A TRIBUTAÇÃO DO PROGRAMA DE COMPUTADOR PADRONIZADO 1 ANDRÉ DA SILVA ANDRINO DE OLIVEIRA 2



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Transcrição:

A TRIBUTAÇÃO DO PROGRAMA DE COMPUTADOR PADRONIZADO 1 ANDRÉ DA SILVA ANDRINO DE OLIVEIRA 2 1. Introdução No mundo moderno, conhecimento e informação são as duas principais fontes geradoras de riqueza. Nos dizeres de Nicholas Negroponte 1, a vida evoluiu dos átomos para os bits. A geração de riqueza não está mais baseada em bens materiais, mas em idéias que atravessam continentes em grande velocidade. O mercado da tecnologia da informação, segundo dados da Revista de Comércio Exterior, que inclui software e hardware, movimentou em 1997 cerca de U$ 790 bilhões 2. No Brasil, que é o maior mercado de tecnologia da informação da América Latina, somente o mercado de software já ultrapassa a barreira de U$ 1 bilhão por ano 3. Necessitando cada vez mais de recursos para desempenhar suas funções, Estados e Municípios perceberam a importância que o setor tecnológico pode exercer nas finanças públicas e têm demonstrado interesse em tributar as operações relativas a comercialização de programas de computador. A criação da norma tributária, entretanto, está presa a limites constitucionais que chegam ao casuísmo. Neste sentido, não basta aos Estados e Municípios perceberem a importância de um setor econômico para poderem tributá-lo, é preciso analisar a possibilidade de tributação diante das regras definidas pelo Sistema Tributário Nacional. Mais importante do que se aproveitar de uma grande fonte de riquezas é respeitar as garantias salvaguardadas pela Constituição e, por isso, de fundamental importância é a determinação do meio adequado para se tributar as negociações envolvendo os programas de computador. 1 Este artigo é parte integrante do livro: Direito, Sociedade e Informática: Limites e Perspectivas da vida digital, organizado pelo professor Doutor Aires José Rover, publicado em Florianópolis, pela Fundação Boiteux, em 2000. 2 Advogado formado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.

O intuito deste trabalho é esclarecer, à luz das normas tributárias estabelecidas pela Constituição Federal e das demais normas aplicáveis, que imposto incide sobre a negociação envolvendo o programa de computador padronizado, se o ICMS (da competência dos Estados), ou o ISS (da competência dos municípios). 2. Sistema Tributário e Constituição A tributação no Brasil é matéria constitucional, a essência do Sistema Tributário Nacional está enraizada na Constituição. A Constituição e a tributação tem, deste modo, uma íntima relação. Existem princípios, limitações e regras que decorrem desta relação que são decisivos em qualquer estudo sobre o direito tributário e que irão dar suporte a todas as conclusões deste trabalho. Uma das principais facetas da relação entre sistema tributário e Constituição está na discriminação das competências para tributar. A competência tributária no Brasil é um tema essencialmente constitucional. A cobrança do tributo sobre determinada situação somente é possibilitada quando esta já tiver sido descrita hipoteticamente por uma lei. A competência tributária é justamente a faculdade de editar esta lei, criando, in abstracto, o tributo 4. Esta delimitação de competências feita pela Constituição Federal, por vezes de forma minuciosa, deixa pouca liberdade para o legislador infra-constitucional, que deve limitar-se a repetir o texto da Carta Magna, sob pena de incorrer em invalidade da norma que criar. Em face da relação entre sistema tributário e Constituição, a legislação infraconstitucional deve respeitar, ainda, os princípios tributários constitucionais para que tenha validade. 3. O programa de computador padronizado Para podermos determinar com a devida acurácia a tributação do programa de computador padronizado, é essencial conhecermos o que é este programa e qual a sua natureza jurídica. O conceito de programa de computador não é (diferente de muitos outros encontrados no direito) um conceito muito polêmico. Entende-se, de modo geral, o programa

como um conjunto ordenado de instruções para a máquina, que faz com que ela execute determinadas tarefas para se chegar a um resultado qualquer desejado pelo usuário. No Brasil, a Lei 9.609/98 assim define o programa de computador: Art. 1 - Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados. Uma das principais classificações feitas em relação ao programa de computador é aquela que leva em conta o seu grau de padronização. Quanto a grau de padronização os programas podem ser: padronizados (standard, de prateleira, etc), sob encomenda ou padronizado adaptado. O programa é sob medida quando o cliente encomenda o desenvolvimento do mesmo para solucionar um problema específico seu e para atender a suas necessidades particulares. Por sua vez, o programa standard (objeto do nosso estudo) é aquele programa de computador previamente desenvolvido de modo padronizado, visando atender a necessidades genéricas de uma gama inexata de usuários potenciais, e o programa padronizado adaptado é aquele onde se transfere o programa padrão com obrigações específicas do vendedor de adaptá-lo às necessidades do cliente 5. 3.1. Regime Jurídico Quando não existia regulamentação legal determinando qual o regime jurídico aplicável à proteção do programa de computador, havia muitas discussões tentando acerca do tema. Hoje, a Lei 9.609/98, expressamente determinou que o regime aplicável é o conferido pela legislação dos direitos autorais e conexos vigentes no País às obras literárias, com ressalva para as peculiaridades constantes nesta mesma Lei. De fato, correta foi a opção da referida Lei, uma vez que dos regimes propostos, o dos direitos autorais é o que melhor se adapta às necessidades das atividades de criação de programas de computador. Além do mais, a criação de tais programas obedece aos requisitos desta espécie de proteção.

Embora, ainda existam algumas divergências quanto a questão do melhor regime de proteção para os direitos autorais, hoje, o direito autoral é o regime utilizado no país, ainda que por uma forçosa equiparação legal. 3.2. Conseqüências da aplicação do regime de proteção da Lei 9.609/98 Sendo protegido pelos direitos autorais, o programa de computador é considerado uma criação de espírito. Juridicamente ele é um bem imaterial resultante do trabalho criativo do programador. Um ponto importante da proteção do programa de computador pelo regime dos direitos autorais é que as idéias em si não são protegidas por este regime. Isto quer dizer que embora o programa de computador seja uma criação de espírito, um bem imaterial, ele somente passa a ser tutelado pelo direito após a sua fixação em um meio material. Mas, isto não faz dele um bem material, ele continua sendo um bem imaterial, embora precise estar colocado em um bem material para ser aproveitado. São conseqüências da utilização do regime dos direitos autorais: um prazo maior de proteção em relação aos demais sistemas, embora os programas de computador sejam protegidos durante menos tempo que as demais obras literárias e artísticas (por 50 anos protege-se o programa, enquanto as demais obras protege-se por 70 anos); o nascimento automático da proteção, que independente de qualquer formalidade, bastando a obra do espírito exteriorizada; e, por fim, a conferência dos direitos do autor para o criador do programa de computador, com ressalva para as peculiaridades que marcam a proteção do programa do computador, como no caso da diferença de prazo de proteção acima tratada. Além das conseqüências naturais da aplicação do regime dos direitos autorais acima apontadas, algumas outras decorrem da aplicação da Lei do Programa de Computador (9.609/98), entre elas destacaremos para este estudo a forma restrita de contratação entre o detentor dos direitos sobre o programa de computador e o usuário do programa. 4. A importância de determinar a forma de negociação Para podermos determinar corretamente o imposto que incide sobre a comercialização do programa de computador de prateleira, devemos necessariamente estabelecer a forma como ele é negociado.

O bem em si não importa para a tributação. Os impostos tem como hipótese de incidência a abstração de uma ação ou de um estado de fato, que expressem a sua capacidade contributiva, este princípio que rege o direito tributário pátrio há muito tempo e hoje está insculpido na Constituição Federal (artigo 145, 1 ). Na verdade, a hipótese de incidência é a descrição comportamento. Observe-se a situação aclarada pelas precisas palavras de Paulo de Barros Carvalho: Dessa abstração emerge o encontro de expressões genéricas designativas de comportamentos de pessoas, sejam aqueles que encerram um fazer, um dar ou, simplesmente um ser (estado). Teremos, por exemplo, vender mercadorias, industrializar produtos, ser proprietário de bem imóvel, auferir rendas, pavimentar ruas etc. Esse núcleo ao qual nos referimos, será formado, invariavelmente, por um verbo, seguido de seu complemento. Daí porque aludirmos a comportamento humano, tomada a expressão na plenitude de sua força significativa, equivale a dizer, abrangendo não só as atividades refletidas (verbos que exprimem ação) como aquelas espontâneas (verbos de estado: ser, estar, permanecer etc.). 6 Deste modo, o ICMS incide sobre o ato jurídico de pôr em circulação mercadoria, e o IPTU incide sobre a condição de proprietário de imóvel urbano (estado de fato), porque estes atos e condições demonstram que o contribuinte tem capacidade para arcar com os tributos são signos presuntivos de riqueza. Seguindo esta linha, o que importa para a tributação é como o bem é negociado. Esta forma de negociação é que vai determinar a incidência ou não de um imposto. Para exemplificar, podemos citar o exemplo da roupa. Ao seguir o entendimento de que o programa, por suas características, estaria sempre sujeito a um mesmo imposto, teríamos que assumir que isto ocorre com todos os bens. Porém, um terno encomendado num alfaiate não está sujeito a mesma tributação que um terno comprado numa loja. Na primeira hipótese, o negócio estará sujeito ao ISS e, no segundo, ao ICMS. A distinção está na espécie de obrigação determinante. Embora em ambos os casos existam obrigações de dar e de fazer, em um deles é mais essencial o fazer, enquanto no outro é mais essencial o dar. O terno encomendado valoriza o trabalho do alfaiate, enquanto o terno comprado valoriza o próprio bem. Dizer que não importa a forma como o programa é negociado é ignorar a própria essência da norma tributária. Os tributos não incidem sobre coisas, mas sobre ações ou estados de fato que expressem a capacidade contributiva do agente.

Sendo assim, de fundamental importância para determinar a tributação, analisaremos a forma de negociar o programa de computador padrão e, a partir daí, determinaremos qual o imposto incidente. A negociação do programa de computador padronizado é uma das especificidades da proteção pela Lei 9.609/98 em relação ao regime de proteção das obras literárias e artísticas. A Lei do Programa de Computador, no seu artigo 9, reputa o contrato de licença como próprio para ser realizado entre usuários e detentor dos direitos de exploração econômica (autor ou terceiro que tenha recebido cessão). Diante disto, diferentemente do que ocorre com outras obras, o programa de computador será utilizado pelos consumidores finais, sempre através de licença de uso. Observe-se o que expõe Maria Cecília Santos: A Lei dos Direitos Autorais brasileira determina que os direitos de autor podem ser transferidos mediante cessão, concessão, licença, ou qualquer outro meio admitido em direito (art.49). Por outro lado, a Lei do Software brasileira determina que o uso do software será realizado mediante contratos de licença, entendendo-se aí este uso como o do consumidor final, encontrando-se, portanto, em relação a este, no Brasil, a forma de contratação restrita (art.9 ) 7. A forma de contratação restrita imposta pela Lei 9.609/98, como meio de exercício dos direitos patrimoniais sobre a obra, marca de forma determinante a comercialização da obra. Trata-se de uma determinação estatutária, que vincula o exercício do direito patrimonial sobre programa de computador. Por esta imposição, o contrato utilizado para negociar o programa de computador padronizado será sempre o contrato de licença de uso, ainda que exista o compromisso de adaptar o programa às necessidades do licenciado. 5. Contrato de Licença de Uso Contratos informáticos são todos aqueles que tem por objeto bens ou serviços informáticos. Entre as espécies de contratos informáticos, temos os contratos de programa de computador. A legislação assegura como incentivo a criação intelectual, a proteção dos direitos autorais do programa de computador. Entre estes direitos está a exploração econômica da mesma. O exercício destes direitos, o beneficiamento econômico da obra depende sempre da

negociação do programa com um terceiro. Logo, os contratos de programa de computador são condicionados pelas características do bem que se contrata. A contratação estará sempre relacionada ao desenvolvimento do programa, às garantias oferecidas ao criador do programa, à defesa de seus direitos patrimoniais, e à liberdade de transferir os direitos de exploração econômica a terceiros. A principal característica do contrato de licença de uso é que ele autoriza o consumidor a utilizar o programa, sem contudo transferir a ele a propriedade sobre o programa. Outra característica da licença é que ela pode ser concedida pelo autor ou por terceiros para quem ele tenha transferido a titularidade dos direitos patrimoniais. Como já vimos, os direitos patrimoniais sobre a obra pertencem ao autor (artigo 22 da Lei 9.610/98), porém, dentro da sua liberdade de escolher como melhor lhe aprouver a exploração econômica da obra, o mesmo pode decidir por ceder a terceiros o seu direito patrimonial, ressalvadas as condições estabelecidas no artigo 49 da Lei dos Direitos Autorais. A licença pode ser temporária ou perpétua. Embora seja geralmente temporária, não é o tempo de duração da licença característica marcante do contrato de licença de uso, tampouco é vedada a sua concessão perpétua. O contrato pode ser celebrado diretamente entre o titular dos direitos autorais e o usuário, ou por intermédio de distribuidores, que atuam na colocação aos usuários 8. Em princípio, como em toda obrigação contratual que faz lei entre as partes, o licenciado fica adstrito a utilizar o programa nos termos que se encontram consignados no contrato. Existem, entretanto, dependendo do objeto da licença, algumas ressalvas a serem feitas. No que diz respeito aos programas padrão a situação muda um pouco. Geralmente, estes programas são comercializados através de contratos de adesão. Sendo assim, as cláusulas deste contrato ficam sujeitas a um severo controle de sua legalidade. Questões como a falta de conhecimento dos termos contratuais, a existência de cláusulas que suprimam garantias legais ou direitos dos consumidores podem ser invalidadas judicialmente. Os contratos de licença de uso de programa padrão, em função de sua característica de adesividade, estão sujeitos a amplas discussões sobre o conteúdo de suas cláusulas. Contudo, nem todas as cláusulas serão necessariamente invalidadas, tampouco o contrato será descaracterizado. Assim, cláusulas como o tipo de contrato (licença de uso), cláusulas que

garantem os direitos patrimoniais básicos do devedor (proibição de utilização em um número X de computadores) tendem a ser consideradas válidas, até por sua ligação com as normas cogentes. Observe-se o que destaca André Bertrand: Porém, serão geralmente consideradas válidas as cláusulas: - que definem o objeto da licença; - que proíbem a adaptação ou modificação do programa; - relativos a cópia de segurança e à utilização do programa em um terminal determinado; - que dizem respeito às modalidades de acompanhamento do programa 9. Não se discute que os contratos de adesão devem sujeitar-se ao controle de sua legalidade, e que este controle deva ser severo em razão das particularidades da forma de contratar. Porém, como se viu, mesmo que boa parte das estipulações venham a ser invalidadas, algumas delas permanecem sempre intactas, em especial, por óbvio, aquelas decorrentes de lei. Assim, embora possa ter cláusulas invalidadas, o contrato de comercialização do programa de computador de paquete será sempre o de licença de uso, em respeito ao comando legal, com todas as características que o mesmo possui. 6. A tributação do programa de computador padrão Quando da negociação do programa de computador padrão, temos um programa de computador previamente desenvolvido de modo padronizado, visando atender a necessidades genéricas de uma gama inexata de usuários potenciais. Não existem determinações específicas de alguém, o trabalho não é personalizado. Uma vez concluída a criação de espírito, o detentor dos direitos sobre ela, querendo usufruir diretamente dos benefícios econômicos a que tem direito, busca negociar o programa produzido com usuários. Esta relação entre o detentor dos direitos patrimoniais e os usuários deverá ser sempre feita através do contrato de licença de uso por imposição legal (artigo 9 da Lei 9.609/98). Observe-se que, diferentemente do que acontece muitas vezes quando lidamos com a legislação tributária, a Lei do Programa de Computador não entra em confronto com a Constituição Federal no que diz respeito à limitação das formas de contratar.

Diante das características da contratação da comercialização do programa de computador padrão expostas, fica afastada a possibilidade de tributação desta operação através do ISS. Inexiste, neste particular, uma obrigação de fazer relevante, sobre a qual possa incidir o ISS. Existe quem considera o programa de computador sempre sujeito ao ISS, uma vez que ele é a prestação de serviço necessária e imprescindível ao processamento e funcionamento do hardware 10. Discordamos de tal entendimento. Prestar serviço é atividade humana e não do programa de computador. Este é apenas um conjunto de instruções para a máquina que pode ter utilidade para o homem, mas, ele não presta serviço. Tampouco o fato do programa de computador ser uma obra intelectual, autoriza pensar que o mesmo deve ser tributado pelos municípios. Afirme-se novamente, as hipóteses de incidência dos impostos podem ser ações ou estados de fato, jamais coisas. Não há duvidas que a prestação de serviço de programação, no caso do programa criado sob encomenda, está sujeita ao ISS, o problema é que no caso do programa padrão não há prestação de serviços. O trabalho desenvolvido na elaboração do software não é fator decisivo na contratação do programa standard. A essencialidade da obrigação não está no fazer que se realizou anteriormente. Não estando configurada uma obrigação de fazer que seja a essência da contratação, não podemos falar de cobrança de ISS. Resta, então, a questão da possibilidade de tributação desta comercialização pelo ICMS. De forma sucinta, o que são operações de circulação de mercadorias? São operações que transferem a titularidade da mercadoria. São as operações que transferem a propriedade da mercadoria ou a posse, se o titular da posse não tem título de propriedade hábil, mas apenas a posse como ostentação de domínio. Como estas operações se referem a circulação de mercadorias e mercadorias são coisas móveis destinadas a mercancia, temos ainda que a operação deve ter caráter habitual, sendo realizada dentro da atividade profissional do sujeito e com intuito de lucro. O contrato de licença de uso tem como característica fundamental a manutenção da titularidade do bem imaterial com o licenciador. Não existe a necessária transferência de titularidade do bem para que possa incidir o ICMS.

Além disso, como acabamos de afirmar, mercadoria é coisa móvel destinada à mercancia e o programa de computador é um bem imaterial, uma criação de espírito. De fato, o artigo 3 da Lei 9.610/98 reputa os direitos autorais, para os efeitos legais, bens móveis, contudo este dispositivo não pode ser aplicado no campo do direito tributário. Isto ocorre por uma razão muito simples. A Constituição Federal faz uma rígida distribuição de competências tributárias que devem ser seguidas de modo fiel pelas pessoas políticas. Ela determina que o ICMS incide sobre operações de circulação de mercadorias, utilizando-se do conceito do direito privado. Caso fosse permitido ao legislador ordinário alterar os conceitos utilizados pela Constituição, a discriminação de competências seria inútil. Seria o mesmo que admitir que a lei dissesse que um carro, para os efeitos legais, é um bem imóvel, e isto autorizasse a cobrança de Imposto Territorial sobre o mesmo. Portanto, não implicando a licença de uso na transferência da titularidade e, não sendo o programa de computador uma mercadoria, não poderá ser tributada a sua comercialização através do ICMS. Neste sentido, a lição de Geraldo Ataliba: A simples cessão de uso do bem pode transferir-lhe a posse; não implica circulação, porém, porque a plena disponibilidade sobre o bem continua íntegra, intacta, perfeita, no titular da propriedade. Nesse caso, o bem não circula (além de persistir destituído da qualificação de mercadoria ). 11 6.1. A posição do Supremo Tribunal Federal O Supremo Tribunal Federal recentemente manifestou-se sobre a tributação do programa de computador padronizado. Nos últimos tempos, três acórdãos fizeram referência à matéria, sendo que as razões expostas no Recurso Extraordinário 176.626-3 da lavra do Ministro Sepúlveda Pertence (decisão unânime), trouxeram os fundamentos utilizados nos demais julgamentos que o sucederam (RE 199.464-9 e RE 251.257-5). No acórdão RE 176.626-3, confirmado pelos demais, a Turma decidiu unanimemente que sobre a comercialização do programa de computador padronizado incide ICMS. Embora entendendo que sobre a licença de uso (único contrato permitido para a comercialização do programa de computador padrão) não está sujeita a incidência de ICMS, entenderam os Ministros ser possível a tributação da circulação de cópias de exemplares do programa. O acórdão desenvolveu-se da seguinte maneira:

Ora, no caso, o que se pretende é a declaração de inexistência de relação jurídica de natureza tributária entre a autora e o Estado, relativamente às operações de licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador : trata-se, pois, de operações que têm como objeto um direito de uso, bem incorpóreo insuscetível de ser incluído no conceito de mercadoria e, conseqüentemente, de sofrer a incidência do ICMS. (...) Desta exclusão, entretanto, não resulta que de logo se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do mesmo tributo a circulação de cópias ou exemplares de programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo, isto é, do chamado software de prateleira. O acórdão se apóia na idéia da diferença entre o exemplar (bem material) e a obra literária (bem imaterial), julgando ser possível separar a comercialização de um da comercialização do outro. Entendeu a Turma da Egrégia Corte Suprema, baseando-se na lição doutrinária de Rui Saavedra, que existem dois contratos na comercialização do programa de computador: um de licença de uso, onde o detentor dos direitos patrimoniais sobre o programa autoriza o uso; e, um outro para fornecer as manifestações físicas do programa ao usuário, que poderá ser de: compra e venda, doação, comodato etc. É o que se retira do acórdão: O licenciamento não se confunde com as operações realizadas com o exemplar do programa. Neste sentido, observa o já citado Rui Saavedra que, verbis (op.cit, p. 79-80):...quando o software standard é licenciado a licença é uma permissão para fazer algo que de outro modo seria ilícito há, na verdade dois contratos: por um lado, um contrato para que sejam fornecidas manifestações físicas do software; e por outro, um contrato para a atribuição de uma licença de uso do software. O contrato pelo qual o cliente é investido na posse do software será um contrato de compra e venda ou de doação se a propriedade sobre os meios físicos for transmitida ao licenciado; se não houver essa transmissão, tratar-se-á de um contrato de locação ou, porventura, de comodato. Embora respeitemos a lição do doutrinador, discordamos de tal entendimento. Concordamos que, de fato, o exemplar é diferente da obra. A obra é uma criação de espírito, que deve ser fixada em um meio tangível para que possa ser apreciada ou utilizada pelo homem. A fixação da obra é característica essencial da proteção do programa de computador e, conseqüentemente, é essencial a sua existência para que o autor se beneficie dos direitos patrimoniais que dispõe sobre a obra. Só há direito patrimonial se houver fixação. A existência de uma licença de uso pressupõe uma fixação, pressupõe a existência de um exemplar, e, por isso, não se pode cogitar a separação da negociação do direito de uso do programa do computador, da transferência da posse do exemplar.

A transferência do exemplar fixado não é o objeto da contratação e esta apenas ocorre, porque sem a fixação no exemplar não é possível utilizar o programa. O exemplar somente é transferido para tornar possível a licença de uso. A transferência do exemplar não tem finalidade própria, ela é conseqüência do contrato de licença de uso. Entendemos, que existe, em verdade, um contrato de licença de uso, que para se efetivar demanda a realização de algumas atividades. Assim, a licença de uso é uma atividade fim e a entrega do exemplar do programa uma atividade meio. Para que a licença de uso possa efetivar-se é necessário que haja a fixação e a entrega do exemplar para o licenciado. Esta entrega é, portanto, uma atividade meio. O usuário não objetiva o recebimento do exemplar, mas sim o uso da obra. Este uso, por sua vez, só será efetivado com a entrega do exemplar. A razão de ser de todo o acordo envolvendo o programa de computador é a licença concedida pelo detentor dos direitos autorais ao usuário, sendo a entrega do programa mera etapa da cessão de direitos. Neste sentido, vem a lição do ilustre Doutor em Direito Tributário Roque Antonio Carraza: Ceder direitos pressupõe a realização de atividades acessórias (atividades-meio), como as de distribuição de filmes em suporte de videocassete, fitas, compact disks etc. Assim, estas não podem ser consideradas isoladamente, para efeito de cobrança de imposto. Constitui erronia jurídica pretender desmembrar as inúmeras atividadesmeio necessárias à cessão de direitos, como se fossem operações mercantis parciais, para fins de incidência de ICMS. Nenhuma destas atividades-meio pode ser considerada, em si mesma, operação mercantil, mas, apenas, condição à efetiva realização da cessão de direitos. 3 O usuário paga pelo uso da obra literária e não pelo suporte físico no qual ela vem fixada. O meio de fixação sem a obra possui custos insignificantes em comparação aos valores acertados na licença de uso, sendo que, nos dias atuais, a fixação pode se dar no computador do usuário, sem qualquer custo, via rede. Quando a lei vincula o uso da obra como objeto do contrato de licença de uso, ela está se referindo também ao exemplar. Não existem dois negócios jurídicos paralelos. Existe somente uma licença de uso que, para se operar, demanda a fixação da obra e a colocação deste exemplar fixado à disposição do usuário. 3 CARRAZA, Roque Antônio. ICMS. São Paulo: Malheiros, 1998. 4ª ed. Pg. 114.

Não é admissível pretender a incidência do ICMS em razão da existência de um suporte físico, se o negócio jurídico não é realizado tendo em mente o suporte, mas somente o aproveitamento do bem imaterial. Por fim, o acórdão do RE 176.626-3, destaca que a comercialização do programa de computador de prateleira é o conjunto formado por um contrato de licença de uso e um contrato de compra e venda, porque existe um comerciante que adquire exemplares de programas de computador para a revenda, a semelhança do que ocorre com o vendedor de livros ou de discos. São os termos do Acórdão: O comerciante que adquire exemplares para revenda, mantendo-os em estoque ou expondo-os em sua loja, não assume a condição de licenciado ou cessionário dos direitos de uso que, em conseqüência, não pode transferir ao comprador: sua posição, aí, é a mesma do vendedor de livros ou de discos, que não negocia com os direitos do autor, mas com o corpus mechanicum de obra intelectual que nele se materializa. Tampouco, a fortiori, a assume o consumidor final, se adquire um exemplar do programa para dar de presente a outra pessoa. E é sobre essa operação que cabe plausivelmente cogitar da incidência do imposto questionado. É bem verdade, que na comercialização do programa de computador padronizado costuma existir um intermediário, que aproxima o detentor dos direitos sobre o programa de computador do usuário final. Contudo, a existência de uma figura intermediária entre o licenciador e o licenciado não descaracteriza o contrato de licença de uso. Trata-se de um contrato que se aproxima do contrato de distribuição definido no Projeto de Código Civil de 1975 (artigos 719 a 730). Através deste contrato, existe a pessoa do intermediário que angaria negócios para detentor dos direitos sobre o programa. Para realizar esta atividade, o intermediário tem à sua disposição a coisa negociada, sem, contudo adquirir a sua propriedade. De fato, neste contrato o intermediário não assume a condição de licenciado para depois transferir esta condição a terceiros, até porque o licenciado não tem poderes para passar a licença adiante. Somente o licenciador pode conceder licenças. Porém, também, não é verdade que o distribuidor adquire os bens imateriais com os quais está lidando para depois revendê-los. O intermediário apenas tem a sua disposição o bem a ser negociado. Neste sentido, Deana Weikersheimer: Todavia, poderá existir um intermediário nesta relação, que é o distribuidor, imprescindível quando se tratar de software estrangeiro, devido a vedação legal existente impedindo o titular estrangeiro de comercializar o produto diretamente de seu país de origem.

Este distribuidor, pessoa jurídica, representará os interesses daquele titular dos direitos, inclusive para a conclusão das operações de licença de uso, em nome dele. Os softwares em seu poder não são de sua propriedade, portanto, não compõe em nenhum momento seu ativo fixo ou imobilizado. (...) Na verdade, conforme já esclarecido, os distribuidores de softwares são meros representantes dos seus titulares, com poderes para agir em seu nome, especificamente para a finalização dos contratos de licença de uso com o usuário final e manutenção do produto, durante o tempo de vigência do ajuste. 12 O único meio permitido em lei para comercializar o programa de computador (relação autor usuário) é o contrato de licença de uso e, a fixação em exemplar é apenas o meio de aperfeiçoar-se esta licença. Sendo esta uma imposição legal, não se pode nem cogitar que as empresas de software estejam tentando evadir-se do pagamento de tributos através do abuso das formas de direito. Por estes motivos, embora o STF tenha direcionado seus julgamentos no sentido de possibilitar a cobrança de ICMS sobre a comercialização do programa de computador padronizado, entendemos não estar tal comercialização no âmbito de incidência de tal imposto. Trata-se, portanto, de um caso onde a ação (licenciar o programa de computador) não pode ser encontrada entre aquelas destinadas as competências privativas dos Estados ou dos municípios. Não havendo também lei complementar conferindo à União competência residual, não há nenhuma pessoa política autorizada a instituir imposto sobre a comercialização do programa de computador padronizado. Conseqüentemente, ninguém está obrigado a pagar qualquer imposto referente a esta operação. 7. Conclusão No que diz respeito à negociação do programa de computador padronizado, entre licenciador e licenciado, a mesma deverá ser realizada sempre, por imposição legal, mediante o contrato de licença de uso. O contrato de licença de uso não envolve a prestação de serviço, o que impede a tributação pelo ISS. Por outro lado, não ocorre a transferência de titularidade do bem, tampouco é o programa de computador mercadoria, elementos fundamentais para a tributação pelo ICMS.

O STF demonstrou em algumas oportunidades (RE 176.626-3; RE 199.464-9; RE 251.257-5), que se posiciona favoravelmente a tributação de tal operação por meio do ICMS. Entende a Egrégia Corte, que existe na comercialização do programa de computador dois contratos: um de licença de uso, que não pode ser tributado; e outro de compra e venda do exemplar, sobre o qual incide a tributação. Discordamos, porque entendemos existir apenas o contrato de licença de uso (atividade fim), que necessita da entrega do exemplar para se concretizar (atividade meio). A entrega do exemplar não tem finalidade própria, sendo mero corolário da licença de uso. Também, não concordamos com o posicionamento do STF, quando o mesmo afirma, que por haver um intermediário fica configurada a existência de um contrato de compra e venda, sendo o intermediário um revendedor, a exemplo do que acontece com os livros e CDs. Existe sim um intermediário, que na sua tarefa de aproximar licenciador e licenciado, tem o programa de computador à sua disposição, mas não na sua propriedade. No nosso entender, portanto, os Estados e os Municípios não tem competência para instituir leis tributando a comercialização do programa de computador de prateleira, através do ICMS ou do ISS. A Constituição não proíbe a tributação do programa de computador no caso da licença de uso ou da cessão de direitos, mas, requer o cumprimento de algumas formalidades para que isto ocorra. Deve haver uma lei complementar da União instituindo imposto sobre estas situações. Tributar a comercialização do computador é algo que interessa ao Estado e subsidiariamente à sociedade. Porém, não corresponde aos interesses da sociedade a distorção de conceitos jurídicos, como forma de tentar contornar as barreiras Constitucionais a esta tributação. Entre os princípios constitucionais, podemos destacar neste momento a segurança jurídica. O que torna os ideais constitucionais (liberdade, democracia, justiça, etc) possíveis é a segurança de que a Constituição será respeitada, seja pelo criador do detentor dos direitos patrimoniais sobre o programa de computador, seja pelo Estado. Como bem alertou um dos maiores nomes da Suprema Corte Americana, o juiz Louis D. Brandelis: O crime é contagioso. Se o governo quebra a lei, o povo passa a menosprezar a lei.

Por isto, é importante o respeito às discriminações de competências, e que não seja admitida tributação da comercialização do programa de prateleira enquanto não for editada lei competente para tal. 8. Bibliografia ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. 2ª ed. ATALIBA, Geraldo & GIARDINO, Cleber. Núcleo da Definição Constitucional do ICM. Revista de Direito Tributário.Vol. 25-26. Pg. 102-119. BALEEIRO, Aliomar. ICM sobre a Importação de Bens de Capital para uso do Importador. Revista Forense. Vol. 250. BITTAR, Carlos Alberto. Os Contratos de Comercialização de Software. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.). Novos Contratos Empresariais. São Paulo: RT, 1990. CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 1993. 4ª ed. CARVALHO, Paulo de Barros. Hipótese de Incidência e Base de Cálculo do ICM. Revista de Direito Tributário. Vol. 5. pg. 83-100. GOMES, Orlando (et al.).a Proteção Jurídica do Software. Rio de Janeiro: Forense, 1985. JUSTEN FILHO, Marçal. O Imposto sobre Serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1985. Coleção Textos de Direito Tributário. Vol. 10. SANTOS, Maria Cecília de Andrade Santos. Contratos Informáticos: Breve Estudo. Revista dos Tribunais. Vol. 762. Abril 1999. Pgs. 32-66. 1 NEGROPONTE, Nicholas. A Vida Digital. São Paulo:Companhia das Letras, 1995.

2 REVISTA DE COMÉRCIO EXTERIOR. Software Criatividade brasileira gera divisas. [online] Disponível na internet via WWW1. URL: http://www1.bancobrasil.com.br/novidades/rev/rev24/setor.htm. Arquivo capturado em 05 de setembro de 1999. 3 Idem. 4 CARRAZA, Roque Antonio. Princípio Constitucionais Tributários e Competência Tributária. São Paulo: RT, 1986. Coleção Textos de Direito Tributário. Pg. 148. 5 CORREA, Carlos M. e outros. Apud SANTOS, Maria Cecília de Andrade. Contratos Informáticos Breve Estudo. Revista dos Tribunais. Vol. 762. Abril de 1999. 6 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1991. 5 ª ed. Pg. 167. 7 SANTOS, Maria Cecília de Andrade. Contratos Informáticos Breve Estudo. Revista dos Tribunais. Vol. 762. Abril de 1999. Pg. 56. 8 BITTAR, Carlos Alberto. Os Contratos de Comercialização de Sofware. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.). Novos Contratos Empresariais. São Paulo: RT, 1990. Pg. 40. 9 BERTRAND, André. A proteção jurídica dos programas de computador. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. Pg. 108. 10 MELARÉ, Márcia Regina Machado. Software X ICMS-ISS. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. Pg. 140. 11 ATALIBA, Geraldo. ICMS Não incidência na Ativação de Bens de Fabricação Própria. Revista de Direito Tributário. n 63. Pg. 199. 12 WEIKERSHEIMER, Deana. Comercialização de Software no Brasil: Uma questão legal a ser avaliada. Rio de Janeiro: Forense, 2000. 2ª ed. Pg. 36.