PROPAGAÇÃO DE ONDAS SÍSMICAS E ESTRUTURA DO INTERIOR DA TERRA. Propagação de Ondas Sísmicas e Estrutura do Interior da Terra

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Transcrição:

Semana 4 Propagação de Ondas Sísmicas e Estrutura do Interior da Terra 4. INTRODUÇÃO 4. PROPAGAÇÃO DE ONDAS NUMA PLANA 4.. Lei de Snell-Descartes 4..3 Curvas tempo-distância numa camada plana 4..3. A onda directa 4..3. A onda reflectida 4..3.3 A onda refractada criticamente 4..3.4 Interpretação das odócronas 4..4 Meio verticalmente heterogéneo 4..4. Múltiplas camadas 4..4. ariação contínua da velocidade 4..5 Partição de energia numa descontinuidade 4.3 PROPAGAÇÃO DE ONDAS NUMA ESFÉRICA 4.4 ONDAS SÍSMICAS E A ESTRUTURA DO INTERIOR DA 4.4. ariação das propriedades elásticas e descontinuidades principais 4.4. Classificação das ondas de acordo com o seu percurso no interior da Terra 4.4.. Ondas no manto, núcleo externo e núcleo interno 4.4.. Ondas na crosta e manto superior 4.5 RESOLUÇÃO DOS PROBLEMAS PROPOSTOS 4.6 BIBLIOGRAFIA L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

4. INTRODUÇÃO Neste capítulo iremos apresentar algumas das propriedades da propagação de ondas sísmicas de volume no Globo que permitiram (e permitem) obter informação sobre a estrutura do interior da Terra. Em meios isotrópicos e fracamente heterogéneos a energia propaga-se segundo frentes de onda perpendiculares ao raio sísmico cuja trajectória obedece às leis da óptica geométrica. Ondas P mantêm-se como ondas P, S como S e SH como SH. Quando as ondas sísmicas encontram uma descontinuidade, zona em que ocorre uma variação brusca das propriedades elásticas do meio, então ocorrem fenómenos de reflexão, refracção e também de conversão do tipo de ondas. Uma onda P incidente dá em geral origem a ondas P reflectidas e transmitidas e também ondas S reflectidas e transmitidas. Da mesma forma uma onda S incidente dá origem a ondas reflectidas P e S e transmitidas P e S. Neste capítulo iremos sobretudo explorar as propriedades das curvas tempodistância dos diferentes tipos de ondas que podem ocorrer no interior do Globo, primeiro na aproximação de camadas horizontais e depois como uma esfera verticalmente heterogénea. As propriedades destas curvas permitiram à Sismologia determinar com bastante rigor as características das principais camadas de que é formado o interior da Terra. 4. PROPAGAÇÃO DE ONDAS NUMA PLANA 4.. Lei de Snell-Descartes Quando uma onda plana encontra uma superfície de descontinuidade, isto é, uma superfície que separa dois meios elásticos com propriedades diferentes, ela vai dar origem a ondas reflectidas e transmitidas que podem ser de dois tipos (figura 4.). Nesta situação aplica-se a lei de Snell-Descartes (ou apenas lei de Snell) que diz o seguinte: i) os raios incidente, reflectidos e transmitidos estão todos no mesmo plano; ii) os ângulos de incidência e de reflexão para o mesmo tipo de ondas são idênticos; iii) para os ângulos de transmissão e ondas convertidas tem-se: sin i sin i sin j sin j = = = α α β β Nesta expressão o símbolo i é usado para os ângulos das ondas P enquanto que o símbolo j é usado para os ângulos das ondas S. O símbolo p representa o parâmetro sísmico (ou parâmetro do raio). Se a onda atravessar apenas camadas horizontais, então a propagação é feita mantendo-se sempre o parâmetro sísmico constante. = p (4.) 4.. Incidência crítica Quando a onda passa de um meio com menor velocidade para um meio de maior velocidade (como no exemplo da figura 4.) existe um ângulo de incidência para o qual o ângulo de transmissão vale exactamente 90º. Nestas condições diz-se que a incidência é crítica. Para ângulos de incidência maiores deixa de haver raios transmitidos. A este ângulo limite chama-se ângulo crítico. No caso de uma incidência tipo P temos um ângulo crítico para a onda refractada P dado por sin α i c = (4.a) α L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

Figura 4.: Definição dos ângulos de incidência, reflexão e refracção para aplicação da lei de Snell-Descartes. A velocidade das ondas P e S no meio () é superior à velocidade no meio (). Os raios transmitidos (do mesmo tipo) afastam-se da normal. No caso de uma incidência de tipo S teremos dois ângulos críticos, um para a onda refractada P e outro para a onda refractada S sin β β j Pc = e sin jc = (4.b) α β Quando se tem a incidência crítica a onda refractada viaja com a velocidade do segundo meio, ao longo da superfície de descontinuidade. No entanto a fronteira entre os dois meios fica sujeita, em cada ponto, a uma tensão oscilatória que envia ondas secundárias de tal modo que a energia emerge na camada superior ao longo de raios com um ângulo idêntico ao da incidência crítica, de acordo com a lei de Snell. São as chamadas ondas cónicas, "head waves" ou simplesmente ondas refractadas criticamente (figura 4.). Figura 4.: Geração e propagação de ondas refractadas criticamente. Exercício 4.: A partir da lei de Snell-Descartes determine os ângulos de reflexão e transmissão das ondas P e S, resultantes da incidência com 0º de uma onda S numa superfície de separação de dois meios com as seguintes propriedades: P = 500 m/s, P = 3500 m/s, S = 800 m/s, S = 000 m/s. Determine também os possíveis ângulos críticos. 3 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

4..3 Curvas tempo-distância numa camada plana Por simplicidade iremos discutir os princípios da propagação de ondas numa terra plana considerando apenas um único tipo de ondas (sem conversão) que se propaga no interior de uma camada homogénea caracterizada por uma velocidade sobre um semi-espaço de velocidade. Neste modelo iremos considerar 3 tipos principais de ondas: a onda directa, a onda reflectida e a onda refractada criticamente. A propagação efectua-se sempre na direcção positiva do eixo dos XX, sendo a distância entre a fonte e o receptor identificada pelo símbolo X. A curva tempo-distância será então descrita por uma função T(X) que iremos deduzir para cada caso. 4..3. A onda directa O tempo de percurso para a onda directa deduz-se facilmente a partir da figura 4.3 Figura 4.3: A onda directa. Para um foco superficial (azul) e para um foco profundo (a vermelho). No caso de se ter um foco superficial (F na fig. 4.3) então o tempo de percurso vem dado por X T ( X ) = (4.3) Esta equação representa uma recta que passa pela origem e cujo declive vale o inverso da velocidade da camada (ver figura 4.6). No caso do foco ser profundo (F' na fig. 4.3) então a distância total entre a fonte e o receptor obtém-se pelo teorema de Pitágoras e o tempo de percurso vem dado por h + X T( X ) = (4.4) Esta equação representa uma hipérbole, com uma intersecção na origem que vale T o =h/ e cuja assímptota é precisamente a equação (4.3) com declive /. 4..3. A onda reflectida O tempo de percurso para a onda reflectida deduz-se facilmente a partir da figura 4.4 para o caso de um foco superficial. Considerando o trajecto do raio reflectido que une os pontos FDE teremos então que a distância total percorrida pelo raio vale ( X ) = 4H = F D + DE = + H + X 4 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

Figura 4.4:Reflexão sub-crítica, super-crítica, raio refractado criticamente O tempo de percurso da onda reflectida vem então dado pela expressão T ( X ) + X = 4H (4.5a) Esta equação representa uma hipérbole, com uma intersecção na origem que vale T o =H/ e cuja assímptota é a equação (4.3), uma recta que passa na origem com declive /. A equação da hipérbole fica melhor expressa na forma X T = + (4.5b) 4H ( X ) A representação gráfica desta função encontra-se na figura 4.6. 4..3.3 A onda refractada criticamente Como vimos anteriormente, quando um raio passa de um meio com velocidade menor para outro com velocidade maior, a lei de Snell mostra que existe uma incidência crítica para a qual o raio refractado viaja ao longo da superfície de descontinuidade com a velocidade do meio inferior. Esta energia regressa à superfície dando origem às ondas refractadas criticamente. O ângulo de incidência crítico foi apresentado nas equações (4.). Tomando em atenção o raio refractado criticamente mostrado na figura 4.5 com o trajecto FABE, podemos escrever para os sub-trajectos as expressões FA = H cosi C e AB = X H tan i Observando que F A = BE obtem-se, para o tempo de percurso do raio refractado criticamente, a seguinte expressão H T ( X ) = cosi C X H tani + C C 5 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

Figura 4.5:Trajecto dos raios refractados criticamente. Esta expressão pode-se escrever de uma forma mais simples como Ou ainda, usando a expressão (4.) para o seno do ângulo crítico X H cosic T ( X ) = + (4.6a) X H T ( X ) = + (4.6b) Esta expressão representa a equação de uma recta com declive igual ao inverso da velocidade da camada inferior, /, e com ordenada na origem dada por A representação gráfica desta função encontra-se na figura 4.6. t I H = (4.7) Devemos salientar ainda as seguintes propriedades da onda refractada criticamente. Esta onda apenas pode ser observada para além da distância crítica, dada por X C = H tanic = H (4.8) Neste ponto os tempos de chegada da onda reflectida e da onda refractada coincidem (fig. 4.6). As reflexões que são observadas antes da distância crítica designam-se por reflexões pré-críticas, ou subcríticas, enquanto que as ondas reflectidas para além da distância crítica se designam por reflexões pós-críticas ou super-críticas (fig. 4.4). Finalmente devemos constatar que para a incidência crítica a curva tempo-distância da onda cónica é precisamente tangente à curva tempo-distância da onda reflectida. Exercício 4.: Suponha uma primeira camada crustal, onde a velocidade de propagação das ondas P é 000 m/s, assente sobre um semi espaço mais rígido onde a velocidade é 5000 m/s. Determine (a) o ângulo crítico e (b) a distância crítica, sabendo que o tempo de percurso da onda reflectida para uma distância de 3 km foi 6.7 s. 6 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

4..3.4 Interpretação das odócronas Devemos salientar nesta ocasião que o estudo efectuado para a propagação de ondas numa camada plana não considerou outros tipos de ondas que se podem observar nesta situação. É o caso das ondas convertidas, P em S ou S em P, e dos múltiplos que se podem gerar por reflexões sucessivas (com ou sem conversão) no topo e base da camada. Considerando apenas os 3 tipos de ondas estudadas anteriormente, a figura 4.6 apresenta uma síntese das respectivas curvas tempo-distância que também se costuma designar por odócronas. Figura 4.6: Odócronas das principais ondas que se podem propagar no interior de uma camada sobre um semiespaço com velocidade superior. amos agora ver como é que a interpretação das odócronas nos pode ajudar a inferir as propriedades das camadas nas quais se propagam estas ondas. Quando se observa um sismograma, as ondas mais fáceis de identificar são em geral as primeiras chegadas. No modelo de uma camada, a primeira chegada será a onda directa até uma certa distância, a distância de "cross-over" ou intersecção, e depois será a onda refractada criticamente. Os declives das respectivas odócronas permitem-nos determinar a velocidade de propagação na camada e no semiespaço, e. Sabendo as velocidades, pela expressão (4.) podemos determinar o ângulo de incidência crítica. A distância de "cross-over", ou de intersecção, obtém-se igualando as equações para a onda directa e a onda refractada criticamente, + X CR = H (4.9) 7 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

Esta expressão pode ser usada directamente para determinar a espessura da camada, conhecidas as duas velocidades de propagação: H X + CR = (4.0) Se prolongarmos a odócrona da onda refractada criticamente até ao eixo dos tempos, obtemos um tempo de atraso cujo valor também pode ser usado para determinar a espessura da camada, conhecidas as duas velocidades de propagação: H t ( ) I = (4.) As ondas reflectidas, sendo ondas secundárias, nem sempre são fáceis de identificar. No entanto em prospecção sísmica de reflexão são usadas técnicas sofisticadas de processamento que permitem realçar as ondas reflectidas em detrimento de todas as outras. Quando for possível observar de forma clara uma onda reflectida então é possível usar a sua odócrona para determinar as propriedades da camada onde se propaga. Se recordarmos a equação (4.5b) que exprime a odócrona de uma onda reflectida, salientando a sua forma como uma hipérbole X T + 4H ( X ) = podemos ver que numa representação gráfica de T em função de X obtemos a equação de uma recta cujo declive vale e cuja ordenada na origem vale 4H. Estas expressões permitem calcular a velocidade de propagação no interior da camada e a sua espessura. As expressões usadas neste parágrafo apenas se aplicam a situações em que o foco sísmico se encontra à superfície. Para um foco à profundidade h as odócronas das ondas reflectida e refractada criticamente são dadas, respectivamente, pelas expressões T RC ( H h) + X T R ( X ) = (4.) ( H h) X ( X ) = + (4.3) 4..4 Meio verticalmente heterogéneo 4..4. Múltiplas camadas No caso de se ter uma sucessão de camadas planas horizontais é possível obter uma expressão algébrica para a odócrona da onda refractada criticamente no topo da camada n de velocidade n X Hi n i T n( X ) = + (4.4) n n i= n i 8 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

Estas equações iriam permitir, em princípio, determinar as propriedades das sucessivas camadas, velocidade e espessura. No entanto devemos estar alerta para as diversas situações em que as primeiras chegadas não permitem "ver" uma camada (fig. 4.7); é o problema da camada escondida. Figura 4.7: Exemplo de registo sísmico onde se podem identificar as primeiras chegadas. No caso das ondas reflectidas, não é possível obter uma expressão algébrica simples para o problema com múltiplas camadas. No entanto, se considerarmos que nos encontramos numa situação em que a incidência é praticamente vertical (caso da prospecção sísmica de reflexão), então a odócrona da onda reflectida na base da camada n tem a forma de uma hipérbole de equação com T ( X ) t0 + X = (4.5) RMS n i= RMS = n i i t i i= t (4.6) Nestas expressões, t 0 é o tempo total de propagação na vertical (ida e volta ao reflector) e t i é o tempo de propagação na vertical no interior da camada i. Não iremos apresentar aqui as expressões mais complexas para as ondas reflectidas e refractadas criticamente quando se tem uma sucessão de camadas inclinadas. 9 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

4..4. ariação contínua da velocidade No caso de se ter uma variação contínua da velocidade com a profundidade, admitindo que o meio é verticalmente heterogéneo, a situação é comparável a uma sucessão de camadas planas (fig. 4.8) e por isso é fácil de compreender que a odócrona para a onda refractada será descrita em geral por uma curva em vez de uma sucessão de rectas horizontais. Também as trajectórias dos raios sísmicos serão, em geral, curvas. No caso particular em que se tem uma variação linear da velocidade com a profundidade verificase que as trajectórias dos raios sísmicos são arcos de circunferência. Figura 4.8: Exemplo da onda refractada no caso de se ter uma variação contínua da velocidade. Existem duas situações particulares na propagação de ondas refractadas em meios verticalmente heterogéneos que merecem a nossa atenção. O primeiro caso ocorre quando se tem um rápido aumento da velocidade de propagação com a profundidade. Esta situação encontra-se esquematizada na figura 4.9. 0 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

Figura 4.9: Propagação de ondas refractadas num meio com variação rápida da velocidade. De cima para baixo: a) o modelo de velocidades; b) o traçado dos raios sísmicos; c) a curva tempo-distância em termos do tempo reduzido. Repare-se que ocorre uma triplicação de chegadas na curva tempo-distância. Esta curva, para facilitar a sua leitura, foi representada na figura 4.9 com uma velocidade de redução de 400 m/s. A outra situação interessante ocorre quando se tem uma diminuição da velocidade com a profundidade. Esta situação encontra-se representada na figura 4.0 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

Figura 4.0: Propagação de ondas refractadas num meio com diminuição da velocidade com a profundidade. De cima para baixo: a) o modelo de velocidades; b) o traçado dos raios sísmicos; c) a curva tempo-distância em termos do tempo reduzido. Repare-se que ocorre uma "zona de sombra" onde não se observa a chegada de ondas refractadas directas. Após a zona de sombra temos uma duplicação de chegadas na curva tempo-distância. Tal como anteriormente esta ódocrona, para facilitar a sua leitura, foi representada na figura 4.0 com uma velocidade de redução de 400 m/s. L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

Concluímos esta apresentação salientando que nos meios verticalmente heterogéneos, por camadas ou variação contínua das propriedades, o trajecto do raio sísmico é sempre controlado pela lei de Snell, o que quer dizer que em cada ponto do raio o parâmetro sísmico é constante (eq. 4.). Se o raio sísmico inverte a sua trajectória descendente e regressa à superfície então, pela lei de Snell, o parâmetro sísmico vale exactamente o inverso da velocidade de propagação no ponto mais baixo da trajectória, p = (4.7) ( ) h max 4..5 Partição de energia numa descontinuidade De acordo com a lei de Snell, sabemos que qualquer onda (P ou S) incidente numa superfície de separação de meios, pode dar origem a ondas reflectidas e transmitidas (ou refractadas) P e S. O modo como é feita a partição de energia, isto é, como se distribui a energia da onda incidente pela diferentes ondas reflectidas e transmitidas, vai depender do ângulo de incidência e das propriedades físicas dos dois meios, e é expresso em função de coeficientes de reflexão e de transmissão. Estes coeficientes podem ser simplesmente definidos como a razão entre a amplitude da onda considerada (reflectida ou transmitida) e a amplitude da onda incidente. Contudo, para os deduzir, teremos de considerar a propagação de ondas planas, cuja formulação matemática está fora do âmbito deste curso. amos apenas considerar o caso simples de uma incidência vertical (i = 0 o ). Neste caso, o coeficiente de reflexão, R C, definido como a razão entre a amplitude do raio reflectido e a amplitude do raio incidente, vem dado por: Ar ρ - ρ RC = = Ai ρ + ρ onde ρ i é a densidade do meio i. Isto indica que o coeficiente de reflexão depende do contraste de impedância acústica ( produto ρ i i ). Se ρ > ρ, vem R C < 0, o que quer dizer que a onda reflectida apresenta uma variação de fase de 80 o, ou seja, uma fase compressiva é reflectida como uma fase dilatacional e vice-versa. De um modo geral, ρ > ρ, pelo que a maior parte das reflexões é positiva e não produz variação de fase. Contudo, quando a incidência não é vertical, a partição de energia varia também com o ângulo de incidência. Na figura 4. apresentam-se alguns exemplos de partição de energia e de coeficientes de reflexão, para diferentes casos com propriedades físicas distintas. (4.8) 3 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

PROPAGAÇÃO DE ONDAS SÍSMICAS E ESTRUTURA DO INTERIOR DA 4 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

Figura 4.: (a) Partição da energia no caso de uma onda P incidente numa interface de separação de dois meios: RPP reflexão P, TPP transmissão P, RPS reflexão S e TPS transmitida S. As propriedades elásticas estão indicadas no esquema. (b) Coeficientes de reflexão e transmissão para as amplitudes, na mesma situação de (a). (c) Coeficientes de reflexão de amplitudes para uma onda P incidente, supondo vários contrastes de velocidade e de densidade nos dois meios (ambos com uma razão de Poisson = 0.5). É possível simular vários casos nesta página: http://www.crewes.org/researchlinks/explorerprograms/ze/zecrewes_.html Porque é que os coeficientes em termos de energia são diferentes dos coeficientes para a amplitude das ondas? 4.3 PROPAGAÇÃO DE ONDAS NUMA ESFÉRICA amos considerar que o Globo é formado por uma sucessão de camadas esféricas, no interior das quais a velocidade é constante. Trata-se de uma Terra radialmente heterogénea em que a velocidade apenas depende da distância r ao centro da Terra. Na figura 4. representamos a trajectória de um raio sísmico que no ponto A passa de uma camada com velocidade para uma camada com velocidade e que no ponto B atinge a base da camada. A lei de Snell deve-se aplicar em cada uma das interfaces. Em A podemos escrever Multiplicando por r temos sin i = r sini' sini r sin i' = 5 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

6 Figura 4.: Propagação do raio sísmico no interior de uma Terra radialmente heterogénea. Comparando os triângulos ONA e ONB verificamos que O N = r i = r sin ' sin Substituindo na expressão anterior obtemos finalmente a lei de Snell para uma esfera radialmente heterogénea: L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09 i r sin i r sini rn sinin = =... = = p (4.9) A constante p é de novo designada por parâmetro do raio, apesar de ter uma dimensão diferente da da equação (4.) para camadas horizontais planas. Como vemos na figura 4., no interior de cada camada esférica com velocidade constante o raio sísmico tem uma trajectória rectilínea. Se a velocidade aumentar continuamente com a profundidade, o raio sísmico é refractado de um modo contínuo e a sua forma é uma curva com a concavidade virada para cima. Se a velocidade diminuir com a profundidade, a concavidade da trajectória estará virada para baixo. O raio sísmico atinge o ponto mais profundo da sua trajectória quando sin i 0 =. Nestas circunstâncias, o raio r 0 do ponto mais baixo da trajectória e a velocidade nesse ponto 0 estão relacionados com o parâmetro do raio por: r sin i r0 = 0 = p n (4.0) A determinação do parâmetro p é fundamental para obter a variação da velocidade sísmica no interior da Terra. O acesso ao interior da Terra é fornecido pela análise dos tempos de percurso das ondas sísmicas que atravessaram as várias regiões internas e voltaram a emergir à superfície, onde foram registadas. O tempo de percurso do raio sísmico até uma distância epicentral conhecida,, pode ser invertido matematicamente de modo a obter-se a velocidade 0 do ponto mais profundo do percurso. A teoria aplica-se tanto às ondas P como às ondas S, devendo a velocidade genérica ser substituída

pela velocidade apropriada, α ou β. A propagação de ondas sísmicas no interior de uma Terra esférica, radialmente heterogénea, tem muitas semelhanças como o que ocorre na aproximação plana, que foi tratada com mais detalhe anteriormente. Em particular devemos salientar para as ondas refractadas continuamente a ocorrência de triplicação nas curvas tempo-distância quando ocorre uma variação rápida da velocidade com a profundidade e também a existência de uma zona de sombra quando existe uma zona de baixa velocidade. No Globo a distância entre o epicentro e os pontos à superfíce da terra mede-se habitualmente em graus, pela distância angular entre ambos os raios vectores. 4.4 ONDAS SÍSMICAS E A ESTRUTURA DO INTERIOR DA 4.4. ariação das propriedades elásticas e descontinuidades principais No Globo são registados, por ano, cerca de 8 sismos fortes (de magnitude superior a 7) e várias centenas de sismos médios (de magnitude superior a 5). Acrescentando a estes sismos as milhares de perturbações que ocorrem associadas a ajustamentos menores em todos os níveis obtêm-se, na totalidade, mais de um milhão de sismos suficientemente fortes para serem registados na rede de estações sismográficas espalhadas pela Terra. É o estudo dos diferentes tipos de onda que se propagam no seu interior que conduz ao conhecimento da estrutura da Terra. No princípio do século XX, os primeiros sismologistas debruçaram-se sobre as diferentes fases sísmicas presentes nos diversos sismogramas. O facto do tempo de percurso, entre o foco de um sismo e uma estação, depender apenas da distância hipocentro-estação, e não da posição geográfica dos dois pontos, mostra que a Terra apresenta simetria esférica nas suas propriedades elásticas. A medida do tempo de percurso em função da distância permite deduzir a velocidade em função da profundidade. A análise de diversos sismogramas, resultantes de diferentes pares sismo-estação, permitiu a identificação de várias descontinuidades no interior da Terra, separando zonas com características diferenciadas. Em 906 Oldham propôs a existência de um núcleo no interior da Terra, devido ao estudo das velocidades de propagação das ondas P e S. Em 909 Mohorovicic propôs a existência de uma descontinuidade, a cerca de 50 km de profundidade, onde as propriedades físicas da Terra sofriam uma variação brusca que se reflectia num aumento das velocidades de propagação das ondas sísmicas (corresponde à passagem da crosta para o manto). Em 936, Inge Lehmann, descobriu a existência do núcleo interno da Terra. Pela observação contínua, ao longo de muitos anos, das fases que atravessavam o núcleo, Lehmann classificouas em três tipos: P' (3), P' (a) e P' 3 (5). Explicou as duas primeiras fases como raios deflectidos, na fronteira manto - núcleo, e focados para os antípodas. Para a interpretação de P' 3 ela rejeitou, depois de muito reflectir, a hipótese de difracção e interpretou esta fase como uma reflexão a partir de uma outra descontinuidade no interior do núcleo. Estas ondas, reflectidas pelo núcleo interno, emergem a distâncias compreendidas entre os 05 o e 4 o. Após a descoberta do núcleo interno, o modelo simplificado do interior da Terra ficou bem definido e, desde 970, que se assume uma estrutura composta por três grandes zonas bem diferenciadas (fig. 4.3): - A Crosta (ou crusta). É a camada exterior da Terra, heterogénea, constituída por rochas com diferentes propriedades e cuja espessura varia entre 5 a 60 km sob os continentes (a média é de 40 km) e 5 a 0 km sob os oceanos (a média é de 7 km). A velocidade de propagação da onda P no interior da crusta é bastante variável (dependente da constituição geológica das formações atravessadas), mas pode dizer-se que vai desde 4,0 km/s (junto à superfície) até 6,5-7,0 km/s (na sua base). - O Manto. Está separado da crosta pela descontinuidade de Mohorovicic (muitas vezes designada apenas por Moho) e vai até uma profundidade de 900 km. A 7 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

velocidade das ondas P aumenta desde 8, km/s, imediatamente abaixo da Moho, até cerca de 3,6 km/s na proximidade da fronteira com o núcleo. - O Núcleo. Está separado do manto pela descontinuidade de Gutenberg e tem um raio correspondente a cerca de 55% do raio da Terra. É constituído por ferro e níquel e dividese em núcleo externo e núcleo interno. O núcleo externo vai desde 900 km até 540 km de profundidade e encontra-se no estado líquido não sendo por isso possível a propagação de ondas transversais. A velocidade da onda P varia desde 8, km/s até cerca de 0,0 km/s. O núcleo externo está separado do núcleo interno pela descontinuidade de Lehmann. O núcleo interno é sólido e a velocidade da onda P atinge,5 km/s junto do centro da Terra. A variação das velocidades de propagação das ondas sísmicas no interior da Terra, assim como de outras variáveis físicas (densidade, aceleração da gravidade, pressão e propriedades elásticas), em função da profundidade, estão representadas esquematicamente na figura 4.4 para o modelo PREM (Preliminary Reference Earth Model). Para além desta diferenciação do interior da Terra segundo a sua composição química e estado físico, a figura 4.3 mostra ainda uma outra divisão para as camadas mais externas da Terra baseada nas suas propriedades reológicas: litosfera e astenosfera. 8 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

Figura 4.3: Representação esquemática das principais camadas e fronteiras constituintes do interior da Terra. 9 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

PROPAGAÇÃO DE ONDAS SÍSMICAS E ESTRUTURA DO INTERIOR DA Figura 4.4: ariação da velocidade de propagação das ondas sísmicas, da densidade, aceleração da gravidade, pressão e algumas propriedades elásticas no interior da Terra de acordo com o modelo PREM. 0 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

4.4. Classificação das ondas de acordo com o seu percurso no interior da Terra 4.4.. Ondas no manto, núcleo externo e núcleo interno Uma onda sísmica ao propagar-se no interior da Terra pode encontrar diversas superfícies de descontinuidade correspondentes às superfícies de separação das diferentes zonas constituintes da Terra apresentadas anteriormente. Ao encontrar uma superfície de descontinuidade as ondas sísmicas vão-se reflectir e refractar segundo a lei de Snell-Descartes, podendo também alterar o seu tipo, convertendo-se de P para S ou de S para P. Consoante o percurso efectuado, as ondas designam-se por diferentes símbolos, de modo a se poderem identificar. Deixando as fases que se propagam no interior da crosta para o parágrafo seguinte, vamos ver como se designam as ondas que atravessam o manto e o núcleo. Na figura 4.5 estão exemplificadas algumas das fases que se propagam no interior do manto e núcleo a partir de um foco superficial. Temos, em primeiro lugar, as ondas directas no manto, P e S. Estas ondas podem sofrer reflexões à superfície da Terra e continuar a viajar dentro do manto, mantendo o mesmo tipo, ou convertendo-se noutro tipo de onda. Assim uma onda P pode dar origem, por reflexão, a uma onda PP ou PS. Do mesmo modo, para uma onda que parta do foco com características S, pode dar origem a uma onda SP ou SS após reflexão na superfície da Terra. Se as ondas sofrerem reflexões múltiplas, acrescentam-se tantos P ou S conforme o número de percursos (e a sua natureza) que compõem o seu trajecto. Assim poderemos obter, por exemplo, as fases seguintes: PPP - onda com características longitudinais, que sofreu reflexões na superfície da Terra; SPS - onda S que sofreu uma primeira reflexão na superfície da Terra, convertendo-se numa onda longitudinal e, ao sofrer uma segunda reflexão na superfície da Terra, voltou a converter-se numa onda transversal. Para o núcleo devemos considerar quer as fases que se propagam no seu interior quer aquelas que são reflectidas nas suas fronteiras, tendo em conta que se tem um núcleo externo e um núcleo interno. A nomenclatura utilizada é a seguinte: c - reflexão na superfície do núcleo externo. K - propagação no interior do núcleo externo (recorde-se que no interior do núcleo externo não há propagação de ondas tipo S, pelo que esta propagação terá de ser sempre tipo P). i - reflexão na superfície do núcleo interno. I - propagação de uma onda longitudinal no interior do núcleo interno. J - propagação de uma onda transversal no interior do núcleo interno. Assim, podem observar-se, por exemplo, as fases seguintes: PcP - onda P que se reflectiu na superfície do núcleo externo e continuou a sua propagação com características tipo P. PKS - onda P que penetrou no interior do núcleo externo e, ao sair, converteu as suas características de propagação (passou de "P" para "S"). ScS - onda S que se reflectiu na superfície do núcleo externo e continuou a sua propagação com características tipo S. SKKS - onda S que incidiu na superfície que separa o manto do núcleo, propagou-se no núcleo externo (com características tipo P), sofreu uma reflexão na sua superfície e, emergiu com características tipo S. PKIKP - onda P que atravessou o núcleo externo, entrou no núcleo interno com características tipo P e, após sair do núcleo externo, continuou a sua propagação com as mesmas características. SKiKP - onda S que ao incidir na superfície de separação manto-núcleo converteu as suas características, propagou-se no interior do núcleo externo (com características tipo P), sofreu uma reflexão na superfície do núcleo interno e, emerge com características tipo P. L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

Figura 4.5: Exemplos da notação usada para identificar as várias fases que atravessam o manto e núcleo. L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

Podem ocorrer percursos ainda mais complicados como, por exemplo, a fase PKPScP; contudo, a nomenclatura utilizada é sempre idêntica, acrescentando-se letras de acordo com o percurso efectuado pela onda sísmica. No caso de se ter um foco profundo, a primeira reflexão das ondas sísmicas na superfície da Terra pode ser feita no ponto imediatamente à superfície, isto é, por cima do foco (junto ao epicentro). Isto corresponde a uma incidência praticamente vertical e vai dar origem a fases impulsivas, que se observam bem num sismograma, e que se designam por pp, ps, ss ou sp, de acordo com as características de propagação (ver figura 4.6). Se estas ondas sofrerem uma segunda reflexão vai obter-se uma nova fase que se designará, por exemplo, por pps, sps, etc. Estas fases são as fases características de sismos profundos e, o seu aparecimento num sismograma é um indicador precioso na determinação da profundidade do foco. A partir da diferença entre os tempos de percurso da onda P e da onda pp, por exemplo, é possível estimar a profundidade do foco. Figura 4.6: Exemplo de fases que ocorrem para sismos de foco profundo. ê-se assim que pode existir uma grande variedade de fases sísmicas propagando-se no interior do Globo. Na figura 4.7 apresentam-se as curvas tempo-distância para as principais fases possíveis de serem registadas a partir de um sismo de foco superficial. Isto não quer dizer, contudo, que todas estas fases possam ser simultaneamente observáveis no mesmo sismograma (além da distância epicentral, são também condicionantes das fases observáveis, as características de propagação do meio entre a fonte e a estação sísmica de registo). Repare-se como a transição do manto para o núcleo, onde a velocidade das ondas P diminui bruscamente, dá origem a uma zona de sombra para as ondas P directas entre os 04º e os 40º de distância. Neste intervalo observa-se no entanto uma fase P dif que representa uma onda P difractada na fronteira mantonúcleo. Da mesma forma ocorre uma zona de sombra para a onda S directa entre os 05º e 80º mas observa-se nesse intervalo igualmente uma onda S difractada, S dif, até cerca de 50º de distância angular. De notar também a multiplicidade de ramos na odócrona da onda PKP, devido ao efeito que foi estudado anteriormente, causado por uma variação rápida da velocidade com a profundidade. Exercício 4.3: Determine, aproximadamente, a diferença entre os tempos de chegada das ondas P e S, para um sismo superficial a uma distânicia epicentral de 40º. 3 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

Figura 4.7: Curvas tempo-distância para as principais fases que se propagam no interior do Globo, considerando um foco superficial. 4 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

4.4.. Ondas na crosta e manto superior Quando se estudam sismos afastados, as grandes divisões da Terra em crosta, manto, núcleo externo e núcleo interno, são suficientes para se interpretarem as diferentes fases sísmicas observadas numa estação sísmica. Contudo, para os sismos próximos, torna-se necessário conhecer em pormenor a estrutura da crosta terrestre. A investigação da propagação das ondas sísmicas mostrou que em domínio continental esta é formada em geral por duas camadas separadas por uma descontinuidade, a descontinuidade de Conrad. Estas duas camadas foram designadas originalmente por "granítica" (a mais superficial) e "basáltica" (a mais profunda) embora se saiba hoje que esta designação não tem correspondência com a verdadeira composição petrológica das camadas. As fases que se podem observar numa estação próxima do epicentro são consequência do percurso efectuado pelas diferentes ondas, sendo atribuída uma nomenclatura própria a cada tipo de onda de acordo com as camadas atravessadas. Na figura 4.8 apresenta-se um esquema de modelo de crosta continental, indicando a nomenclatura associada aos diferentes tipos de onda. Supondo o foco superficial localizado na camada "granítica" (crosta superior), as ondas directas, que se propagam através dessa camada designam-se por P g e S g. As ondas que se refractam criticamente na base da crosta superior, viajando com a velocidade da crosta inferior ("basáltica") ao longo da superfície de separação das duas camadas, designam-se por P* e S*. As ondas que se refractam criticamente na base da crosta inferior e viajam por isso no manto superior junto à superfície de descontinuidade de Mohorovicic, designam-se por P n e S n. Em termos médios pode referir-se que a onda P apresenta uma velocidade próxima de 4,0 km/s à superfície, variando entre 6,0 km/s e 6,5 km/s na crosta superior e entre 6,5 km/s e 7,0 km/s na crosta inferior. Figura 4.8: Trajectos e notação das fases que se propagam na crosta continental. A crosta oceânica é bastante menos espessa que a crosta continental, com cerca de 5 a 0 km de espessura e uma média de 7 km. Os estudos sísmicos têm mostrado que, ao contrário da crosta continental, a crosta oceânica é bastante mais homogénea reconhecendo-se de uma forma geral 3 camadas: a camada coincide com a camada sedimentar, de espessura e velocidade variável consoante a zona em estudo; a camada possui uma espessura típica entre,5 e,0 km e uma velocidade das ondas P, entre 4,5 e 5,6 km/s; e a camada 3 tem uma espessura entre 4,5 e 5,0 km e P variando entre 6,5 e 7,0 km/s. A base da camada 3 define a posição da Moho abaixo da qual se situa o manto superior, com velocidades iguais ou superiores a 8,0 km/s. Aceita-se que a camada é composta por rochas com características de vulcanismo extrusivo e/ou intrusivo (basaltos), enquanto que a camada 3 é considerada a camada oceânica de composição plutónica (gabros). 5 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09

4.5 RESOLUÇÃO DOS PROBLEMAS PROPOSTOS Exercício 4.: A partir da lei de Snell-Descartes (4.) podem determinar-se os ângulos de reflexão e transmissão das ondas P e S: P transmitida = 49.4º; P reflectida = 9º; S transmitida = 5.7º; S reflectida = 0º. Há dois ângulos críticos possíveis (4.b): para a onda P refractada = 3.º; para a onda S refractada = 3.6º. Exercício 4.: O ângulo crítico determina-se a partir de (4..a): i c = 3.6º. Para calcular a distância crítica (4.8), é preciso calcular primeiro a espessura da camada (4.5b): H = 6530 m ; Xc = 5706 m. Exercício 4.3: Para calcular a diferença entre os tempos de chegada das ondas P e S, temos de tomar em consideração o modelo de velocidades de propagação no interior da Terra. Utilizando as curvas tempo-distância apresentadas na figura 4.7, podemos estimar uma diferença (aproximada) de 6 minutos. 4.6 BIBLIOGRAFIA Fowler, C.M.R. (990): The Solid Earth An Introduction to Global Geophysics, Cambridge University Press, pp 460. Lowrie, W. (997): Fundamentals of Geophysics, Cambridge University Press, Cambridge, pp 354. Telford, W. M., L. P. Geldart, R. E Sheriff e D. A. Keys (976): Applied Geophysics, Cambridge University Press, pp 860. Udias, A. (999): Principles of Seismology, Cambridge University Press, Cambridge, pp 475. 6 L.M. Matias, P.T. Costa e J.M. Miranda IFT 4/5 00--09