1 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: EVOLUÇÃO LEGISLATIVA E JURISPRUDENCIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Marcos Gabriel de Oliveira Rezende 1 RESUMO O presente trabalho visa demonstrar a evolução da responsabilidade civil do Estado, principalmente no Direito brasileiro, apresentado, para tanto, as teorias adotadas acerca do tema. Este artigo tem como objetivo analisar as constantes mudanças da responsabilidade civil estatal até o advento da Constituição de 1988, bem como as interpretações do Supremo Tribunal Federal acerca do tema após a sua vigência. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica histórica, considerando as contribuições de autores como MAZZA (2013), MELLO (2008) e DELGADO (1998), entre outros, procurando enfatizar a importância da atual teoria para os particulares, diante de uma eventual conduta danosa da Administração Pública.. PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Civil. Estado. Legislação. Jurisprudência. Introdução O presente trabalho tem como tema a evolução legislativa e jurisprudencial da responsabilidade civil do estado, demonstrando as diversas teorias aplicadas no decorrer da história do direito, e enfatizando a importância da teoria da responsabilidade civil objetiva, na modalidade risco administrativo, adotada pelo ornamento jurídico brasileiro, no resguardo dos direitos dos particulares em face de eventuais atos danosos praticados pela Administração Pública Direita ou Indireta, ou pelas empresas privadas prestadoras de serviços públicos. No curso da história do direito, a reponsabilidade civil estatal passou por diversas transformações. A primeira teoria adotada foi a da irresponsabilidade estatal, com vigência até 1873, quando foi superada por uma decisão proferida pelo Tribunal de Conflitos na França, em 8 de fevereiro de 1873. A segunda transformação ocorreu entre 1874 e 1946, momento em que foi adotada a teoria da responsabilidade subjetiva. Já a terceira e a mais importante evolução acerca do tema ocorreu em 1947, quando o Direito passou a adotar a teoria da responsabilidade objetiva do Estado. 1 Marcos Gabriel de Oliveira Rezende, bacharel em direito pela Faculdade de Talentos Humanos FACTHUS, Pós-graduado em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes RJ. Advogado Sócio Proprietário do escritório R&B Advogados..
2 O ordenamento jurídico brasileiro não chegou a adotar a teoria da irresponsabilidade civil, uma vez que as primeiras Constituições (1824 e 1891) já previam a responsabilidade do funcionário público em caso de abuso ou omissão. Com a vigência do Código Civil de 1916 passou a vigorar a teoria da responsabilidade subjetiva, sendo substituída pela publicação da Constituição Federal de 1946, quando passou a vigorar no Brasil a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, sendo reforçada pela Constituição de 1988, e aplicável até os dias atuais. Desenvolvimento A responsabilidade civil do Estado é um dos tópicos mais importantes dentro Direito Público, e atualmente consiste na obrigação imposta ao Estado em reparar os danos causados aos particulares, independentemente da licitude do ato danoso. É o que preleciona MELLO (2008, p. 983): [...] responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado é a obrigação que lhe incube de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos. (MELLO, 2008, p. 983) Este conceito é novo, sendo o resultado de uma série de evoluções no transcorrer da história do Direito. A primeira teoria acerca do tema é a da irresponsabilidade estatal, que coincidiu com o surgimento dos Estados Absolutistas, onde o Rei destacava-se com a figura central do poder, sendo utilizada até o final do século XVIII. Como naquela época o Rei detinha o poder ilimitado e insuscetível a erro, o Estado não teria a responsabilidade de reparar os danos causados aos particulares. Este fundamento pode ser explicado pela simples expressão the king can do no wrong, ou seja, o Rei não pode errar. Segundo MAZZA (2013, p. 319) o período da irresponsabilidade estatal começou a ser superado em 17 de fevereiro de 1800, com a publicação da lei francesa 28 Pluviose do ano VIII, que disciplinava o ressarcimento de danos advindos de obras públicas.
3 Entretanto, o marco final desta teoria e o reconhecimento da responsabilidade do Estado a margem de qualquer texto legislativo, e segundo os princípios do Direito público (MELLO, 2008, p. 992), ocorreu apenas em 8 de fevereiro de 1873, no famoso Aresto Blanco, quando o Tribunal de Conflitos da França condenou o Estado ao pagamento de indenização a pequena menina Agnes Blanco, que havia perdido a perna em decorrência de um atropelamento causado por um vagonete de uma empresa estatal. Com o reconhecimento e expansão da responsabilidade estatal, esta evoluiu para a chamada responsabilidade subjetiva, também conhecida como civilista ou responsabilidade com culpa. De acordo com MAZZA (2013, p. 319) a teoria da responsabilidade subjetiva foi a primeira tentativa de explicação a respeito do dever estatal de indenizar particulares por prejuízos decorrentes da prestação de serviços públicos. A teoria subjetiva estava apoiada na lógica do Direito Civil na medida em que o fundamento da responsabilidade é a noção de culpa adotada no Direito Civil, dessa forma, era necessário que a vítima comprovasse a ocorrência simultânea de quatro requisitos para a configuração da responsabilidade civil do Estado, sendo eles, o ato, o dano, o nexo causal e a culpa. A dificuldade da vítima em comprovar juridicamente a ocorrência de culpa ou dolo do agente público prejudicava a aplicabilidade e o funcionamento prático da teoria subjetiva, tornando necessário desenvolver uma teoria adaptada às peculiaridades da relação desiquilibrada entre o Estado e o Administrado, fato que motivou o surgimento da teoria da responsabilidade objetiva. Segundo esta teoria, o Estado responde por atos lícitos ou ilícitos, independentemente do dolo ou culpa do agente público, dessa forma, a configuração da responsabilidade se dava apenas com a comprovação do ato, do dano e do nexo causal. No âmbito dessa teoria existem duas vertentes divergentes. A primeira é a teoria do risco integral que sustenta a condenação estatal em qualquer circunstância, bastando apenas a comprovação de seus três requisitos. A segunda vertente é a teoria do risco administrativo, atualmente adotada em nosso ordenamento jurídico, onde se reconhece a existência de excludentes ao dever de indenizar, como a culpa exclusiva da vítima, culpa de terceiros ou por motivo de força maior.
4 No Brasil há certa unanimidade entre os doutrinadores de Direito Público de que não houve a aplicação da teoria da irresponsabilidade estatal, é o que sustenta, por exemplo, MELLO (2008, p. 1015) ao dizer que no Brasil jamais foi aceita a tese de irresponsabilidade do Estado.. A afirmação dos doutrinadores de direito público de que não houve a aplicação da teoria da irresponsabilidade se fundamenta nas primeiras Constituições Federais, de 1824 e 1891, que estabeleciam, respectivamente, em seus artigos 179, XXIX e artigo 82, que os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções e por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos.. Contudo, foi apenas com o advento do Código Civil de 1916 que surgiu a primeira teoria a ser adotada no Brasil, a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado, é o que observa em seu artigo 15: As pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrario ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano. As Constituições de 1934 e 1937reforçaram a aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva ao estabelecer, respectivamente, em seus artigos 171 e 194, a responsabilidade solidária entre o Estado e seu agente: Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligencia, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos.. Outra grande alteração legislativa acerca do tema veio a ocorrer com a publicação da Constituição Federal de 1946, que previa em seu artigo 194 a responsabilidade objetiva do Estado. Dispunha citado artigo: As pessoas jurídicas de Direito Público Interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único. Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes. Neste sentido, MELLO (2008, p. 1019) preleciona que:
5 O artigo 194 daquele diploma introduziu normativamente, entre nós, a teoria da responsabilidade objetiva, isto é, a possibilidade e o Estado compor danos oriundos de atos lesivos mesmo na ausência de qualquer procedimento irregular de funcionário ou agente seu, à margem, pois, de qualquer culpa ou falta de serviço. A Constituição seguinte, de 1967, reproduziu em seu artigo 105, quase que por igual, os dizeres da Constituição de 1946, acrescentando apenas o dolo do agente público como hipótese de uma eventual ação regressiva. Já a constituição de 1969 nada alterou, mantendo integralmente o que mencionava a Carta Magna anterior. Dispunha os preceptivos citados: As pessoas jurídicas de Direito Público responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros. Parágrafo único. Caberá ação de regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo. A próxima alteração acerca do tema da responsabilidade civil do Estado ocorreu somente com o advento da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu em seu artigo 37, 6º a responsabilidade objetiva das empresas privadas prestadores de serviços públicos: As pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agente, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos caos de dolo ou culpa. De acordo com MAZZA (2013, p. 323): A referência inovadora às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos implica a conclusão de que, com o texto de 1988, a responsabilidade objetiva é garantia do usuário, independentemente de quem realize a prestação do serviço público. Já o Código Civil de 2002 apenas enfatizou a aplicação da teoria objetiva ao reproduzir em seu artigo 43 os mesmo dizeres do artigo 37, 6º da Constituição Federal de 1988. Resumidamente, NETTO (2014, p. 72) sintetiza toda essa evolução legislativa da seguinte forma:
6 A responsabilidade civil do Estado, no Brasil, é objetiva desde a Constituição de 1946 (art. 194) na modalidade do risco administrativo. Desde então, essa estrutura normativa permanece, com pequenas alterações nos textos posteriores. A Constituição de 1967 repete a norma (art. 65), acrescentando que caberá ação regressiva em caso de culpa ou dolo (o que não havia no texto de 1946). A norma foi mantida na Emenda n.1º, de 1969, passando a ser o art. 107 da Constituição. A responsabilidade objetiva do estado já configura tradição memorável da história constitucional do Brasil. O STF, em mais de uma ocasião, frisou que o art. 37, 6º, da CF/88 não difere substancialmente do dispositivo equivalente da Constituição anterior [...] Deste ponto em diante, a legislação que versa sobre a responsabilidade civil do Estado no Direito brasileiro não mais se alterou, o que mudou, isto sim, ao longo das décadas, foi a interpretação que a Suprema Corte deu ao dispositivo. (NETTO, 2014, p. 72). O primeiro entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca do tema ocorreu em 16 de novembro de 2005, no julgamento do RE 262.651/SP, quando firmou entendimento de que a responsabilidade dos concessionários de serviços públicos seria objetiva perante os usuários e subjetiva perante terceiros não usuários. Contudo, em 26 de agosto de 2009, no julgamento do RE 591.874/MS, o STF alterou seu entendimento, voltando a considerar aplicável a teoria objetiva para danos causados a usuários e a terceiros não usuários. Outra importante alteração jurisprudencial ocorreu em 2006, no julgamento do RE 327.904/SP, quando o Tribunal passou a rejeitar a propositura de ação indenizatória contra a pessoa física do agente público, ao argumento de que a ação regressiva constituía garantia em favor do agente público, no sentido de não ser acionado pela vítima para ressarcimento de prejuízos causados no exercício da função pública. Assim, devido as diversas transformações ocorridas no instituto da responsabilidade civil do Estado, temos o conceito atual de que o Estado é obrigado a reparar os danos causados aos particulares, independentemente de dolo ou culpa, ou da licitude do ato danoso. Conclusão As constantes evoluções da responsabilidade civil do Estado foram por demais importantes para os administrados, uma vez que teve os seus direitos cada
7 vez mais resguardados diante de uma eventual conduta danosa da Administração Pública. O atual ordenamento jurídico brasileiro adota a responsabilidade objetiva do Estado na modalidade risco administrativo, bastando que o particular comprove os três requisitos necessários (ato, dano e nexo causal) para obter o direito de ser indenizado. A adoção da responsabilidade objetiva foi um marco fundamental na história do Direito, uma vez que torna mais fácil a configuração da responsabilidade estatal e protegendo os administrados de abusos praticados pela Administração Pública. Contudo, a Constituição Federal de 1988 adota em casos excepcionais, como acidente nuclear e terrorismo em aeronave, a responsabilidade objetiva do Estado na modalidade risco integral. A Constituição também adota a responsabilidade subjetiva do estado nos casos de omissão. REFERÊNCIAS MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. NETTO, Felipe Peixoto Braga. Manual de Responsabilidade Civil do Estado: À luz da jurisprudência do STF e do STJ e da teoria dos direitos fundamentais. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2014. MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 26 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. ARAS, José. Coletânea de Normas Administrativas. 4 ed. Salvador: Juspodivm, 2014. DELGADO, José Augusto. Responsabilidade civil do estado. Revista do Curso de Direito do Instituto Luterano de Ensino Superior de Santarém, out.1998. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/34110>. Acesso em: 09 de setembro de 2014..