A idade do universo, a constante de Hubble e a expansão acelerada

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Transcrição:

A idade do universo, a constante de Hubble e a expansão acelerada Domingos S.L. Soares Departamento de Física, ICEx, UFMG C.P. 702 30123-970, Belo Horizonte 25 de junho de 2009 Resumo O conceito de um universo acelerado aparece quase que simultaneamente à determinação da constante de Hubble por um dos projetoschave do Telescópio Espacial Hubble. A conexão entre estes dois temas de investigação é feita, muito provavelmente, pelo chamado dilema da idade do universo. A idade do universo pode ser calculada de duas maneiras diferentes. Primeiramente, um limite inferior é dado pela idade dos objetos presumivelmente mais velhos da Via Láctea, e.g., os aglomerados globulares. As suas idades são calculadas com o auxílio de modelos de evolução estelar, as quais resultam em 14 Gano e uma incerteza de 10%. Estes números são bastante confiáveis pois os fundamentos da evolução estelar são suficientemente sólidos. Em segundo lugar, podemos ter uma idade cosmológica, baseada no Modelo Padrão da Cosmologia (MPC), desenvolvido a partir da Teoria da Relatividade Geral. Os três modelos clássicos da cosmologia relativista são dados pelas soluções das equações de campo de Einstein obtidas por Alexander Friedmann. Os modelos são caracterizados por uma expansão desacelerada a partir de uma singularidade inicial fixada no instante cósmico t = 0, e cuja grandeza é quantificada pelo parâmetro de densidade Ω, a razão atual entre a densidade de massa do universo e a densidade de massa crítica. O modelo de Friedmann crítico possui a densidade de massa crítica e, portanto, 1

possui Ω =1, o que implica numa geometria espacial plana ou euclidiana. O parâmetro de densidade do universo observado, hoje, é aproximadamente Ω = 0,01, o qual refere-se à matéria bariônica apenas, que é a matéria usual presente nas estrelas, planetas e seres humanos. Mas o parâmetro de densidade de massa total bariônica e não bariônica, visível e escura é Ω m = 0, 3, calculado a partir da dinâmica das estruturas em grande escala no universo. Os modelos de Friedmann não críticos são altamente instáveis no instante cosmológico t = 0, o que implica em que qualquer pequeníssimo desvio de um modelo crítico resulta, no tempo t = t (hoje), uma diferença imensamente grande no valor de Ω = 1. Como o valor atual é bastante próximo de 1, admite-se, então, como hipótese de trabalho, que o parâmetro de densidade do universo seja exatamente igual a 1. A discrepância existente com relação ao valor de Ω observado é considerado como evidência circunstancial da natureza incompleta e provisória da ciência. Eventualmente, serão encontradas as razões para a diferença. A idade cosmológica de referência é assim, naturalmente, dada pela idade do modelo crítico. E ela é igual a t = (2/3)H 1, onde H é a constante de Hubble hoje. De forma equivalente, esta idade pode ser escrita como t = 6,5 h 1 Gano (h é a constante de Hubble em unidades de 100 km s 1 Mpc 1 ). Antes dos anos 1990, h era um tanto incerta, com valores entre 0,5 e 1. O valor menor de h coloca a idade cosmológica de referência em uma concordância aceitável ainda que de forma marginal com a idade do universo obtida a partir da evolução estelar, qual seja, t = 13 Gano. Então, no início dos anos 1990, iniciaram-se dois projetos importantes em astronomia observacional. O Projeto Chave do Telescópio Espacial Hubble para Medir a Constante de Hubble (em inglês, Hubble Space Telescope Key Project to Measure the Hubble Constant) e os esforços em se utilizar as supernovas Ia (SNe Ia) como velas padrão para se medir a desaceleração da expansão cosmológica. Em 1995, Perlmutter et al. publicaram os seus resultados a respeito de uma supernova, com desvio para o vermelho z = 0, 458, e concluíram que a expansão do universo está, de fato, desacelerando naquela época cósmica. Poucos anos depois, Madore et al. (1998) publicaram os primeiros resultados do Projeto Chave do Telescópio Espacial Hubble: o valor de H está situado na faixa de 70 a 73 km s 1 Mpc 1. A idade cosmológica de referência situa-se agora numa faixa desconfortavelmente estreita, a saber, 8,9 9,3 Gano, que é inconsistente com o limite inferior dado pela idade da evolução estelar. Mas no ano seguinte, Perlmutter et al. publicaram novos resultados com 2

uma amostra ampliada de SNe Ia. Eles deduziram então que o universo está, atualmente, em uma fase de expansão acelerada. O modelo crítico de Friedmann, modificado para incluir uma constante cosmológica, responsável pela repulsão cósmica que resulta na expansão acelerada, implica na idade (ver de Souza, 2004, eq. 8.4 1, pág. 269): t = (2/3)H 1 Ω 1/2 Λ ln [ (1 Ω Λ ) 1/2 (1 + Ω 1/2 Λ ) ], que pode ser convenientemente aproximado por t = (2/3)H 1 (1 Ω Λ ) 0,3, onde Ω Λ é o parâmetro de densidade associado à constante cosmológica (veja a Figura 1). Com Ω m + Ω Λ = 1, e Ω m = 0, 3, obtém-se agora t = 12,8 13,3 Gano, de novo consistente com as idades estelares, dentro das incertezas existentes. Figura 1: A idade do universo num modelo de expansão acelerada em função de Ω Λ. Os círculos preenchidos representam a solução da equação de Friedmann, com constante cosmológica (eq. 8.4, ver de Souza, 2004, pág. 269), e a curva é uma aproximação à solução exata. O dilema da idade parece ter chegado ao fim. A solução do dilema foi fortalecida por dois melhoramentos adicionais. Freedman et al. (2001) publicaram os resultados finais do Projeto Chave do Telescópio Espacial Hubble 1 Note que o numerador do integrando, na eq. 8.4, deve ser corrigido para R 1/2 dr. 3

sobre o valor de H. Eles confirmam a faixa de valores anterior com H = 72 km s 1 Mpc 1, e com uma incerteza de 10%, como foi inicialmente almejado. Riess et al. (2004), utilizando uma amostra ainda mais ampliada de SNe Ia, a chamada Amostra Áurea, confirmaram o universo acelerado, acrescentando uma nova descoberta: ocorre a transição para a expansão acelerada, a partir de uma fase desacelerada, no desvio para o vermelho de 0, 46 ± 0, 13, o qual corresponde, em extraordinária precisão, ao resultado de 1995 obtido por Perlmutter e colaboradores, com uma única supernova. Um problema significativo do MPC está resolvido mas outros aparecem. A existência e a identificação observacional da energia escura é o maior deles. Energia escura um nome genérico para o que pode ser uma constante cosmológica ou outros candidatos constitui aproximadamente 70% do conteúdo de matéria e energia do universo e é responsável pela sua atual expansão acelerada (Figura 2). Figura 2: Universo acelerado: o diagrama mostra o fator de escala para o universo de Einstein-de Sitter (ou Friedmann crítico, curva contínua) e para um universo com uma fase acelerada em épocas cósmicas recentes (curva tracejada). A idade do universo em ambos os modelos está mostrada e corresponde ao fator de escala unitário. Note a mudança de concavidade da curva tracejada pouco antes do fator de escala igual a 1, o que indica que a expansão mudou de uma fase desacelerada para uma acelerada. 4

Para finalizar: Você acredita na expansão acelerada? Muitos acreditam. Alguns não. Entre estes está o físico teórico John Archibald Wheeler (1911-2008). E apresenta dois motivos (Taylor and Wheeler 2000, pág. G-11): (1) Porque o argumento da aceleração repousa sobre uma confiança exagerada de que as supernovas sejam velas padrão. (2) Porque este tipo de expansão, parece-me, estaria em contradição com uma visão da cosmologia muito simples para estar errada. O segundo motivo dado por Wheeler origina-se de seu modelo cosmológico preferido, qual seja, um modelo de Friedmann fechado (veja pág. G-1). E ele acrescenta, com otimismo, que tais conflitos entre teoria e experimento têm frequentemente deflagrado avanços decisivos em física. Podemos esperar que algum avanço decisivo esteja à vista. Referências Freedman, W.L. et al. (2001) Final Results from the Hubble Space Telescope Key Project to Measure the Hubble Constant, ApJ 553, 47 Madore, B.F. et al. (1998) A Cepheid distance to the Fornax cluster and the local expansion rate of the Universe, Nature 395, 47 Perlmutter, S. et al. (1995) A supernova at z=0.458 and implications for measuring the cosmological deceleration, ApJ 440, L41 Perlmutter, S. et al. (1999) Measurements of Ω and Λ from 42 high-redshfit supernovae, ApJ 517, 565 Riess, A.G. et al. (2004) Type Ia supernova discoveries at z>1 from the Hubble Space Telescope: evidence for past deceleration and constraints on dark energy evolution, ApJ 607, 665 de Souza, R.E. (2004), Introdução à Cosmologia, EDUSP, São Paulo Taylor, E.F., Wheeler, J.A. (2000), Exploring Black Holes, Introduction to General Relativity, Addison Wesley Longman, San Francisco 5