CIÊNCIA DO DIREITO E DIREITO POSITIVO, DOIS CORPOS DE UMA MESMA LINGUAGEM: A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM PARA O ESTUDO DO DIREITO Henrique Santos Raupp, henriqueraupp@gmail.com Prof. Vinicius Dalazoana Instituto Brasileiro de Estudos Tributários Faculdades Secal Resumo: Utilizando-se da metódica do Constructivismo Lógico-semântico escola teórica inaugurada pelo eminente Prof. Paulo de Barros Carvalho, pretende-se, com este trabalho, analisar a importância do conhecimento de categorias linguísticas e comunicacionais para o estudo do direito, divisando linguagem da Ciência do Direito e linguagem do Direito Positivo, ambas componentes de uma mesma linguagem jurídica. Palavras-chave: ciência do direito; direito positivo; constructivismo lógico-semântico; teoria geral do direito. INTRODUÇÃO Após a ocorrência da virada linguística (giro-linguístico) ocorrida em meados do século passado, nunca os estudos de categorias de linguagem foram tão importantes para a construção do conhecimento científico. Partindo-se de uma ótica de Teoria Geral do Direito, aportada às bases da escola do Constructivismo Lógico-semântico, do Prof. Paulo de Barros Carvalho, titular e emérito da Pontifícia Universidade Calórica de São Paulo e da Universidade de São Paulo, o presente trabalho se lançará em analisar não só as diferenças existentes entre a linguagem da Ciência do Direito e a linguagem do direito positivo, mas, também, a importância de confecção desta análise. São comuns as difusões de doutrinas ditas jurídicas, mas que, ao invés de se fincarem em categorias eminentemente jurídicas, bebem em outras fontes ao tentarem explicar este fenômeno. Como, também, são comuns, as confusões existentes entre categorias jurídicas próprias de Ciência do Direito daquelas atinentes ao direito positivado. Ocorre que estes não se confundem. A partir disto, demonstra-se imprescindível a diferenciação entre as diversas linguagens jurídicas existentes, sendo, também, extrema a importância desta diferenciação para a construção do conhecimento científico. OBJETIVOS - Analisar as diferenças existentes entre a linguagem da Ciência do Direito e a linguagem do direito positivo; - Analisar a importância do domínio de conhecimentos linguísticos para o estudo científico do direito; - Analisar a diferença existente entre a Ciência do Direito e as demais ciências.
MÉTODO E TÉCNICAS DE PESQUISA A metodologia utilizada neste trabalho foi a de realização de pesquisa eminentemente bibliográfica. RESULTADOS E DISCUSSÃO Como tomada de posição inicial, necessário é afirmar que, dentro da ótica que adotamos, o direito é linguagem 1 ; e se expressa por meio da comunicação. Deve ser, portanto, como tal estudado: como fenômeno comunicacional e linguístico. Afirmar que o direito é linguagem significa dizer que é criado por ela. Afinal, conforme mencionado pelo eminente Prof. Paulo de Barros Carvalho, não podemos cogitar da manifestação do direito sem uma linguagem, idiomática ou não, que lhe sirva de veículo de expressão 2. Ele se manifesta por intermédio dela; não se manifesta de outra maneira senão pela linguagem 3, por quem também é criado, encontrando-se alocado em um intenso processo comunicacional. Dito isto, a fim de evitar confusões terminológicas, importa-nos atinar a uma importante diferença, que é olvidada por muitos e que pode comprometer, sobremaneira, a execução e a veracidade de qualquer trabalho que se pretenda científico. Trata-se da diferença existente entre dois corpos de uma mesma linguagem: a Ciência do Direito e o direito positivo. Entretanto, em primeiro lugar, cabe-nos definir o que seja linguagem, de modo a revelar a distinção existente entre ambos os conceitos da palavra Direito. De acordo com as formulações da teoria estruturalista do linguista genebrino Ferdinand de Sausure, lançadas em seu Curso de Lingüística Geral, a linguagem poderia ser concebida como um sistema ordenado que permitiria a comunicação entre os seres; compondo-se da língua (langue), entendida em um viés estático sincrônico, como o conjunto de signos arbitrários adotados convencionalmente por certa comunidade, e da fala (parole), compreendida como a articulação dinâmica diacrônica da língua por determinado indivíduo (a língua em movimento) 4. Sendo assim, observa-se que Ciência do Direito, ou Dogmática Jurídica, e direito positivo, por permitirem, justamente, esta comunicação linguística e falada entre os seres, tratar-se-iam de dois níveis de uma mesma linguagem. Fala-se em dois níveis porque a primeira delas coloca-se acima da outra; e de uma mesma linguagem, porque ambas comporiam o conjunto da linguagem 1 ROBLES, Gregorio. Teoria del derecho: fundamentos de teoría comunicacional del derecho. v. I. Madrid: Civitas, 1998. p. 140. 2 CARVALHO, Paulo de Barros. Isenções tributárias do IPI, em face do princípio da não-cumulatividade. Revista Dialética de Direito Tributário. In Revista Dialética de Direito Tributário, nº. 33. São Paulo: Dialética, jun., 1998. p. 143. 3 RAUPP, Henrique Santos; VIONCEK, Emerson. O tributo Adicional ao FGTS da Lei Complementar nº 110/01 e suas várias inconstitucionalidades. In Revista Dialética de Direito Tributário, nº. 277. São Paulo: Dialética, ago., 2014. p. 58. 4 SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Trad. Antonio Chelini. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 19-23.
jurídica, embora não se confundam. Deste modo, estaríamos autorizados a falar em uma metalinguagem (linguagem que fala sobre) e em uma linguagem objeto (linguagem sobre que se fala) 5. Ambas jurídicas, porque atinentes ao mundo jurídico; mas, com funções e aspectos diferentes. À primeira Ciência do Direito, competiria descrever e ordenar a segunda direito positivo, sua linguagem objeto. Por conta disto, situa-se em um diferente nível, formando uma linguagem de sobrenível, com função metalinguística e descritiva (metalinguagem-descritiva, em relação ao direito positivo). À segunda direito positivo, a incumbência é prescritiva, de regular condutas sociais, estabelecendo-as como proibidas (V), obrigatórias (O) ou permitidas (P) 6. Encontra-se em um nível analiticamente inferior, sendo, portanto, linguagem objeto (em relação à Ciência do Direito) de função prescritiva. Entretanto, não podemos olvidar, tal como assevera Aurora Tomazini de Carvalho 7, exercer ela, também, importante função metalinguística, embora de ordem prescritiva. Agora, em relação à linguagem da realidade social, sua linguagem objeto e sobre a qual incide para prescrever; de modo que a Ciência do Direito, nesta análise, desempenharia função de meta-metalinguagem, incidindo para descrever esta relação. Além disto, distam, ainda, quanto ao grau de elaboração e à sua estrutura lógica 8. A linguagem Científica é elaborada em um grau mais apurado. Formalizada em linguagem precisa, sob a estrutura de uma Lógica Alética (Clássica, Apofântica, dos Predicados), busca evitar vaguezas e ambiguidades terminológicas e é ordenada pelo binômio valorativo verdade/falsidade, não admitindo contradição em seus termos. Se determinada premissa é valorada como verdadeira, outra que lhe seja contrária, necessariamente, deverá de ser falsa. É a Lógica dos Predicados (do modal ser ), seguindo uma causalidade natural, para a qual S é P em que S corresponde a sujeito e P a predicado, de modo que dado o atendimento da condição S, fica naturalmente implementada sua consequência P. Esta conduta encontra-se modalizada pelos modais aléticos N (necessário) e M (possível), em uma lei do terceiro excluído, de modo que S é necessariamente / possivelmente P. Esta, a estrutura das proposições jurídicas. Já a linguagem do direito positivo apresenta-se formalizada em linguagem técnica, ordenada pelo binômio valorativo validade/não-validade, sendo regida pela Lógica Deôntica (do modal dever-ser ), em uma relação hipotético-condicional de causalidade implicacional (normativa/jurídica) para a qual Se S, deve-ser P ; de modo que, dado o atendimento da condição S, deve-ser implementada a consequência P, que não é natural. Opera-se com três modalizadores de condutas (modais deônticos), em uma lei do quarto excluído: proibido (V), obrigatório (O), permitido (P), de modo que Se H, deve ser proibido / obrigatório / permitido C substituindo-se S por H (hipótese) e P por C (consequente). Esta linguagem admite contradições. Claro que estas contradições serão resolvidas 5 CARNAP, R. apud JAKOBSON, Roman. Lingûística e Comunicação. Trad. Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1974. p. 46. Para falar sobre qualquer linguagem-objeto, precisamos de uma metalinguagem. 6 RAUPP, Henrique Santos; VIONCEK, Emerson. op. cit.. p. 58. 7 CARVALHO, Aurora Tomazini De. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2013. p. 107-109. 8 ibidem. p. 112-114.
quando do momento da aplicação da norma jurídica ao caso concreto, pela utilização de alguma das técnicas de solução de antinomias. Agora, enquanto sistema linguístico, admite perfeitamente a coexistência de proposições de sentido contrário, que permanecerão, ambas, plenamente válidas. Esta a estrutura das normas jurídicas. Deste modo, pode-se observar somente importar à Ciência do Direito, em sua Lógica Apofântica, os elementos imbrincados em sua linguagem objeto, o direito positivo. Tudo que a este se apresentar alheio, estranho, também, o será para o universo da Ciência do Direito. Esta foi a tentativa de Hans Kelsen, ao elaborar uma teoria de purificação do Direito (da Ciência do Direito), distando-o dos demais ramos do saber em seu Teoria Pura do Direito. Tudo que se encontrar no campo de outras ciências, ou mesmo da Zetética Jurídica nomenclatura atribuída por Tércio Sampaio Ferraz 9 para designar as demais ciências (Sociologia, Filosofia e História do Direito, por ex.) que se propõem a analisar o mesmo fenômeno sob outras e questionadoras óticas, embora possa servir ao auxílio na confecção de alguns esclarecimentos marginais da formatação do discurso jurídico, na linha do Prof. Paulo de Barros Carvalho 10, não pode ser considerado Ciência do Direito, Dogmática Jurídica, hábil a fundamentar o seu peculiar modo de ser, peculiar do raciocínio jurídico, encontrando-se alheio à proposta de estudo do cientista do direito. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como visto, Ciência do Direito e direito positivo podem ser vistos como dois corpos de uma mesma linguagem, que distam em razão de sua função, nível, tipo, valores e estrutura. O direito positivo, corpo estratificado de linguagem prescritiva, visa regular as condutas sociais e assim o faz por intermédio das normas jurídicas. Deve ser, portanto, entendido como um conjunto destas normas; não as de ontem, nem as do amanhã, mas as de hoje, do momento em que se fala. Por conta disto é que, Paulo de Barros Carvalho menciona ser o direito positivo o conjunto de normas válidas de um dado sistema 11 ; e deve ser estudado como tal. Tarefa esta de estudo do direito positivo, que incumbe à Ciência Jurídica, do cientista jurídico. Esta Ciência, que o descreve, não cria, nas acepções de Tárek Moysés Moussalem, normas jurídicas, mas tão-só proposições normativas ou jurídicas 12. Limita-se, portanto, a formular proposições que se formalizem em uma linguagem precisa que inadmita contradições. É uma linguagem que fala sobre (e organiza) outra, a do direito positivado. 9 FERRAZ, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 1993. p. 44-51. 10 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013. p. 158. 11 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 1. 12 MOUSSALEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2011. p. 105-110.
De modo que se pode afirmar o direito como conjunto de normas jurídicas e a sua Ciência como um conjunto de proposições jurídicas; mas, ambas, componentes de uma mesma linguagem, a linguagem jurídica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARNAP, R. apud JAKOBSON, Roman. Lingûística e Comunicação. Trad. Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1974. CARVALHO, Aurora Tomazini De. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2013. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013.. Curso de Direito Tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva. 2013.. Isenções tributárias do IPI, em face do princípio da não-cumulatividade. Revista Dialética de Direito Tributário. In Revista Dialética de Direito Tributário, nº. 33. São Paulo: Dialética, jun., 1998. FERRAZ, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 1993. RAUPP, Henrique Santos; VIONCEK, Emerson. O tributo Adicional ao FGTS da Lei Complementar nº 110/01 e suas várias inconstitucionalidades. In Revista Dialética de Direito Tributário, nº. 277. São Paulo: Dialética, ago., 2014. ROBLES, Gregorio. Teoria del derecho: fundamentos de teoría comunicacional del derecho. v. I. Madrid: Civitas, 1998. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Trad. Antonio Chelini. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.