Utilização da técnica de fluorescência de raios X com microssonda (m-xrf) aplicada a amostras de interesse arqueológico RICHARD MAXIMILIANO DA CUNHA E SILVA Tese apresentada ao Centro de Energia Nuclear na Agricultura, Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Ciências, Área de Concentração: Energia Nuclear na Agricultura. PIRACICABA Estado de São Paulo Brasil Agosto - 2002
Utilização da técnica de fluorescência de raios X com microssonda (m-xrf) aplicada a amostras de interesse arqueológico RICHARD MAXIMILIANO DA CUNHA E SILVA Físico Orientador: Prof. Dr. VIRGÍLIO FRANCO DO NASCIMENTO FILHO Tese apresentada ao Centro de Energia Nuclear na Agricultura, Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Ciências, Área de Concentração: Energia Nuclear na Agricultura. PIRACICABA Estado de São Paulo Brasil Agosto - 2002
Utilização da técnica de fluorescência de raios X com microssonda (m-xrf) aplicada a amostras de interesse arqueológico RICHARD MAXIMILIANO DA CUNHA E SILVA Aprovada em:... Comissão julgadora: Prof. Dr. Prof. Dr. Prof. Dr. Prof. Dr. Prof. Dr. (assinatura) Prof. VIRGÍLIO FRANCO DO NASCIMENTO FILHO Orientador
Dedico: Ao grande amor da minha vida, Adriana, pelo carinho, dedicação, paciência e compreensão; Aos meus pais, Osvaldo (in memoriam) e Maria Inez; aos meus irmãos, Gustavo e Lucas, pelo apoio e confiança.
AGRADECIMENTOS Agradeço ao Prof. Dr. Virgílio Franco do Nascimento Filho pela oportunidade, orientação, incentivo e amizade. Ao Prof. Dr. Carlos Roberto Appoloni pela orientação, incentivo e amizade. Aos colegas do Laboratório de Instrumentação Nuclear, Ana Carla F. Gomes, Daniel C. Peligrinotti, Eduardo de Almeida, Edwin P. E. Valência, Fábio Lopes, Guido N. Lopes, Liz Mary B. Moraes, Luis A. Senicato, Paulo S. Parreira, pela ajuda, discussão e interpretação de alguns resultados deste trabalho, e pela amizade demonstrada. As seguintes instituições, pela formação, oportunidade de realização do curso, infra-estrutura e facilidades oferecidas na execução deste trabalho: Centro de Energia Nuclear na Agricultura Laboratório Nacional de Luz Síncrotron Laboratório de Física Nuclear Aplicada/UEL Núcleo de Pesquisa em Geofísica e Geoquímica na Litosfera Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico A DEUS pela vida
SUMÁRIO Página LISTA DE FIGURAS...VI LISTA DE TABELAS...X LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS...XII RESUMO... XIV SUMMARY... XV 1 INTRODUÇÃO E OBJETIVO... 1 2 REVISÃO DE LITERATURA... 3 2.1 Microfluorescência de raios X... 3 2.2 Amostras arqueológicas... 6 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA... 11 3.1 Raios X... 11 3.1.1 Refração e reflexão dos raios X... 14 3.1.2 Fluorescência de raios X por dispersão em energia (EDXRF) e por reflexão total (TXRF)... 17 3.1.3 Fluorescência por microssonda de raios X (µ-xrf)... 18 3.1.3.1 Monocapilares... 19 3.1.3.1.1 Capilar reto... 20
iv 3.1.3.1.2 Capilar cônico... 21 3.1.3.1.3 Capilar elipsoidal... 21 3.1.3.2 Policapilares... 23 3.2 Microscopia eletrônica de varredura (SEM)... 24 3.3 Programa AXIL... 25 3.4 Equação dos parâmetros fundamentais... 25 3.5 Limite de detecção (LD)... 27 4 MATERIAIS E MÉTODOS... 29 4.1 Amostras cerâmicas arqueológicas... 29 4.2 Amostras cerâmicas fabricadas... 34 4.3 Amostras de referência certificada... 35 4.4 Microscopia eletrônica de varredura (SEM/EDS)... 38 4.5 Sistema de fluorescência de raios X por dispersão em energia (EDXRF) no Laboratório de Instrumentação Nuclear/CENA... 39 4.6 Sistema de microfluorescência de raios X por dispersão em energia (µ-xrf) no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron... 40 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO... 42 5.1 Microscopia eletrônica de varredura (SEM)... 42 5.2 Microfluorescência de raios X (µ-xrf)... 46 5.3 Fluorescência de raios X convencional... 61
v 5.4 Procedência das cerâmicas arqueológicas... 68 6 CONCLUSÕES... 70 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 72
vi LISTA DE FIGURAS página Figura 1 - Representação esquemática do ângulo crítico (em minutos) para o raios X Mo-K α de 17,44 kev incidindo sobre o quartzo... 16 Figura 2 - Representação esquemática da refração e reflexão de um feixe de radiação monocromático, incidindo em um material em um ângulo f.... 16 Figura 3 - Geometria de excitação-detecção da EDXRF e TXRF, com linhas contínuas representando os raios X incidentes e espalhados, e os tracejados os raios X característicos.... 18 Figura 4 - Visualização da reflexão total em um capilar reto (IAEA, 1996).... 20 Figura 5 - Visualização da reflexão total em um capilar cônico (IAEA, 1996).... 21 Figura 6 - Visualização da reflexão total em um capilar elipsoidal (IAEA, 1996)... 22 Figura 7 - Geometria de excitação/detecção da µ-xrf, com linhas contínuas representando os raios X incidentes e espalhados, e os tracejados os raios X característicos.... 23 Figura 8 - Fotografia dos fragmentos cerâmicos arqueológicos (ver descrição na Tabela1).... 32
vii Figura 9 - Fotografia das amostras dos fragmentos cerâmicos arqueológicos laminados.... 33 Figura 10 - Fotografia das pastilhas de cerâmica fabricadas.... 35 Figura 11 - Fotografia das pastilhas dos materiais de referência certificadas... 37 Figura 12 - Fotografia do sistema de fluorescência de raios X por dispersão de energia em um microscópio eletrônico de varredura (SEM: JEOL, 5600LV; EDS: Noran, Voyager)... 38 Figura 13 - Fotografia do sistema de EDXRF no LIN... 39 Figura 14 - Fotografia do sistema de µ-xrf no LNLS.... 40 Figura 15 - Espectro do feixe policromático de raios X na linha e fluorescência de raios X no LNLS... 41 Figura 16 - Imagem gerada pelos elétrons secundários na amostra 146 pela técnica de SEM. Os pontos 1 a 3 indicam os locais analisados por EDS... 42 Figura 17 - Espectros dos raios X característicos na área da imagem e nos pontos especificados na Figura 15 pela técnica EDS... 43 Figura 18 - Mapeamento da amostra 146 para os elementos Na, Mg, Al, Si, K, Ca, Ti e Fe obtido por EDS e imagem gerada pelo SEM... 44 Figura 19 - Mapeamento da amostra 2 para os elementos Na, Mg, Al, Si, K, Ca, Ti e Fe obtido por EDS e imagem gerada pelo SEM... 45
viii Figura 20 - Sensibilidade elementar versus número atômico, obtidas a partir das amostras de referência certificadas.... 47 Figura 21 - Variação das intensidades relativas dos raios X característicos dos elementos químicos Si, Ca, Ti e Fe, nas três repetições (A, B e C) da amostra de referência certificada de argila Pará.... 50 Figura 22 - Variação da intensidade relativa dos raios X, para os elementos Si, K, Ca, Ti e Fe nas três repetições (A, B e C) na amostra de referência certificada de argila plástica... 51 Figura 23 - Mapeamento do elemento químico K na amostra 35... 52 Figura 24 - Mapeamento dos elementos químicos Ca, Ti e Cr na amostra 35... 53 Figura 25 - Mapeamento dos elementos químicos Mn, Fe e Ni na amostra 35... 54 Figura 26 - Mapeamento dos elementos químicos Cu, Zn e Rb na amostra 35... 55 Figura 27 - Distribuição dos elementos químicos K, Ca, Ti, Cr, Mn, Fe, Ni e Cu, na amostra 146... 56 Figura 28 - Distribuição dos elementos químicos Zn, Rb e Sr na amostra 146... 57 Figura 29 - Limite de detecção para os elementos químicos de número atômico entre 14 (Si) a 38 (Sr) nos fragmentos cerâmicos laminados... 59
ix Figura 30 - Dendrograma com as 11 amostras analisadas pelo método de agrupamento médio, identificando-se duas fontes de argila... 60 Figura 31 - Sensibilidade elementar versus número atômico... 62 Figura 32 - Limite de detecção para os fragmentos cerâmicos laminados utilizando EDXRF convencional... 66 Figura 33 - Limite de detecção para os fragmentos cerâmicos utilizando EDXRF convencional... 66 Figura 34 - Dendrograma com as 11 amostras analisadas pelo método de agrupamento médio, identificando-se duas fontes de argila... 67 Figura 35 - Dendrograma com as 33 amostras analisadas pelo método de agrupamento médio, identificando-se duas fontes de argila... 68
x LISTA DE TABELAS página Tabela 1 - Caracterização dos fragmentos cerâmicos arqueológicos (CUNHA e SILVA, 1997, APPOLONI, 2001).... 31 Tabela 2 - Características físicas das lâminas dos fragmentos cerâmicos.... 33 Tabela 3 - Valores das concentrações químicas nas amostras de referência certificadas... 36 Tabela 4 - Valores das concentrações químicas nas amostras de referência certificadas monoelementares de filme fino da MicroMatter... 37 Tabela 5 - Valores da composição das lâminas dos fragmentos cerâmicos.... 45 Tabela 6 - Valores certificados e medidos das concentrações das amostras de referência, e respectivos intervalos de confiança.... 48 Tabela 7 - Valores dos coeficientes de variação (CV, %) para as concentrações químicas medidas nas amostras de referência certificadas... 49 Tabela 8 - Valores das concentrações dos elementos químicos nos fragmentos cerâmicos laminados.... 58 Tabela 9 - Valores dos coeficientes de variação (CV) na varredura dos fragmentos cerâmicos laminados.... 58
xi Tabela 10 - Valores do limite de detecção para os elementos químicos de 14 Si ao 38 Sr nos fragmentos cerâmicos laminados... 59 Tabela 11 - Valores certificados e medidos das concentrações químicas nas amostras de referência certificadas.... 62 Tabela 12 - Concentrações, desvio padrão e coeficiente de variação (CV, %) das amostras código 1, 2 e 3, produzidas em laboratório... 63 Tabela 13 - Valores das concentrações químicas nos fragmentos cerâmicos.... 63 Tabela 14 - Valores das concentrações químicas nos fragmentos cerâmicos.... 64 Tabela 15 - Valores do limite de detecção em concentração (LD) para as amostras de fragmentos cerâmicos... 65
xii LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS f crit = ângulo crítico; A = fator de absorção do raio X característico pela matriz (adimensional); A = fator de absorção do raio X característico pela matriz (g.cm -2 ). C = concentração do elemento na matriz (g g -1 ); c = concentração do elemento na matriz (g cm -2 ); I = intensidade líquida (cps) do raio X característico do elemento de interesse; LD = limite de detecção; ppm = partes por milhão (µg g -1 ) S i = sensibilidade elementar (cps g -1 cm 2 ) para o raio X do elemento de interesse; Z = número de elétrons em um átomo ou molécula do suporte refletor; - EDS (Energy Dispersive X-Ray Fluorescence System) = fluorescência de raios X por dispersão de energia; - EDXRF (Energy Dispersive X-Ray Fluorescence) = fluorescência de raios X por dispersão de energia; - INAA (Instrumental Neutron Activation Analysis) = análise por ativação neutrônica instrumental. - PIXE (Proton Induced X-Ray Emission) = fluorescência de raios X induzida por próton. - m-pixe (Micro Proton Induced X-ray Emission) = microfluorescência de raios X induzida por próton. - SEM (Scanning Electronic Microscopy) = microscopia eletrônica de varredura - TXRF (Total Reflection X-Ray Fluorescence) = fluorescência de raios X por reflexão total;
xiii - WDXRF (Wavelength Dispersive X-Ray Fluorescence) = fluorescência de raios X por dispersão de comprimento de onda; - XRF (X-Ray Fluorescence) = fluorescência de raios X - m-xrf (Micro X-Ray Fluorescence) = microfluorescência de raios X. LIN = Laboratório de Instrumentação Nuclear LNLS = Laboratório Nacional de Luz Síncrotron NUPEGEL = Núcleo de Pesquisa em Geofísica e Geoquímica na Litosfera
xiv Utilização da técnica de fluorescência de raios X com microssonda (m-xrf) aplicada a amostras de interesse arqueológico Autor: Richard Maximiliano da Cunha e Silva Orientador: Prof. Dr. Virgílio Franco do Nascimento Filho RESUMO O objetivo principal do trabalho foi a utilização da microfluorescência de raios X (µ-xrf) no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), Campinas, e fluorescência de raios X convencional por dispersão de energia (EDXRF) no Laboratório de Instrumentação Nuclear/CENA, Piracicaba, aplicando-se as técnicas em amostras de cerâmica arqueológicas Tupi-guarani provenientes de Londrina, Norte do Paraná, e pertencentes à coleção arqueológica do Museu Histórico "Padre Carlos Weiss", da Universidade Estadual de Londrina, e em cerâmicas arqueológicas Assurini e Xikrin do Sul do Pará. Uma das vantagens da µ-xrf foi o mapeamento químico, possibilitando a distribuição dos elementos na amostra, e outra foi o aumento na sensibilidade elementar, podendo-se quantificar elementos traços. A partir das concentrações químicas dos elementos presentes nas amostras de fragmentos arqueológicos, foi realizada uma análise de agrupamento e com isso um estudo de identificação de procedência das cerâmicas arqueológicas.
xv X-Ray microfluorescence (m-xrf) technique applied to archaeological sample Author: Richard Maximiliano da Cunha e Silva Adviser: Prof. Dr. Virgílio Franco do Nascimento Filho SUMMARY The main objective of this study was the application of X- ray microfluorescence (µ-xrf) from the National Synchrotron Light Laboratory (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), Campinas, Brazil) and conventional energy dispersive X-ray fluorescence (EDXRF) from the Nuclear Instrumentation Laboratory (Laboratório de Instrumentação Nuclear/CENA) to samples of archeological ceramic. There were samples from two places: (i) Tupi-guaraní archeological ceramic from Londrina, Northern Paraná, Brazil, which belong to the archeological collection of the Historical Museum "Padre Carlos Weiss", of Londrina State University (Universidade Estadual de Londrina); (ii) Assurini and Xikrin archeological ceramic from Southern Pará, Brazil. One advantage of µ-xrf is the chemical mapping, enabling the determination of chemical elements distribution in the sample. Another advantage is an increase in the elemental sensitivity, enabling the identification of trace elements. The chemical determination of elements present in the sample (archeological fragments) enabled clusters analysis and also the identification of the ceramics origin.
1 INTRODUÇÃO E OBJETIVO No passado, a fluorescência de raios X não era amplamente aplicada ao nível microscópico como as técnicas de microssonda com elétron ou próton. Apesar do fato de diferentes tipos de sistemas ópticos para focalização dos raios X terem sido desenvolvidos, sua resolução ainda é inferior aos sistemas convencionais usados para partículas carregadas, mas esta situação está mudando rapidamente nos dias de hoje. Mesmo com resolução pobre, a microssonda de raios X oferece muitas vantagens para análise e caracterização em comparação com outras técnicas, sendo a maior delas a alta sensibilidade analítica e a possibilidade de se trabalhar sem vácuo. A microfluorescência de raios X (m-xrf; Micro X-Ray Fluorescence) é uma sub variante microanalítica da fluorescência de raios X por dispersão em energia (EDXRF; Energy Dispersive X-Ray Fluorescence), possibilitando realizar mapeamento químico da amostra (mapping) e verificar a sua homogeneidade, e também melhorar o limite de detecção para elementos traços. Atualmente o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) é o único a trabalhar com µ-xrf na América Latina. O trabalho teve como objetivo principal a utilização da µ- XRF para a análise química de amostras de fragmentos cerâmicos
2 arqueológicos. Com as composições químicas inorgânicas das cerâmicas, pretendeu-se inferir se os materiais encontrados pertencem a uma região ou não, e se houve comércio ou migração dos povos indígenas, assuntos de grande importância em Arqueologia e História. As amostras arqueológicas a serem estudadas são fragmentos de cerâmica indígena brasileira, da região da cidade de Londrina, Norte do Paraná; e também do Sul do Pará. Estes fragmentos pertencem à coleção arqueológica do Museu Histórico Padre Carlos Weiss, da Universidade Estadual de Londrina. Cada um desses fragmentos é proveniente de recipientes cerâmicos distintos e todos pertencem a ancestrais de população do tronco lingüístico Jê, provavelmente os Tupi-guaranis (TEMPSKI, 1986). A espessura das paredes dos fragmentos, bem como o tipo de decoração e cor, são coerentes com as características dos recipientes cerâmicos dos Tupiguaranis do Paraná, da tradição regional Itararé, Casa de Pedra (MILLER, 1978). Para atingir os objetivos propostos foram utilizados a linha de µ-xrf do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron/(ABTLuS) - CNPq/MCT, Campinas, e sistema de fluorescência de raios X dispersiva em energia disponível no Laboratório de Instrumentação Nuclear/CENA/USP, Piracicaba, para caracterização química desses fragmentos.
2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 Microfluorescência de raios X Com o surgimento da espectroscopia de fluorescência de raios X, a mesma não pôde ser amplamente aplicada em nível microscópico como as técnicas de microssonda de elétrons ou prótons. Isto foi devido as dificuldades ópticas de focalizar o feixe de raios X comparado com feixe de partículas carregadas. A solução surgiu com o aparecimento da teoria de reflexão total na faixa de raios X, possibilitando a construção de dispositivos concentradores de radiação eletromagnética, (os capilares), e o desenvolvimento da tecnologia de tubos de raios X com alta intensidade (JANSSENS et al., 2000). A descoberta dos raios X em 1895 e o seu uso espectroscópico é descrita em detalhes por SANTIN FILHO (1995), e o desenvolvimento da espectroscopia com microssonda de raios X por RINDBY (1993), relatando várias aplicações para análise de amostras biológicas e inorgânicas, e nos últimos anos tem sido aplicada na ciência forense (FLYNN et al., 1998).
4 Os autores citados a seguir trabalharam com a variante microfluorescência de raios X, mostrando as vantagens do seu uso para análises químicas. Assim, BERNASCONI et al. (1994) realizaram um estudo sobre o sistema de microfluorescência de raios X utilizando capilar de vidro, demonstrando algumas vantagens da fluorescência de raios X comparada com a excitação por prótons ou elétrons: (1) baixa dissipação de energia, praticamente não ocasionando danos térmicos na amostra a ser analisada; (2) as amostras podem ser analisadas no ar, assim elementos voláteis são observados; (3) as amostras podem ser não condutoras; e (4) baixo continuum e boa razão sinal-ruído, resultando em menores limites de detecção. Neste trabalho mapearam materiais geológicos e discos de vidro fundido para serem usados como material de referência em microanálise com resolução espacial de 30 µm em diâmetro. Alguns softwares foram desenvolvidos para coletar, interpretar e visualizar os dados, sendo eles o SACN2, MAKECTRL, MAKESCAN e DISPSCAN. Outro trabalho de BERNASCONI et al. (1997) mostra a importância da técnica de microssonda de raios X. Foram realizados experimentos com condutores de fibra ótica com a finalidade de determinar irregularidades e encontrar as origens das imperfeições que degradam a qualidade das fibras. Neste experimento foi utilizado também a técnica de microfluorescência de raios X induzida por próton (m-pixe, Micro Proton Induced X-Ray Emission) para obter melhores resultados. PEREZ & SÁNCHEZ (1996) realizaram um estudo muito importante sobre os capilares reto, cônico, elíptico e quasi-hiperbólico,
5 detalhando o efeito destas geometrias na eficiência e ganho, concluindo que o capilar elíptico apresentou melhores características. Foi realizada também uma análise da eficiência em função da distância entre o detector e a amostra, obtendo-se uma melhor focalização de fótons quando o detector é colocado o mais próximo possível do capilar. RINDBY et al. (1996) fizeram um estudo completo sobre amostras com formato irregular e heterogênea, utilizando microssonda de raios X. Foi realizado um estudo da variação da intensidade do feixe fluorescente produzido em amostras quimicamente homogêneas, mas com variações na espessura e topologia da superfície, podendo assim obter a variação do feixe transmitido em função apenas destas duas variáveis. Este estudo é muito útil para as amostras geológicas e arqueológicas, devido ao seu formato irregular. Atualmente, existem dois sistemas de capilares ópticos usados: monocapilares e policapilares. Os equipamentos mostrados no trabalho de ICE (1997) são chamados de monocapilares, enquanto que JINDONG et al. (1999) trabalharam com lentes policapilares, também chamadas de lentes policapilares monolíticas. Segundo estes últimos autores, estas lentes policapilares têm grande aplicação em raios X de baixas energias. Mostraram que há um ganho de 50% na intensidade do feixe em um arranjo experimental usando um sistema de lentes policapilares monolíticas seguida de um outro monocapilar. ADAMS et al. (1998), CHEVALLIER et al. (1999), ICE (1997), JANSSENS et al. (1993, 1998) e PEREZ et al. (1999) realizaram análises por microfluorescência de raios X, utilizando a luz síncrotron como fonte de excitação. Destes trabalhos, ICE (1997) descreve diferentes tipos de
6 dispositivos existentes no mercado para se montar arranjos experimentais de microssonda de raios X, utilizando várias fontes. O trabalho de JANSSENS et al. (1998) é o primeiro artigo descrito na literatura sobre capilar de vidrochumbado (vidro com 7% de Pb), que segundo o autor aumenta a reflexão total ocorrida nas paredes internas do capilar. PÉREZ et al. (1999), utilizando um capilar cônico de quartzo, caracterizou o perfil vertical e a intensidade do feixe no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, Campinas, SP, e este trabalho foi de grande valia na execução deste presente Trabalho de Pesquisa. WEGRZYNEK et al. (1999) determinaram a distribuição dos elementos em uma matriz de baixo número atômico com o uso do microssonda de raios X, enfocando a homogeneidade dos elementos na amostra. Na análise quantitativa foi utilizado o método simplificado dos parâmetros fundamentais espalhados (BFP), aplicando-o às amostras de matriz desconhecida. De um modo geral, a microanálise pode ser utilizada em vários tipos de amostras, tais como aerossóis, sedimentos em suspensão, resíduos de descarga de armas de fogo, etc. (FLYNN et al., 1998; GRIEKEN & XHOFFER, 1992; HOLYNSKA et al., 1997; JANSSENS et al., 1994). 2.2 Amostras arqueológicas Com relação a determinação da composição química em amostras arqueológicas, os autores citados a seguir trabalharam com esta matriz, utilizaram a técnica de fluorescência de raios X convencional,
7 microfluorescência de raios X, ativação neutrônica instrumental (INAA - Instrumental Neutron Activation Analysis), análise de raios X com microssonda eletrônica ou protônica. HARBOTTLE (1980), YEH & HARBOTTLE (1986), BALLA (1990), LEVINE (1990) e PLA (1990) realizaram um estudo de procedência de amostras arqueológicas empregando a análise de ativação neutrônica, obtendo informações sobre as diversas culturas indígenas, classificando-as de acordo com as suas culturas e tradições, e mostrando ainda a importância do trabalho na área de Arqueologia. WU et al. (2000), YU & MIAO (1999a, 1999b) e LEUNG & LUO (2000) e LEUNG et al. (2000) realizaram experimentos para a caracterização de porcelanas antigas, mostrando a importância da fluorescência de raios X por ser uma técnica analítica multielementar e simultânea, e principalmente não destrutiva na análise de amostras artísticas e arqueológicas. WU et al. (2000) realizaram experimentos para a classificação das porcelanas das dinastias Ming e Qing, tentando estabelecer a procedência da matéria prima para a fabricação das porcelanas. YU & MIAO (1999a, 199b) caracterizaram porcelanas do período Xuande (1426-1435) pela razão Mn/Fe e Mn/Co. A razão Mn/Fe < 0,35 identifica porcelanas do período Xuande, enquanto que a razão Mn/Co está relacionada com o corante da porcelana. LEUNG & LUO (2000) e LEUNG et al. (2000) classificaram as porcelanas da dinastia Song (800-1600) pela composição química majoritária (Si e Mn) e minoritária (Cr e Ba). CESAREO (1996, 1998, 2000) e CASTELLANO & CESAREO (1997) descreveram em seus trabalhos um equipamento de EDXRF portátil, aplicado à Arqueometria. Na maioria das vezes é impossível o transporte de monumentos históricos (murais, estátuas, etc.) para o laboratório e uso deste equipamento possibilitou a análise in situ.
8 CALLIARI (1999), GIGANTE & CESAREO (1998), JANSSENS (2000) e KUNICKI (2000) realizaram trabalhos em Arte e Arqueometria, analisando moedas, ligas de metais antigas e vidros antigos. ALOUPI et al. (2000), GARCIAHERAS et al. (1997), HALL et al. (1999a, 1999b), MIRTY (2000), PILLAY et al. (2000) e PUNYADEERA et al. (1997) realizaram trabalhos com fluorescência de raios X relacionados com cerâmicas arqueológicas para a caracterização dos povos antigos. LANKOSZ (1993) e LANKOSZ & PELLA (1994), utilizando o modelo de Monte Carlo, desenvolveram algoritmos analíticos para a correção do efeito de borda na análise de microfluorescência de raios X para amostras geológicas, constatando que há um aumento de 15 a 25% nas intensidades dos raios X característicos medidos no limite de um mineral para outro (efeito de borda). O efeito é minimizado quando o microssonda é perpendicular à superfície da amostra, mas há um aumento no continuum devido ao espalhamento Compton. LANKOSZ & PELLA (1995) realizaram ainda um estudo da correção do efeito matriz nas análises de microfluorescência de raios X para amostras geológicas. FIGUEROA et al. (1994b) estudaram a procedência de amostras arqueológicas empregando-se a EDXRF. A metodologia foi aplicada a um conjunto de argilas e fragmentos cerâmicos encontrados em sítios arqueológicos do Centro-Sul do Chile, denominado Santa Sylvia, mostrando a valiosa informação relativa às culturas do passado. Foram utilizadas representações gráficas poligonais, permitindo visualizar claramente a correlação entre as amostras de mesma procedência. Segundo os autores, o trabalho seria mais completo se houvesse padrões arqueológicos para
9 comparação e as análises se tornariam melhores se fosse utilizada a metodologia de µ-xrf. VAZQUEZ et al. (1994) analisaram amostras geológicas e arqueológicas (artefatos de obsidiana) utilizando fluorescência de raios X por comprimento de onda convencional (WDXRF - Wavelength Dispersive X-Ray Fluorescence) para a determinação do Ti, Mn, Fe, Rb, Sr e Zr, e com isto iniciaram um estudo sobre a procedência do material e o local onde foram encontrados. As amostras eram de vidro vulcânico natural e a sua composição química oscilava entre 80-90% de SiO 2 e Al 2 O 3. Para comparar os dados obtidos, foi utilizado um material de referência SEM-278 NIST, mas como havia este material de referência e ainda com o Zr não está certificado, foram fabricadas amostras padrões. As amostras arqueológicas estudadas neste presente trabalho de pesquisa contêm uma composição química um pouco diferente, oscilando entre 60-80% de SiO 2 e Al 2 O 3, de acordo com os trabalhos de APPOLONI et al. (1996a, 1996b, 1997). MORALES et al. (1994a) realizaram um trabalho de preparação de diferentes tipos amostras, tais como rochas, sedimentos, fragmentos de cerâmicas arqueológicas e ossos para serem analisados por PIXE. Estudando estas amostras, em particular os fragmentos arqueológicos de cerâmica pré-histórica chilena, os autores puderam obter a composição química das amostras e caracterizar os materiais arqueológicos das diferentes culturas e sítios (MORALES et al., 1994b). Nestes trabalhos mostraram a dificuldade de se trabalhar com estes tipos de matrizes, pois há necessidade de ter amostras muito finas para o emprego desta metodologia.
10 APPOLONI et al. (1996a, 1996b, 1997) realizando análises de materiais arqueológicos empregando a fluorescência de raios X por dispersão de energia (EDXRF) no Laboratório de Instrumentação Nuclear/CENA/USP e outras técnicas nucleares no Laboratório CISB, na Universidade de Roma La Sapienza, Roma, mostraram a necessidade de ter amostras padrões. O objetivo deste trabalho foi determinar a composição química das pastas cerâmicas, determinando se o material encontrado pertence àquela região ou não, podendo assim ter uma hipót ese sobre a procedência da argila usada pelos indígenas. Em resumo, existem várias técnicas não destrutivas para a determinação da composição química de amostras arqueológicas e geológicas, como microssonda eletrônica de raios X, microfluorescência de raios X com dispersão em energia (µ-xrf), PIXE, INAA, etc., (ADRIAENS, 1996; AERTS, 1996; BELLIDO, 1996; CHERVINSKYL, 1996; ADAMS, 1997).
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 3.1 Raios X A descoberta dos raios X ocorreu quase acidentalmente em 1895 com físico alemão Wilhelm Conrad Roentgen, quando realizava experimentos de descargas elétricas dentro de um tubo de vidro onde o ar fora rarefeito. Observou-se que chapas fotográficas cobertas com papel escuro e deixadas próxima ao tubo eram sensibilizadas. A partir desse momento, Roentgen realizou a primeira chapa fotográfica da mão de sua esposa, mostrando claramente a reprodução da forma de um objeto oculto em um envoltório opaco à luz, desde que se colocasse o objeto entre o tubo e a chapa fotográfica. A primeira aplicação dos raios X foi na Medicina, e posteriormente na Indústria e na pesquisa científica. Na Medicina, os raios X são amplamente usados em radiografias dos ossos e órgãos internos. As radiografias auxiliam os médicos em diagnósticos de doenças, ossos quebrados, identificação de objetos estranhos no organismo, etc. Há a utilização dos raios X com finalidade terapêutica, baseando-se na sua ação destruidora e modificadora sobre células e os tecidos, podendo-se citar o tratamento de câncer. Ainda, os raios X são
12 também empregados para esterilizar materiais utilizados para fins médicos, como luvas cirúrgicas, equipamentos para transfusão e seringas. Na indústria os raios X empregados para inspecionar vários tipos de amostras, como alumínio, aço e outros materiais fundidos. As radiografias revelam rachaduras e outros defeitos não visíveis nos materiais de interesse, são ainda utilizados nos testes de qualidade de muitos produtos fabricados em série, como transistores e outras peças eletrônicas e nos maiores aeroportos do mundo como aparelhos de detecção de armas. Na fabricação de plásticos utilizam-se os raios X que causam uma transformação química nas substâncias que compõem o plástico, tornado-os mais resistentes e fortes e ainda possuem grande aplicação no controle de pragas, sendo que depois de uma exposição aos raios X, os insetos machos tornando estéreis podendo copular (competindo com os machos normais), mas sem se reproduzirem. Por fim, a mais importante contribuição vem da pesquisa cientifica. Os raios X são empregados nas mais variadas linhas de pesquisa, sendo algumas delas: (1) a difratometria de raios X, responsável pela análise da estrutura e constituição de muitas substâncias químicas complexas, possibilitando a identificação da composição mineralógica da amostra, e a (2) fluorescência de raios X, possibilitando a determinação da composição química de elementos presentes em amostras, permitindo uma análise qualitativa e principalmente quantitativa. Por outro lado, a microscopia eletrônica de varredura, além da composição química do elemento na amostra, esta técnica possibilita uma micro-análise qualitativa e semiquantitativa, e uma análise morfológica de superfícies de materiais e particulados. É de conhecimento que existem várias
13 outras técnicas que aplicam os raios X na pesquisa científica, mas a linha de grande interesse neste trabalho é a fluorescência de raios X. A fluorescência de raios X (XRF X-Ray Fluorescence) é uma técnica analítica multielementar e não destrutiva usada para obter informações qualitativas e quantitativas da composição elementar das amostras. Esta metodologia está baseada na produção e detecção de raios X característicos emitidos pelos elementos constituintes da amostra quando irradiada com elétrons, prótons, raios X ou gama com energias apropriadas. A XRF basicamente divide-se em duas variantes analíticas distintas: a baseada na dispersão por comprimento de onda (WDXRF), existente em mais de 15.000 laboratórios no mundo, e a dispersão por energia (EDXRF), em 3.000 laboratórios (IAEA, 1999). A WDXRF desenvolveu-se nos meados da década de 60, enquanto que a EDXRF dez anos após, com o surgimento dos detectores semicondutores de silício e germânio. As sub variantes da técnica EDXRF, além da convencional, são: (1) a fluorescência de raios X por reflexão total (TXRF Total Reflection X-Ray Fluorescence), possuindo vantagens como quantidades diminutas das amostras (da ordem de 5 µl) e menores valores de limites de detecção em relação à EDXRF convencional; (2) a microfluor escência de raios X (µ-xrf), sendo a única a fornecer informações sobre a distribuição elementar na amostra. Nestas técnicas e variantes, normalmente se utiliza raios X de elementos alvo (Mo, Rh, etc) de um tubo de raios X, e mais recentemente raios X da luz síncrotron. Há outras técnicas de grande interesse que utilizam os raios X característicos produzidos para analises qualitativas e quantitativas, tais como em microscopia eletrônica de varredura (SEM Scanning Electron
14 Microscopy), e emissão de raios X induzida por próton (PIXE Proton Induced X-Ray Emission). 3.1.1 Refração e reflexão dos raios X Quando um feixe de radiação eletromagnética monoenergética passa de um meio (ar ou vácuo) e atinge uma superfície plana de um dado material, pode ocorrer: (1) a refração, adentrando pelo material, (2) a reflexão, refletindo pela sua superfície, com um ângulo de emergência igual ao de incidência, ou (3) a propagação do feixe sobre o plano da interface, se o ângulo de incidência for igual ao ângulo crítico, dado pela lei de Snell. De acordo com AIGINGER & WOBRAUSCHEK (1974), AIGINGER (1991) e PRANGE & SCHWENKE (1992), a ocorrência desses processos depende da energia da radiação eletromagnética incidente, da densidade eletrônica do material e do ângulo de incidência da radiação, sendo o ângulo crítico f crit dado pela equação (1). φ crit e h =.. E ne 2πm (1) onde: e = carga elétrica do elétron (1,6 10-19 coulombs), h = constante de Planck (6,625 joules.s), E = energia da radiação eletromagnética (joule), n e = densidade eletrônica do material (elétron m -3 ), e m 0 = massa de repouso do elétron (9,11.10-28 gramas).
15 equação (2): A densidade eletrônica do material n e é dada pela N Z n =. ρ. (2) 0 e A onde: N 0 = número de Avogadro (6,02 10 23 átomos), r = densidade do material (kg m -3 ), Z = número de elétrons em um átomo ou molécula componente do material, e A = átomograma ou molécula-grama do material (kg mol -1 ). Substituindo-se a equação (2) na equação (1) e os valores das constantes, e utilizando-se o fator de conversão de energia da radiação (1 kev = 1,6.10-16 J), pode-se calcular o ângulo crítico em minutos, mostrado na equação (3). φ crit = 99, 1. E ρ. Z (3) A Como exemplo, considerando um suporte de quartzo (SiO 2 ) e o feixe de excitação proveniente de um tubo de raios X com um alvo de Mo (energia da radiação do Mo K α = 17,44 kev), o ângulo crítico será de 6,4 (Figura 1). Assim, dependendo dos valores dos ângulos de incidência f e do ângulo crítico f crit para um dado material e para a mesma energia da radiação, tem-se as seguintes condições (Figura 2): (a) se f > f crit ocorrerá a refração da radiação incidente,
16 (b) se f = f crit ocorrerá a propagação da radiação incidente na direção da interface, e (c) se f < f crit ocorrerá a reflexão da radiação incidente. Mo 6,4 Mo quartzo Figura 1 - Representação esquemática do ângulo crítico (em minutos) para o raios X Mo-K α de 17,44 kev incidindo sobre o quartzo. Figura 2 - Representação esquemática da refração e reflexão de um feixe de radiação monocromático, incidindo em um material em um ângulo f.
17 3.1.2 Fluorescência de raios X por dispersão em energia (EDXRF) e por reflexão total (TXRF) Como já foi dito, existem duas variantes clássicas na técnica de fluorescência de raios X: (1) a WDXRF, utilizando a lei de Bragg na detecção dos raios X característicos, e portanto necessitando de um movimento sincronizado e preciso entre o cristal difrator e o detector, encarecendo o sistema, e (2) EDXRF, também conhecida como fluorescência de raios X não dispersiva, com instrumentação menos dispendiosa e emprego mais prático (NASCIMENTO FILHO, 1993). Uma sub variante da fluorescência de raios X por dispersão de energia é a fluorescência de raios X por reflexão total (TXRF), descrita em HOLYNSKA (1995) e NASCIMENTO FILHO (1997). YONEDA (1966) publicou em 1963 o primeiro trabalho mostrando o fenômeno da reflexão total dos raios X, e em 1971 YONEDA & HORIUCHI utilizaram como método analítico, classificando-o de microanálise. Nesta sub variante, uma diminuta quantidade da amostra é colocada sobre um suporte de quartzo e depois excitada, fazendo-se incidir a radiação incidente na condição de ângulo crítico. Com isto, a amostra pode ser tratada como filme fino para fins de análise quantitativa. Assim a diferença fundamental entre a EDXRF e TXRF é na geometria de excitação-detecção, conforme mostrado na Figura 3. As vantagens do uso da TXRF em relação à EDXRF são: podem ser utilizadas amostras líquidas (da ordem de microlitros) e sólidas (da ordem de miligramas), não ocorrem os efeitos de absorção e reforço e portanto, não há necessidade de correção do efeito matriz (SIMABUCO, 1993; SIMABUCO & NASCIMENTO FILHO, 1994; ZUCCHI, 1994; CARNEIRO, 1995; CARNEIRO & NASCIMENTO FILHO, 1996), menor distância entre amostra e
18 detector (resultando maior eficiência de detecção dos raios X), e diminuição do continuum sob os picos, resultando maior sensibilidade analítica (WOBRAUSCHEK, 1998). Porém há uma grande desvantagem, não se podendo trabalhar com amostras espessas, como é o caso das amostras geológicas e arqueológicas. ED-XRF TXRF DETECTOR DETECTOR 30 a 60 0 2 a 4 cm 5 a 15 AMOSTRA 5 mm AMOSTRA SUPORTE Figura 3 - Geometria de excitação-detecção da EDXRF e TXRF, com linhas contínuas representando os raios X incidentes e espalhados, e os tracejados os raios X característicos. 3.1.3 Fluorescência por microssonda de raios X (m-xrf) As técnicas de microanálise, particularmente aquelas que utilizam microssondas, têm demonstrado serem muito eficientes para localizar e determinar a distribuição espacial de elementos em diversos tipos de amostras. Encontram-se atualmente em vias de desenvolvimento dispositivos ópticos capazes de focalizar um feixe de raios X em pequenas regiões da amostra. Estes dispositivos, baseados no fenômeno de reflexão total, consistem de tubos capilares, dentro dos quais os feixes de raios X se propagam, refletindo-se
19 totalmente sobre as paredes internas, sem sofrer atenuação ou dispersão. Com eles obtém-se microssondas de raios X com alta resolução espacial, da ordem de µm. Um dos principais campos de aplicação das microssondas de raios X com capilares é na microfluorescência. Mediante a realização de uma varredura da microssonda sobre a superfície da amostra, pode-se obter informações de elementos majoritários, minoritários e traços presentes. Estes mapas de elementos (mapeamento químico) são muito úteis para compreender certos processos que ocorrem em amostras heterogêneas de origem industrial, geológica, arqueológica, biológica e ambiental. 3.1.3.1 Monocapilares Os capilares tiveram uma melhor utilização em fluorescência de raios X quando utilizado com fonte de luz síncrotron em comparação aos tubos de raios X (JANSSENS et al., 1996a), devido a alta intensidade do fluxo de excitação. Os tubos de raios X tiveram um avanço tecnológico muito importante na última década, com o desenvolvimento de tubos de raios X com anodo rotativo (JANSSENS et al., 1996b), aumentando-se aproximadamente dez vezes o fluxo de excitação, possibilitando uma diminuição no tempo de aquisição dos espectros e um aumento na sensibilidade elementar. Existem diferentes tipos de capilares concentradores, entre as geometrias mais comuns pode-se destacar a reta, a cônica e a elíptica.
20 3.1.3.1.1 Capilar reto O fenômeno de reflexão total permite o uso de capilares como guias de luz de raios X. A função do capilar é essencialmente coletar o feixe da fonte de raios X e transferí-lo por dispersão geométrica até o ponto de interesse na amostra, com a perda mínima possível. A Figura 4 esquematiza um capilar reto transportando um feixe de raios X, podendo-se visualizar a reflexão dos raios X, onde d representa o diâmetro do capilar, q crit o ângulo crítico, l o comprimento do capilar, e l a distância da fonte ao capilar. A maior vantagem de se utilizar um capilar reto é que ele tem o comportamento de um filtro do tipo passa baixa (WOBRAUSCHEK & AIGINGER, 1975; NASCIMENTO FILHO, 1997;LARSSON & ENGSTRÖM, 1992), suprimindo o continuum do espectro de raios X. Figura 4 - Visualização da reflexão total em um capilar reto (IAEA, 1996).
21 3.1.3.1.2 Capilar cônico Para o capilar reto, o ângulo de reflexão é constante para todas as reflexões para uma dada energia, mas para o capilar cônico o ângulo diminui para cada reflexão por um ângulo de 2g. O capilar cônico combina ao mesmo tempo propriedades de guia de onda com a característica de concentrar o feixe de radiação, diminuindo o diâmetro do feixe de excitação. A Figura 5 esquematiza um capilar cônico, onde d 0 e d 1 representam os diâmetros maior e menor do capilar cônico, respectivamente, q 0, q 1, q 2 e g representam ângulos que são indicados na Figura, l e l já foram definidos. Figura 5 - Visualização da reflexão total em um capilar cônico (IAEA, 1996). 3.1.3.1.3 Capilar elipsoidal A Figura 6 representa uma visualização do capilar elipsoidal, onde S representa a fonte puntual de raios X situada em um dos
22 focos da elipse, S um feixe de radiação de fundo, f a distância focal e F o outro foco da elipse. O capilar elipsoidal tem as mesmas propriedades de concentrar o feixe de radiação do capilar cônico, com algumas vantagens a mais: (1) a concentração do feixe é feita com um número menor de reflexões comparada com o capilar cônico, fornecendo intensidade mais alta, e (2) o capilar pode concentrar o feixe a uma distância menor, isto porque o plano focal comparado com o do capilar cônico é sempre um feixe divergente. Figura 6 - Visualização da reflexão total em um capilar elipsoidal (IAEA, 1996) O feixe produzido tem duas componentes: as reflexões únicas, convergindo para um plano focal, e as reflexões múltiplas, divergentes. A combinação de ambas fornece um feixe com um diâmetro aproximadamente constante para curtas distâncias da janela da fonte (menor do que um milímetro) e um feixe divergente para longas distâncias. Este tipo de capilar é muito superior em ganho e resolução aos dois primeiros capilares descritos. Deste modo, a única diferença entre a clássica variante EDXRF e a nova variante µ-xrf é a possibilidade de se obter a composição química de uma pequena porção da amostra, com uma resolução da ordem de µm, através da colimação do feixe incidente de excitação.
23 Como este trabalho visa o estudo de microssonda de raios X com capilares concentradores, a Figura 7 mostra uma melhor representação do diâmetro do feixe em relação a Figura 6. µ-xrf Microsonda DETECTOR 30 a 60 0 2 a 4 cm AMOSTRA Figura 7 - Geometria de excitação/detecção da µ-xrf, com linhas contínuas representando os raios X incidentes e espalhados, e os tracejados os raios X característicos. 3.1.3.2 Policapilares O desenvolvimento das lentes policapilares teve início com a montagem de vários monocapilares elípticos,colocados lado a lado, com o objetivo de focalizar no mesmo ponto na amostra. As lentes policapilares são feitas como estruturas monolíticas, constituídas de centenas de milhares de capilares posicionados em um pedaço de quartzo (JINDONG et al., 1999).
24 Os policapilares são indicados para sistemas com tubos de raios X de baixa potência, pois permitem maior eficiência de colimação do fluxo de raios X comparada com o monocapilar e assim possibilita uma redução no tempo da aquisição dos dados. 3.2 Microscopia eletrônica de varredura (SEM) A microscopia eletrônica de varredura (SEM) é uma das mais importantes e pioneiras técnicas de determinação química em superfícies nos mais diferentes tipos de materiais (mapeamento), análise morfológica de superfícies de materiais sólidos e particulados, análise de superfície fraturada (análise de falhas), micro-análise qualitativa e quantitativa, determinação granulométrica e porcentagem de fase em microestruturas de materiais. A análise química em um microscópio eletrônico é baseada na medida das intensidades dos raios X característicos originados a partir de uma amostra bombardeada por um feixe de elétrons de alta energia, incidente na superfície da amostra. Ao mesmo tempo, parte do feixe eletrônico é refletido e coletado por um detector apropriado, convertendo este sinal em imagem, e desse modo, pode-se obter simultaneamente a análise química e a imagem em uma parte da amostra.
25 3.3 Programa AXIL A interpretação dos espectros de raios X foi feita utilizando-se o programa AXIL (Analysis of X-ray spectra by Interative Least squares fitting; ESPEN, 1977), integrante do pacote computacional QXAS (Quantitative X-ray Analysis System), desenvolvido na Universidade de Antuérpia, Bélgica. Os fatores de absorção dos raios X característicos pela matriz de interesse foram calculados utilizando-se uma sub-rotina do pacote QXAS, sendo necessário fornecer a composição química e a densidade superficial da matriz, a energia da radiação incidente (ou de excitação) e as energias dos raios X característicos dos elementos químicos presentes nessa matriz. 3.4 Equação dos parâmetros fundamentais Na µ-xrf é necessário o conhecimento básico da fluorescência de raios X por dispersão de energia. Na parte de análise quantitativa por XRF, é de fundamental importância o conhecimento e aplicação da equação básica dos parâmetros fundamentais. Quando se utiliza na excitação um feixe de radiação eletromagnética monoenergética, tem-se: I = c. S. A (4) onde I representa a intensidade líquida do raio X característico (cps), c a concentração (g cm -2 ), S a sensibilidade elementar (cps g -1 cm 2 ) e A o fator de absorção (adimensional) para o elemento de interesse ou analito.
26 A sensibilidade elementar S é dada pela equação: S ( 1 ). ε = τ. w. f. 1 G. (5) j onde t representa o coeficiente de absorção do elemento para o efeito fotoelétrico na energia da radiação incidente (cm 2 g -1 ), w o rendimento da fluorescência para raios X K (fração), f a fração dos fótons emitidos como raios X K α, 1-1/j a razão de jump no corte de absorção K, G o fator geométrico e e a eficiência do detector para o raio X característico emitido pelo analito. Por sua vez, o fator de absorção A é dado pela equação: 1 e A = χρ χρ0d 0 D (6) sendo r 0 a densidade (g cm -3 ) e D a espessura da matriz (cm), e c o coeficiente de absorção total da matriz (cm 2 g -1 ), dado pela equação: χ µ 0 = senθ 0 + µ senθ (7) onde m 0 e m são os coeficientes de absorção da matriz (cm 2 g -1 ) para as energias das radiações incidente e do raio X característico, respectivamente, e q 0 e q são os ângulos das radiações incidente e emergente, respectivamente, em relação à superfície da amostra. Multiplicando a equação 4 por r 0.D no numerador e no denominador, tem-se: ρ I = c. S. A ρ 0 0. D. D (8)
27 e realizando as seguintes considerações: C = c ρ 0. D (9) e A = A. ρ. D (10) ' 0 tem-se que C representa a concentração (fração) e c também, porém dimensional (g cm -2 ). Com isto, pode-se reescrever a equação 4 na forma: I = C. S. A' (11) sendo este novo fator de absorção A dimensional (g cm -2 ). Para amostras finas e espessas, duas situações experimentais extremas, a equação 11 pode ser simplificada para equações 12 e 13, respectivamente. Amostras finas A = 1 (12) Amostras espessas A = 1 χ. ρ D 0 (13) 3.5 Limite de detecção (LD) O limite de detecção (fração) para cada elemento de interesse foi calculado de acordo com a equação proposta por BERTIN (1975, p. 531): LD = 3 BG S t (14)
28 onde BG representa a intensidade (cps) do continuum sob o pico do analito, t o tempo (s) de excitação/detecção e S a sensibilidade elementar do analito (cps g -1 cm 2 ).
4 MATERIAIS E MÉTODOS 4.1 Amostras cerâmicas arqueológicas A confecção de cerâmica é muito antiga e surgiu ainda no período Neolítico, espalhando-se, aos poucos, pelas diversas regiões da Terra. Tradicionalmente, a produção da cerâmica, entre os povos indígenas que vivem no Brasil, é totalmente manual (sem a utilização do torno de oleiro). A argila, composta por sílica, alúmen (sulfato de alumínio e potássio dodecahidratado) e água, é a matéria-prima básica empregada na confecção da cerâmica. Certas substâncias, que recebem o nome de tempero, são adicionadas a ela, de forma a reduzir o grau de plasticidade provocado pelo excesso de alúmen. O tempero pode ser de origem mineral (como a areia), animal (conchas trituradas, por exemplo) ou vegetal (como cascas de árvores ricas em sílica, trituradas e queimadas). O tratamento dado à superfície das peças varia muito de povo para povo e de acordo com o uso que será dado a cada objeto. A superfície pode apresentar-se tosca, alisada, polida, decorada (com pinturas ou de outras maneiras) e até mesmo revestida por uma outra camada de argila
30 especialmente preparada para este fim, a que se dá o nome de engobo. Finalmente, a louça de barro, como é comumente conhecida, pode ser queimada ao ar livre (exposta ao oxigênio), ficando com uma coloração alaranjada ou avermelhada, ou pode ser queimada em fornos de barro, fechados, que não permitem o contato com o oxigênio, o que deixa uma coloração acinzentada ou negra. Desta forma são produzidos objetos utilitários (como potes, panelas, etc.), objetos votivos ou rituais, instrumentos musicais, cachimbos, objetos de adorno e outros. Entre as sociedades indígenas brasileiras, a cerâmica é geralmente confeccionada pelas mulheres. Atualmente, algumas já se utilizam de tintas e instrumentos industrializados para produzir sua cerâmica. Nem todos os povos indígenas produzem cerâmica e alguns, que tradicionalmente produziam, deixaram de fazê-lo, após o contato com não índios e com o passar do tempo. Destacam-se por sua cerâmica, os índios Kadiwéu e Terena (do Mato Grosso do Sul), Waurá (do Mato Grosso), Karajá (de Tocantins), Asurini e Parakanã (do Pará), Wai-Wai (do Pará, Roraima e Amapá), Marubo, Tukano, Maku e Baniwa (do Amazonas), Kaingang (de São Paulo), Tupi-guarani (do Paraná) e outros. As amostras utilizadas foram fragmentos de cerâmicas indígenas da região de Londrina, Norte do Paraná, e da região do Sul do Pará. As cerâmicas da região de Londrina pertencem ao acervo do Museu Histórico Padre Carlos Weiss, da Universidade Estadual de Londrina e provavelmente são da tradição Tupi-guarani, enquanto que as do Sul do Pará pertencem a duas tradições: Xikrin e Assuirini. A Tabela 1 mostra algumas características dos fragmentos estudados de acordo com CUNHA e SILVA (1997) e APPOLONI (2001), e a Figura 8 mostra a fotografia dos fragmentos cerâmicos arqueológicos.