CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE DIREITO

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OBS: IMPRIMIR ATÉ SLIDES 16 INQUÉRITO POLICIAL. Art. 4 ao Art. 23 do CPP.

Transcrição:

CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE DIREITO A (IN)DISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA E QUEIXA-CRIME NOS PROCESSOS JUDICIAIS NAS COMARCAS DO VALE DO TAQUARI EM 2008 Caroline Sangalli Lajeado, junho de 2009

1 CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE DIREITO A (IN)DISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA E QUEIXA-CRIME NOS PROCESSOS JUDICIAIS NAS COMARCAS DO VALE DO TAQUARI EM 2008 Caroline Sangalli Monografia apresentada ao Curso de Direito, como exigência para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Ms. Flávia Colossi Frey Lajeado, junho de 2009

2 Não seja nunca um pesquisador de defeitos, todos possuem virtudes. Descobrir qualidades negativas nos outros é tarefa muito fácil e está ao alcance de todos, o difícil e o que não está à altura de todos, é a pesquisa das qualidades positivas de cada um. (autor desconhecido)

3 DEDICATÓRIA Dedico esta monografia ao meu avô Agostinho Sangalli, in memorian, que, mesmo não estando presente nesta importante etapa da minha vida, muitas vezes foi minha fortaleza e fonte de inspiração.

4 AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a meus queridos pais, Marcos e Suniva, por estarem sempre ao meu lado, aconselhando-me e escutando-me. Obrigada pelo carinho, apoio e bondade que sempre demonstraram, incentivando-me a alcançar este momento de elevada importância para minha vida. A minha irmã Bianca, por ceder-me por longas horas seus momentos à frente do computador e, principalmente, por permitir que seu quarto se transformasse em uma minibiblioteca durante este período da minha vida. A meu namorado Glauco, pelo carinho, compreensão e presteza, sempre me incentivando e me impulsionando à realização deste sonho. A minha amiga e orientadora, Ms. Flávia Colossi Frey, que contribuiu de forma significativa para a execução deste trabalho, sempre me estimulando. Aos colegas e amigos da Câmara Municipal de Vereadores de Encantado, que em nenhum momento mediram esforços para que eu pudesse chegar ao final deste trabalho. A Deus, por ter me dado a vida, a capacidade, serenidade e perseverança para a realização deste sonho. A todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a concretização desta importante conquista, muito obrigada!

5 RESUMO A presente monografia aborda a (in)dispensabilidade do Inquérito Policial para o oferecimento da denúncia e queixa-crime nos processos judiciais nas Comarcas do Vale do Taquari em 2008. A doutrina classifica o inquérito policial como mera peça informativa, sem valor probatório e totalmente dispensável para o oferecimento da denúncia ou queixa-crime. Em nosso entendimento, entretanto, o Inquérito Policial é um procedimento eficaz e necessário para o início dos processos. O trabalho inicia descrevendo o Inquérito Policial e seus procedimentos. Além disso, identifica os sistemas processuais penais, bem como os requisitos para a ação penal pública e privada e os casos de oferecimento de denúncia e queixa-crime. Por fim, analisa a (in)dispensabilidade do Inquérito Policial para o oferecimento da denúncia e queixa-crime, com base nos processos judiciais que ingressaram nas Comarcas do Vale do Taquari em 2008, através da realização de uma pesquisa de campo, que se deu com o preenchimento de um questionário, respondido pelo responsável de cada Comarca. PALAVRAS-CHAVE: Inquérito Policial. Ação Penal. Denúncia. Queixa-Crime.

6 LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 01 Número de Comarcas que responderam ao questionário... 62 GRÁFICO 02 Percentual de processos-crime que ingressaram sem o prévio inquérito policial no ano de 2008 na Comarca de Arvorezinha... 63 GRÁFICO 03 Percentual de processos-crime que ingressaram sem o prévio inquérito policial no ano de 2008 na Primeira Vara Judicial da Comarca de Estrela... 63 GRÁFICO 04 A (in)dispensabilidade do inquérito policial para o início dos processos-crime... 64

7 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Art. Artigo Arts. Artigos CF Constituição Federal CF/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CP Código Penal CPM Código Penal Militar CPP Código de Processo Penal Dec. Decreto DJU Diário de Justiça da União Ex Exemplo IPM Inquérito Policial Militar JTJ Jurisprudência do Tribunal de Justiça LOMN Lei Orgânica da Magistratura Nacional LONMP Lei Orgânica Nacional do Ministério Público MP Ministério Público rel. Relator RHC Recurso de Habeas Corpus RISTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal RTJ Revista Trimestral de Jurisprudência STF Supremo Tribunal Federal T. Turma v. u. Votação unânime

8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO... 10 2 O INQUÉRITO POLICIAL... 13 2.1 Origem histórica... 14 2.2 Polícia judiciária... 15 2.3 Inquéritos extrapoliciais... 17 2.4 Finalidade e importância do inquérito policial... 17 2.5 Competência e atribuição... 19 2.6 Características... 20 2.7 Instauração do inquérito policial... 21 2.8 Notitia criminis... 22 2.9 Delatio criminis... 23 2.10 Início do inquérito policial... 25 2.11 O auto de prisão em flagrante... 26 2.12 Prazos de conclusão do inquérito policial... 27 2.13 Conclusão ou encerramento do inquérito policial... 28 2.14 Arquivamento do inquérito policial... 29 2.15 Valor probatório... 30 3 OS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS, A AÇÃO PENAL PÚBLICA E PRIVADA E OS CASOS DE OFERECIMENTO DE DENÚNCIA E QUEIXA- 33 CRIME... 3.1 Sistemas processuais penais... 33 3.1.1 Sistema inquisitivo... 33 3.1.2 Sistema acusatório... 34 3.1.3 Sistema misto... 36 3.2 Ação Penal... 37 3.2.1 Ação Penal Pública... 41 3.2.1.1 Ação Penal Pública Incondicionada... 41 3.2.1.2 Ação Penal Pública Condicionada... 43 3.2.1.3 Ação Penal Pública Condicionada à Requisição do Ministro da Justiça... 46 3.2.2 Ação Penal Privada... 47 3.3 Oferecimento da denúncia e queixa-crime... 51 3.3.1 Denúncia... 51

9 3.3.2 Queixa-crime... 53 3.3.3 Renúncia... 55 3.3.4 Perdão... 56 3.3.5 Perempção... 57 4 A (IN)DISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA E QUEIXA-CRIME NOS PROCESSOS 59 JUDICIAIS NAS COMARCAS DO VALE DO TAQUARI EM 2008... 4.1 Considerações preliminares... 59 4.2 Levantamento de dados... 60 4.3 Análise dos resultados... 61 5 CONCLUSÃO... 67 REFERÊNCIAS... 69 APÊNDICES... 71 ANEXOS... 74

10 1 INTRODUÇÃO A presente monografia foi elaborada com a pretensão de lançar mais luzes ao debate acerca da real eficácia do Inquérito Policial para o início dos processos judiciais, com base no número de denúncias e queixas-crime oferecidas sem o prévio Inquérito Policial, nas Comarcas do Vale do Taquari, durante o ano de 2008. O Inquérito Policial é utilizado pelo Poder Judiciário como peça meramente informativa, que engloba o conjunto de diligências efetuadas pela autoridade policial para conhecer os fatos e identificar a autoria, sendo sua principal finalidade servir de suporte para a ação penal a ser promovida pelo Ministério Público, nos crimes de ação pública, ou pelo particular, nos crimes de ação privada. É no Inquérito Policial que há o primeiro contato com o delito cometido e são colhidas as peças fundamentais para o início do processo, as quais dificilmente poderão ser produzidas com tanta precisão na fase processual, tais como auto de flagrante, exames periciais, depoimentos dos envolvidos e das testemunhas, dentre outros. Buscando fornecer uma noção geral sobre como o Inquérito Policial é utilizado no Poder Judiciário, é necessário reunir informações básicas sobre os aspectos mais relevantes a respeito do tema. Para a realização do estudo proposto, pesquisou-se de forma qualiquantitativa. A abordagem foi qualitativa, uma vez que se buscou identificar a natureza, o alcance, além de interpretar de forma mais genérica a

11 (in)dispensabilidade do Inquérito Policial para o oferecimento da denúncia e queixacrime nos processos judiciais nas Comarcas do Vale do Taquari em 2008. Também foi utilizada a forma quantitativa de pesquisa, a qual tem por base adotar procedimentos de quantificação. Tal procedimento ocorreu por meio de coleta de informações buscadas nos Fóruns das Comarcas do Vale do Taquari, por intermédio do preenchimento de um questionário. O método utilizado foi o dedutivo, que busca encontrar conclusões restritas ao tema analisado. Assim, partiu-se de aspectos gerais sobre o Inquérito Policial para o oferecimento da denúncia e queixa-crime nos Processos Judiciais, passando pelo seu detalhamento, até chegar ao foco, qual seja, o levantamento de dados locais, para se saber a (in)dispensabilidade do Inquérito Policial. Como método auxiliar, foi utilizado especialmente o comparativo, a fim de demonstrar o número de denúncias e queixas-crime oferecidas sem o prévio Inquérito Policial nas Comarcas do Vale do Taquari durante o ano de 2008, já que, para a maioria dos doutrinadores, é uma mera peça dispensável ao início da ação penal. Além disso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, que inclui livros de referência na área do direito processual penal e direito penal e sites relacionados ao direito processual penal e direito penal. Em uma segunda etapa, foi realizada a coleta de dados nos Fóruns das Comarcas do Vale do Taquari, para verificar o número de denúncias e queixas-crime feitas no ano de 2008 sem o prévio Inquérito Policial. Assim, esta monografia está dividida em três capítulos. Inicia-se com considerações acerca do Inquérito Policial e seus procedimentos, com uma abordagem da origem histórica, polícia judiciária, inquéritos extrapoliciais, finalidade e importância, competência e atribuição, características, instauração do inquérito policial, notitia criminis, delatio criminis, início do inquérito policial, o auto de prisão em flagrante, prazos de conclusão do inquérito policial, conclusão ou encerramento do inquérito policial, arquivamento do inquérito policial, bem como seu valor probatório.

12 No capítulo seguinte, são abordados os sistemas processuais penais, bem como os requisitos para a ação penal pública e privada e os casos de oferecimento de denúncia e queixa-crime. O último capítulo investiga a (in)dispensabilidade do Inquérito Policial para o oferecimento da denúncia e queixa-crime, com base nos processos judiciais que ingressaram nas Comarcas do Vale do Taquari em 2008. Com base nesses números a serem levantados, pretende-se demonstrar que, apesar de ser desvalorizado por parte da doutrina, o Inquérito Policial possui papel fundamental no início da Ação Penal, haja vista que é um procedimento pré-processual, mas destinado ao processo penal.

13 2 O INQUÉRITO POLICIAL Tendo em vista que a doutrina classifica o Inquérito Policial como mera peça informativa, sem valor probatório e totalmente dispensável para o oferecimento da denúncia ou queixa, vale questionar quantas denúncias e queixas foram oferecidas sem o prévio Inquérito Policial nas Comarcas do Vale do Taquari em 2008, ou seja, pretende-se analisar a sua (in)dispensabilidade. Nos termos do art. 4º do Código de Processo Penal, o inquérito será elaborado, em regra, pela Polícia Judiciária e, conforme o disposto no parágrafo único do mesmo artigo, não será excluída a competência de autoridade administrativa, a quem por lei seja atribuída a mesma função. O Inquérito Policial é um conjunto de informações sobre o delito cometido pelo infrator, as quais são colhidas pela autoridade policial com o objetivo de conhecer o fato delituoso e identificar sua autoria (CPP, art. 4º). Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de serem obtidos na instrução judiciária. Conhecidas essas informações, elas servirão de suporte ao titular da Ação Penal, que poderá ser o Ministério Público - nos delitos de ação pública - e o particular ofendido - nos delitos de ação privada. Podemos dizer que o inquérito é sempre um procedimento destinado a reunir elementos sobre um delito; em outras palavras, é a fase preparatória da ação penal.

14 Neste sentido, Tourinho Filho afirma: O inquérito nada mais é que um conjunto de informações sobre a prática de infração, isto é, sobre o fato infringente da norma e a respectiva autoria (2007, p. 2). Para a maioria dos doutrinadores, o Inquérito Policial é totalmente dispensável, mas o posicionamento do doutrinador Nucci é outro. Ele entende que Eventualmente é possível dispensar o inquérito, desde que o acusador possua provas suficientes e idôneas para sustentar a denúncia ou a queixa, o que não deixa de ser hipótese rara (2006, p. 153). Por outro lado, Mirabete (2005, p. 82) demonstra seu posicionamento em outro sentido quando cita o art. 12, CPP, que diz que o inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou a outra e afirma O inquérito policial não é indispensável ao oferecimento da denúncia ou da queixa. Deduz-se do artigo citado que podem elas ser oferecidas mesmo sem fundarem-se nos autos da investigação oficial. Desta forma, fica demonstrado que existem posicionamentos divergentes entre os doutrinadores quanto à (in)dispensabilidade do inquérito policial para o oferecimento da denúncia e queixa-crime nos processos judiciais. Assim, o próximo capítulo tem a finalidade de descrever o inquérito policial e seus procedimentos. 2.1 Origem histórica O processo investigatório para a apuração dos delitos, suas circunstâncias e seus autores existe desde a antiguidade 1. Ensina o doutrinador Garcia (2007, p. 8) que O Inquérito Policial, de forma embrionária, teve sua origem em Roma, com passagens pela Idade Média e referências na legislação portuguesa e, logicamente, com aplicação no Brasil. No Brasil, segundo Tourinho Filho (2004), o Código de Processo Penal, surgido em 1832, não regulamentava o inquérito policial. Conforme Mehmeri (1992, 1 Optou-se, neste trabalho, por adotar o novo acordo ortográfico, inclusive nas citações.

15 p. 4), em 1841 havia lei disciplinando os trabalhos de investigação policial dos crimes, suas circunstâncias e seus autores, entretanto não havia nenhuma legislação que regulamentasse especificamente o inquérito policial. De acordo com os mesmos autores, um marco importante na história do inquérito policial aconteceu trinta anos após, quando da edição do Decreto-Lei nº 4.824, de 28 de novembro de 1871, que regulamentou a Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871, criando o inquérito policial. O art. 42 do citado Decreto-Lei o definia como aquele que consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito (Tourinho Filho, 2004, p. 190). Já na sua origem o inquérito policial aparecia como peça de informação, sendo o conjunto de informações que, no momento favorável, propiciaria o início da ação penal. No mesmo sentido está o posicionamento de Nucci: Apesar de seu nome ter sido mencionado pela primeira vez na referida Lei 2.033, suas funções, que são da natureza do processo criminal, existem de longa data [...] (2006, p. 126), o que demonstra que as primeiras legislações processuais já preceituavam o procedimento informativo, apenas não mencionavam a denominação inquérito policial. Na legislação atual, o Código de Processo Penal faz menção à manutenção do inquérito policial como processo preliminar ou preparatório da ação penal, amparado pelo Direito Processual Penal Brasileiro e expressamente previsto nos arts. 4º ao 23 do referido diploma legal. No mesmo sentido, a Constituição Federal faz referência, em seu artigo 129, inciso VIII, às funções institucionais do Ministério Público, quando preceitua requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais. Na mesma esteira, encontramos o art. 144, 4º, CF/88, que dispõe sobre as atribuições da polícia civil. 2.2 Polícia judiciária A Constituição Federal de 1988 define em seu art. 144, 4º, que às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a

16 competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. Segundo Mirabete (2005, p. 79), A Polícia é uma instituição de direito público, destinada a manter a paz pública ou a segurança individual e acrescenta que, como a polícia judiciária é de caráter repressivo, após a prática de uma infração penal recolhe elementos que o elucidem para que possa ser instaurada a competente ação penal sobre os autores do fato. Assim, as polícias, quanto ao objeto, podem ser divididas em administrativa, ou de segurança, e judiciária, conforme entendimento a seguir elencado: a) quanto ao lugar de atividade: terrestre, marítima ou aérea; b) quanto à exteriorização: ostensiva e secreta; c) quanto à organização: leiga e de carreira; d) quanto ao objeto: administrativa (ou de segurança): caráter preventivo; objetiva impedir a prática de atos lesivos a bens individuais e coletivos; atua com grande discricionariedade, independente de autorização judicial; e judiciária: função auxiliar à justiça, atua quando os atos que a polícia administrativa pretendia impedir não foram evitados. Possui a finalidade de apurar as infrações penais e suas respectivas autorias, a fim de fornecer ao titular da ação penal elementos para propô-la. Cabe a ela a consecução do primeiro momento da atividade repressiva do Estado [...]. (Capez, 2007, p. 72-73). Na visão de Garcia (2007), a polícia judiciária mantém os primeiros contatos com a infração penal e cuida para que não desapareçam os vestígios, sendo sua finalidade principal a elaboração do inquérito policial. Nucci (2006, p. 128) acrescenta que O nome polícia judiciária tem sentido na medida em que não se cuida de uma atividade policial ostensiva [...], mas investigatória, cuja função se volta a colher provas para o órgão acusatório e, na essência, para que o Judiciário avalie no futuro. Fica demonstrado, portanto, que a polícia judiciária possui papel de caráter fundamental para o início do procedimento do inquérito policial, pois, sem ela, não seria possível colher todas as informações necessárias à elucidação dos fatos e identificar a autoria da conduta criminosa.

17 2.3 Inquéritos extrapoliciais O Código de Processo Penal, em seu art. 4º, deixa claro que o inquérito policial não é a única forma de investigação criminal e que podem ser instauradas outras modalidades de inquérito, conforme a doutrina a seguir elencada: Ao juiz também é cedida a função investigatória no inquérito judicial referido na Lei de Falências (arts. 103 ss). As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (art. 58, 3º, da CF), tendo sua atuação regulamentada atualmente pela Lei nº 1.579, de 18-3-1952, que disciplina o inquérito parlamentar. O Código de Processo Penal Militar prevê o inquérito policial militar (IPM). Criou-se, também, o inquérito civil, presidido pelo órgão do Ministério Público e destinado à propositura da ação civil pública [...], e previu-se a possibilidade de instauração de inquérito ou procedimento administrativo para apuração de ato de improbidade administrativa (Lei nº 8.429, de 2-6- 1992. Há, por fim, disposições sobre o inquérito em caso de infração penal cometida na sede ou dependência do STF (art. 43 do RISTF), por Juiz de Direito (art. 33, parágrafo único, da LOMN) e por Promotor de Justiça (art. 20, parágrafo único, da LONMP) (Mirabete, 2005, p. 81). Entendemos serem de suma importância as exceções acima dispostas, visto que cada uma possui sua particularidade em especial, deixando a autoridade policial livre da investigação de assuntos internos que não lhe competem. 2.4 Finalidade e importância do inquérito policial A principal finalidade do inquérito policial é formar a convicção do órgão acusatório (Ministério Público ou ofendido, através de seu advogado) e colher provas urgentes e perecíveis, com a intenção de evitar acusações levianas, garantindo a dignidade da pessoa humana, bem como agilizar o trabalho do Estado na busca de provas da existência do crime e de seu autor (Nucci, 2006). Através da leitura de alguns dispositivos do Código de Processo Penal, especialmente do art. 4º ao 12, podemos observar que o inquérito policial tem como objetivo apurar a existência de uma infração penal, de um fato delituoso, de uma conduta típica e antijurídica, ou seja, o crime propriamente dito, quando se busca, através do mesmo, encontrar o autor e a materialidade da conduta criminosa, para que, posteriormente, o titular da ação penal disponha de elementos suficientes para propor a ação penal competente.

18 Já o art. 41 do Código de Processo Penal determina que a denúncia ou a queixa contenha a exposição do fato criminoso, a qualificação do acusado, a classificação do crime e o rol de testemunhas, se for o caso. Logo, o disposto no citado artigo somente será possível mediante uma investigação prévia, no caso o inquérito policial, o qual terá condições de colher esses dados. Segundo Garcia (2007), para a decretação da prisão preventiva, a prova de existência do crime e de indícios suficientes de autoria mencionada no art. 312, CPP, será possível, via de regra, somente mediante o inquérito. Para Capez (2005, p. 70), a finalidade do inquérito policial é a apuração de fato que configure infração penal e a respectiva autoria para servir de base à ação penal ou às providências cautelares, porque, não havendo indícios de autoria da infração, não poderá o Ministério Público ou o ofendido ingressar em juízo com a denúncia ou queixa. No mesmo sentido, Nucci (2006, p. 127), assim destaca: O inquérito é um meio de afastar dúvidas e corrigir o prumo da investigação, evitando-se o indesejável erro judiciário, e sabiamente acrescenta que [...] somente deveríamos admitir que as provas colhidas no inquérito policial fossem usadas para instruir a peça inicial acusatória, já que a razão de sua existência e sua finalidade não condizem com outra conclusão. É preciso levar em consideração que o inquérito policial tem a importante finalidade de fornecer elementos probatórios ao juiz, para que este possa permitir a decretação da prisão cautelar do indiciado. Portanto, o Inquérito Policial possui fundamental importância para o início da Ação Penal, pois é o momento em que ocorre o primeiro contato com o fato delituoso, quando são colhidas as peças fundamentais para o início do processo, na maioria das vezes impossíveis de serem reproduzidas em fase judicial. Cabe salientar que a função do inquérito policial não é trabalhar exclusivamente para o Ministério Público (acusação), mas sim descobrir a verdade sobre o fato delituoso cometido, buscando uma solução ao prejuízo sofrido pelo ofendido.

19 2.5 Competência e atribuição Conforme esclarece o parágrafo único do art. 4º do CPP, de um modo geral a competência para presidir o Inquérito Policial é atribuída aos Delegados de Polícia (Mirabete, 2002), havendo a necessidade de se observar o lugar em que ocorreu a infração penal, quando se dá a competência em razão do lugar ou ainda podendo se dar em razão da matéria. Contudo, para Capez (2005), a colocação da palavra competência no parágrafo único do art. 4º do CPP não é exata. Afirma que seria melhor se houvesse dito atribuição, sendo que o termo competência deve ser entendido em seu sentido vulgar, como poder conferido a um funcionário para conhecer determinado assunto. Deve-se observar alguns casos específicos em que não cabe à autoridade policial a competência 2 : [...] a) o art. 40, parágrafo único, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625, de 12-2-1993; b) o art. 43 e respectivo parágrafo do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal; c) a Súmula 397 do Supremo Tribunal Federal; e d) o art. 33 da Lei Complementar nº 35, de 14-3-1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional). Salvante esses casos, excluída a ressalva feita pelo parágrafo único do art. 4º do CPP, e deixando de lado os inquéritos extrapoliciais (militar, judicial, parlamentar), a competência para a realização de inquéritos policiais é distribuída a autoridades próprias, de acordo com as normas de organização policial dos Estados. [...] (Tourinho Filho, 2004, p. 194-195). Portanto, via de regra, as autoridades competentes para presidir o inquérito são em geral Delegados de Polícia que dirigem as Delegacias de Polícia de sua circunscrição (art. 144, 1º e 4º CF/88). Em caso de Auto de Prisão em Flagrante, conforme entendimento da doutrina, a atribuição é da autoridade do lugar em que ocorreu a prisão (arts. 290 e 308 CPP), e os atos seguintes serão praticados pela autoridade do local em que o crime se consumou (Capez, 2007). 2 O Código de Processo Penal utilizou impropriamente o termo competência, quando a forma mais correta seria atribuição. Conforme Mirabete (2005, p. 84) a palavra competência é empregada, na hipótese, em sentido amplo, como a atribuição a um funcionário público para suas funções.

20 Garcia (2007, p. 4) enfatiza que À Autoridade Policial cabe a iniciativa de proceder às investigações para apuração de um fato com características de crime, visando ainda determinar a respectiva autoria. Neste sentido, conforme ensinamento da doutrina, podemos afirmar que, excetuando as exceções já citadas, a competência ou atribuição para presidir o inquérito policial se dá em razão do lugar e em razão da matéria, cabendo à autoridade policial presidi-lo. 2.6 Características Para a doutrina, o inquérito policial apresenta as seguintes características: [...] Procedimento escrito - todas as peças do inquérito policial serão num só processo, reduzidas a escrito ou datilografadas [...]. Sigiloso - A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade [...]. Oficialidade - O inquérito policial é uma atividade investigatória feita por órgãos oficiais, não podendo ficar a cargo do particular [...]. Oficiosidade - Corolário do princípio da legalidade (ou obrigatoriedade) da ação penal pública. Significa que a atividade das autoridades policiais independe de qualquer espécie de provocação, sendo a instauração do inquérito obrigatória diante da notícia de uma infração penal [...]. Autoritariedade [...] o inquérito é presidido por uma autoridade pública, no caso, a autoridade policial (Delegado de Polícia). Indisponibilidade [...] após sua instauração não pode ser arquivado pela Autoridade Policial [...]. Inquisitivo Caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutórias concentram-se nas mãos de uma única autoridade [...] (Capez, 2005, p. 72-73, grifo nosso). Destacamos que a doutrina considera o caráter inquisitivo e o sigiloso as principais características do inquérito policial. Conforme entendimento de Nucci (2006), o caráter inquisitivo é próprio do inquérito policial, pois ele não permite a ampla defesa ao suspeito ou indiciado. Já o caráter sigiloso, para o mesmo autor, é considerado uma importante característica, pois o procedimento não é levado ao conhecimento de nenhuma pessoa e é dispensada a sua publicidade. Mirabete (2005) declara que o sigilo é fundamental para que a autoridade policial possa realizar as diligências necessárias para a elucidação dos fatos, e neste sentido determina a lei: A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade (art. 20 CPP).

21 E, neste sentido, a Súmula Vinculante nº 14, aprovada no início deste ano, permite acesso a inquérito policial sigiloso: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. Dessa forma, após a realização de todos os procedimentos imprescindíveis para colher as provas necessárias à elucidação dos fatos, será permitido que o defensor do acusado tenha acesso aos autos do inquérito policial, proporcionandolhe o contraditório. Na mesma esteira, encontramos o art. 7º, XIV, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil: Art. 7º - São direitos dos advogados: XIV examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos. Ressalta-se que, conforme entendimentos doutrinários, de um modo geral o inquérito policial é eminentemente não contraditório, porém nada impede que se oportunize o contraditório, o que fica claramente demonstrado nos casos de auto de prisão em flagrante, quando é permitida a presença do defensor do acusado. Assim, é preciso quebrar este paradigma que vem sendo utilizado por grande parte da doutrina no sentido de que o inquérito policial não oportuniza o contraditório, pois hodiernamente esta regra vem sendo quebrada e amparada pela legislação brasileira, que se coaduna com a Constituição Federal, haja vista que o Código de Processo Penal é anterior à Constituição Federal e, portanto, deve ser interpretado conforme esta. 2.7 Instauração do inquérito policial O inquérito policial é instaurado a partir da notitia criminis; a lei processual, no entanto, disciplina a matéria prevendo modalidades específicas de sua instauração, de acordo com a espécie de iniciativa da ação penal exigida para o fato criminoso. Essas modalidades serão identificadas a seguir.

22 A instauração de inquérito no caso de ação pública incondicionada, conforme art. 5º, I, CPP, poderá ser de ofício e, conforme Mirabete (2005), Trata-se de uma regra geral que só cede diante de disposição expressa em lei. Além disso, de acordo com o art. 5º, II, primeira parte, o inquérito policial poderá ser instaurado por meio de requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público. Já o art. 5º, II, segunda parte, dispõe sobre a instauração do inquérito a pedido da vítima, e, segundo o mesmo autor, a comunicação verbal é a forma mais comum de notícia crime prestada pela vítima ou terceiro, cumprindo à autoridade policial determinar que sejam reduzidas a termo as declarações do comunicante. Destaca ainda Mirabete que o inquérito pode ser instaurado pelo flagrante delito, quando o respectivo auto será a primeira peça do procedimento. Esclarece que os requerimentos, as requisições e o auto de prisão em flagrante são peças iniciais do inquérito policial, nos demais casos a autoridade policial deve baixar portaria para a instauração do procedimento. No caso de ação pública condicionada à representação da vítima ou à requisição do Ministro da Justiça, o mesmo autor explica que, a instauração do inquérito policial, nessas hipóteses, também depende da prática desses atos jurídicos, que são previstos expressamente pela lei processual. A instauração de inquérito no caso de ação privada, entretanto, dá-se somente mediante a iniciativa da vítima (art. 5º, 5º, CPP), ou seja, através de requerimento. 2.8 Notitia criminis Mirabete (2002, p. 80) ressalta que o instituto da notitia criminis (notícia crime) é o conhecimento, espontâneo ou provocado, pela autoridade policial de um fato aparentemente criminoso, podendo ser de cognição imediata ou mediata. Segundo o mesmo autor, a notitia criminis pode, ainda, dar-se de forma coercitiva nos casos de prisão em flagrante delito por funcionário público no exercício de suas funções ou por particular (2005, p. 87), com o que concorda Nucci, o qual acrescenta que a notitia criminis não deixa de ser uma maneira indireta da autoridade policial tomar conhecimento da prática de uma ação penal (2006, p. 134).

23 Para Tourinho Filho (2004, p. 211), a notitia criminis de cognição imediata acontece quando o Delegado de Polícia fica sabendo de forma direta do fato contrário à norma regulamentadora da conduta por qualquer meio. Já a notitia criminis de cognição mediata é definida pelo mesmo autor como sendo aquela que ocorre quando a autoridade policial fica sabendo do fato delituoso mediante provocação da vítima ou de quem possa representá-la, como, por exemplo, requisição da autoridade Judiciária bem como do Ministério Público ou Ministro da Justiça (p. 211). Conforme o entendimento da doutrina, a notícia crime nada mais é do que o momento em que a autoridade policial toma conhecimento de um fato criminoso praticado. 2.9 Delatio criminis De acordo com o 3º do art. 5º do CPP, o inquérito policial pode ser iniciado, nos crimes de ação pública incondicionada, por meio da delatio criminis: Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito. Apesar de a delatio criminis ser facultativa, existem algumas exceções previstas no art. 66 da Lei de Contravenções: Art. 66 Deixar de comunicar à autoridade competente: I crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação; II crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal: Pena - multa. Outra exceção é o artigo 269 do Código Penal: Art. 269 Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória: Pena detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

24 Por outro lado, encontramos como exceção o art. 45 da Lei nº 6.538 de 22/6/1978, que Dispõe sobre os serviços postais : Art. 45 A autoridade administrativa, a partir da data em que tiver ciência da prática de crime relacionado com o serviço postal ou com o serviço de telegrama, é obrigada a representar, no prazo de 10 (dez) dias, ao Ministério Público Federal contra o autor ou autores do ilícito penal, sob pena de responsabilidade. Citados os casos de exceção da delatio criminis, passamos aos posicionamentos de alguns doutrinadores. Para Nucci (2006, p. 134), a delatio criminis É a denominação dada à comunicação feita por qualquer pessoa do povo à autoridade policial (ou a membro do Ministério Público ou juiz) acerca da ocorrência de infração penal em que caiba ação penal pública incondicionada[...]. Tourinho Filho possui o mesmo entendimento e acrescenta: [...] o legislador deu ao cidadão a faculdade de levar ao conhecimento da Autoridade Policial a notitia criminis. Mera Faculdade. Tanto é faculdade que, se alguém deixar de fazê-lo, não sofrerá nenhuma sanção (2007, p. 24), e complementa: [...] quem o desejar poderá fazer a delatio. Contudo é preciso que assuma a responsabilidade, identificando-se [...]. Em relação a essa questão, Muccio (2000, p. 216) acrescenta: Como há interesse do Estado em reprimir os crimes de ação penal pública incondicionada, como garantia de paz e tranquilidade pública, interesse que é compartilhado pelo povo, é evidente que o cidadão comum possa contribuir, colaborar com a autoridade policial, incumbida da persecução penal na sua primeira fase, levando ao seu conhecimento o fato infringente da norma penal. É evidente que, sendo mera colaboração do cidadão, tornando possível a persecução penal, a delatio não poderia ser, como não é, obrigatória. Fosse obrigatória, o Estado semearia a discórdia e intranquilidade pública (grifo nosso). Acrescenta-se a isso que, segundo a doutrina, quando há delatio criminis, a providência inicial a ser tomada é a oitiva do ofendido, pois é ele que geralmente prestará as informações mais precisas e seguras à autoridade policial (Noronha, 1999, p. 23). Portanto, a delatio criminis é a oportunidade que qualquer pessoa do povo possui de fazer ou não a comunicação de uma infração penal à autoridade policial.

25 A doutrina trata também sobre a delatio criminis inqualificada, ou seja, denúncia anônima. A polícia judiciária, ao receber uma denúncia anônima, poderá proceder a uma investigação sigilosa, com a finalidade de apurar o fato denunciado e, havendo probabilidade de a informação ser verdadeira, procederá à instauração do inquérito policial para apuração dos fatos (Tourinho Filho, 2007). Muccio (2000) acrescenta que a denúncia anônima não é proibida, sendo dever da autoridade policial investigar a infração penal e sua autoria; não importa de onde tenha partido a notícia do fato, há o dever legal de a polícia investigá-lo. Assim, a autoridade policial não poderá de imediato instaurar o inquérito policial. Será necessária uma prévia verificação sobre a veracidade da denúncia, já que o CPP estabelece que a delatio somente será aceita verbalmente ou por escrito (art. 5º, 3º) nos casos em que o sujeito que a fizer assumir a responsabilidade, identificando-se. Ademais, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso IV, proíbe o anonimato. 2.10 Início do inquérito policial O art. 5º do Código de Processo Penal disciplina as formas de iniciar o Inquérito Policial: Art. 5º Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: I - de ofício; II - mediante requisição de autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. Destaca Tourinho Filho (2004, p. 212) que tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, a Autoridade Policial, quando dele tomar conhecimento, deverá instaurar o inquérito policial em uma das formas do art. 5º CPP, acima citado. O art. 5º, 3º, CPP, dispõe que qualquer pessoa que tiver conhecimento da existência de delito cabível de ação penal pública, poderá comunicar à autoridade policial, e esta, após verificar a procedência das informações, mandará instaurar o inquérito policial.

26 Segundo a doutrina, há basicamente cinco formas de dar início ao inquérito: a) de ofício, quando a autoridade policial, tomando conhecimento da prática de uma infração penal de ação pública incondicionada (as ações públicas condicionadas e as ações privadas dependem de provocação do ofendido), instaura a investigação para verificar a existência do crime ou da contravenção penal e sua autoria; b) por provocação do ofendido, quando a pessoa que teve o bem jurídico lesado reclama a atuação da autoridade; c) por delação de terceiro, quando qualquer pessoa do povo leva ao conhecimento da autoridade policial a ocorrência de uma infração penal de iniciativa do Ministério Público; d) por requisição da autoridade competente, pode o juiz ou o promotor (procurador da República) exigir que a investigação policial se realize, porque há provas suficientes a tanto; e) pela lavratura do auto de prisão em flagrante (Nucci, 2006, p. 133). O inquérito policial, portanto, somente terá início mediante uma das modalidades acima citadas. Cabe destacar que, de regra, o início do inquérito policial se dá através da portaria, que é sua peça preambular, a qual deve conter o dia em que o fato típico foi cometido, hora aproximada, local, o prenome e o nome do autor e da vítima, e em conclusão determinará instauração do inquérito (Mossin, 1998). 2.11 O auto de prisão em flagrante Dispõe o art. 301 do Código de Processo Penal que qualquer pessoa do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito, e o art. 302, do mesmo diploma legal, estabelece as situações consideradas flagrante delito. O auto de prisão em flagrante é uma modalidade de início do inquérito policial e será a sua peça inaugural, sendo que o auto conterá, devidamente reduzido e escrito, todas as circunstâncias da prisão ocorrida em estado de flagrância (Salles Junior, 1998). Para Garcia (2007, p. 11), O auto de prisão em flagrante, quando revestido das formalidades legais, tem valor probatório suficiente para anular o direito de liberdade do cidadão. Se irregular, perde seu valor probatório [...]. A autoridade competente para lavrar o auto de prisão em flagrante é a do lugar em que tiver sido efetuada a prisão; todavia, se no local não houver autoridade, será competente a autoridade do lugar mais próximo (art. 308, CPP). Na

27 mesma esteira, ensina Muccio (2000) que O juiz pode lavrar o auto de prisão em flagrante, pois a lei fala em autoridade sem fazer nenhuma distinção; contudo, como a investigação da infração penal e da sua autoria compete à polícia judiciária, o flagrante deve ser lavrado pela autoridade policial. Realizados todos os procedimentos necessários ao auto de prisão em flagrante, o qual deverá conter data e local onde foi lavrado, indicação da autoridade que o presidiu, qualificação e depoimento do condutor, oitiva e qualificação de pelo menos duas testemunhas, oitiva e qualificação do conduzido, os autos serão remetidos à autoridade competente: juiz (Tourinho Filho, 1998). Portanto, em caso de auto de prisão em flagrante, ele é considerado peça inaugural do inquérito policial. 2.12 Prazos de conclusão do inquérito policial O prazo de conclusão do inquérito policial pode variar de acordo com o caso concreto, sendo o mesmo disciplinado pelo art. 10 CPP. Nos casos em que o indiciado estiver em liberdade, a autoridade policial deverá concluir as investigações no prazo de trinta dias, contados a partir do recebimento da notitia criminis, afirma Capez (2005, p. 91), sendo possível a prorrogação, caso o juiz entenda necessário. Já nos casos em que o indiciado estiver preso, segundo o mesmo autor, o prazo para conclusão do inquérito é de dez dias, contados a partir do dia seguinte à data da efetivação da prisão, sendo que este prazo é improrrogável (p. 92). Verifica-se que existem alguns prazos diferenciados para determinados tipos de inquéritos, o que torna a regra geral do art. 10 do CPP excepcional em algumas leis específicas. Fixam-se prazos especiais para a conclusão do inquérito policial nos seguintes casos: a) Lei nº 5.010/1966 (que organiza a Justiça Federal de primeira instância): no caso de réu preso, o prazo é de quinze dias para a autoridade policial federal concluir o inquérito, podendo ser prorrogado por mais quinze (art. 66); caso o indiciado esteja solto, o prazo é de trinta dias;

28 b) Lei nº 1.521/1951 (Crime Contra a Economia Popular): o prazo é sempre de dez dias (art. 10, 1º), e o promotor possui dois dias para oferecer a denúncia (art. 10, 2º); c) Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas): o inquérito policial será concluído no prazo de trinta dias se o indiciado estiver preso, e de noventa dias quando solto (art. 51); conforme o parágrafo único do art. 51, os prazos podem ser duplicados pelo juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da polícia judiciária; d) O Código de Processo Penal Militar tem o prazo de vinte dias para conclusão do inquérito se o réu estiver preso, e quarenta dias (art. 20 caput) - podendo ser prorrogados por mais vinte - se estiver solto (art. 20, 1º). Os casos acima elencados possuem legislação própria, que determina, além dos prazos de conclusão do inquérito, a forma de realização dos procedimentos. 2.13 Conclusão ou encerramento do inquérito policial Encerradas as investigações e concluídas as diligências determinadas no inquérito policial, a autoridade policial deverá fazer um minucioso relatório de tudo o que foi investigado e apurado e encaminhar os autos ao juiz competente (art. 10, 1º, CPP). Este relatório deverá conter as providências tomadas e os depoimentos resumidos da vítima e da pessoa investigada, mencionando ainda, o resultado da investigação, demonstrando a tipicidade do delito, sua autoria e materialidade. Tourinho Filho (2007, p. 10) explica que O relatório é, como o próprio nome diz, peça singela, em que a Autoridade Policial se limita a historiar, a relatar o que houve e quais as diligências realizadas, e, eventualmente, as que não puderam ser realizadas. Mirabete possui o mesmo posicionamento e ensina que Não cabe à autoridade em sua exposição emitir qualquer juízo de valor [...] apenas prestar todas as informações colhidas durante as investigações e diligências realizadas (2005, p. 102).

29 No mesmo sentido, Capez (2007, p. 99) entende que, na elaboração do relatório, não cabe a autoridade policial expender opiniões, julgamentos ou qualquer juízo de valor, devendo ainda, indicar as testemunhas que não foram ouvidas (art. 10, 2º, CPP), bem como diligências não realizadas. Desta forma, após encerrado o inquérito e concluído o relatório, os autos do inquérito serão remetidos ao juízo competente, acompanhados dos instrumentos do crime e objetos que interessarem à prova (art. 11, CPP). 2.14 Arquivamento do inquérito policial Entende a doutrina que, após ser concluído e encaminhado à Justiça, o inquérito será remetido ao Ministério Público. Há quatro tipos de providências que o titular da ação penal pode tomar: a) oferecer denúncia; b) requerer a extinção da punibilidade; c) requerer o retorno dos autos à polícia judiciária para continuidade da investigação, indicando as diligências a serem realizadas; d) requerer o arquivamento (Nucci, 2006). Conforme disciplina o art. 17, CPP, a autoridade policial não poderá mandar arquivar o inquérito em nenhuma hipótese. Tal providência deve ser tomada pelo juiz, nos casos em que o Ministério Público requerer (art. 28, CPP), sendo que o mesmo é o titular exclusivo da ação penal pública (art. 129, I, CF/88). Destaca Capez (2007, p. 104) que o juiz jamais poderá determinar o arquivamento do inquérito, sem prévia manifestação do Ministério Público (CF, art. 129, I); se o fizer, da decisão caberá correição parcial (Dec.-Lei n. 3/69, arts. 93 a 96). Ainda, para o mesmo autor, nos casos em que o juiz discordar do pedido de arquivamento feito pelo representante do Ministério Público, fará a remessa dos autos ao procurador geral de justiça, que poderá oferecer denúncia, designar outro órgão do Ministério Público para fazê-lo, ou insistir no arquivamento, tomando como base o art. 28, CPP (2007, p. 104). A doutrina entende que o despacho para arquivar o inquérito é irrecorrível, com exceção nos casos de crime contra a economia popular, quando cabe recurso

30 oficial (art. 7º da Lei nº 1.521/51) e no caso das contravenções previstas nos arts. 58 e 60 do Decreto-Lei nº 6.259/44, que Dispõe sobre o serviço de loterias e dá outras providências, casos em que caberá recurso em sentido estrito. Ainda em relação a esse assunto, dispõe o art. 18, CPP: Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia, sendo possível, portanto, o seu desarquivamento. Neste sentido, Salles Junior (1998, p. 125) entende que quando se trata de despacho que determina o arquivamento de autos de inquérito, temos que este despacho não faz a chamada coisa julgada material. Assim [...] a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia. Desta forma, esse autor entende que é possível a autoridade policial solicitar o desarquivamento do inquérito, sendo que, após acrescentadas as novas diligências, os autos retornarão ao Ministério Público, que poderá promover a ação penal, por meio de denúncia, nos termos do art. 41, CPP (1998). Nos casos de desarquivamento de inquérito policial, é necessário observar a causa extintiva de punibilidade prevista no art. 107, IV, CP, que configura a prescrição. 2.15 Valor probatório O inquérito policial é uma peça de conteúdo informativo, de caráter inquisitivo, como instrução provisória, e tem como finalidade principal fornecer informações ao Ministério Público ou ao ofendido. Nele encontram-se os elementos necessários à propositura da ação penal. Conforme a RTJ 59/786, a decisão condenatória apoiada exclusivamente em inquérito policial violaria o princípio constitucional do contraditório, sendo este o entendimento dominante dos doutrinadores, já que a Constituição Federal reforça as garantias processuais. Há duas correntes doutrinárias na discussão sobre o valor probatório do inquérito policial: a primeira defende que ele é uma peça meramente informativa,

31 que deixa o Ministério Público a par do fato delituoso, não tendo qualquer valor probatório; a segunda corrente admite a possibilidade de o juiz embasar o seu livre convencimento em peças do inquérito. O juiz é amparado pelo princípio do livre convencimento motivado (persuasão racional) e poderá valer-se de prova colhida no inquérito, ainda que na fase judicial não seja reproduzida (Muccio, 2000). O autor entende que o juiz pode valer-se de qualquer prova produzida no inquérito, e não apenas da prova pericial, pois trata-se de provas sérias, tranquilas e induvidosas quanto à autoria e à materialidade. Cabe lembrar que existem algumas modalidades de provas que ficam impossibilitadas de serem realizadas em juízo, como a prova pericial (ex: exame de corpo de delito), pois certamente os vestígios já terão desaparecido quando o procedimento estiver na fase judicial; por isso a prova pericial realizada na fase inquisitorial por órgão oficial do Estado tem plena validade. No entendimento da maioria da doutrina, a prova realizada no inquérito possui valor probatório relativo, que ganhará força na medida de sua confirmação, sob o crivo do contraditório e da garantia da ampla defesa, ou seja, não se pode fundamentar uma decisão condenatória apoiada exclusivamente no inquérito policial, senão restariam contrariados os princípios do contraditório e ampla defesa. Se considerados isoladamente, os elementos colhidos no inquérito não servirão para fundamentar a condenação final do acusado no processo; todavia, se houver ao menos uma prova ou indício colhido claramente sob o crivo do contraditório, aqueles elementos colhidos no inquérito podem ter validade (Lima, 2007). Para Muccio (2000, p. 370-371), nos casos de julgamento do Tribunal do Júri por crimes dolosos contra a vida, os jurados podem basear-se em todas as provas produzidas no inquérito, pois eles decidem livremente, sem necessidade de justificar o voto, amparados pelo princípio da soberania dos veredictos. O art. 41 do Código de Processo Penal enumera os requisitos da denúncia; o inquérito policial objetiva fornecer ao Ministério Público os dados elencados no referido artigo. Acontece que, se o Ministério Público estiver de posse de todos os