Bitcoin: um novo ativo financeiro RELATÓRIO AGOSTO/2016
INTRODUÇÃO A classificação do bitcoin como um ativo financeiro ainda gera muita confusão na cabeça daqueles que não conseguiram efetivamente perceber a magnitude da revolução que as moedas digitais estão provocando no mundo. Boa parte dos economistas e financistas sequer consegue entender a ruptura de paradigma imposta pelo surgimento do bitcoin. Comparada à história de outras tecnologias, a evolução da moeda da Internet é muito célere e robusta. Desde a publicação, em 2008, do white paper de Satoshi Nakamoto que estabeleceu os princípios de funcionamento do bitcoin através do blockchain, no qual uma série de conceitos relacionados à criptografia e economia monetária se relaciona de forma extremamente inovadora, discussões acaloradas no mundo inteiro se formaram sobre a viabilidade do conceito apresentado. Em 2009, as primeiras moedas começam a ser geradas, um mercado se forma e as primeiras negociações começam a ocorrer, ainda em caráter experimental. A primeira transação a usar bitcoin como meio de pagamento acontece em maio de 2010, quando Laszlo Hanyecz trocou 10 mil bitcoins por duas pizzas grandes, pagas por um outro membro de um fórum de discussão sobre criptografia. É impressionante notar como o experimento tomou corpo desde então, com o preço saindo de zero e subindo até os US$ 1300 em 2013, no auge da primeira onda de febre em relação ao bitcoin. Como quase todo ativo financeiro, essa alta sem precedentes foi seguida de um movimento de correção nos preços em 2014 e 2015, seguida de uma forte retomada pelo interesse no ano de 2016, com as cotações oscilando entre US$ 600 e US$ 800.
Atualmente, o bitcoin tem sido assunto frequente nos principais veículos de mídia pelo mundo e congrega uma legião de entusiastas, desenvolvedores, empreendedores e investidores que seguem na vanguarda do desenvolvimento desta tecnologia, que já começa a impactar os alicerces da indústria financeira. Até o primeiro semestre do ano de 2016, mais de 140 milhões de transações foram processadas na rede bitcoin, através do blockchain. O poder de processamento computacional já instalado para confirmar e verificar essas transações ultrapassa em 300 vezes a capacidade de processamento do Google, o que é especialmente notável para uma rede descentralizada. Órgãos reguladores de diversos países estão em busca de um maior entendimento sobre as características de funcionamento e implicações que a moeda digital, emitida através de um software aberto e sem controle central, trará para o mercado e de que forma empresas e autoridades deveriam lidar com essa nova forma de dinheiro. Falta consenso se o bitcoin deve ser classificado como moeda, commodity ou propriedade. No caso brasileiro, o limbo é ainda maior, com as autoridades nacionais tendendo a classificar o bitcoin na categoria de Outros Ativos, com imposições legais e tributárias tratadas caso a caso. Nossa visão é de que a análise do bitcoin enquanto ativo financeiro deve se atentar para quatro características que tornam o bitcoin um instrumento único. São elas: potencial de investimento; aspectos político econômicos; independência do preço e o perfil do risco versus retorno. Este relatório produzido pela coinbr analisa cada um desses vetores separadamente com o intuito de esclarecer como o bitcoin inaugura uma nova classe de ativos, extremamente atraente para os mais diversos perfis de investidores, especialmente para os atentos à necessidade de diversificação de portfólio. Boa leitura! Safiri Felix CEO da coinbr
POTENCIAL DE INVESTIMENTO O volume de negócios de bitcoin feito nas corretoras é uma boa medida da liquidez oferecida pelo ativo. Esses números estão em franco crescimento, alcançando níveis superiores a US$ 1 bilhão por dia ao longo de 2016. Atualmente, boa parte desse volume é originado por operadores, conhecidos como traders, que negociam bitcoin em troca de outras moedas tradicionais, como dólar, euro, libra e principalmente a moeda chinesa, o yuan. Cerca de 90% de todo volume vem sendo negociado em yuan, colocando a China como mercado mais relevante para entender a demanda crescente pela moeda digital. A demanda chinesa é tão grande que faz com que boa parte do ecossistema de bitcoin seja concentrado por lá, não só nas operações de compra e venda, mas também influenciando diretamente o mecanismo essencial para o funcionamento do blockchain: a mineração. Atualmente, fabricantes chineses são responsáveis pela grande maioria das máquinas mineradoras e grupos de mineradores chineses controlam mais de 70% da capacidade de processamento dedicada ao blockchain.
O crescimento exponencial do bitcoin se deve especialmente à demanda especulativa do mercado chinês, que encontra na moeda digital um instrumento ideal para arbitrar em relação ao yuan e para que os investidores e usuários tenham acesso à liquidez em moeda estrangeira, sem as restrições de controle de capitais impostas pelo governo local. O que, de fato, cria demanda na China é o vício chinês por especulação e apostas, tanto em cassinos quanto ativos financeiros. Traders chineses estão habituados à volatilidade e as corretoras locais oferecem um amplo leque de opções de serviços de alavancagem e algotrading. Fatores macroeconômicos também servem de estímulo para demanda por bitcoin, especialmente a pressão inflacionária crescente no país, fruto da desvalorização sistemática do yuan, promovida há pelo menos um ano pelo banco central chinês. Outro fator importante é a crescente demanda por recursos em moeda estrangeira por parte dos chineses mais abastados e por jovens profissionais de alta renda, que se utilizam do bitcoin para adquirir principalmente ativos relacionados ao ouro, dólar e euro. Grandes flutuações no preço, como ocorreram em 2015 e vêm acontecendo em 2016, levam os traders a capitalizarem em cima da volatilidade, aumentando o volume de negócios. O bitcoin já apresenta liquidez diária comparável a outros populares ativos financeiros, como títulos atrelados ao ouro e fundos de índices comercializados como ações. A atividade de trading explica apenas parte da equação do potencial de investimento do bitcoin, pois os traders são investidores de curto prazo. Há muita gente que atua como investidor de longo prazo e não negocia o bitcoin, preferindo guardá lo. Estes são os chamados "holders". A atividade de trading explica apenas parte da equação do potencial de investimento do bitcoin, pois os traders são investidores de curto prazo. Há muita gente que atua como investidor de longo prazo e não negocia o bitcoin, preferindo guardá lo. Estes são os chamados "holders". Os usuários de bitcoin se dividem em três grandes grupos: usuários esporádicos, que utilizam a moeda digital para fazer pagamentos pontuais. operadores de volatilidade, que tiram proveito das oscilações de preço para arbitrar entre diferentes corretoras e lucrar com os movimentos do mercado. grandes investidores e simpatizantes da filosofia libertária, que acumulam bitcoin pensando no potencial de valorização de longo prazo. Acreditamos que cerca de metade do estoque total de bitcoins já produzido esteja em poder de investidores de curto prazo e a outra metade com aqueles com posições de longo prazo, interessados no
bitcoin como instrumento de reserva de valor. Ou seja, metade do estoque total de bitcoin, atualmente valendo em torno de US$ 9 bilhões, está sendo armazenado sob a ótica de preservar riqueza de forma superior aos instrumentos tradicionais do mercado. Estimativas apontam que cerca de US$ 100 trilhões estão alocados globalmente como reserva de valor. Considerando o atual valor de mercado, o bitcoin tem um enorme potencial de crescimento, ainda mais se considerarmos que apenas cerca de 7 milhões de pessoas no mundo possuem bitcoin, enquanto que mais de 500 milhões de pessoas detêm outros tipos de ativos, direta ou indiretamente. À medida que o bitcoin se torna mais compreendido ao redor do mundo, naturalmente uma parcela maior de recursos de longo prazo tende a se mostrar propensa a investir em ativos alternativos, especialmente sob as condições atuais de brutal liquidez disponível fornecida pelas políticas expansionistas dos bancos centrais ao redor do mundo. Com boa parte das economias desenvolvidas mergulhadas em juros reais negativos, mercado imobiliário e de ações testando máximas históricas, faltam alternativas para alocação de capital, lacuna que se preenchida mesmo que timidamente pelo bitcoin, configura o cenário ideal para uma valorização substancial da moeda digital. Em resumo, o bitcoin é um ativo com relativa baixa liquidez no mercado mundial, mas seu rápido crescimento e potencial fazem com que as perspectivas sejam extremamente interessantes, constituindo o que os financistas chamam de assimetria favorável.
PERFIL POLÍTICO-ECONÔMICO O vasto potencial do bitcoin é exatamente o que sustenta o seu valor. O fato de ele não estar atrelado a bens tangíveis e não possuir uma entidade legal por trás de seu funcionamento o difere completamente de todas as outras alternativas. Ter bitcoin entre seus investimentos representa um crédito público verificado em uma rede aberta que pode facilitar todos os tipos de transações. Um robusto e pujante ecossistema floresceu ao longo dos últimos sete anos e pavimentou um caminho para que o bitcoin se estabelecesse como um ativo cada vez mais atrativo para investidores tradicionais. Quanto mais infraestrutura for construída na rede do bitcoin, maior será a demanda por suprimento, ou seja, quem possuir bitcoin será dono de um ativo digital escasso e cada vez mais demandado, o que pode influenciar o preço positivamente. As transações de bitcoin são verificadas por meio de uma rede de computadores aberta e descentralizada composta pelos mineradores, que utilizam um código aberto de software para rodar a aplicação que faz as verificações. Por se tratar de um programa de código aberto, qualquer mudança nesse código demanda consenso da maioria da comunidade de mineradores. A lógica de suprimento do bitcoin não depende de nenhuma autoridade central, como é o caso das moedas tradicionais controladas pelos governos. Está definido no código da tecnologia, que o limite máximo de bitcoins circulando no mercado será de 21 milhões unidades. Esse limite deve ser alcançado por volta de 2140. A certeza de uma taxa decrescente de inflação torna o bitcoin único, quando comparado ao dólar americano, por exemplo, que tem seu suprimento aumentado de acordo com as vontades daqueles que comandam a política monetária dos Estados Unidos. Em julho de 2016, conforme estava determinado no protocolo, a taxa de inflação do bitcoin foi cortada pela metade, em um evento que acontece de quatro em quatro anos e reduz a recompensa dada aos mineradores a cada bloco de bitcoin que é validado na rede. Antes, os mineradores recebiam 25 bitcoins por cada bloco. Agora, são 12,5 moedas. Tudo isso aconteceu de maneira automática e todos sabiam previamente que seria assim. Muito diferentemente do que acontece com as moedas nacionais. Os casos de uso para o bitcoin incluem todos aqueles que são inerentes às moedas tradicionais e ao ouro. Além disso, a tecnologia das moedas digitais permite o desenvolvimento de inovações relacionadas a meios de pagamento e validação de trocas, capazes de servir como plataforma para executar contratos ou atuar com registros de propriedade, empréstimos ou qualquer outro tipo de transação realizada através da Internet. Apesar desse potencial disruptivo, atualmente o bitcoin vem sendo muito mais utilizado como investimento, graças a sua natureza escassa, ao invés de meio de pagamento alternativo.
INDEPENDÊNCIA DO PREÇO Dadas suas características particulares que exploramos nas duas primeiras partes deste relatório, o preço do bitcoin se comporta de maneira distinta em relação a outros ativos, uma vez que os movimentos são impulsionados como consequência de forças de mercado próprias.
Tradicionalmente, o comportamento do mercado pode ser quantificado pela correlação entre os ativos, uma medida padronizada que mede a tendência de movimentação dos ativos. Essa medida varia de +1 a 1³². Se dois ativos estão correlacionados perfeitamente, eles estão em +1 nessa banda. Assim, quando um ativo sobe 10%, o outro sobe também 10%. Se eles estão negativamente correlacionados a 1, quando um ativo subir 10% o outro vai cair 10%. Quanto mais negativamente correlacionados os ativos estão, maior será a diversificação propiciada em um portfólio de investimentos. Consequentemente, ativos que têm correlação próxima a zero não estão sujeitos às mesmas forças de mercado. Nos últimos cinco anos, a curva de preços do bitcoin foi bastante distinta comparada a outros ativos. O bitcoin é o único ativo que mantém consistentemente baixa correlação com qualquer outro ativo. Nesse período, a correlação máxima do bitcoin, positiva ou negativa foi a menor dentre todos os ativos analisados. Isso demonstra o comportamento independente do preço do bitcoin dentro do mercado de capitais. Comparado às moedas tradicionais, que são utilizadas como meio de troca e reserva de valor, o bitcoin apresentou uma correlação anual de 0.0002 com o índice MSCI de moedas globais, que reúne as moedas dos países emergentes. Este índice comparado às ações nas bolsas dos Estados Unidos mostra uma correlação de 0.7. Isso nos faz concluir que o bitcoin não pode estar na mesma categoria das moedas tradicionais. Ele é um ativo diferente e sua dinâmica de mercado é prova disso. Eventos macroeconômicos que causam impacto nas moedas de vários países não parecem afetar o bitcoin negativamente e ainda faltam elementos para provar que afetam positivamente, apesar de termos visto fortes valorizações no ano passado com a crise grega e mais recentemente após o Brexit. Como escrevemos neste artigo, o bitcoin é bastante comparado ao ouro por diversas razões, especialmente a escassez e a ausência de controle por parte de autoridades centrais.
Em tempos de turbulência nos mercados, como o que ocorreu com a decisão do Reino Unido em se desligar da União Europeia, investidores do mundo todo tendem a correr para o ouro, afim de preservar valor de suas reservas. Ao contrário do que uma análise superficial sugere, a correlação entre o bitcoin e o ouro rondou o território negativo nos últimos cinco anos. Durante o ano de 2013, quando o preço do bitcoin ultrapassou os US$ 1000, o valor de vários papeis atrelados ao ouro despencou fortemente. No começo de 2013, por exemplo, o valor de mercado do bitcoin era US$ 143 milhões. Ao final daquele ano, havia subido para quase US$ 9 bilhões. No mercado de ouro, o valor de mercado de dois instrumentos financeiros atrelados ao outro, o SPDR Gold Shares ETF (GLD) e o ishares Gold Trust (IAU) caíram de US$ 73,5 bilhões e US$ 11,9 bilhões no início de 2013 para US$ 30 bilhões e US$ 6,2 bilhões no final de 2013, respectivamente. Em comparação a outros ativos, como títulos, ações, mercado imobiliário e petróleo, o bitcoin consistentemente ficou dentro das fronteiras da correlação que o qualificam como um redutor de risco diferenciado para portfólios de investimento. A média de correlação do bitcoin em relação a todos os outros ativos, nos últimos 5 anos, foi de 0.02, muito próxima a zero, o que mostra sua forte independência na formação do preço. A valorização do bitcoin nos últimos quatro anos foi de 206%. Em 2015, a alta foi de 93%. RISCO X RETORNO A comparação do perfil de risco, na forma de volatilidade, e retorno absoluto de um ativo produz uma medida de retorno por unidade de risco tomada chamada de Índice de Sharpe, instrumento largamente utilizado por gestores de patrimônio há décadas. Com variações diárias de preço que chegaram a ultrapassar os 50%, o bitcoin mostrou se, ao longo dos últimos cinco anos, um dos ativos mais voláteis do mercado. Apesar disso, a volatilidade do bitcoin tem diminuído consideravelmente nos últimos 18 meses, com o crescimento substancial do volume e a criação de instrumentos financeiros mais sofisticados atrelados.
Em abril de 2016, a baixa volatilidade da moeda digital chamou a atenção, pois investidores perceberam que naquele mês o bitcoin estava mais estável que o ouro. A diminuição da volatilidade do bitcoin foi ocasionada por uma série de fatores, incluindo mercados de curto prazo mais estáveis e líquidos, maior aprovação regulatória, maior adoção da moeda e uma crescente confiança nos dados históricos de preço do ativo. Apesar de volátil, a tendência é que o preço comece a ficar mais estável, conforme cresça a adoção. No último ano, por exemplo, o bitcoin foi ligeiramente mais volátil que os preços do petróleo no mercado internacional. Desde 2014, o número de usuários que baixou carteiras digitais para armazenar bitcoins cresceu exponencialmente. Durante seu curto tempo de vida, a partir de 2009, o bitcoin proporcionou expressivos retornos aos investidores, muito acima que qualquer outra classe de ativo. Em 2015, o retorno sobre o capital investido foi de 93%. Considerando os últimos cinco anos, a valorização foi de 174%. Se considerados apenas os últimos quatro anos, a alta registrada foi de 206%. Se alguém tivesse investido US$ 10 mil há quatro anos, esse montante agora valeria quase US$ 1 milhão, retorno incomparável com qualquer outra alternativa disponível no mercado. O Índice de Sharpe comprova que, nos últimos cinco anos, o bitcoin foi o ativo que melhor performou e ofereceu os melhores retornos aos investidores, mesmo considerando a forte volatilidade, quando a comparação é feita com as ações das bolsas, títulos do governo e o mercado imobiliário dos Estados Unidos, ouro e petróleo. O bitcoin se posiciona como uma nova classe de ativo que vai dia após dia ganhar mais destaque nos portfólios de investimento ao redor do mundo.