artigo Original Resistência cicatricial cutânea sob efeito de hidrocortisona local ou sistêmica, em distintos períodos pós-operatórios Effect of local or systemic hydrocortisone on skin wound healing resistance, in different postoperative periods Luiz Ronaldo Alberti 1, Leonardo de Souza Vasconcellos 2, Andy Petroianu 3 RESUMO Objetivos: Comparar a resistência cicatricial cutânea de camundongos submetidos à administração de hidrocortisona por diferentes vias e em distintos períodos pós-operatórios. Métodos: Foram estudados 130 camundongos machos submetidos a incisão e sutura de pele da região dorsal do tórax: Grupo 1 (n = 10) resistência da pele íntegra; Grupo 2 (n = 30) incisão da pele e sutura, sem administração de corticóide; Grupo 3 (n = 30) incisão da pele e sutura, seguidas de injeção local de solução salina; Grupo 4 (n = 30) incisão da pele e sutura, seguidas de injeção local de hidrocortisona e Grupo 5 (n = 30) incisão da pele e sutura, seguidas de injeção intra-peritoneal de hidrocortisona. Foram avaliadas a resistência cicatricial, a variação ponderal no sétimo, 14 o e 21 o dias pós-operatórios, bem como a histologia. Resultados: Os camundongos que receberam hidrocortisona tiveram decréscimo ponderal (p = 0,02). Quanto à resistência cicatricial da pele, os Grupos 3, 4 e 5 apresentaram valor inferior ao Grupo 2, no sétimo dia pós-operatório (p = 0,031). No 14 o e 21 o dias, não houve diferença entre as tensões cicatriciais. Conclusões: A administração de hidrocortisona provoca redução ponderal em camundongos. Sob a ação dessa droga, a resistência cicatricial cutânea é menor na primeira semana pós-operatória, independente da via de administração. Descritores: Hidrocortisona/administração & dosagem; Corticosteróide/ administração & dosagem; Cicatrização de feridas/efeitos de drogas; Modelos biológicos; Camundongos ABSTRACT Objectives: To compare the resistance of skin wound healing of mice submitted to local or systemic hydrocortisone administration, in different postoperative periods. Methods: An incision and suture was performed on the thoracic skin of 130 male mice: Group 1 (n = 10) resistance of the integer skin; Group 2 (n = 30) submitted only to skin incision and suture; Group 3 (n = 30) skin incision and suture followed by administration of saline fluid; Group 4 (n = 30) skin incision and suture followed by administration of local hydrocortisone; Group 5 (n = 30) skin incision and suture followed by administration of systemic hydrocortisone. The resistance of the wound healing and the weight of the animals were studied on the seventh, 14 th and 21 st postoperative days. Histologic examination was also performed. Results: The mice that received corticoid (Groups 4 and 5) presented significant decreasing on their weight (p = 0.02). The Groups 3, 4 and 5 showed lower scar resistance than Group 2 on the seventh postoperative day (p < 0.05). On the 14 th and 21 st days, there was no difference on the skin would healing resistance (p > 0.05). Conclusions: Administration of hydrocortisone in mice is responsible for weight decreasing and reduction of the skin wound healing resistance during the first postoperative week. Keywords: Hydrocortisone/administration & dosage; Adrenal cortex hormones/administration & dosage; Wound healing/drug effects; Models, biological; Mice INTRODUÇÃO A cicatrização cutânea é um processo complexo que envolve inflamação, reepitelização, angiogênese, formação de tecido de granulação e deposição de matriz intersticial, além de outros eventos realizados por diversos tipos de célula, como queratinócitos, fibroblastos, células inflamatórias e endoteliais. Esses fenômenos são influenciados pela matriz intersticial, por fatores de crescimento e por outros mediadores (1). Acredita-se que os glicocorticóides prejudicam a cicatrização, provavelmente causando decréscimo da proliferação celular, da neovascularização e da produ- Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG, Belo Horizonte (MG), Brasil. 1 Doutor; Professor adjunto do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG, Belo Horizonte (MG), Brasil. 2 Pós-graduando da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG, Belo Horizonte (MG), Brasil. 3 Doutor; Professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG, Belo Horizonte (MG), Brasil. Autor correspondente: Luiz Ronaldo Alberti Rua Santa Rita Durão, 347 apto. 301 Funcionários CEP 30140-110 Belo Horizonte (MG), Brasil Tel.: 31 3223-8656 e-mail: luizronaldo@zipmail.com.br Data de submissão: 26/2/2008 Data de aceite: 11/5/2008
270 Alberti LR, Vasconcellos LS, Petroianu A ção de matriz (2). Em animais, foi relatado um retardo do afluxo de macrófagos, neutrófilos e fibroblastos. Admite-se que os corticosteróides suprimem a fase inflamatória da cicatrização (2). É possível que o uso crônico de corticóides influencie negativamente na reepitelização, na neovascularização e na síntese do colágeno (3). O efeito da corticoterapia de uso prolongado na cicatrização de feridas cirúrgicas apresenta resultados conflitantes na literatura. Os fatores para essa controvérsia variam de acordo com o tipo e com a dose dos corticosteróides empregados, com a espécie estudada, com a duração do tratamento e com os métodos de avaliação da eficácia da cicatrização (4). Diethelm (5) observou que a administração de hidrocortisona pré ou transoperatória associava-se a uma maior incidência de infecções e retardo no tempo de cicatrização. Rizzo et al. (6) verificaram que os efeitos adversos do ACTH e da cortisona eram dose-dependentes. Segundo Vogel (7) altas doses de cortisol e prednisolona reduziam a resistência cicatricial da pele, mas as pequenas doses, mesmo em tempo prolongado, eram acompanhas por um aumento da resistência cicatricial. Por outro lado, Jalali e Bayat (8) encontraram efeitos não específicos relacionados a doses moderadas e baixas de corticosteróides. Já Kletsas et al. (9) verificaram até um aumento da síntese de colágeno em culturas de fibroblastos de pele embrionária humana ao serem acrescidas baixas concentrações de corticóides. A necessidade de mais estudos para se compreender os efeitos dos corticóides na cicatrização da pele motivou o presente trabalho, pertencente a uma linha de pesquisa sobre cicatrização (10-12). OBJETIVO O estudo teve como objetivo comparar a resistência cicatricial da pele após a administração de hidrocortisona local e por via sistêmica em distintos períodos pós-operatórios. MÉTODOS Este trabalho foi realizado de acordo com as recomendações das Normas Internacionais de Proteção aos Animais e do Código Brasileiro de Experimentação Animal (1988), tendo sido aprovado pela Câmara do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa Experimental (CE- TEA) da UFMG. Foram utilizados 130 camundongos machos e albinos, da raça Swiss, linhagem CF-1, com peso médio de 40 ± 5 g. Os animais foram distribuídos aleatoriamente em cinco grupos: Grupo 1 (n = 10): controle, não operado; Grupo 2 (n = 30): submetido apenas a incisão e sutura cutânea; Grupo 3 (n = 30): submetido a incisão e sutura cutânea, completada por administração local diária de solução salina 0,9 %; Grupo 4 (n = 30): submetido a incisão e sutura cutânea, completada por administração diária de hidrocortisona local na dose de 10 mg/kg; Grupo 5 (n = 30): submetido a incisão e sutura cutânea, completada por administração diária de hidrocortisona intraperitoneal na dose de 10 mg/kg. No Grupo Controle, avaliou-se a resistência da pele íntegra. Para o estudo da resistência cicatricial, os Grupos 2, 3, 4 e 5 foram distribuídos em três subgrupos cada, de acordo com os períodos pós-operatórios estudados: Subgrupo A (n = 10): sétimo dia pós-operatório; Subgrupo B (n = 10): 14 o dia pós-operatório; Subgrupo C (n = 10): 21 o dia pós-operatório. Os animais foram acompanhados diariamente, receberam o mesmo tipo e quantidade nutricional e permaneceram alocados em gaiolas com número de animais idêntico (n = 5). As operações foram conduzidas sob anestesia geral com cloridrato de quetamina (90 mg/kg) e cloridrato de xilazina (10 mg/kg), ambos por via intraperitoneal. Após tricotomia de todo o dorso do animal, incisou-se longitudinalmente a pele da parte mediana dorsal do tórax, medindo 3 cm de comprimento, poupando os músculos subjacentes. Em seguida, as bordas da ferida foram suturadas, com quatro pontos simples, sendo utilizado fio de polipropileno monofilamentar 4-0. Decorrido o tempo de acompanhamento, a morte dos animais foi induzida com dose letal inalatória de éter após anestesia geral com cloridrato de quetamina e cloridrato de xilazina nas mesmas doses anteriormente utilizadas. Os parâmetros estudados foram: variação ponderal ocorrida durante o período de acompanhamento dos animais; presença de complicações pós-operatórias gerais e na pele; medidas das tensões de ruptura da pele íntegra e da cicatriz; avaliação histológica do tecido cicatricial. Os camundongos foram pesados no início do experimento e imediatamente após a sua morte. Em cada animal dos Grupos 4 e 5, foi injetado diariamente 0,1 ml de solução contendo hidrocortisona na dose de 10 mg/kg/dia, no local da cicatriz (Grupo 4) ou intraperitoneal (Grupo 5). Essa dose foi dada a partir
Resistência cicatricial cutânea sob efeito de hidrocortisona local ou sistêmica, em distintos períodos pós-operatórios 271 de dois dias antes da operação, tendo continuidade até a avaliação da resistência cicatricial. No grupo que recebeu apenas solução salina local, o volume injetado foi também de 0,1 ml. Essas injeções foram aplicadas com o objetivo de se comparar os efeitos sistêmico e local do corticóide, bem como o papel da distensão tissular no local da incisão sobre o processo cicatricial. A resistência da cicatrização cutânea foi aferida retirando-se um fragmento de pele transversal à cicatriz, com medida de 4 x 1 cm, com a cicatriz em sua parte média. Os pontos foram cuidadosamente retirados e o fragmento, submetido a um teste de resistência à tensão por meio de tensiômetro eletrônico Os estudos histológicos foram conduzidos em preparações coradas por hematoxilina-eosina e por tricrômico de Gomori. Mediu-se a espessura da neoformação fibrosa cicatricial em três regiões diferentes: próxima à extremidade cranial, na parte média e próxima à borda caudal. Foram utilizados os testes one-way ANOVA seguidos do teste de Tukey-Kramer para se comparar os pesos e a tensão de ruptura entre os grupos. As diferenças foram consideradas significativas para valores correspondentes a p < 0,05. RESULTADOS Todos os camundongos sobreviveram ao experimento e evoluíram satisfatoriamente. A variação ponderal de todos os grupos estudados encontra-se na Tabela 1. Os camundongos que receberam hidrocortisona, dos Grupos 4 e 5, apresentaram decréscimo ponderal (p = 0,02) durante os três períodos pós-operatórios, enquanto os animais dos Grupos Controle e os que receberam apenas solução salina tiveram aumento de peso corpóreo. Tabela 1. Variação ponderal (média ± desvio padrão da média) de camundongos no sétimo, 14 o e 21 o dias pós-operatórios Grupos Variação ponderal (g) Inicial 7 o dia 14 o dia 21 o dia Grupo 1 42,4 ± 2,9 Grupo 2 41,4 ± 2,5 42,2 ± 2,5 43,6 ± 2,4 45,2 ± 2,9 Grupo 3 41,6 ± 2,2 42,3 ± 2,6 43,5 ± 3,6 44,7 ± 3,1 Grupo 4 40,9 ± 3,5 35,6 ± 3,4* 37,4 ± 3,1* 39,2 ± 2,8* Grupo 5 42,3 ± 2,8 35,5 ± 2,7* 36,8 ± 3,2* 38,8 ± 3,2* * diminuição ponderal nos Grupos 4 e 5 comparada com o Grupo 2 (p = 0,02; one-way ANOVA e teste de comparação múltipla de Tukey-Kramer) Grupo 1: controle, por não ter sido operado, há apenas o peso inicial; Grupo 2: apenas cirurgia; Grupo 3: cirurgia + solução salina 0,9% diária via local; Grupo 4: cirurgia + hidrocortisona diária via local; Grupo 5: cirurgia + hidrocortisona diária via sistêmica Os resultados da tensão cicatricial média encontram-se na Tabela 2. Os camundongos dos Grupos 3, 4 e 5 apresentaram valores inferiores ao do Grupo 2 apenas no sétimo dia pós-operatório (p = 0,031). Nos demais períodos, não houve diferença entre a resistência cutânea cicatricial na presença ou não de hidrocortisona. Tabela 2. Resistência cicatricial cutânea (média ± desvio padrão da média) de camundongos no sétimo, 14 o e 21 o dias pós-operatórios Grupos A administração de corticosteróide, local (Grupo 4) ou sistêmica (Grupo 5), não interferiu na resistência cicatricial, quando comparada ao Grupo 2. Em todos os camundongos operados (Grupos 2, 3, 4 e 5), a resistência cicatricial no sétimo dia pós-operatório foi menor do que a encontrada no 14 o e no 21 o dia pós-operatórios (p < 0,05). No 14 o dia pós-operatório, a resistência foi menor do que aquela encontrada no 21 o dia (p < 0,05). Mesmo após 21 dias, a resistência cicatricial foi menor do que a da pele íntegra em todos os grupos (p < 0,01). Com o estudo macroscópico da cicatrização, no sétimo dia pós-operatório, observou-se, nos Grupos 4 e 5, área cicatricial mais frouxa. Já nos demais grupos, a cicatrização era mais firme. Não houve infecção ou outras anomalias cicatriciais. Na avaliação histológica, verificou-se, no sétimo dia pós-operatório dos Grupos 2 e 3, aumento na quantidade de fibras colágenas, presença de infiltrado inflamatório constituído por polimorfonucleares, plasmócitos, linfócitos e macrófagos, além de congestão vascular. Nos Grupos 4 e 5, ainda no sétimo dia, notou-se padrão morfológico mais heterogêneo com reação inflamatória, além de menor número de fibroblastos e feixes de colágeno. No 14 o dia pós-operatório, em todos os grupos, constatou-se padrão morfológico mais homogêneo em relação à primeira semana, com melhor arranjo de fibroblastos entremeados por fibras colágenas mais firmes e ordenadas. Não houve diferença entre os animais que receberam e os que não receberam hidrocortisona. Já no 21 o dia pós-operatório, os feixes de colágeno se encontravam mais espessos em comparação às duas semanas iniciais, apresentando distribuição mais ordenada e paralela entre si, sem diferença entre os aspectos dos quatro grupos avaliados. DISCUSSÃO Resistência cicatricial (g/cm 2 ) Início 7 o dia 14 o dia 21 o dia Grupo 1 1045,8 ± 55,2* Grupo 2 231,0 ± 9,5** 461,0 ± 8,2 745,5 ± 7,4 Grupo 3 141,2 ± 7,3 457,3 ± 7,1 726,3 ± 10,3 Grupo 4 138,6 ± 8,3 453,8 ± 8,5 720,4 ± 9,8 Grupo 5 147,5 ± 6,6 448,5 ± 9,2 735,3 ± 10,6 * comparação entre a tensão de ruptura da pele íntegra no Grupo 1 e a tensão de ruptura no 21º dia pósoperatório nos demais grupos (p < 0,001); ** comparação entre o Grupo 2 e os demais grupos no sétimo dia pós-operatório (p = 0,031) Grupo 1: controle; Grupo 2: apenas cirurgia; Grupo 3: cirurgia + solução salina 0,9% diária via; Grupo 4: cirurgia + hidrocortisona diária via local; Grupo 5: cirurgia + hidrocortisona diária via sistêmica Fatores que afetam a cicatrização são pesquisados continuamente, sendo o retardo cicatricial um dos efeitos mais discutidos e controversos dos corticosteróides.
272 Alberti LR, Vasconcellos LS, Petroianu A Embora existam diversos estudos experimentais sobre a relação entre os fenômenos cicatriciais e o uso de corticosteróides, a multiplicidade metodológica dificulta sua avaliação (2-5). O camundongo foi escolhido como animal de experimentação devido à facilidade de aquisição, manuseio, acomodação, resistência à agressão cirúrgica e baixa mortalidade apresentada durante os processos infecciosos. Foram usados apenas machos e adultos, para se evitar as variações hormonais do ciclo estral de fêmeas que poderiam interferir no mecanismo de reparação tecidual (13). A dose de hidrocortisona escolhida no presente trabalho teve como base estudos anteriores, verificandose que a concentração mínima necessária para afetar a cicatrização de feridas é de 10 mg/kg/dia, sendo, também, proporcional às doses prescritas em diversos tratamentos clínicos (10-11). A partir das orientações de outros autores (7,13), a administração do fármaco foi iniciada no pré-operatório, com continuidade até o dia em que os animais foram mortos. Segundo a literatura (7-8), quando a droga é administrada previamente ao ato cirúrgico e mantida no pós-operatório, os efeitos prejudiciais dos corticosteróides são mais evidentes. A redução ponderal dos camundongos submetidos aos corticóides também já é conhecida. De acordo com estudos prévios (3,14), a corticoterapia utilizada em animais faz parte de um processo metabólico complexo e que resulta em desnutrição. Ainda não se encontrou uma explicação satisfatória para esse fenômeno, mas essa queda do estado geral dos animais poderia contribuir para o retardo cicatricial. Em contraposição a alguns estudos (3,8), nos quais houve perda de peso e interferência na cicatrização apenas após sete semanas, na presente pesquisa, o período de acompanhamento dos camundongos esteve muito aquém do descrito e houve, também, redução ponderal e redução na resistência cicatricial já na primeira semana de administração do corticóide. Tal resultado pode ser devido ao retardo na deposição de colágeno, com conseqüente redução da resistência cicatricial. Na primeira semana, todos os grupos apresentaram resistência cicatricial inferior à encontrada posteriormente. No início, o tecido cicatricial ainda é muito tênue e sua resistência é pequena, o que dificulta a avaliação do efeito da hidrocortisona. Mesmo assim, observou-se que os grupos tratados com essa droga tiveram resistência cicatricial menor do que a do Grupo Controle. Já nos períodos subseqüentes, o processo cicatricial de todos os grupos esteve organizado, não havendo diferença relacionada ao fármaco. Quanto à via de administração, sabe-se que, em processos cicatriciais, a corticoterapia tópica tende a ser mais utilizada em relação à sistêmica, principalmente devido aos seus efeitos colaterais, que são menores. Entretanto, nesta pesquisa, os efeitos sistêmicos do corticosteróide não diferiram dos locais. É possível que a comparação de injeção de corticosteróide com seu uso sob a forma de pomada traga achados diferentes, mas seus resultados são mais difíceis de serem obtidos experimentalmente. A resposta inflamatória imediata ao trauma caracteriza-se pela presença de hemorragia, edema, congestão vascular e infiltrado inflamatório que dura, em média, cinco dias. Posteriormente, a fase de fibroplasia acompanha-se de neoformação vascular e proliferação de fibroblastos, estendendo-se em média até o 14º dia. A histologia revelou um atraso na cicatrização em camundongos que receberam hidrocortisona. No sétimo dia pós-operatório, o Grupo Controle já estava em fase de fibroplasia, com intenso povoamento de fibroblastos e deposição de fibras colágenas, enquanto os grupos que receberam corticosteróide ainda estavam no estádio inflamatório, com escassas células fibroblásticas e fibras colágenas tênues e desordenadas (13). Após a segunda semana pós-operatória, o processo cicatricial de todos os animais esteve organizado, não havendo diferença entre os grupos, que já apresentavam tecido conectivo bem formado e rico em fibras colágenas ordenadas. Embora neste trabalho tenha sido observada uma diminuição da resistência cicatricial cutânea nos camundongos em uso de corticóides na primeira semana pós-operatória, ainda não é possível explicar a sua fisiopatologia. A resposta inflamatória imediata ao trauma caracteriza-se pela presença de hemorragia, edema, congestão vascular e infiltrado inflamatório durando cerca de cinco dias. Posteriormente, a fase de fibroplasia acompanha-se de neoformação vascular e proliferação de fibroblastos, estendendo-se em média até o 14º dia. Finalmente, o ciclo da maturação modela o colágeno e desvasculariza o tecido de granulação, podendo durar até dois anos (4). A ação do corticosteróide pode interferir em qualquer um desses processos. Segundo alguns autores, esse fármaco promove a estabilização da membrana lisossômica, protegendo-a contra sua lise e reduzindo, consequentemente, a reação inflamatória inicial (4-5,7). Ao antagonizarem a angiogênese, essas drogas inibem a proliferação de fibroblastos, reduzindo a síntese de colágeno (3-4). Essas ações poderiam, eventualmente, explicar a redução da tensão cicatricial, porém ainda são necessários maiores estudos para esclarecer essa questão. A transposição dos achados experimentais para a prática clínica deve ser feita com cautela. Riobó et al. (15), ao analisarem pacientes portadores de doença inflamatória intestestinal em tratamento com corticoterapia sistêmica e submetidos a tratamento cirúrgico,
Resistência cicatricial cutânea sob efeito de hidrocortisona local ou sistêmica, em distintos períodos pós-operatórios 273 não observaram alteração nas complicações das anastomoses ileorretais. Por outro lado, Fleshner et al. (16), verificaram efeitos adversos pós-operatórios em pacientes que fizeram uso de corticóides. CONCLUSÕES Concluindo, de acordo com os resultados do presente trabalho, houve diminuição da variação ponderal e redução da resistência cicatricial cutânea na primeira semana pós-operatória em camundongos sob ação de hidrocortisona. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq e à FAPEMIG pelos suportes financeiros que permitiram a realização deste trabalho. REFERÊNCIAS 1. Leonard AL, Hanke CW. Second intention healing for intermediate and large postsurgical defects of the lip. J Am Acad Dermatol. 2007;57(5):832-5. 2. Rosen DJ, Patel MK, Freeman K, Weiss PR. A primary protocol for the management of ear keloids: results of excision combined with intraoperative and postoperative steroid injections. Plast Reconstr Surg. 2007;120(5):1395-400. Erratum in: Plast Reconstr Surg. 2008;121(1):347. 3. Gupta A, Jain GK, Raghubir R. A time course study for the development of an immunocompromised wound model, using hydrocortisone. J Pharmacol Toxicol Methods. 1999;41(4):183-7. 4. Cohen IK, Diegelmann RF, Johnson ML. Effect of corticosteroids on collagen synthesis. Surgery. 1977;82(1):15-20. 5. Diethelm AG. Surgical management of complications of steroid therapy. Ann Surg. 1977;185(3):251-63. 6. Rizzo MC, Solé D, Naspitz CK. Corticosteroids (inhaled and/or intranasal) in the treatment of respiratory allergy in children: safety versus efficacy. Allergol Immunopathol (Madr). 2007;35(5):197-208. 7. Vogel HG. Tensile strength of skin wounds in rats after treatment with corticosteroids. Acta Endocrinol. (Copenh). 1970;64(2):295-303. 8. Jalali M, Bayat A. Current use of steroids in management of abnormal raised skin scars. Surgeon. 2007;5(3):175-80. 9. Kletsas D, Pratsinis H, Gioni V, Pilichos K, Yiacoumettis AM, Tsagarakis S. Prior chronic in vivo glucocorticoid excess leads to an anabolic phenotype and an extension of cellular life span of skin fibroblasts in vitro. Ann N Y Acad Sci. 2007;1100:449-54. 10. Melo MAB, Almeida LM, Barbosa AJA, Petroianu A. Cicatrização de anastomose colônica em ratos submetidos a diferentes preparos colônicos. Rev Bras Colo-Proctol. 1996;16(1):19-22. 11. Arantes VN, Okawa RY, Fagundes-Pereyra WJ, Barbosa AJA, Petroianu A. Influência da icterícia obstrutiva na cicatrização da pele e de anastomose jejunal em ratos. Rev Col Bras Cir. 1999;26(5):269-73. 12. Arantes VN, Okawa RY, Silva AA, Barbosa AJA, Petroianu A. Efeito da metilprednisolona sobre a tensão anastomótica jejunal. Arq Gastroenterol. 1994;31(3):97-102. 13. Martins NLP, Malafaia O, Ribas-Filho JM, Heibel M, Baldez RN, Vasconcelos PRL, et al. Análise comparativa da cicatrização da pele com o uso intraperitoneal de extrato aquoso de Orbignya phalerata (babaçu): estudo controlado em ratos. Acta Cir Bras. 2006;21(Supl 3):66-75. 14. Pessoa ES, Melhado RM, Theodoro LH, Garcia VG. A histologic assessment of the influence of low-intensity laser therapy on wound healing in steroidtreated animals. Photomed Laser Surg. 2004;22(3):199-204. 15. Riobó P, Sánchez Vilar O, Burgos R, Sanz A. [Colectomy management]. Nutr Hosp. 2007;22 Suppl 2:135-44. Spanish. 16. Fleshner P, Ippoliti A, Dubinsky M, Ognibene S, Vasiliauskas E, Chelly M, et al. A prospective multivariate analysis of clinical factors associated with pouchitis after ileal pouch-anal anastomosis. Clin Gastroenterol Hepatol. 2007;5(8):952-8; quiz 887.