respeito de questões internas ao campo se faz necessária. As experiências de outras graduações também são importantes para o campo do design na medida em que todas se encontram dentro de uma mesma realidade acadêmica. É claro, que não se pode esquecer as especificidades do design, mas não se deve esquecer igualmente que o design é uma disciplina que passa por um momento de constituição pelo qual outras disciplinas já passaram. Criar parcerias com outros departamentos é essencial para que o aluno de design usufrua de um amplo leque de visões oferecidas pela academia além de prover pesquisas e projetos interdisciplinares. É importante que o ensino de design ofereça uma formação que considere dimensões gerenciais, científicas e de reflexão social para que os designers deixem de ser cumpridores de tarefas e para que a área possa se posicionar de forma assertiva frente ao mercado de trabalho. O tão desejado reconhecimento profissional da área é conseqüência de sua atuação frente à sociedade. Preparar-se para o mercado não é apenas armar-se de ferramentas produtivas, mas conhecer as diversas conotações de sua ação profissional em meio à sociedade, a maneira como moldamos e somos moldados pela mesma. De acordo com Niemeyer (1998, p118)... todo currículo implica uma seleção da cultura, um conjunto de ênfases e omissões, que expressa, em determinado momento histórico, o que se considera ser educação. Estaríamos dando as ênfases corretas ao ensino em design? 8
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