ANÁLISE EXPLORATÓRIA DE EFEITOS DA REDUÇÃO DAS TAXAS DE JUROS BANCÁRIOS NO BRASIL, EM 2012, SOBRE OS EMPRÉSTIMOS. O CASO DE UM GRANDE BRANCO ESTATAL

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a.a. 19% 3,4% 14% -1% 4,3% -2,2% -9,0% -8% -20% ago/14 ago/15 ago/16 ago/17 ago/18

a.a. 24% 14% a.a. 12% 5,7% -0,6% -4% -7,7% -12%

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a.a. Pessoa Física Pessoa Jurídica 18% 13% 8% 3% 10% -2% -5% -10% -15% a.a. 10% 5,3% -5% -3,3% -10%

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a.a. Pessoa Física Pessoa Jurídica 20% 15% 10% 5% 0% 15,0% 10,0% 5,0% -5% 0,0% a.a. 10% 5,4% -5% -3,1% -10% -11,3%

Transcrição:

ISSN: 1679-9127 ANÁLISE EXPLORATÓRIA DE EFEITOS DA REDUÇÃO DAS TAXAS DE JUROS BANCÁRIOS NO BRASIL, EM 2012, SOBRE OS EMPRÉSTIMOS. O CASO DE UM EXPLORATORY EFFECTS ANALYSIS OF THE BANK INTEREST RATES REDUCTION IN BRAZIL IN 2012: THE CASE OF A LARGE PUBLIC BANK Felipe Alves FONSECA Banco do Brasil felipe_fonseca@bb.com.br Paulo Augusto P. de BRITTO Universidade de Brasília pdebritto@gmail.com Artigo recebido em 05/2016 Aprovado em 11/2016 Resumo Em maio de 2012 o governo federal alterou a regra de remuneração da poupança, permitindo assim a redução da taxa SELIC, e iniciou uma pressão aos bancos para que reduzissem o spread bancário. Durante o ano de 2012 houve um incremento no volume de crédito no sistema financeiro e o objetivo do estudo foi elaborar um perfil do tomador de crédito nessa nova realidade. Chegou-se à conclusão que os novos tomadores de crédito possuem escolaridade mais elevada, são mais jovens, grande parte é cliente bancário há menos de um ano e não comprometem uma parcela significativa da renda com crédito. Observou-se também o incremento no volume de crédito contratado, a queda nas taxas de juros e um aumento na proporção de clientes com parcelas atrasadas. Palavras-chave: Spread bancário. Taxa de juros no Brasil. Crédito bancário ao consumidor. http://periodicos.unifacef.com.br/index.php/rea Revista Eletrônica de Administração (Online) ISSN: 1679-9127, v. 15, n.2, ed. 29, Jul-Dez 2016 323

ABSTRACT ANÁLISE EXPLORATÓRIA DE EFEITOS DA REDUÇÃO DAS TAXAS DE JUROS In May 2012 the federal government has changed the savings remuneration rules, thus the SELIC rate could be reduced, and started a pressure over banks to reduce their spread. During 2012 there has been an increase in the volume of credit on financial system and the study s objective was to elaborate the borrower s profile in this new reality. It has been concluded that the new borrowers are younger, have a higher level of scholarship, a great part of them has become bank s client less than a year ago and they don t commit a great portion of their income with credit. Also, it has been observed the increase in the volume of credit acquired the decline in the interest rates and an increase in the proportion of clients with overdue installments. KEYWORDS: Banking spread. Interest rates in Brazil. Borrower. 1 INTRODUÇÃO A partir do final da década de 2003, até meados de 2013, o Brasil experimentou uma tendência de declínio da taxa SELIC, a taxa básica de juros do país. A taxa SELIC é um importante instrumento de política monetária e fiscal e é referência para todos os contratos financeiros de forma que seu valor impacta de forma decisiva as decisões de poupança e de consumo dos agentes econômicos. Conforme aponta Hausmann (2008), uma taxa de juros alta se reveste de uma das mais importantes restrições ao investimento e ao crescimento econômico. A relação entre a taxa de juros básica da economia e as taxas de juros de empréstimos, a pessoas físicas e jurídicas, tem sido objeto de estudos por especialistas. A taxa de juros básica à disposição da autoridade monetária brasileira que serve como referência para as demais é a taxa de juros no mercado bancário. A figura 1 ilustra a determinação, por arbitragem, das taxas bancárias a partir da taxa SELIC. Figura 1 Determinação das taxas de juros bancárias na economia Fonte: Banco Central do Brasil (1999). A arbitragem da taxa de juros no mercado bancário é influenciada por diversos fatores, dentre os quais se destacam as margens de lucro do setor, as taxas de inadimplência e os custos operacionais, incluindo a tributação, além do pass-through dos custos de captação (BCB, ANO). Aqui entra a SELIC, na medida em que sendo o governo um tomador no mercado, os pequenos tomadores ficam sujeitos à sua atuação, aumentos das necessidades de captação do governo induzem, ao fim, aumentos nas taxas bancárias. Estudos empíricos evidenciam que o pass-through da taxa básica de juros Revista Eletrônica de Administração (Online) ISSN: 1679-9127, v. 15, n.2, ed. 29, Jul-Dez 2016 324

para as taxas de juros de empréstimos no mercado para pessoa física no Brasil é rígida para baixo, a resposta no mercado bancário a uma queda as SELIC é lenta (COTTARELLI e KOURELIS, 1994; ALENCAR, 2003; CASTRO e MELLO, 2012). Considerada essa rigidez para baixo das taxas de juros bancárias, o governo federal do Brasil introduziu, em meados de 2012, esforços no sentido de reduzir o spread bancário, a partir de reduções unilaterais das taxas de juros bancários e aumento na oferta de crédito aos consumidores e as micro e pequenas empresas por meio de bancos estatais, na linha que entendem Costa e Pinto (2013). Além da redução do spread, objetivo era o de incentivar a economia em período de desaceleração. De acordo com números do Banco Central do Brasil, entre março e dezembro de 2012 a taxa de juros média para novas operações de crédito caiu 5,36 pontos percentuais, reduzindo o spread bancário em 3,73 pontos percentuais. No mesmo período, o total de crédito no Sistema Financeiro Nacional cresceu 13,8%, chegando a R$ 2.366,78 bilhões, o que significa 53,64% do PIB, crescimento de 4,31 pontos percentuais. Costa e Pinto (2013) concluem que a estratégia do governo para redução das taxas de juros cobradas em operações de crédito no varejo foi bem sucedida, tendo a taxa de juros de empréstimos bancários caído significativamente na maioria das instituições financeiras nacionais. Feito esse rápido histórico, o objetivo desse artigo é o de evidenciar, através de uma análise exploratória, os efeitos da redução da taxa de juros induzida pelo governo federal em 2012. A partir de dados aleatórios coletados a partir de mais de 100 milhões de clientes de um grande banco público, são analisados o perfil do tomador de crédito, a variação da taxa de juros e a evolução da inadimplência. 2 REFERENCIAL TEÓRICO O impacto da uma variação na taxa de juros sobre o comportamento dos consumidores pode ser analisado a partir de suas decisões de consumo no tempo, sua escolha intertemporal associada aos valores presente e futuro de sua utilidade. O referencial teórico é a teoria da escolha do consumidor entre consumo presente e consumo futuro, conforme sua abordagem clássica (NICHOLSON e SNYDER, 2011). Considere, sem perda de generalidade, um consumidor que precise escolher quanto consumir de certo bem em dois períodos de tempo (t = 1,2), sendo o valor do consumo em cada período denotado por c 1 e c 2. Suponha que, em cada período, o consumidor possuam uma renda fixa, ou dotação de numerário, representada por m 1 e m 2. Sem a possiblidade de transferência de numerários de um período para outro, o consumidor maximizador deverá consumir, em cada período, o equivalente a todo seu numerário: c t = m t, para t=1,2. Na presença de mercado de capitais, por outro lado, o consumidor pode transferir numerário de um período para outro emprestando, ou tomando emprestado, recursos. Dessa forma, a escolha intertemporal do consumidor pode ser expressa pelo trade-off entre consumir hoje ou consumir no futuro. Para um consumidor poupador, deve ser o caso de m 1 > c 1 e c 2 = m 2 + (m 1 c 1 ), em que (m 1 c 1 ) > 0 representa a Revista Eletrônica de Administração (Online) ISSN: 1679-9127, v. 15, n.2, ed. 29, Jul-Dez 2016 325

quantia poupada no período 1. Já no caso de um consumidor tomador de empréstimo, deve ser o caso de m 1 < c 1 e c 2 = m 2 + (m 1 c 1 ), em que (m 1 c 1 ) < 0 representa a quantia tomada emprestada e que deverá ser paga no período 2. Esse modelo pode ser ampliado para levar em conta o fato de que o consumidor pode emprestar ou tomar emprestado a uma taxa de juros r, incorporando a diferença de valor do dinheiro no tempo. Com efeito, se o consumidor poupar (m 1 c 1 ), recebe juros r pela quantidade poupada, permitindo consumo c 2 = m 2 + (m 1 c 1 ) + r(m 1 c 1 ), em que r(m 1 c 1 ) o designa a renda de juros recebida. O consumo do poupador pode ser escrito, simplificadamente como: c 2 = m 2 + (1 + r) (m 1 c 1 ) Por outro lado, se no período 1 o consumidor consumir mais do que sua renda, tomando empréstimo de (c 1 m 1 ), deverá pagar essa quanti acrescida dos juros r(c 1 m 1 ) no futuro, de forma que o consumo em 2 será de c 2 = m 2 (c 1 m 1 ) r(c 1 m 1 ) ou, simplificadamente, c 2 = m 2 (1 + r )( c 1 m 1 ) Observe que as expressões (1) e (2), idênticas, representam a restrição orçamentária intertemporal. Reescrevendo essa expressão (1) podemos representar o orçamento total tanto em valor presente quanto em valor futuro c 1 + c 2 /(1 + r) = m 1 + m 2 / (1 + r) (1 + r) c 1 + c 2 = (1 + r) m 1 + m 2. Graficamente, a restrição orçamentária intertemporal pode ser representada conforme a Figura 2, para o caso de dois períodos. Figura 2 Restrição Orçamentária Intertemporal A opção do consumidor entre ser poupador (c 1 < m 1 ) ou tomador de empréstimo (c 1 > m 1 ) depende de seu nível de paciência/impaciência para esperar ou não por um consumo maior no futuro, fator capturado pelos suas preferências. Na figura 3, a caracterização do perfil do consumidor como poupador ou como tomador de empréstimo é feita através das curvas de indiferença. Revista Eletrônica de Administração (Online) ISSN: 1679-9127, v. 15, n.2, ed. 29, Jul-Dez 2016 326

Figura 3 Comportamento do Consumidor no Mercado de Crédito Estabelecido o papel do valor do dinheiro no tempo, é possível agora fazer a análise de estática comparativa para determinar o ajustamento do comportamento do consumidor, poupador ou tomador de empréstimo, para uma dada mudança na taxa de juros que implique em mudança na inclinação da reta orçamentária intertemporal um aumento na taxa de juros torna a reta mais inclinada; uma redução, menos inclinada. O estudo dos efeitos de uma variação na taxa de juros sobre o comportamento dos consumidores pode ser feito a partir da conhecida equação de Slutsky. A equação de Slutsky permite separar o efeito substituição (redução nos juros torna o consumo presente relativamente mais barato e, portanto, a tomada de empréstimos deve amentar) e no efeito renda (redução na taxa de juros torna o consumidor mais rico na medida em que o poder de compra de sua renda é aumentado pela redução da taxa de juros). Formalmente, a Equação de Slutsky pode ser escrita como: em que é o efeitos total, é o efeito substituição e é o efeito renda. Na escolha intertemporal, um aumento na taxa de juros torna o consumo presente menos custoso, induzindo maior consumo presente e menor consumo futuro, ou seja, tomada de empréstimo. Assim, redução na taxa de juros induz. Quanto ao efeito renda, se o consumo presente for um bem normal (aumento na renda induzi maior consumo e vice-versa), tem-se que. Levando em conta os dois resultados na equação de Slutsky, o sentido do efeito total de uma redução na taxa de juros dependerá do sinal de m 1 c 1. Assim, se o consumidor for tomador de empréstimo, m 1 c 1 < 0, e, portanto, < 0. Revista Eletrônica de Administração (Online) ISSN: 1679-9127, v. 15, n.2, ed. 29, Jul-Dez 2016 327

Iss significa que a reução na taxa de jros induzira maiores empréstimos para financiar consumo presente haja visto que o custo futuro dessa decisão, medido pela rediçao do consumo futur devido a necessidade de apgamento de juros, será menor. Por outro lado, se o consumidor for poupador, a equação de Slutsky nos indic que uma diminuição na taxa de juros reduzirá o incentivo à poupança, ou seja, o poupador poupará menos ou, para uma reudção suficientemente grande, poderá inclusive deixar de poupar para tornar-se tomador de empréstimo. 3 METODOLOGIA E BASE DE DADOS A proposta deste estudo é avaliar os impactos da redução das taxas de juros através do estudo do perfil das pessoas que contrataram alguma operação de crédito após maio de 2012. Para representar o público-alvo do estudo foram escolhidas pessoas físicas, clientes de um grande banco público brasileiro que, em março de 2013, possuía 101.777.069 clientes cadastrados. Efetuar um estudo com todos os clientes demandaria recursos tecnológicos e tempo não disponíveis, portanto, a partir dessa população, foram selecionadas, através de amostragem aleatória simples, 100.000 pessoas físicas. Com essa amostra de 100.000 pessoas retiradas de uma população de 101.777.069 (pode ser considerada infinita) e sabendo que a proporção de clientes que contrataram crédito é desconhecida na população, é possível obter, com grau de confiança 99,9%, um erro menor que 0,00009 na proporção retirada da amostra quando comparada com a proporção real, conforme apurado pela expressão abaixo: Após a seleção da amostra inicial foram reunidas informações cadastrais desses clientes e sobre suas operações de crédito dentro da instituição. As modalidades de operações de crédito que fizeram parte do estudo foram cheque especial, cartão de crédito, empréstimos, financiamentos (exceto imobiliário) e renegociação de dívidas. Aqueles clientes que até março de 2013, um ano após a redução induzida das taxas de juros, nunca tiveram pelo menos uma operação de crédito foram excluídos do estudo, pois não seria possível avaliar seu comportamento. Aproximadamente 80,8% dos clientes se enquadravam nessa situação. A amostra final contém, portanto, 19.195 clientes que possuem, ou possuíram, ao menos uma operação de crédito contratada nessa instituição. O banco de dados utilizado foi obtido com uma instituição financeira púbica de grande porto. Para garantir a confidencialidade dos dados foram excluídos dados como nome, CPF, endereço, empregador e outros que pudessem identificar algum cliente individualmente. Revista Eletrônica de Administração (Online) ISSN: 1679-9127, v. 15, n.2, ed. 29, Jul-Dez 2016 328

As informações disponíveis foram divididas em dois grupos: cadastrais, que refletem os dados demográficos, e comportamentais, que mostram o comportamento dos indivíduos em relação ao crédito antes e após a queda nas taxas de juros. As variáveis cadastrais disponíveis foram: rendimento bruto total, idade, sexo, tipo de residência, nível de escolaridade, natureza da ocupação e UF de residência. As variáveis comportamentais foram: indicador de contratação de operação de crédito após maio de 2012, tempo de relacionamento no Sistema Financeiro Nacional, percentual da renda comprometido com crédito, valor total de limite de crédito aprovado, valor total de limite de crédito disponível, valor total de limite de crédito utilizado, valor total de prestação para crédito aprovada, valor total de prestação para crédito disponível, valor total de prestação para crédito utilizada, valor total do saldo devedor em março de 2013, valor total contratado, valor médio da taxa no momento do contrato e indicador de operações vencidas durante o ano de 2013. As variáveis comportamentais incluíram o valor total contratado, limite, prestação e saldo devedor representam a soma de todas as operações de crédito de cada cliente. As variáveis de valor de taxa foram expressas em taxas mensais e representaram a média de todas as operações de crédito de cada cliente. O indicador de operações vencidas considerou como vencidas as operações com o pagamento da parcela atrasada em 1 ou mais dias. 4 ANÁLISE DOS DADOS O objetivo do estudo é elaborar o perfil do tomador de crédito no Brasil após a queda do spread bancário. Para isso, foi preciso saber quais indivíduos da amostra tomaram crédito no período de interesse, que vai de maio de 2012 a março de 2013. Das 19.195 pessoas da amostra, 22,2%, ou 4.263 pessoas, adquiriram algum produto de crédito nesse período, conforme visto na tabela 1. A partir dessa informação, foi feito um estudo comparativo entre os clientes que adquiriram crédito no período de interesse e os clientes que adquiriram crédito em um período anterior (antes de maio de 2012). Os dados estatísticos estão resumidos na tabela 1 que aponta resultados condizentes com a teoria no que concerne à redução da taxa de juros: redução na renda média, redução no tempo médio de conta, redução na idade média, aumento no valor contratado, entre outros. Todos os fatores indicam movimento de maior acesso ao crédito bancário e tendência de agentes econômicos no sentido de assumirem postura de tomadores de crédito. Observando detidamente o rendimento mensal de cada pessoa, é possível observar na figura 4 e na tabela 1 um pequeno aumento nos empréstimo às pessoas com menor renda. Com efeito, as contratações por agentes com renda de até R$ 2.000 passaram a representar 64,7% de todas as contratações, ante 59% no período anterior. Revista Eletrônica de Administração (Online) ISSN: 1679-9127, v. 15, n.2, ed. 29, Jul-Dez 2016 329

Tabela 1 Estatísticas Básicas agrupadas por aquisição de crédito Variável Maio/2012 Maio/2013 Média dos Rendimentos Brutos Totais R$ 3.3135,60 R$ 2.947,80 Idade Média 45,6 anos 36,6 anos Tempo Média de Conta Corrente 10,0 anos 5,9 anos Valor Limite de Crédito Aprovado R$ 31.945,20 R$ 31.005,80 Valor da Prestação para Crédito Aprovado R$ 590,30 R$ 492,80 Valor Total Contratado R$ 2.320,10 R$ 4.357,30 Valor Total do Saldo Devedor R$ 1.083,60 R$ 2.537,50 Valor Médio da Taxa Contratada 5,5% ao mês 4,5% ao mês Total de observações 14.932 4.263 3 28.1% 31. 25% 2 15% 16.3% 17.8% 14.6% 15.9% 12.2% 14.7% 5% 8.9% 7. 4.9% 4.7% 4. 12.8% 2.4% 4.8% Figura 4- Distribuição das contratações de empréstimos por faixas de renda. Com respeito ao perfil de idade dos tomadores de empréstimos, a figura 5 ilustra que os clientes que contrataram crédito após maio de 2012 são mais jovens, com média de idade de 36,6 anos, possuindo uma concentração maior nas faixas de 18 a 35 anos. Já no grupo das pessoas que contrataram crédito antes de maio de 2012, a média é de 45,6 anos e a concentração ocorre nas faixas acima de 40 anos. Revista Eletrônica de Administração (Online) ISSN: 1679-9127, v. 15, n.2, ed. 29, Jul-Dez 2016 330

25% 2 23.7% 20.4% 15% 5% 0.1% 1. 8.6% 15.8% 11.9% 12.4% 14.6% 11.2% 10.3% 9.4% 9.5% 8.8% 7.9% 8.9% 5.9% 7.7% 4.5% 7.6% Figura 5 - Distribuição das contratações de empréstimos por faixas de idade. A figura 6 demonstra um crescimento significativo da participação dos correntistas com grau de instrução superior completo no universo de empréstimos contratados. 45% 4 39.7% 35% 3 25% 26.2% 31. 25.9% 35.4% 2 15% 16.6% 16.7% 5% 7.1% 1. 0.3% Analfabeto Ensino Fundamental Ensino Médio Superior Incompleto Superior Completo Figura 6 - Distribuição das contratações de empréstimos por grau de instrução dos contratantes. Vê-se também, na figura 7 que, apesar da maioria dos clientes que contrataram crédito após a queda nas taxas de juros serem cliente do banco há mais de cinco anos, a proporção de clientes que é cliente há menos de um ano é bastante expressiva, chegando a 29,7%. Revista Eletrônica de Administração (Online) ISSN: 1679-9127, v. 15, n.2, ed. 29, Jul-Dez 2016 331

8 7 70.5% 6 5 4 3 2 41. 29.7% 17.5% 11.7% 16.5% 12.8% 0.2% Até 1 ano De 1 a 3 anos De 3 a 5 anos Mais de 5 anos Figura 7 Distribuição das contratações em empréstimos por tempo de conta. Apesar do acesso a crédito mais barato e do amento no volume de crédito concedido, as pessoas não estão comprometendo grande parte de sua renda com crédito. Conforme se vê na figura 8, nos dois grupos pouco mais de 2% dos indivíduos possuem parcelas superiores a 3 do rendimento mensal. É importante ressaltar que o estudo está levando em consideração os créditos em apenas um banco, sendo possível que o comprometimento de renda real seja maior devido à possível alavancagem financeira, quando pessoas tomam crédito em vários bancos. 9 8 7 6 81.8% 77.6% 5 4 3 2 11.9% 13.8% 4.2% 2.1% 5.9% 2.7% < De até 2 De 2 até 3 > 3 Figura 8 Distribuição das contratações conforme grau de comprometimento da renda com pagamento periódico de amortização. Avaliando o impacto da redução das taxas de juros e do spread bancário nos volumes contratados, é possível ver nas figuras 9 e 10 que existe uma tendência dos créditos mais recentes possuírem valores de contrato e de saldo devedor maiores. Revista Eletrônica de Administração (Online) ISSN: 1679-9127, v. 15, n.2, ed. 29, Jul-Dez 2016 332

9 8 7 80. 6 5 4 37.1% 46.6% 3 2 14.4% 10.9% 20. 8.6% 8.8% 4.8% 4.7% 10.6% 5.7% 5.3% 6. 10.5% 1.5% 3.5% 20. 0. 0.1% Figura 9 Distribuição dos empréstimos conforme valor do crédito contratado. 5 45% 4 35% 3 25% 2 15% 5% 44.8% 26.1% 28.2% 27.4% 10.9% 13.4% 7.8% 6.1% 8.2% 8.6% 2.3% 1.8% 5.9% 7. 0.3% 1.3% 0.1% 0.1% 0. 0. Figura 10 Distribuição dos empréstimos contratados conforme valor do saldo devedor. Com respeito à taxa de juros, verifica-se que de fato houve queda. As taxas de juros para quem contratou crédito após a redução foi, em média 4,5% a.m., enquanto para quem contratou antes da redução a taxa de juros média foi de 5,5% a.m. A figura 11 demonstra, ainda, que houve aumento na contratação em empréstimos com taxa de juros menores. Revista Eletrônica de Administração (Online) ISSN: 1679-9127, v. 15, n.2, ed. 29, Jul-Dez 2016 333

8 7 69.2% 6 65.1% 5 4 3 2 14.2% 28.7% 14.4% 2.2% 3. 3.3% Até 1% a.m. De 1% até 4% a.m. De 5% até 8% a.m. > 8% a.m. Figura 11 Distribuição dos empréstimos contratados conforme taxa de juros média contratada. Por fim, demonstra-se que houve não só aumento no volume de operações vencidas, mas aumento no percentual de empréstimos com operações vencidas após a redução das taxas de juros. A figura 12 ilustra esse fato, indicando que 15,1% dos clientes que contrataram crédito após maio de 2013 possuem parcelas em atraso, contra 9,4% das contratações antes de maio de 2012. 18% 16% 15.1% 14% 12% 9.4% 8% 6% 4% 2% Figura 12 Percentual de Operações Vencidas no total de operações contratadas. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em maio de 2012 o governo alterou a rentabilidade da poupança e iniciou um movimento de indução de redução dos spreads bancários ao determinar a redução das taxas de juros para pessoas físicas praticadas por Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. No caso do Banco do Brasil, o conjunto de medidas com aquele fim foi chamado de BomParaTodos. O objetivo de tal esforço não se encerrava na simples Revista Eletrônica de Administração (Online) ISSN: 1679-9127, v. 15, n.2, ed. 29, Jul-Dez 2016 334

redução do spread, mas no aumento nas concessões de crédito e seus consequentes efeitos sobre a economia. De acordo com dados do Banco Central do Brasil, entre março e dezembro de 2012 o total de crédito no Sistema Financeiro Nacional (SFN) cresceu 13,8%, chegando a R$ 2.366,78 bilhões, montante equivalente a 53,64% do PIB, como resultado dos esforços do governo. Nesse contexto, o objetivo desse estudo foi o de identificar mudanças no perfil dos tomadores de crédito como resultado da intervenção do governo federal nas taxas de juros através dos bancos estatais e a luz da teoria econômica da escolha intertemporal. Foi possível confirmar que as taxas de juros caíram e que houve um incremento no volume de crédito contratado a partir de maio de 2012, com mudança no perfil dos tomadores em consonância com a teoria. Após a queda das taxas de juros, verificou-se um incremento na participação de agentes mais jovens no mercado de crédito, assim como de agentes com menor renda e com menor tempo de conta bancária. Outros efeitos verificados foram a redução no valor médio dos empréstimos e aumento na inadimplência ilustrado pelo maior percentual de operações vencidas no total de operações contratadas. Esse resultado pode ser atribuído ao perfil mais arriscado dos novos tomadores no mercado a partir da redução unilateral da taxa de juros por aprte do banco estatal. REFERÊNCIAS ALENCAR, L. S. O Pass-Through da Taxa Básica: Evidência para as Taxas de Juros Bancárias. In: Banco Central do Brasil. Economia Bancária e Crédito: Relatório Juros e Spread Bancário. Brasília: BCB, 2013. BCB. Banco Central do Brasil. Relatório de Economia Bancária e Crédito. Brasília: BCB, 2014. BCB. Banco Central do Brasil. Relatório de inflação. Brasília: BCB, 2009. BCB. Banco Central do Brasil. Relatório de inflação. Brasília: BCB, 2011. CASTRO, P. H. R.; MELLO, J. M. P. Is the bank interest rate pass-through of Selic rate movement asymmetric? Brazilian Review of Econometrics v. 32, n. 1, p. 3-30, 2012. COSTA, F. N.; PINTO, G. M. A. Impactos da pressão para concorrência bancária no mercado de crédito brasileiro. Texto para discussão IE/UNICAPM, n. 215. Campinas: UNICAMP, 2013. COTTARELLI, C; KOURELIS, A. Financial Structure, Bank Lending Rates and the Transmission Mechanism of Monetary Policy. IMF Staff Papers 41, n.4, 1994 DANTAS, J. A.; MEDEIROS, O. R. de; CAPELLETTO, L. R. Determinantes do spread bancário ex post no mercado brasileiro. Revista de Administração Mackenzie, v. 13, n. 4, p. 48 74, 2012. Revista Eletrônica de Administração (Online) ISSN: 1679-9127, v. 15, n.2, ed. 29, Jul-Dez 2016 335

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