1 SINTERIZAÇÃO RÁPIDA DE CERÂMICAS À BASE DE ZrO 2 P. J. B. Marcos, D. Gouvêa Av. Prof. Mello Moraes n. o 2463, CEP 05508-900, São Paulo SP, Brasil pjbmarcos@yahoo.com.br; dgouvea@usp.br Laboratório de Processos Cerâmicos, Dept. o de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, Escola Politécnica da USP (EPUSP) RESUMO O óxido de zircônio é um dos materiais cerâmicos mais amplamente utilizados devido às suas propriedades singulares. A sua síntese vem sendo estudada por vários autores, mas, o fenômeno de solubilização/segregação dos aditivos na superfície dos pós resultantes não tem sido considerado. Este trabalho tem como objetivo estabelecer a influência da segregação/solubilização do MgO na sinterização de pós à base de ZrO 2. O estudo foi realizado em pós preparados por síntese química derivado do método Pechini a 500 o C por 15 h. As sinterizações foram realizadas em amostras de ZrO 2 puro e contendo 8,6 e 30 % molar de MgO. Foi observado que quanto maior a concentração de MgO maior a taxa de densificação. Densidades próximas à da teórica foram obtidas para tempos de sinterização tão curtos quanto 1 min. Levando-se em conta o elevado ponto de fusão do MgO descarta-se a possibilidade da sinterização ocorrer por fase líquida. Palavras-chave: Zircônia, Pechini, Segregação, Energia de Superfície, Sinterização. INTRODUÇÃO O processo de queima, tradicionalmente, constitui-se no estágio final da fabricação de materiais cerâmicos, no qual um corpo conformado, a verde e mecanicamente fraco, é transformado num produto mais resistente e durável como consequência de uma série de reações químicas e físicas que se
2 manifestam no interior do material durante o seu aquecimento. É exatamente nesta etapa onde defeitos de fabricação se manifestam de maneira intensa. Por esta razão, todo o procedimento de queima deve ser controlado de modo a evitar a intensificação de defeitos pré-existentes. Além disso, começam a se tornar cada vez mais significativos os aspectos produtivos que envolvem a redução no consumo de energia sem alteração da produtividade e qualidade dos materiais produzidos. Por esta razão muitas empresas têm adotado ciclos de queima rápida. Tais condições se tornam críticas em materiais com elevado grau de pureza, ou seja os sintetizados, cuja composição e distribuição das fases formadas deve ser homogênea, de modo a garantir o pleno aproveitamento das suas propriedades. O ZrO 2 é um dos materiais cerâmicos de maior aplicação tecnológica devido às suas propriedades singulares. Dentre as suas inúmeras aplicações encontram-se os eletrólitos sólidos, utilizados em dispositivos sensores para a detecção de oxigênio ( 1 ). Dentre as várias metodologias possíveis de síntese, encontra-se a que é derivada da patente de Pechini ( 2 ), a qual permite obter materiais extremamente homogêneos do ponto de vista químico e a inclusão de diferentes aditivos simultaneamente. Um dos pontos fortemente discutidos em todas as metodologias de síntese tem sido a pouca importância que tem sido dada aos fenômenos de solubilização/segregação dos aditivos na morfologia resultante dos pós. Trabalhos têm mostrado que alguns sistemas de óxidos ( 3, 4, 5) têm a sua morfologia fortemente dependente da quantidade de aditivo segregado nas suas superfícies levando à diminuição da energia de superfície o que, por sua vez, resulta no retardo do crescimento das partículas. Como há uma relação inversamente proporcional entre o tamanho e a área da partícula formada, a área de superfície específica (ASE) deve crescer em tal situação. O crescimento das partículas será discutido segundo o modelo de Ostwald Ripening. Sendo a sinterização um processo termicamente ativado, o qual permite a densificação de um material mediante a eliminação das interfaces sólido-gás, é razoável supor que taxa de eliminação destas superfícies sofra variação de acordo
3 com o estado energético da superfície promovido pela presença do aditivo segregado. Assim sendo, no que tange a atividade da superfície, a área específica e a respectiva energia livre associada ao estado em que se encontra garante uma situação termodinâmica em que o transporte de massa possa ocorrer. Desta maneira, a eliminação de superfície e, o conseqüente transporte de massa, podem ocorrer tão rapidamente quanto maior for a instabilidade energética da superfície do pó em relação ao reticulado cristalino de cada partícula. Por esta razão, o objetivo deste trabalho foi estudar a influência do fenômeno de segregação na sinterização do sistema cerâmico ZrO 2 -MgO. MATERIAIS E MÉTODOS Os pós foram preparados segundo a metodologia Pechini, a qual consiste na mistura de precursor catiônico a um álcool polidroxilado e um ácido hidroxicarboxílico. No caso da preparação dos pós de ZrO 2, a resina foi preparada pela adição de carbonato de zircônio a uma solução de ácido cítrico e etilenoglicol na proporção de 1 mol do cátion para cada 3 moles de ácido cítrico e uma relação de massa de 60:40 entre o ácido cítrico e o etilenoglicol ( 6 ).Foram produzidas as seguintes proporções molares de MgO com relação ao ZrO 2 : 0, 8.6 e 30 %. Após a síntese, os pós forma submetidos a 2 ciclos de tratamento térmico, a saber: 1) 450 C durante 4 horas com taxa de aquecimento de 1 o C/min visando a pirólise do conteúdo orgânico e a cristalização inicial do material e 2) 500 C durante 15 horas com taxa de aquecimento de 5 o C/min visando completar a pirólise e a cristalização. Os pós resultantes foram desaglomerados em almofariz de ágata e prensados uniaxialmente a 400 MPa. Durante a prensagem foi utilizada uma matriz pequena (pastilhas com diâmetro de 8 mm) de modo a se evitar efeitos de gradiente térmico nas pastilhas durante a sinterização. As sinterizações foram realizadas ao ar em forno tubular, Lindberg Blue, a 1250 o C. As medidas de área de superfície específica foram realizadas em um equipamento Gemini III 2375 Surface Area Analyser (Micromeritics) e o tratamento
4 térmico anterior à análise foi realizado a 300 C em pressão de 100 µm de Hg em um equipamento VacPreP 061 (Micromeritics). Os resultados de adsorção de N 2 foram tratados segundo o modelo de BET. A determinação das fases presentes nos pós foi realizada por difração de raios-x (DRX). O difratômetro empregado em tais análises foi o Bruker-AXS Modelo D8 Advance, com radiação monocromática de Cu-Kα (1,5406 Å), aceleração de 40 kv, varredura sincronizada (passo = 0,04 o e tempo de exposição = 10 s) no intervalo 2θ de 25 a 65. RESULTADOS E DISCUSSÃO A síntese pelo método Pechini ocorre pela pirólise da resina e a formação da fase cristalina pela reação dos cátions com os íons oxigênio do próprio polímero ou com o oxigênio do ar. Após a reação química ocorre o processo de cristalização por nucleação e crescimento. A partir deste ponto, as partículas interagem entre si e coalescem até um tamanho de equilíbrio dependente da temperatura e do tempo de tratamento. A coalescência pode ser bem representada pelo modelo chamado de Ostwald ripening ( 7 ). a 3 a 3 0 = 3 c 0 γ DM 4 ρr T t (A) onde a é o tamanho médio das partículas a um tempo t, a o o tamanho inicial das partículas, γ a energia de superfície, D o coeficiente de difusão, c o é a solubilidade no equilíbrio, M a massa molar, ρ a densidade do material, R é a constante dos gases e T a temperatura absoluta. O modelo considera que partículas grandes apresentam uma menor solubilidade que partículas pequenas, quando estas estão em equilíbrio com um líquido saturado do material. Desta forma, as partículas pequenas se solubilizam,
5 ao mesmo tempo em que as grandes crescem. No caso dos pós obtidos pelo método Pechini, as partículas menores têm uma fração muito maior de átomos na superfície do que as partículas maiores. O excesso de energia de superfície faz com que partículas pequenas desapareçam simultaneamente ao crescimento das grandes. O fenômeno leva à diminuição da superfície do material. Observa-se que o tamanho médio das partículas, a, é determinado pelo tempo e a temperatura do tratamento. Logo, no processo de sinterização rápida, como o tempo de queima é reduzido, assim será o tamanho final das partículas, o que se torna extremamente interessante para a obtenção ou melhoria de algumas propriedades do material como a tenacidade. A tabela I apresenta a variação da área de superfície em função da quantidade de aditivo segregada na superfície dos pós de ZrO 2. TABELA I. Variação da ASE em função da quantidade de MgO. Quantidade de aditivo (% molar) ASE (m 2 /g) 0 90 8.6 53.5 30 77 O valor de 8,6 % em mol de Mg apresenta-se como sendo o ponto de menor ASE para os pós sintetizados indicando que deve corresponder ao limite de solubilidade do Mg no ZrO 2 para a temperatura em que os pós foram sintetizados segundo a literatura ( 8 ). Para concentrações acima deste valor observa-se o fenômeno oposto, ou seja, diminuição do tamanho das partículas e o conseqüente aumento da ASE. A figura 1 apresenta as isotermas de sinterização obtidas para as amostras de ZrO 2 puro e contendo 30 % em mol de MgO a 1250 o C. Observa-se uma forte evolução da densidade final das amostras com o aumento da concentração de Mg 2+ segregado na superfície do ZrO 2. Tempos tão curtos quanto 1 min são suficientes para densificar o material próximo da densidade teórica devido à
6 instabilidade energética das interfaces sólido-gás provocada pela presença do aditivo segregado. 100 90 80 ρ / ρt (%) 70 60 50 40 30 ZrO2 puro - 1250 oc ZrO2:30 % mol MgO - 1250 oc 0 500 1000 1500 2000 Tempo (s) Figura 1. Isoterma de sinterização para pastilhas de ZrO 2 a 1250 o C. A Figura 2 apresenta as isotermas de sinterização obtida para as amostras de ZrO 2 contendo 8.6 e 30 % em mol de MgO a 1350 o C. O mesmo tipo de comportamento é observado em relação à figura 1. Levando-se em conta que o MgO possui elevado ponto de fusão (aproximadamente 2800 o C), a possibilidade de que a sinterização praticada ocorra por fase líquida pode ser descartada. Uma análise microestrutural mais detalhada será realizada futuramente para esclarecer este ponto. Após as sinterizações, as pastilhas sinterizadas a 1350 o C (as quais densificaram mais) foram submetidas a análises de difração de raios-x para avaliação das fases presentes, como mostra a figura 3.
7 110 100 90 ρ / ρt (%) 80 70 60 50 40 ZrO2:30 % mol MgO - 1350 oc ZrO2:8,6 % mol MgO - 1350 oc 30 0 500 1000 1500 2000 Tempo (s) Figura 2. Isotermas de sinterização para as amostras de ZrO 2 contendo 8.6 e 30 % em mol de MgO a 1350 o C. Observa-se pela definição das raias de difração que as amostras foram muito bem cristalizadas mesmo para curtos tempos de sinterização. A raia correspondente a 2 θ = 42.9 o representa a principal reflexão do MgO, fase periclase (cúbica), no plano 200. Pode ser constatado que a cristalinidade do material não é alterada em função do tempo. O único fator variante é a intensidade das raias de difração decorrente da diferença de tamanho de partículas presentes nos diferentes estágios de densificação do material.
8 10000 9000 30 min 20 min 8000 10 min 5 min Intensidade (CPS) 7000 6000 5000 4000 3000 2000 ZrO 2 -c (200) MgO ZrO 2 -c (200) 3 min 1 min 30 s 1000 0 20 30 40 50 60 70 2 θ (Graus) Figura 3. Difratogramas das pastilhas de ZrO 2 contendo 30 % em mol de MgO sinterizadas a 1350 o C em tempos diferentes. CONCLUSÕES Os pós de ZrO 2 sintetizados pelo método Pechini a 500 C / 15 h contendo MgO como aditivo apresentaram uma forte dependência microestrutural em função das quantidades utilizadas conduzindo a uma aceleração do crescimento das partículas por coalescência quando comparada com o material sem aditivo. Devido à presença do aditivo na superfície da matriz de ZrO 2 uma instabilidade energética da superfície em relação ao reticulado da matriz é alcançada promovendo a eliminação das superfícies sólido-gás. De acordo com as isotermas de sinterização obtidas foi constatado que quanto maior a concentração de aditivo maior a taxa de densificação. Ao se levar em conta o elevado ponto de fusão do MgO descarta-se a possibilidade da sinterização ocorrer por fase líquida. Através
9 de tal fenomenologia é proposto um ciclo rápido de sinterização para finalidades industriais. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à FAPESP (Processo 1999/10798-0) e à CAPES pela bolsa de doutorado. REFERÊNCIAS 1 R. Stevens, Zirconia and Zirconia Ceramics, Magnesium Elektron Ltd, UK, 1986. 2 M. Pechini, U. S. Patent, No. 3.330.697 (1967). 3 D. Gouvêa, A. Smith, J. P. Bonnet, J. A. Varela, J. Eur. Ceram. Soc. (18), p. 345-351, 1998. 4 G. J. Pereira, R.H.R. Castro, P. Hidalgo, D. Gouvêa, Appl. Surf. Sci. (195), p. 277 283, 2002. 5 R.H.R. Castro, P. Hidalgo, R. Muccillo, D. Gouvêa, App. Surf. Sci. 214(1-4), 172-177, 2003. 6 P. A. Lessing, Am. Ceram. Bull. Vol. 68 (5) 1002-1007, 1989. 7 Y.M. Chiang, D. P. Birnie, W. D. Kingery, Physical Ceramics Principles for Ceramic Science and Engineering, John Wiley & Sons, New York, 1997. 8 F. C. Fonseca, R. Muccillo, Sol. State Ionics (131) 301-309, 2000. RAPID SINTERING OF ZrO 2 BASED CERAMICS P. J. B. Marcos, D. Gouvêa Av. Prof. Mello Moraes n. o 2463, CEP 05508-900, São Paulo SP, Brasil pjbmarcos@yahoo.com.br; dgouvea@usp.br Laboratório de Processos Cerâmicos, Dept. o de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, Escola Politécnica da USP (EPUSP) ABSTRACT
10 Zirconium oxide is one of the most widely utilized ceramic materials due to its singular properties. Its synthesis has being studied for many researchers, but, the solubilization/segregation phenomenon of additives onto the surface of the resultant powders hasn t being considered. This work has as aim the establishment of the influence of MgO solubilization/segregation on the sintering of ZrO 2 based powders. The study was performed in powders prepared by chemical synthesis derived from the Pechini s method at 500 o C for 15 h. Sinterings were carried out in samples of pure ZrO 2 and containing 8.6 and 30 mol % of MgO. It was observed that as high the MgO concentration higher the densification rate is. Densities near theoritical were achieved for sintering times as short as 1 min. Taking into acount the high melting point of MgO it is discarded the possibility of liquid phase sintering. Keywords: Zirconia, Pechini, Segregation, Surface Energy, Sintering.